UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO FELLINIMAGINÁRIO por uma teoria imaginativa do cinema RENATO CUNHA Brasília/DF 2018 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO FELLINIMAGINÁRIO por uma teoria imaginativa do cinema RENATO CUNHA Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília/UnB, na linha de pesquisa Imagem, Som e Escrita, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Comunicação Orientadora: Profa. Dra. Tânia Siqueira Montoro Brasília/DF 2018 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO TESE DE DOUTORADO FELLINIMAGINÁRIO por uma teoria imaginativa do cinema RENATO CUNHA BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Tânia Siqueira Montoro Presidente (Faculdade de Comunicação/UnB) Profa. Dra. Susana Madeira Dobal Jordan Membro (Faculdade de Comunicação/UnB) Prof. Dr. Julio Ramón Cabrera Alvarez Membro (aposentado do Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Filosofia/UnB) (pesquisador associado do Programa de Pós-graduação em Bioética/UnB) Prof. Dr. Michael Moacir Peixoto Membro (Cinema e Mídias Digitais/IESB) Profa. Dra. Elizabeth de Andrade Lima Hazin Suplente (aposentada do Instituto de Letras, Departamento de Teoria Literária e Literaturas/UnB) a Noam e Ioná, fontes de imaginação. AGRADECIMENTOS a Tânia Montoro, pela orientação e confiança; a Julio Cabrera, pelos conceitos-imagem; a Veronica Innocenti, professora do Dipartimento delle Arti da Università di Bologna, pela acolhida; a Roy Menarini, professor do Dipartimento di Scienze per la Qualità della Vita da Università di Bologna, pelo contato com a Cineteca di Rimini; a Marco Leonetti, diretor da Cineteca di Rimini, pela disponibilidade; a Nicola Bassano, responsável pelo Archivio Federico Fellini da Cineteca di Rimini, pela paciente condução; a Serena Viola, pelo lar em Bologna; a Antonio Burdino, barbeiro de Fellini, pela mítica conversa durante o corte de barba e cabelo; à Fondazione Federico Fellini, pelo valioso material; e a Fellini, pelas mentiras. Sono un gran bugiardo. (Sou um grande mentiroso.) Federico Fellini RESUMO Por meio da identificação na cinematografia de Federico Fellini de quatro categorias estéti- cas não canônicas — o onírico, o mnêmico, o espetacular e o utópico —, aqui tratadas co- mo categorias estéticas imaginativas, esta tese propõe uma teoria felliniana imaginativa do cinema, que também se revela representativa para se pensar outras cinematografias. E isso se dá pelo desenvolvimento da ideia de imaginidades, ou ciências imaginativas, como o lugar de conhecimento das artes em geral, e pela percepção de que, no âmbito das imagini- dades, teoria e estética se complementam e se confundem, e pela proposição das bases do que se entende por teoria imaginativa do cinema, e pela demonstração de que tais categori- as estéticas imaginativas são compostas por conceitos visuais, ou mais especificamente por aquilo que o filósofo Julio Cabrera estruturou como conceitos-imagem. Palavras-chave: cinema, Fellini, estética, imaginação, sonho, memória, espetáculo, utopia. ABSTRACT Through the identification in Federico Fellini’s cinematography of four non-canonical aes- thetic categories — the oneiric, the mnemic, the spectacular and the utopic —, here under- stood as imaginative aesthetic categories, this thesis proposes an Fellini’s imaginative theo- ry of cinema, that also reveals itself representative to think about other cinematographies. And this is due to the development of the idea of imaginities, or imaginative sciences, as the place of knowledge of the arts in general, and to the perception that, in the framework of the imaginities, theory and aesthetics are complemented and confused, and to the propo- sition of the bases of what is meant by the imaginative theory of cinema, and to the demon- stration that such imaginative aesthetic categories are composed of visual concepts, or more specifically by what the philosopher Julio Cabrera structured like concept-images. Keywords: cinema, Fellini, aesthetic, imagination, dream, memory, spectacle, utopia. RIASSUNTO Attraverso l’identificazione nella cinematografia di Federico Fellini di quattro categorie estetiche non canoniche — l’onirico, il mnemonico, lo spettacolare e l’utopico —, qui trat- tate come categorie estetiche immaginative, questa tesi propone una teoria felliniana im- maginativa del cinema, che si dimostra anche rappresentativa per pensare ad altre cinema- tografie. E ciò si verifica per lo sviluppo dell’idea di immaginistica, o scienze immaginati- ve, come il luogo di conoscenza delle arti in generale, e per la percezione che, nell’ambito dell’immaginistica, teoria ed estetica si completano e si confondono, e per la proposizione delle basi di quello che si intende per teoria immaginativa del cinema, e per la dimostra- zione che tali categorie estetiche immaginative sono composte da concetti visivi, o più pre- cisamente da quello che il filosofo Julio Cabrera ha strutturato come concetti-immagine. Parole chiave: cinema, Fellini, estetica, immaginazione, sogno, memoria, spettacolo, utopia. SUMÁRIO RESUMO | ABSTRACT | RIASSUNTO 