Contextos E Cerâmicas Tardo-Antigas Do Fórum De Aeminium (Coimbra)

Contextos E Cerâmicas Tardo-Antigas Do Fórum De Aeminium (Coimbra)

Contextos e cerâmicas tardo-antigas do fórum de *Bolseiro de Doutora- mento da FCT. Centro de Estudos de Arqueo- logia, Artes e Ciên- Aeminium (Coimbra) cias do Património (CEAACP). **Bolseiro de Pós- Ricardo Costeira da Silva* -Doutoramento da FCT. Adolfo Fernández Fernández** Centro de Estudos Clás- sicos e Humanísticos da Pedro C. Carvalho*** Universidade de Coim- bra (CECH). ***Professor da Facul- dade de Letras da Universidade de Coim- bra. Investigador do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património (CEAACP). Resumo Em Coimbra os contextos tardo-antigos eram, até ao momento, pouco ou mesmo nada conhecidos. Contudo, face à importância da cidade antiga e ao que se conhecia para a vizinha Conimbriga, supunha-se que esta ausência poderia ser apenas aparente. Um estudo mais circunstanciado do que resultou das últimas intervenções arqueológicas realizadas no espaço do Museu Nacional de Machado de Castro, assim como o reexame de outras mais antigas (mediante a análise de um lote de materiais ainda não estudado), veio comprovar isso mesmo. Apresentam-se, assim, os dados dos ainda parcos contextos tardios identificados nesta notável área arqueológica, de onde provém um conjunto de espólio característico e que poderá fornecer as primeiras pistas acerca da ocupação e dinâmica comercial de Aeminium entre a segunda metade do século IV e os inícios do século VI. Abstract Until now very little or nothing was known about Late Antiquity contexts in the city of Coimbra. However, the importance of the old city and what is known about the neighboring Conimbriga led us to assume that this absence was merely apparent. This hypothesis was proved true, after a more detailed study of data from the last archaeological interventions at the Museum Machado de Cas- tro and the reexamination of unstudied lots of materials from earlier interventions at the same site. This text presents the data from the few Late Antiquity contexts identified in this remarkable archaeolog- ical area. The materials collected are characteristic from the second half of the 4th century and early 6th century AD and they provide the first clues about the commercial dynamics of Aeminium in that period. 1. Apresentação desde 1929 (a partir do momento da “desco- berta” do criptopórtico), tem permitido recons- O espaço ocupado pelo Museu Nacional de tituir a evolução orgânica deste conjunto edifi- Machado de Castro (MNMC) conta com um cado nos últimos dois milénios. Estas intervenções vasto historial de atividade arqueológica que, permitiram conhecer em pormenor um dos monu- 237 Revista Portuguesa de Arqueologia – volume 18 | 2015 | pp. 237–256 RPA_vol-18-2.7_posGrafica.indd 237 27-10-2015 10:49:19 Ricardo Costeira da Silva | Adolfo Fernández Fernández | Pedro C. Carvalho mentos de época romana mais emblemáticos da cas que agora, depois de uma análise circuns- cidade de Coimbra e do território português. tanciada, testemunham um tempo centrado entre As instalações deste museu assentam sobre o os finais dos séculos IV e os inícios do VI. Com- afamado criptopórtico dos fóruns da antiga prova-se, deste modo, a continuidade de ocupa- cidade romana de Aeminium. Os mais recentes ção deste local em período tardio e revela-se trabalhos arqueológicos permitiram concluir que um outro tempo que marcou a desativação do o edifício primitivo começou por ser construído fórum e acompanhará a sua ruína. Estes novos talvez por altura da mudança de era, tendo dados, ainda que não possibilitem um desenho sido posteriormente reformulado e significativa- mais detalhado desta outra fase que se estende mente ampliado em meados da primeira cen- pela Antiguidade Tardia, permitem revelar túria (Alarcão & alii, 2009). É sobre esta pla- melhor os traços quer do período tardo-antigo taforma artificial herdada do fórum romano de uma região ainda com escassos indicadores, que, nos finais do século XI, se edifica um tem- quer de uma cidade onde não se encontra um plo cristão e se inicia o processo que levaria, registo coevo, pelo menos publicado. já no século XII, à reconversão deste sítio como A quase ausência de materiais orientais tardo- paço episcopal, função que se manterá até ao -antigos (datados do século V e VI) em toda a advento da República e que motivará, durante região centro do país constituirá um dos traços quase um milénio, várias reformas e sucessivas que, antes de mais, devemos sublinhar. Até ao transformações de todo este espaço construído1. momento, neste horizonte cronológico, destaca- No entanto, ao contrário destes dois momen- -se Conimbriga: com quatro ponderais bizan- tos, pouco, ou mesmo nada, restou, ao nível tinos (Alarcão, 1994, p. 47 e n.º 415.16–19), do registo estratigráfico e arquitetónico, do cerca de uma centena de fragmentos de sigi- período que medeia entre a sua fundação na llata focense (Delgado, 1975, pp. 285–291) e Época Romana e o século XI. Com efeito, os fragmentos de ânforas orientais tardias (Fouilles vestígios que documentam a fase propriamente VI, Pl. XIX, n.