43 Comunicação e Sociedade, vol. 20, 2011, pp. 43-59 Bem-vindos ao pod-drama-cast e a uma nova experiência de escuta: a comunidade virtual de The Archers Emma Rodero Antón* Resumo: As novas tecnologias e especialmente o podcast favorecem a recuperação do género mais criativo do meio radiofónico: o drama, que, por não estar sujeito à actu- alidade, se adapta aos novos modos de produção e recepção de conteúdos na Internet e através do podcast. Surgem, assim, na Internet diversas experiências que, tendo o drama radiofónico como protagonista, estão a contribuir para recuperar o género. Uma experiência significativa, que exemplifica como a rádio convencional se adapta às novas tecnologias, criando uma nova comunidade virtual de ouvintes, é a novela The Archers (BBC), com emissão regular desde 1951. As páginas seguintes compreendem um estudo sobre a adaptação tecnológica realizada por The Archers, analisando os principais recursos empregues, que permitem caracterizar esta nova comunidade virtual de ouvintes. Palavras-chave: drama radiofónico, novas tecnologias, podcast, comunidade virtual, The Archers. 1. Drama radiofónico, uma nova oportunidade tecnológica O drama é um dos géneros mais adequados para o meio rádio, uma vez que a sua essência combina todas as qualidades necessárias. É precisamente este género que ilus- tra mais claramente a característica mais importante da rádio: a capacidade de uma história narrada apenas através do som aumentar a imaginação. «Às vezes argumenta- -se que o estímulo para a imaginação, especialmente a imaginação visual, pertence à rádio, e se pensarmos em termos de “drama” isto é inquestionavelmente certo» (Lewis, 1981: 9). De facto, o tema está bem documentado em diversas áreas de pesquisa (Bolls, * Professora na Universidad Pompeu Fabra, Barcelona ([email protected]). comunicação e sociedade 20.indd 43 31-01-2012 16:09:22 44 Comunicação e Sociedade | Vol. 20 | 2011 2002; MacInnis & Price, 1987). A maioria destes estudos compara as características da rádio com outros média audiovisuais, em especial a televisão (Greenfield et al., 1986; Greenfield & Beagles-Roos, 1988; Beentjes e Valkenburg, 1997), mas há também estu- dos aplicados ao género drama em particular (Rodero, 2010; Rodero, 2010b). Com efeito, a transmissão de produções dramáticas através da rádio funcionou sempre muito bem com o público, porque as pessoas desejam que a rádio conte histórias que estimu- lem a sua imaginação. Durante muitos anos, o género drama ocupou uma posição privilegiada na progra- mação das estações de rádio. Com o tempo, no entanto, em muitos países, a produção de programas ditos dramáticos foi gradualmente decrescendo. Contudo, as novas tec- nologias podem constituir uma boa oportunidade para a rádio recuperar este género. Por isso, autores como Chignell (2009: 26) concluem que «desenvolvimentos recen- tes em ‘novos média’ (incluindo rádio e áudio) mostram que há um futuro para este género». A Internet, portanto, pode representar para este género uma oportunidade. 2. Internet e podcast, aliados no drama radiofónico A tecnologia digital de rádio está a submeter a rádio a uma transformação sem prece- dentes na sua história. Neste novo contexto, a rádio precisa de incorporar componentes expressivos que renovem o tratamento formal actualmente utilizado. Uma boa parte desta renovação pode ser alcançada através da recuperação do drama radiofónico, na forma de podcast. O formato podcast é uma das mais apropriadas formas de emissão de teatro radio- fónico, porque permite o acesso directo e imediato ao material gravado destinado a ouvir mais tarde, em escuta assíncrona. Ora, uma vez que o drama não está ancorado no aqui-e-agora, pode ser armazenado. Várias formas de audio-on-demand podem concorrer para este género ameaçado. Ao con- trário de outras produções radiofónicas, o teatro não beneficia necessariamente do directo. Se o tipo certo de material dramático pode ser produzido para a Internet ou o leitor de MP3, então isto pode mostrar um caminho a seguir. (Chignell, 2009: 30) Além disso, a possibilidade de fazer download e armazenar material num dispositivo de áudio garante um dos modos de escuta mais inerentes à rádio: “em movimento”. Graças a esta flexibilidade, o ouvinte pode tomar decisões não só sobre o conteúdo mas também sobre a maneira pela qual ele ouve – a qualquer hora, a qualquer momento. Estas características configuram um novo tipo de ouvinte activo que pode seleccionar conteúdos e também estabelecer padrões de lealdade por via da subscrição. Enquanto o ouvinte escolhe o conteúdo que deseja subscrever, o conteúdo chega por um ‘pushed mechanism’ e o utilizador decide em última instância quando é posto a tocar (‘pull’). Os podcasts são portanto definidos como conteúdo com o proveito fácil de empurrar o meio mas com todas as características de personalização dos pull media. (Berry, 2006: 156) comunicação e sociedade 20.indd 44 31-01-2012 16:09:22 Emma Rodero Antón | Bem-vindos ao pod-drama-cast e a uma nova experiência de escuta... 