7 INTRODUÇÃO 9 PARTE I POR UMA TEORIA IMAGINATIVA DO CINEMA 1. A necessidade da teoria 18 2. A presença da estética 23 2.1. Formação da filosofia do belo 24 2.2. O passo da categoria estética 47 2.3. A imaginação como conhecimento 53 3. A práxis imaginativa 66 4. A condição estrutural e a ideológica das teorias clássicas do cinema 77 5. Fundamentos para uma nova teoria do cinema 87 5.1. A estética imaginativa 87 5.2. A teoria imaginativa do cinema 93 PARTE II TEORIA FELLINIANA IMAGINATIVA DO CINEMA 1. O que queria Federico Fellini 112 2. A formação da estética imaginativa felliniana 114 2.1. A ambição em Luzes do variedades 114 2.2. O fanatismo em O sheik branco 125 2.3. A imaturidade em Os boas-vidas 143 2.4. A solidão em A estrada 173 3. Os filmes-síntese das categorias estéticas imaginativas fellinianas 225 3.1. A doce vida e o espetacular 225 3.2. 8½ e o utópico 241 3.3. Giulietta dos espíritos e o onírico 252 3.4. Amarcord e o mnêmico 279 CONSIDERAÇÕES FINAIS: NO RASTRO DE UM FILME-CONCLUSÃO 291 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 299 REFERÊNCIAS FÍLMICAS 315 APÊNDICE BIBLIOGRÁFICO 318 INTRODUÇÃO Foi a própria cinematografia1 do italiano Federico Fellini (1920-1993) que o fez ir além do papel estrito de cineasta, provocando-o a redesenhá-la noutra linguagem. “Um filme não se pode descrever com palavras. Se falo dele, surge algo semelhante a uma mate- rialização que nada tem a ver com o filme. Se um filme nasce sobre imagens verbais, para o futuro espectador soará preconcebido, estranho a si mesmo” (1983: 139). Fellini disse isso em relação à “geração” de um filme, focando a autonomia imagética do que estaria por realizar. Falava da volatilidade do filme embrionário, em seu estágio de pré-produção e também nos seguintes, até tomar a forma de exibição. No entanto, quando já há essa forma, a fala sobre o filme, se não mera resenha, lhe confere a autonomia imaginativa, certa “ma- turidade”, não se atendo à ideia de filme propriamente dito, e sim a de cinema, instância maior. É sabido que Fellini nunca teve a intenção de teorizar sobre cinema, pelo menos quanto àquilo que a palavra “teoria” representa para o conhecimento sistemático, mas seus escritos esparsos, suas memórias, suas entrevistas apresentam conteúdo para a formulação de um pensamento estético que dialogue com aspectos de sua expressão fílmica. A própria citação do parágrafo anterior é uma espécie de teorização. Fellini teorizou o cinema como poética da revelação, da autorrevelação, assim como “o cinema é o esperanto da imagem”2 ou “o cinema é a música da luz”3 de Abel Gance, sem a marca da estrutura, ou da hipótese e suas decorrências, sendo antes contemplação, uma imaginação teórica do cinema. Partindo da proposição de conceito-imagem, elaborada pelo filósofo Julio Cabrera e iniciada em seu livro Cine: 100 años de filosofia,4 esta tese trabalha o que denominei teoria 1 O termo “cinematografia” aqui abarca seu amplo sentido, ou seja, refere-se tanto a linguagem cinematográ- fica quanto ao conjunto de filmes (filmografia) de um diretor. 2 “Le cinéma est une langue universelle, l’espéranto de l’image” (Gance, 1923/a: 474). “O cinema é uma língua universal; é o esperanto da imagem” [tradução minha do original em francês]. 3 “Le cinéma, c’est la musique de la lumière et je ne lui sais rien de comparable” (Gance, 1923/b: 11). “O cinema é a música da luz e eu não conheço nada que seja igual a ele” [tradução minha do original em fran- cês]. 4 Apesar de esse livro ter sido traduzido para o português em 2006, com o título O cinema pensa, utilizarei aqui, como suporte — conforme sugestão do próprio autor, que participou da banca de qualificação desta tese —, a nova edição espanhola ampliada, de 2015, sendo a primeira de 1999. Vale registrar que há também tradução para o italiano, de 2000, com o título Da Aristotele a Spielberg: capire la filosofia attraverso i film. 9 imaginativa do cinema, que foi desenvolvida com base na cinematografia de Fellini. Com isso, entendo que essa proposição de Cabrera — a do cinema que pensa por conceitos- imagem — permite o encaminhamento para uma percepção estética que ultrapassa a estéti- ca dedutiva, conformada da Antiguidade à modernidade, e alcança uma estética intuitiva, imaginativa, a qual se vale da emoção para formar suas categorias. Essa ideia se embasa antes no entendimento de que as expressões artísticas no âmbito da ciência se desvenci- lham do ramo que se costumou chamar humanidades (ciências humanas) para e se agrupa- rem no que chamei imaginidades (ciências imaginativas), calcado plenamente na imagina- ção, a mesma imaginação que, segundo Christoph Wulf, “concebe os mundos humano, social, cultural, simbólico e imaginário” (2015: 167). E, por essa perspectiva, fica mais nítido perceber que as humanidades se propõem a estudar a evolução desses mundos e as imaginidades as formas de concepção deles. As imaginidades seriam providas pela estética imaginativa, por suas ilimitadas ca- tegorias não canônicas, as quais são resultado da representação, e não da valoração.
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