FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. FERREIRA, Luiz Carlos. Luiz Carlos Ferreira (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2012. 53 p. LUIZ CARLOS FERREIRA (depoimento, 2012) Rio de Janeiro 2013 Transcrição Nome do entrevistado: Luiz Carlos Ferreira Local da entrevista: Nova Lima, Minas Gerais Data da entrevista: 24 de setembro 2012 Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo de entrevistas em História Oral. Entrevistadores: Paulo Roberto Ribeiro Fontes (CPDOC/FGV) e José Paulo Florenzano (Museu do Futebol) Transcrição: Letícia Cristina Fonseca Destro Data da transcrição: 10 de outubro de 2012 Conferência da transcrição : Ana Luísa Mhereb Data da conferência: 26 de novembro de 2012 ** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Luiz Carlos Ferreira em 24/09/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC. P.F. – Eu queria que você começasse, então, falando seu nome completo, a data e o local de nascimento. L.F. – Primeiro, é importante que a gente diga que é um prazer estar fazendo parte dessa história do futebol brasileiro, do futebol mundial, e estar fazendo parte do Museu do Futebol de São Paulo e do Brasil. É uma honra muito grande. Eu me chamo Luiz Carlos Ferreira, tenho cinquenta e três anos. Sou natural de Nova Lima, Minas Geais, cidade pertinho de Belo Horizonte, onde a gente está fazendo essa entrevista. E eu comecei a jogar muito cedo... Comecei a jogar futebol com oito anos, nove anos. A minha mãe falava que eu já chutava a barriga dela quando eu estava na barriga dela. Eu tinha que ser jogador de futebol, eu não seria outra coisa a não ser jogador de futebol. Então, desde cedo eu tenho essa paixão pelo futebol. Tive vários ídolos desde criança e 2 Transcrição essas pessoas fizeram parte da minha história no futuro, que são os jogadores: João Leite1, Reinaldo2, Paulo Isidoro3, Éder4, Nelinho5, Cerezo6. Eu torcia por eles e nunca imaginei que iria jogar ao lado deles. Então, para mim foi uma coisa gratificante, foi uma coisa maravilhosa, uma coisa que aconteceu na minha vida e eu agradeço a Deus por ter me dado esse dom de jogar futebol. P.F. – Conta um pouco da sua família, eles são daqui? Seus pais, seus avós eram todos aqui todos de Nova Lima? L.F. – Meus pais e meus avós eram todos aqui da cidade de Nova Lima, a minha esposa... Os meus filhos nasceram aqui apesar de ter jogado fora do Brasil, mas nasceram aqui. Eu faço parte de mais dois irmão, o Antônio e o Mário... P.F. – São mais velhos? L.F. – Eu sou o do meio. O Antônio é o mais velho e o Mário é o mais novo, eu sou o do meio. E tenho três filhos: a Marcela que mora na Itália, que é casada também com jogador, mas é de futebol de salão. A Sabrina, que é a mais velha, formada advogada. E tem o Luizinho Filho que é educador físico e também não mora aqui, mora em Belo Horizonte, cidade perto aqui de Nova Lima. Então, a família... Eu também agradeço a Deus por ter conhecido a minha esposa com dezesseis anos e há trinta e um anos a gente é casado e uma família maravilhosa. P.F. – Os seus pais faziam o quê, Luizinho? 1 João Leite da Silva Neto 2 José Reinaldo de Lima 3 Paulo Isidoro de Jesus, o Tiziu 4 Éder Aleixo 5 Manoel Rezende Matos Cabral 6 Antônio Carlos Cerezo, o Toninho Cerezo 3 Transcrição L.F. – O meu pai era minerador. Trabalhava na Mina do Morro Velho, que é hoje é a AngloGold. E a minha mãe era dona de casa. P.F. – Aqui, nessa região, é muito forte essa coisa da mineração. Todo mundo era... L.F. – Da mineração... É o ouro, não é? Até hoje é o forte da cidade. Isso a gente sabe que um dia acaba, mas já são anos e anos que é extraído esse ouro e o minério aqui da nossa cidade. P.F. – As gerações aqui passavam e todo mundo ia trabalhar na mina. Inicialmente, quando você era criança, adolescente, era um pouco esse o caminho que estava escrito para você? L.F. – Com certeza seria esse também. Apesar de ter estudado, eu sou formado em ajustador mecânico, cheguei a fazer até o segundo grau lá... Por sorte eu comecei no futebol e Deus me iluminou e cheguei a jogar futebol durante vinte e dois anos e acho que tive uma carreira maravilhosa. Mas com certeza eu poderia ser um minerador também, trabalhar na Mina. P.F. – Quando você foi fazer esse curso... Era um curso do