vasta e Pixinguinha nasceu no dia de São Jorge, o portas do bar seu jeito simples, sua cara boa, sua santo do povo. Morreu figura notável. Veio a segunda-feira, mas Pixin­ quando este povo se "'l"'l"""'-feirn, !6 ddevo<eiro de guinha não veio. preparava para a grande N 1973, o velho Pixinguinha cumpriu seu antigo ri­ A Casa Gouveia costuma fechar suas portas nos festa: o carnaval. tual de quase 20 anos: conduzido pelo motorista fins de semana, razão pela qual Pixinguinha não Deixou, com sua morte, o Everaldino da Silva, deixou a tranqüilidade de sua foi à Cidade no dia seguinte àquela sexta-feira. Fi­ inconformismo entre casa de subúrbio e dirigiu-se à Travessa do Ouvi­ cou em casa e recebeu amigos, como o pesquisa­ seus admiradores, além dor, no Centro, onde se erguia a Casa Gouveia, re­ dor e seu parceiro Hcrmínio Belo de Carvalho e o da herança inestimável: duto de boêmios encravado numa região do Rio de fotógrafo Walter Firmo, que ainda guarda recor­ uma obra pontiihada Janeiro freqüentada, predominantemente, por ho­ dações daquele dia: de genialidade. mens de negócios. -Eu, o Hermínio e o Eduardo Marques íamos sair na Banda de lpanema, mas antes o Hcrmínio Eram I O da manhã quando o artista entrou no me convidou a ir até a casa do Pixinguinha, no bar, sentou-se junto à sua mesa cativa- homena­ Conjunto dos Artistas, na Pavuna. Havia uns dois gem da casa aos seus lO anos de ininterrupta fideli­ anos que eu não o via. Chegamos lá e fomos muito dade- e pediu água mineral, inocente substituta bem-recebidos, mas o Pixinguinha me pareceu das generosas doses de uísque de anos atrás, aban­ uma pessoa entristecida, solitária, doída. Não era donadas por imposição dos médicos. Os amigos o homem que eu vira dois anos atrás. Eu acho que foram se acercando. Como sempre, os garçons ele andava saudoso da mulher, morta meses antes. Rui e Matateu se mostraram extremamente aten­ Conversamos sobre vários assuntos, inclusive ciosos. E, também como sempre, se conversou música, naturalmente. Pixinguinhaqueixou-sede muito naquela sexta-feira na Casa Gouveia. não poder mais tocar sax, que o médico o proibira, Às duas da tarde, Pixinguinha foi para casa, le­ mas garantiu que ia ''dar um drible nele''. Depois vado pelo motorista Everaldino, deixando entre de uns 20 minutos, fomos embora. Do carro, os amigos a certeza de queuasegunda-feira se­ ainda vi o Pixinguinha na janela e ele me pareceu guinte estaria novamente fazendo entrar pelas uma pessoa ainda mais entristecida. Aí eu lamen- tei não estar com a máquina fotográfica. Aquele búlicas cavadas nos terrenos baldios da redon­ havia aprendido, com relativa facilidade, os ensi­ momento tinha que ser eternizado. deza. namentos de teoria que César Borges Leitão, cole­ Tinha. Seu pai, Alfredo da Rocha Vianna, conciliava ga de trabalho de seu pai nos Telégrafos e vizinho suas atividades de funcionário do Departamento da família, lhe ministrava com o auxílio de um an­ Samba e lágrimas Geral dos Telégrafos com a de flautista amador, e tigo método de Francisco Manuel da Silva. Já em À tarde, Pixinguinha vestiu-se como manda o não raro reunia amigos músicos em sua casa para perfeitas condições de ler uma pauta musical, figurino: terno de tropical marrom, sapatos no­ animadas serestas. A um canto, o menino Pixin­ passou a estudar com o pai o instrumento em que vos. Depois, saiu com o filho adotivo Alfredo guinha- ou Pizindin ("menino bom", no dialeto se tornaria o grande mestre: a flauta. para a Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, africano de sua avó) escutava as valsas, polcas e A mudança da família Vianna para a Rua Vista onde seria realizado o batizado do pequeno Oscar lundus da moda, interrompendo a audição apenas Alegre, no Catumbi, propiciou ao músico ini­ Rodrigo, filho de seu amigo Euclides Souza Li­ quando vinha a irrecusável advertência: ''Está na ciante travar conhecimento com o professor Irineu ma, que o convidara para padrinho. hora de criança dormir''. de Almeida, um dos assíduos freqüentadores - ao A cerimônia estava marcada para as 16 horas, Com o tempo, as atividades de infância pas­ lado de Sinhô, Bonfíglio de Oliveira e outros- da mas os dois chegaram .