º 65 e Pl. XXII, n.º 52), que docu- dita de ocupação do complexo forense são mentam, também por esta via, a sua ocupação escassos, ao passo que os seus níveis de des- continuada (e os contactos também com o mundo truição e abandono se revelaram apenas muito do Mediterrâneo oriental) durante o período pontualmente. Por sua vez, os séculos que ime- centrado nos séculos V e VI (para uma resenha diatamente se seguiram à ocupação romana da Conimbriga deste período e das questões em teimaram em não se mostrar nas sequências aberto, cf. Alarcão, 2004). A relevância deste 1 Prevê-se, em 2015, estratigráficas registadas (Carvalho, 1998). conjunto de materiais de Conimbriga (o qual se a apresentação da Porém, não era de todo credível que este lugar, pode tornar ainda mais expressivo face a estu- tese de doutoramento 2 em Arqueologia de situado no centro da colina da cidade antiga, dos em curso ) sustenta uma vez mais a sua sin- um dos autores (RCS), se tenha tornado subitamente ermo após tão gularidade, perante a ausência de um acervo intitulada “O Museu marcante presença. semelhante em toda uma região que se estende Nacional de Machado de Castro - um ensaio O estudo das diversas ocupações do espaço quase entre o Tejo e o Douro (cf. Fabião, 2009, de arqueologia urbana do fórum de Aeminium deparou-se com um con- nomeadamente as figs. 4–6). em Coimbra: do fórum junto específico de problemáticas de certo modo Todavia, esta reiterada ausência nos contextos augustano ao paço episcopal de Afonso transversais à arqueologia urbana e, sobretudo, escavados de cerâmicas finas e ânforas orien- de Castelo Branco”, a certo tipo de sítios com uma tão lata diacro- tais tardias poderá antes resultar, muito pro- que abordará em nia de ocupação. Ao longo dos últimos dois milé- vavelmente, tanto da sua não publicação como pormenor esta temática. nios verificou-se que, neste caso em particular, os da sua não identificação ou classificação como diversos níveis de ocupação, abandono ou des- tal. Com efeito, noutras regiões, tanto em para- 2 Para além de truição foram sendo sucessivamente limpos, apa- gens mais meridionais como no noroeste penin- uma extensa tese sobre as ânforas de gados ou então reintegrados em novas constru- sular, os artigos importados desde o Medi- Conimbriga, encontra- ções por vezes muito posteriores. Contudo, ape- terrâneo oriental continuam a observar-se no -se a ser desenvolvido sar de frequentemente ténues e desconexos, registo arqueológico do século V e da primeira um novo estudo monográfico sobre durante as intervenções que aqui decorreram metade do século VI. Serão mesmo reveladores as ânforas tardias — desde a década de 90 do século XX até ao de um padrão de comercialização que atesta importadas, o qual recente processo de obra do MNMC — foi pos- uma continuidade das importações e, assim, aportará muito mais informações sobre sível ir descortinando e juntando todo um con- uma certa manutenção dos circuitos de distri- este tipo de materiais junto de materiais e de sequências estratigráfi- buição. As cerâmicas orientais (como as ânforas na cidade. Revista Portuguesa de Arqueologia – volume 18 | 2015 | pp. 237–256 238 RPA_vol-18-2.7_posGrafica.indd 238 27-10-2015 10:49:19 Contextos e cerâmicas tardo-antigas do fórum de Aeminium (Coimbra) Fig. 1 – Localização ou as sigillatas focences e cipriotas) encontram- começar pelos centros urbanos, outros indica- dos contextos tardo- -se largamente documentadas em importantes dores parecem revelar que o registo arqueoló- antigos do MNMC: A – Fontanário romano; sítios do litoral atlântico (particularmente as gico nas regiões mais interiores e setentrionais B – Sondagem na cidades costeiras) mas também em alguns luga- se caracterizará efetivamente pela raridade igreja românica de res (villae) do interior rural meridional (Fabião, deste tipo de material importado, dando assim S. João. 2009). Estes materiais, tal como aqueles prove- corpo a um cenário macro-regional composto nientes do norte de África (ânforas, sigillatas e por paisagens urbanas e rurais (e sociais) cla- lucernas), continuariam a chegar durante pelo ramente diferenciadas para este período cen- menos a primeira metade do século VI, sendo trado nos séculos V–VI (Carvalho, no prelo). redistribuídos, através dos rios navegáveis, para outros pontos um pouco mais interiores. Nessas outras paragens do ocidente peninsular 2. Os contextos tardios os fluxos comerciais com o mundo do Mediterrâ- neo oriental mantém-se. Contudo, importa res- Em toda a extensa área do espaço hoje ocu- salvar que se este pode ser o cenário traçado pado pelo MNMC apenas se identificaram nas para vários sítios mais chegados ao litoral, a recentes escavações dois contextos de cronologia 239 Revista Portuguesa de Arqueologia – volume 18 | 2015 | pp. 237–256 RPA_vol-18-2.7_posGrafica.indd 239 27-10-2015 10:49:20 Ricardo Costeira da Silva | Adolfo Fernández Fernández | Pedro C.

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