45 Para se referir a esta nova forma de comunicação, o apresentador da BBC Peter Day cunhou o termo ‘Radio-Me’ (Day, 2005). Na sua opinião, este novo ouvinte pode servir-se ele próprio de toda uma gama de ferramentas adicionais que proporcionam a interactividade no sentido em que Kiousis a define: (...) como o grau em que uma tecnologia de comunicação pode criar um ambiente mediado em que os participantes se podem comunicar (um-para-um, um-para-muitos e muitos-para- -muitos), de forma síncrona e assíncrona, e participar numa troca recíproca de mensagens (de terceira ordem de dependência). (Kiousis, 2002: 370) Embora a participação do ouvinte através do telefone tenha sido sempre fomentada na rádio, é agora, sem dúvida, que esta possibilidade de interacção está no seu melhor, quer em forma quer em eficácia. Isto é mais evidente no caso do drama radiofónico que, como formato fechado, oferece menos possibilidades de interacção na rádio tradicional, a menos que ocorra fora da emissão em si. «Para o trabalho cross-media entre a rádio e a Internet, o teatro parecia oferecer um forte potencial para uma maior interactividade e actividade na Internet» (Neumark, 2006: 213). Também significativo é o forte sentimento de identificação que os ouvintes criam com algumas histórias de ficção. A interactividade fornecida pelas novas tecnologias e a incorporação da linguagem multimédia podem reforçar o sentimento de pertença a uma comunidade virtual de ouvintes que compartilham a mesma imaginação relativamente a uma história de teatro radiofónico em particular. Por isso, autores como Neumark (2006: 216) referem o podcast como um gap medium que conecta os mundos real e virtual. Talvez por todas estas razões seja através do podcast que há actualmente provas do ressurgimento do género drama na rádio. É isto que confirmam referências que apare- cem nos média a este respeito, com significativos títulos como os que foram publicados pelo jornal The Guardian: “The podcast is the thing to revive radio drama”. Um caso claro de adaptação às exigências das novas tecnologias sem perder a essên- cia das TIC é a radionovela The Archers. Este é um exemplo claro de como a rádio convencional se adaptou aos tempos modernos, sendo complementada por podcasts assim criando uma nova comunidade de ouvintes. 3. The Archers e a adaptação às novas tecnologias Transmitida pela BBC Radio 4, The Archers é a mais antiga novela de rádio do mundo ainda no ar. A primeira transmissão foi em 1951, em pleno contexto de pós-guerra bri- tânico, tendo The Archers acabado de comemorar o seu 60.º aniversário. The Archers diz respeito a uma comunidade agrícola na região central de Inglaterra e desenrola-se na cidade fictícia de Ambridge. Esta produção foi criada com o objectivo de fornecer conselhos práticos para os agricultores de uma forma simples mas atractiva. Um dos aspectos mais significativos desta produção radiofónica é a extensão da sua evolução ao longo dos anos, adaptando os argumentos aos problemas de cada período, tal como a peste suína na década de 1970 e a doença das vacas loucas dos anos 1980 a 2000. comunicação e sociedade 20.indd 45 31-01-2012 16:09:23 46 Comunicação e Sociedade | Vol. 20 | 2011 Ao mesmo tempo, porém, como todas as ficções radiofónicas, The Archers fez uso dos seus próprios recursos dramáticos no seu formato e incorporou um largo número destes ele- mentos como acidentes, mortes, romance e divórcio. Desta forma, entrelaçam-se nos seus argumentos ambas as áreas: relações pessoais e profissionais, os meios doméstico e rural. Juntamente com a renovação temática, The Archers deu os primeiros passos para a adaptação tecnológica em 2002, quando o programa foi disponibilizado através da BBC Radio Player. Alguns anos depois, em 2007, a novela ofereceu o seu primeiro pod- cast, que incluía vários serviços adicionais, como uma sinopse de cada episódio (dispo- nível no site ou por e-mail). Esta inovação foi bem recebida pelos ouvintes. O jornal The Guardian relatou, em Outubro de 2007, que The Archers tinha registado um milhão de escutas online num mês, quase o dobro do número do seu mais próximo rival, Chris Moyles Show (Gibson, 2007). O novo formato levou a mudanças na duração dos episó- dios, que passou de trinta minutos para os actuais quinze minutos, indo assim mais ao encontro das necessidades de ouvintes cada vez mais ocupados. Desta forma, com a incorporação de novas tecnologias, The Archers adoptou um sistema de cooptação. Quer dizer, combina transmissões tradicionais com as emissões online e no formato podcast. Na sua forma tradicional, é transmitido diariamente, de domingo a sexta-feira às 19h00 (com repetição às 14h00 do dia seguinte, excepto aos sábados), e semanalmente como parte do “Omnibus” (edição de episódios de toda a semana) nas manhãs de domingo às 10 horas. A escolha dos tempos de emissão, como ocorre com todos os programas da Radio 4, é projectada para seguir o estilo de vida dos ouvintes e, neste caso, coincide com a hora de preparação do jantar dos ingleses.
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