à igreja com uma hora de saram a ser divididas entre o colégio, os papagaios casa que por suas dimensões e pelo fato de abrigar antecedência. Ainda houve tempo para Pixingui­ e os sopros numa pequena flauta de folha, na qual tanta gente ficou conhecida como ''Pensão nha providenciar um meigo presente para o afilha­ o pequeno herói procurava imitar os sons extraí• Vianna''. do - uma pauta com as primeiras frases do choro dos pelo pai na flauta de verdade. O interesse pela Irineu, diante dos evidentes progressos do me­ Carinhoso, acompanhada da seguinte dedicató• música era tanto, que aos 12 anos Pixinguinhajá nino Pixinguinha no trato com o instrumento, re­ ria: "Ao meu querido afilhadinho Rodrigo, com solveu levá-lo para a orquestra do Grupo Carna­ todo carinho do seu padrinho Pixinguinha''. Com João da Baiana valesco Filhas da Jardineira. Era 1911, um ano Esta terá sido, certamente, sua derradeira mani­ e Donga: o mestre soube, muitO' importante na carreira do artista que come­ festação de ternura. como ninguém, cultivar çava a nascer. Sua estréia no Filhas da Jardineira, Ao sabor de chope gelado, a Banda de lpanema o saudável hábito durante uma batalha de confete na Avenida Cen- começava a se agitar na Praça General Osório, vi­ de conquistar zinha à Praça Nossa Senhora da Paz, para o desfile sólidas amizades. AbrilPress pelas ruas de lpanema. Entre os foliões, Herrnínio Belo de Carvalho e W alter Firmo, contagiados pela alegria irreverente da Banda que, dentro de alguns minutos, iria congestionar o trânsito da Rua Prudente de Morais. Na outra praça, Pixinguinha sofria os horrores do verão carioca e queixava-se do atraso do bati­ zado. Com as mãos hesitantes, assinou um livro que o padre W aldenack lhe estendeu e confiden­ ciou ao filho que sentia "umas dores esquisitas" na barriga. Afrouxou o cinto da calça e foi convi­ dado a esperar na sacristia, onde havia refri­ geração. Os ônibus e automóveis se viram obrigados a ce­ der espaço para a euforia dos integrantes da Banda de lpanema na Rua Prudente de Morais. Mora­ dores dos prédios vizinhos acorreram às janelas, para verem a banda passar, enquanto vozes desen­ contradas entoavam frenéticos sambas do carna­ val que estava para chegar. Na Igreja Nossa Senhora da Paz, Pixinguinhajá percebia que o mal-estar não era mera conseqüên• cia de um distúrbio intestinal, como se chegou a supor. Sentiu dificuldades de respirar. O corpo fraquejou. Caiu. A chuva que desabou sobre a Zona Sul carioca não foi suficientemente forte para conter a anima­ ção da Banda, que se aproximava da Praça Nossa Senhora da Paz. A euforia só terminou mesmo quando começou a se espalhar a dramática notícia: Pixinguinha, o grande herói da música brasileira, acabara de morrer. A multidão tentou invadir a igreja, mas foi impe­ dida pela polícia. lnconformada, dispersou-se e tomou o rumo que era de se esperar: o bar. Velha companheira A música, que naquela chuvosa tarde de feverei­ ro chegou atrasada aos seus ouvidos, sempre fez parte do cotidiano de Pixinguinha. Desde os tem­ pos de menino, quando empinava papagaios nos céus do subúrbio carioca de Piedade e fazia mira para projetar bolinhas de gude adversárias nas Quando Pixinguinha se apresentaua no algunsfreqüentadores não se importavam com 0 filme que a casa exibia, mas com 0 rOf10Y'fn1c1n Entre eles, Rui Barbosa e o zn,?Sú'Uf'CZI'é trai- atual Rio Branco- foi umêxitoe lhe valeu, no ti lo, o "fedelho" foi ganhando a simpatia dos Pixinguinha que organizasse uma pequena or­ ano seguinte, o convite para assumir a direção de companheiros e o Antônio Maria teve de procurar questra utilizando integrantes do Caxangá. Pixin­ Harmonia de outro importante bloco carnavalesco outro emprego. guinha escolheu sete deles: José Alves (bando­ -o Paladinos Japoneses. Foi ainda em 1911, aos Por volta de 1917, quando perdeu o pai, Pixingui­ lim), Raul Palmieri (violão), Jacob Palmieri (pan­ 14 anos de idade, que Pixinguinha compôs sua nha apresentava-se em teatro, participava de gra­ deiro), Nelson dos Santos Alves (cavaquinho), primeira melodia, o choro Lata de Leite- referên­ vações e ainda integrava as orquestras que execu­ Donga (violão), Luis de Oliveira (bandolim c re­ cia às pouco elogiáveis brincadeiras de surrupiar tavam temas musicais nas salas de projeção dos ci­ co-reco) e Otávio Viana, o China, (piano, violão e leite das portas vizinhas -e teve sua estréia em nemas. Mas, quandochegavaocamaval, abando­ canto). disco, gravando Sâo J oâo Debaixo Dágua e Salve nava todas estas atividades para se dedicar ao Gru­ Desafiando os implacáveis preconceitos da (A Princesa de Cristal), ambas de lrineu de Al­ po do Caxangá, bloco carnavalesco criado por época. o grupo estreou no dia 7 de abril de 1919- meida, com o Conjunto Choro Carioca. João Pernambuco (João Teixeira Guimarães), e com seus maxixes, lundus, corta-jacas, batuque, Entre os seus 17 irmãos, quatro também se dedi­ do qual participavam amigos seus, entre eles Er­ cateretês, toadas sertanejas e tanguinhos - no re­ cavam à música: Henrique e Leo (violão e nesto Joaquim Maria dos Santos- o Donga. quintado saguão do Palais. cavaquinho), Edith (piano) e Otávio, o China, Em 1919, depois de trocar as orquestras das Nascia o conjunto Os Oito Batutas. c a rica mú­ (violão). Foi este último que colaborou de forma salas de projeção dos cinemas por um conjunto re­ sica popular brasileira conquistava importante vi­ decisiva para que Pixinguinha abandonasse as au­ gional que se apresentava num café do Méier, Pi" tória sobre os pobres modismos importados.
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