“O Parlamento Europeu E O Federalismo. Contributos Para a Análise No Quadriénio 2004-2008

“O Parlamento Europeu E O Federalismo. Contributos Para a Análise No Quadriénio 2004-2008

UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS “O Parlamento Europeu e o federalismo. Contributos para a análise no quadriénio 2004-2008. ” Dissertação de mestrado Alexandre José dos Reis Leitão Outubro de 2013 1 Dedicado ao Prof. Doutor Ernâni Lopes. 2 RESUMO O Parlamento Europeu é a instituição comunitária composta por representantes directamente eleitos dos povos dos Estados-membros e a que mais poderes formais tem conquistado nas últimas revisões dos Tratados. O Parlamento Europeu é também uma instituição cujos principais Grupos parlamentares estão associados a partidos políticos ao nível europeu, defensores do aprofundamento da integração e do federalismo europeus. Existe uma notória coerência entre o ideal federal e o aumento de poderes de uma instituição cuja totalidade dos titulares tem uma legitimidade democrática directa. Porém, através do estudo do modo de funcionamento e das decisões tomadas pelo Parlamento Europeu no quadriénio que antecedeu a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, verificámos que se a Instituição, enquanto tal, procurou desenvolver uma estratégia colectiva federalista, a mesma não suscitou a unanimidade no seio dos deputados, nem se verificou invariavelmente nos resultados das deliberações do Plenário. E, no final, a relação interinstitucional posterior a 2009 ficou formalmente mais equilibrada e favorável ao Parlamento, mas a relação de poderes fáticos não terá acompanhado o balanceamento, afigurando-se mesmo que algumas conquistas poderão ter sido apenas simbólicas e eventualmente sujeitas à regressão, perante a desconfiança do Conselho Europeu relativamente a uma Comissão mais dependente do Parlamento, o risco de ineficácia do funcionamento da União e a crescente oposição dos eleitores ao próprio projecto europeu. 3 I. INTRODUÇÃO A União Europeia vive momentos particularmente complexos, sendo pela primeira vez discutida aberta e generalizadamente a sua viabilidade e o seu futuro. O debate actual reflecte a dificuldade dos Estados-membros da União Europeia1 que adoptaram o euro como moeda acordarem entre si e cumprirem critérios de convergência e de política monetária. Porém, uma análise da situação actual seria redutora se apenas se cingisse ao debate sobre a pertinência e a responsabilidade das opções governativas dos Estados-membros, ou mesmo sobre a validade das doutrinas económicas. Com efeito, num cenário global em que a política parece seguir apenas impulsos económicos ditados por interesses exclusivamente privados, continuamos a acreditar que o poder político ainda detém uma ampla margem de controlo e regulação, o que não significa exercê-los. Ora, uma eventual ausência da afirmação do “político” pode ocorrer por incapacidade dos seus titulares, mas também por ausência deliberada. E pode apenas parecer e não ser. Na União Europeia confrontam-se três opções de fundo: a dissolução da organização, a manutenção como associação de Estados soberanos com forte presença do método de decisão intergovernamental e uma via que tenha por objectivo final uma forma de federalismo. O objectivo de “aprofundamento” da União, sempre proclamado nas sucessivas revisões dos tratados, pode ser entendido como uma intenção de criar uma organização político-jurídica federal, porventura inovadora. De igual modo, a pressão mediática e política2 para a criação de um texto constitucional, baseada nas alegadas limitações dos Tratados anteriores para acompanhar o projecto comunitário, faria supor que o Tratado de Lisboa3 marcaria uma transição suplementar e acentuada para uma via federal, embora um tal desígnio nunca tenha sido 1 Doravante designados por “Estados-membros” 2 Sobretudo dos partidos políticos europeus e do Parlamento Europeu 3 ou qualquer outro que surgisse naquela circunstância 4 assumido pela maioria dos chefes de Estado e de Governo. Porém, não apenas a prática na vigência do Tratado de Lisboa não conduziu ao aprofundamento geral da União, como não tem sido acompanhada por uma enunciação clara e constante de um propósito federalista, fosse na generalidade das eleições legislativas nos Estados-membros ou nas campanhas nacionais para as eleições ao Parlamento Europeu, antes ocorrendo episodicamente e fruto de factores externos à vontade das instituições comunitárias - em bom rigor a difusão da proclamação da necessidade de um “governo económico” é recente e foi apenas invocada em consequência das crises orçamentais. Possivelmente, a contradição entre o desígnio federalista dos principais partidos políticos e o teor do Tratado de Lisboa (ou a prática política dos principais actores europeus) resulta da percepção, pelos chefes de Governo, da impopularidade do federalismo ou, pelo menos, da sua