Senai7? L.F. – Era do Senai. Fiz o curso do Senai. P.F. – Você tinha que idade? L.F. – Tinha dezessete anos. P.F. – E aí você fazia o curso e jogava futebol ao mesmo tempo? L.F. – É, fazia o curso à noite. Então tinha esse privilégio também de estar fazendo à noite e jogando futebol de tarde. P.F. – Essa história de Nova Lima é famosa, essa Mina do Morro Velho, um pouco também por essa cultura muito forte aqui dos mineiros – não dos mineiros de 7 Serviço de Aprendizagem Industrial 4 Transcrição Minas Gerais, mas dos trabalhadores mineiros – não é? É uma história muito conhecida até internacionalmente. L.F. – Mundialmente, com certeza, era o forte da cidade, é o forte ainda hoje. O ouro... P.F. – E você acha que de alguma forma essa cultura forte dos trabalhadores mineiros... Isso de alguma forma impacto a sua formação como pessoa, como cidadão? L.F. – Com certeza, porque os meus avós, os meus pais... Se bem que, por um lado a antiga Mina do Morro Velho, a AngloGold, é o que tinha na cidade. Então, os trabalhadores faziam isso, iam trabalhar na Mina. Mas ela deixou muita sequela. Essa mina... Eu tinha um avô que não tinha perna, que foi decepada por um trem que passou dentro da Mina e passou na perna dele. Têm tios que deixaram sequelas no pulmão de tanta poeira, a silicose. Quer dizer, deixou marcas também que não foram boas para muita gente na cidade. Hoje, é lógico, a Nova Lima cresceu, já não depende da mineração... Não depende da Mina de Ouro, porque a Nova Lima cresceu tanto que hoje ela é primeiro lugar e não tem esse índice de desemprego. Não trabalha em Nova Lima quem não quer. E antigamente era diferente. A opção que todo mundo tinha era... Inclusive os jogadores do Vila Nova, os antigos, trabalhavam na mineração e jogavam no Vila. É lógico que não trabalhavam pesado, não tinha aquela coisa que trabalhar dentro da Mina, era na redução, em um trabalho menos forçado para ter condições de estar jogando e isso tem história de grandes jogadores que passaram pelo Vila e que tem essa história. P.F. – E também tem uma tradição aqui de um certo conflito, houve greve, houve manifestação. Isso chegou a sua cabeça em algum momento? Você tem alguma lembrança de histórias disso, de um certo ativismo dos trabalhadores daqui, justamente porque as condições não eram tão boas assim, não é? L.F. – É, pro trabalhador, não é? Felizmente eu não cheguei a pegar, mas a gente sabe de história... Tem essa história dentro da cidade. A gente sabe dessas histórias e por um lado é triste... A gente fica triste porque a nossa geração antiga teve que passar 5 Transcrição por tudo isso. Felizmente nós e os nossos filhos não vão precisar passar por isso. Então, tem um lado também positivo, de a gente hoje tem uma condição melhor para dar para os nossos filhos, para as gerações novas que estão chegando agora. P.F. – Certo. Só indo agora nesse ponto. O teu pai e a tua mãe, quando te incentivaram a fazer o curso de ajustador mecânico, era porque eles tinham essa perspectiva de você ter uma profissão que fosse diferente da do seu pai, um pouco isso? Qual era o...? L.F. – Justamente isso mesmo, para que eu não precisasse de passar o que eles passaram, porque foi uma coisa triste. Eu lembro muito bem que eu tinha por volta de sete para oito anos quando chegou a notícia que o meu avô tinha acontecido o acidente com ele na Mina do Morro Velho e a gente pensou que tinha morrido. Graças a Deus só foi decepado a perna dele. A gente recebeu a notícia com muita tristeza e várias outras pessoas, amigos que perderam a vida na mineração. É lógico que os pais da gente, já pensando para a gente não passar o que eles passaram, tinham essa preocupação. Isso era bom, isso foi bom. P.F. – E você acha que por ser uma cidade, um lugar de trabalhadores mineiros, tem essa fama de ter um senso de comunidade muito forte, de ajuda mútua? Inclusive, isso fez parte da sua infância, da sua adolescência? L.F. – Com certeza isso fez parte e faz parte até hoje, porque Nova Lima é um cidade muito acolhedora, de pessoas amigas. A gente conhece todo mundo. A gente se conhece e isso ajuda muito para você ter uma vida mais tranquila. O índice aqui de criminalidade é muito baixo. Eu adoro viver e Nova Lima.
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