FUTEBOL COMO A CIÊNCIA EXPLICA A GERAÇÃO DE OURO prio um "produto" indissociável da A CIÊNCIA AO SERVIÇO génese da chamada "Geração de Ouro" do futebol português. DO DESPORTO 0s Prémios Ciências 0 ALUNO CONVIDA 0 PROFESSOR do Desporto, do Comité Decorridos 30 anos desde o título Olímpico de Portugal, visam mundial alcançado em Riade - assi- incentivar trabalhos de nala-se a 3 de março o triunfo sobre a investigação. Os vencedores Nigéria, na final -, um grupo de aca- da quarta edição já são démicos acaba de ser premiado por O futebol português nunca mais foi o conhecidos um estudo sociológico que se propôs mesmo. O título mundial de sub-20, identificar as razões para o êxito des- em 1989, na Arábia Saudita, a que se O reforço da atividade ta geração, liderada por um Carlos seguiu a revalidação em Lisboa, em desportiva enquanto objeto Queiroz que extravasou largamente as 1991, não só escancarou as portas dos de investigação científica é competèncias técnicas, ao dinamizar grandes clubes nacionais aos jovens o mote do Comité Olímpico "um conjunto de profundas reformas campeões como fez depois explodir, de Portugal para a atribuição qtie marcaram e perduram no futebol no plano internacional, o talento made dos Prémios Ciências do em Portugal". "Geração de Ouro" do in Portugal. Foi a "pedra de toque" que Desporto. Em cada uma das Futebo! Português. Contributos para catapultou os melhores para os princi- seis categorias a concurso, uma explicação do seu sucesso, assim pais emblemas da Europa e um deles, três nos anos pares e três se intitula o trabalho, valeu a Hugo Luís Figo, para o prémio individual nos anos ímpares, o trabalho Sarmento, da Universidade de Coim- mais prestigiado, a Bola de Ouro, pre- vencedor recebe cinco mil bra, e à sua equipa a distinção máxima, cisamente no ano em que protagonizou euros. Em 2018, além da na categoria História e Sociologia do a mais cara transferência realizada até distinção do estudo sobre os Desporto, nos Prémios Ciências do então (62 milhões de euros, do Bar- feitos da "Geração de Ouro" Desporto de 2018, atribuídos nesta celona para o Real Madrid, em 2000). do futebol português, foram quarta-feira, dia 20, pelo Comité Olím- Antes, já Paulo Sousa havia conquis- premiados trabalhos nas áreas pico de Portugal, no Centro Cultural tado a Liga dos Campeões em dupli- de Fisiologia e Biomecânica de Belém, em Lisboa. cado, primeiro ao serviço da Juventus do Desporto e de Economia, A abordagem científica assente e depois com a camisola do Borussia Direito e Gestão do Desporto. numa perspetiva holística, resumida Dortmund; Fernando Couto erguera a Na primeira, venceu um na famosa ideia de Aristóteles de que Taça das Taças no Barcelona (ao lado estudo sobre a influência dos "o todo é maior do que a soma das de Vítor Baía e do próprio Figo); e horários de treinos e jogos nos partes", levou os autores a analisarem Rui Costa tornara-se o "príncipe de padrões de sono em mulheres o contexto social, cultural e desportivo Florença", brilhando na Fiorentina futebolistas, liderado por em que se forjaram os 34 campeões para mais tarde se sagrar campeão Júlio Costa, da Universidade do do mundo de juniores. A origem dos europeu no AC Milan. O sucesso dos Porto; na segunda, a distinção feitos, situam-na algures no início futebolistas portugueses no estrangei- coube a um trabalho sobre dos anos 1980, quando Queiroz, en- ro deixava de ser esporádico, fruto de os fatores de motivação que tão aluno do ISKF (Instituto Superior geração espontânea como no tempo levam os clientes dos ginásios de Educação Física; hoje Faculdade de Rui Barros c Paulo Futre, para se a manterem a atividade física de Motricidade Humana, ou FMH), tornar uma consequência natural de ao longo do tempo, dirigido por "liderou um movimento no sentido um trabalho de base estruturado. Luís Cid, do Instituto Politécnico de se estabelecer um gabinete de fu- Com apenas três participações de Santarém. tebol". É o próprio treinador, um dos em fases finais até à década de 1990 39 envolvidos que foram entrevistados (Mundiais de 1966 e 1986 e Europeu pessoalmente pelos investigadores de 1984), a Seleção Nacional, por seu (incluindo 31jogadores), quem detalha lado, cimentou cada vez mais um essa primeira grande medida: "Como lugar entre a elite - não falha uma não se conseguiu arranjar um professor qualificação desde o Mundial de 1998. para a especialização de futebol, fui ao F. não foi preciso esperar muito para Instituto do Desporto pedir ao Jesual- também os treinadores começarem a do Ferreira para ser o nosso professor afirmar-se lá fora, ao mais alto nível, no ISER" sem dúvida impulsionados pelos re- Pouco depois, em 1982, este novo sultados de José Mourinho, ele pró- gabinete no ISEF lançaria, em sinto- nia com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), o primeiro curso de Queiroz visionário treinadores em Portugal. Na essência, a 0 selecionador, aqui com o