inexequibilidade a curto prazo. Com efeito, nas raras ocasiões em que se promoveram referendos sobre Tratados, a reacção dos povos consultados terá sido decepcionante para os federalistas, pois os escassos resultados favoráveis foram geralmente obtidos por margens mínimas e, nas últimas consultas, os primeiros resultados foram sempre negativos – Tratados “constitucional” e de Lisboa. Não obstante este aparente alheamento dos povos em relação ao ideal de criação de um Estado europeu de natureza federal, existem partidos políticos ao nível europeu e fundações respectivas que se empenham quase exclusivamente no progresso do “aprofundamento” comunitário e uma parte significativa dos dirigentes partilham a convicção. O Parlamento Europeu, instituição de composição tendencialmente representativa e a que obteve mais ganhos de poder nas revisões dos Tratados, parece ser o terreno ideal de lóbi e acção para a implantação progressiva e discreta de uma organização legislativa e institucional europeia que concentre poderes na esfera comunitária e retire poderes soberanos aos Estados-membros. Palco singular de expressão partidária com poderes crescentes de controlo sobre a Comissão e de 5 contraponto ao Conselho, procurando ainda reforçar as relações com as assembleias nacionais, o Parlamento Europeu é a sede preferencial para o proselitismo federalista. Mais de cinco anos após a assinatura do Tratado de Lisboa e no momento em que chefes de Estado e de Governo têm defendido a sua revisão, será oportuno relembrar o papel que o Parlamento Europeu teve no processo. Por outro lado, o Parlamento Europeu é a instituição que tem ganho mais poder nas últimas modificações dos Tratados, daí resultando uma configuração institucional que lhe confere algumas características de um parlamento federal. É possível invocar diversos factores para este resultado, mas afigura-se que um contributo interessante e relevante para o debate e a construção do projecto europeu seria investigar se o Parlamento Europeu teve uma estratégia assumida, colectiva e com que objectivos nos quatro primeiros anos da VI Legislatura (2004-08). É o que pretendemos fazer ao longo das 60000 palavras4 desta dissertação. II. OBJECTO E MÉTODO O presente trabalho tem como objecto de estudo o modo de funcionamento e as decisões tomadas pelo Parlamento Europeu, concretamente a possibilidade de existência, ou não, de uma estratégia colectiva federalista na Instituição, e se a mesma, existindo, é verificável nas suas decisões. Desta forma, partimos da formulação de quatro hipóteses de trabalho, a saber: 1 - existiu, antes da aprovação do Tratado de Lisboa, uma estratégia colectiva, no Parlamento Europeu, conducente a uma forma de federalismo europeu? 2 – em caso afirmativo, houve consenso quanto ao modelo desejado e à via a privilegiar 4 Exceptuando a bibliografia / “webgrafia” (427). 6 para o alcançar? Os resultados das votações, as decisões, traduziram inequivocamente esse desígnio federalista da Instituição? 3 - como se situava e se quis situar o Parlamento Europeu perante as outras Instituições comunitárias e nacionais? 4 - quais foram as consequências reais e as desejadas para o equilíbrio interinstitucional? Para o efeito começaremos por elaborar sucintamente sobre os conceitos de soberania e federalismo no quadro europeu. Seguiremos com uma descrição, relativamente exaustiva, do Parlamento Europeu nas suas dimensões orgânica5, legisladora6 e de iniciativa política, dedicando uma particular atenção à caracterização dos deputados, de modo a melhor compreender as suas acções e decisões. Nos capítulos seguintes abordaremos a articulação entre os Grupos parlamentares e os partidos políticos ao nível europeu e tentaremos, através da análise das linhas de força dominantes nas votações do Parlamento Europeu, aferir a sua efectividade e, principalmente, apurar se, nas votações mais importantes, há predominância de uma de duas motivações – defesa do “interesse nacional” ou da posição da família política. Na parte final da tese abordaremos alguns efeitos da aprovação do Tratado de Lisboa na actividade do Parlamento Europeu e procuraremos concluir com respostas às questões enunciadas no parágrafo anterior. Para o desenvolvimento do trabalho recorremos a fontes bibliográficas e digitais, bem como a dados da observação e informações colhidas junto da rede de contactos estabelecida ao longo de três anos como responsável pelas relações com o Parlamento Europeu na Representação Permanente de Portugal7 junto da União Europeia e delegado ao Conselho de Assuntos Gerais8 do Conselho e realizámos, na íntegra, o trabalho de pesquisa de dados - na sua maioria constantes do portal do Parlamento Europeu9- e o respectivo tratamento estatístico. 5 As atribuições previstas nos Tratados, a composição, o modo de funcionamento… 6 Com relevo para os processos

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