proposta de treino saída da universida- trofeu de 1989, estava "20, 30 de rompia com a vigente ao privilegiar anos à frente de qualquer outro exercícios com bola e orientados para o treinador", segundo Jorge Costa jogo, em vez de separar a componente física (as famosas corridas na mata e na Bis em Lisboa Rui Costa, Peixe, nos sub-20. Graças à deteção precoce, praia ou a subida dos degraus das ban- Capucho e Toni surgiram na foi possível acumular muita experiên- cadas) da preparação técnica e tática. segunda "fornada". Só o último cia competitiva no estrangeiro, quer na "Fala-se da geração de talentos, mas não chegou à Seleção principal equipa de 1989 quer na de 1991. esquecemo-nos muitas vezes de falar Mais do que um conhecimento den- na geração de treinadores. Surgiu um tro de campo, os estágios e as viagens grupo de treinadores com muita qua- - naquela época os melhores jogadores proporcionaram tempo de convívio, lidade", salienta Mirandela da Costa, à de 14 e 15 anos ainda não estavam con- desde muito cedo. Num contexto pós- época o coordenador do gabinete c que centrados nos principais clubes, como -revolução de 1974, Queiroz obrigou os viria a assumir as rédeas da Direção- hoje acontece -, idealizou um torneio jogadores a aprender e a cantar o hino -Geral dos Desportos. nacional entre seleções regionais, que - "Ninguém sabia a letra" -, além de De acordo com o estudo, Queiroz, reuniria os jovens mais promissores se ter empenhado em acabar com um aproveitaria a relação próxima com de cada distrito. complexo de inferioridade enraizado, o dirigente para incentivar projetos Desta forma, tornou se bastante como revelou aos investigadores. "No que visavam a expansão da prática mais fácil filtrar os maiores talentos primeiro dia que passámos a fronteira do futebol entre os mais novos, a para integrar a seleção nacional de com essa geração, as palavras que eu partir das escolas, em nome de um sub-16, então a primeira da hierarquia. mais ouvia eram. Isto é tudo bestial!' plano mais ambicioso. Citando o "Temos de ir buscar à partida os mais Lá fora, era tudo bestial (os carros, as treinador: "Comecei a fazer crescer aptos, o mais cedo possível", defendia miúdas, etc.)! Foi necessário cortar o número de praticantes no futebol, Queiroz. Nelo Vingada, o seu braço- com esta mentalidade de que quando porque a base do futebol juvenil tinha -direito, destaca a importância desta passávamos a fronteira já estávamos a de crescer em duas componentes, ao iniciativa: "O recrutamento acabou perder 3-0. Adquiriram uma grande nível da elite e ao nível do conceito por se traduzir em algo muito sim- atitude competitiva, a agressividade, o americano from many comes eme ples. Essa foi a ideia 'Ovo de Colombo' não ter medo da bola. Chegaram a um " [de muitos surge um] do Queiroz." ponto que tinham um 'descaramento'! O mérito da estratégia é facilmente Ganharam um estatuto e uma persona- PROSPEÇÃO, UM "OVO demonstrado: 23 dos 34 campeões do lidade de tal maneira que às vezes até DE COLOMBO" mundo de sub-20 (68%) iniciaram o me atemorizava...", confessa. Carlos Queiroz chegou à FPF em mea- percurso internacional logo na equipa No trabalho de campo, os jogadores dos da década de 1980 e "revolucionou de sub-16. Rui Costa e Fernando Cou- também se renderam ao selecionador. o processo de identificação de talen- to, dois dos nomes mais sonantes, es- "O Queiroz em termos de visão e de tos", escrevem os autores. Em vez de tão entre os nove que apareceram nos metodologia de treino estava mui- andar de campo cm campo, de norte sub-18, enquanto Capucho e Nelson to à frente, uns 20, 30 anos à frente a sul, à procura de matéria-prima foram os únicos a estrearem-se apenas de qualquer outro treinador", afirma Jorge Costa, campeão em 91. Um exemplo era o recurso aos vídeos, nota Luís Miguel, outro jogador da Seleção, sobre uma ferramenta agora banali- zada: "Ele analisava os adversários e a própria equipa. O professor Queiroz já fazia isso há 30 anos. Naquela época, ninguém fazia esse tipo de trabalho." SER OU NÃO SER ELITE Além de Hugo Sarmento, investigador principal, este estudo sociológico é assinado por Maria T. Anguera (Uni- versidade de Barcelona), Antonino Pe- reira (Instituto Politécnico de Viseu) e Duarte Araújo (FMH). Com o objetivo de identificar os motivos que levaram 19 dos campeões do mundo até à Seleção principal (o designado Grupo Elite) e deixaram à porta os restantes 15 (Grupo Não-Elite), o quarteto analisou variáveis como as horas de prática da modalida- de, o percurso internacional, a influên- cia parental e o suporte do treinador. "Não existem diferenças estatisti- camente significativas quando com- parados os dois grupos" (a não ser a variável de suporte do treinador entre os 6 e os 12 anos), lê-se em conclusão, prevalecendo, assim, as explicações apontadas nas entrevistas, com o fator sorte em pano de fundo.
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