Quando O Santo Chama

Quando O Santo Chama

Renata Silva Bergo QUANDO O SANTO CHAMA : O TERREIRO DE UMBANDA COMO CONTEXTO DE APRENDIZAGEM NA PRÁTICA Belo Horizonte Faculdade de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais. Abril - 2011 1 Renata Silva Bergo QUANDO O SANTO CHAMA: O terreiro de umbanda como contexto de aprendizagem na prática Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito final à obtenção do título de Doutora em Educação, sob orientação da Profª Drª Ana Maria Rabelo Gomes e co-orientação do Prof Dr. Marcio Goldman Belo Horizonte Faculdade de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais. Abril – 2011 2 Banca examinadora: Prof a Dr a Ana Maria. Rabelo Gomes - Orientadora (Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação - Universidade Federal de Minas Gerais) Prof. Dr. Marcio Goldman - Co-orientador (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro) Prof . Dr. Jocélio Teles Dos Santos (Universidade Federal da Bahia) Prof . Dr. Amauri Carlos Ferreira (Pontifícia Universidade Católica – PUC-MG) Prof Dr Luiz Alberto Oliveira Gonçalves (Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação - Universidade Federal de Minas Gerais) Profª Drª Nilma Lino Gomes (Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação - Universidade Federal de Minas Gerais) 3 AGRADECIMENTOS A todos aqueles que contribuíram para a realização desse trabalho. Em especial: - a Profª. Drª. Ana Maria. Rabelo Gomes, minha querida orientadora, que com muita competência e generosidade se dispôs a me acompanhar nessa aventura por um universo que, até então, nos era desconhecido. As mudanças ocorridas ao logo da realização da pesquisa não teriam sido possíveis se eu não tivesse contado com sua coragem e parceria. Agradeço por ter me apoiado no desafio de dar prosseguimento ao meu percurso acadêmico, pelas oportunidades que me tem proporcionado, pelo incentivo e pela confiança; - Ao Prof. Dr. Marcio Goldman, meu co-orientador, com quem tenho aprendido a levar “efetivamente a sério” a “palavra nativa” e me deixar “afetar” pela “magia” das religiões brasileiras de matriz africana; aprendizagens estas que foram decisivas para a realização do presente trabalho; - a FAPEMIG, por ter concedido a bolsa de estudos que permitiu minha dedicação exclusiva no segundo e terceiro anos de realização do meu curso de doutorado; - Ao CNPq, por ter concedido bolsa de estudo para que eu realizasse, junto ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (Museu Nacional – UFRJ), Estágio Sanduíche durante o último trimestre do ano de 2010. 4 - Meus mais sinceros agradecimentos ao pai-de-santo J., a todos os membros de sua “Casa” e os meus demais anfitriões pela amizade, colaboração e receptividade. - Todo meu afeto e reconhecimento especial ao ogã G. S. por seu carinho e atenção. Sou muito grata por poder contar com a sua amizade. Sem você, essa tese não seria possível. - A Pai Tupã, Seu Gentil, Pai Tomé, Vó M. Conga, Seu Sete Favelas, Seu Tiriri, Seu Veludo, Maria Padilha, Ciganinha, Orquídea, Afonsinho e todos os outros guias espirituais que “trabalham” nos terreiros de umbanda com humildade e em favor do “bem do próximo”, com os quais muito aprendi; - As pessoas que freqüentam a assistência da “Casa do J.”, por me acolherem e partilharem comigo preciosos momentos de seu cotidiano; - a minha mãe, Luzia, por continuar sendo a minha primeira e principal incentivadora nos caminhos da educação e pelo respeito à singularidade desse momento da minha vida; - a Dani, irmã e amiga de todas as horas (sempre!!!); - ao Lucas, pelo carinho, gestos e palavras doces e por compartilhar a aprendizagem de gozar a vida com mais alegria e leveza; - a Deus e a todos os santos (de cá e de lá!), pela vida. A todos vocês, e a cada um, meu amor e gratidão. Saravá! 5 6 SUMÁRIO RESUMO .................................................................................................. 10 ABSTRACT ............................................................................................. 11 CAPÍTULO I- INTRODUÇÃO .................................................................. 12 1.1- Caminhos percorridos 1.1.1- Pressupostos que deram origem ao projeto de pesquisa ................ 13 1.1.2- Primeiros passos da longa jornada ................................................ 16 1.1.3- Redefinição do objeto de pesquisa ................................................ 20 CAPÍTULO II- PRATICAR E APRENDER (NA) UMBANDA: Explorando possibilidades analíticas ......................................................... 31 2.1- Lapidando diamantes: dom e aprendizagem ...................................... 33 2.2.- Compreendendo a aprendizagem como constitutiva da prática social ....... 46 2.2.1 – A aprendizagem situada e alguns de seus desdobramentos ......... 50 2.3- A constituição da habilidade umbandista ................................................... 57 2.3.1- O conceito de educação da atenção .............................................. 61 2.4- Caminhos construídos ao caminhar ............................................................. 65 7 CAPÍTULO III- A(S) UMBANDA(S) ........................................................ 70 3.1- A “Casa do J.”: estrutura e organização de um terreiro .................... 70 3.2- Mas o que é umbanda? Histórias (re)contadas e (re)vividas ....................... 80 3.3- Os “orixás de umbanda” e os seus guias espirituais .................................... 88 3.4- As giras ........................................................................................................ 93 CAPÍTULO IV- SAGRADO COTIDIANO: vida diária e participação ...105 4.1- “Você vai ter que descobrir sozinho”: o participar como condição ..........106 4.1.1- “Todo mundo quer saber tudo, mas tem que ver se agüenta”: a questão da legitimidade e do acesso ......................................... 123 4.2- Múltiplos modos de participar ................................................................... 133 4.2.1- Ainda outros modos de participar ................................................ 145 CAPÍTULO V- ENTRE DEUSES E HOMENS: o lugar das relações ..54 5.1- Múltiplos modos de ser e estar aprendiz ................................................... 154 8 5.2- “Quem tem poder, pode”: a relação entre adultos e crianças .................... 158 5.2.1- Ser uma criança “de santo”: entre a tradição e a negociação ...... 169 5.3- “Tudo tem seu tempo”: a relação entre iniciados e iniciantes ................... 174 5.4- Santo de casa que faz milagre: a relação entre deuses e homens .............. 181 CAPÍTULO VI- FAZER PARA APRENDER – APRENDER PARA FAZER: Ações diretas e indiretas de suporte à aprendizagem ................. 194 6.1- Transparência e opacidade nas ações cotidianas ....................................... 194 6.2- O fazer e o aprender: ações recursivas ...................................................... 201 6.2.1- Aprender com todos: incentivo e repressão ................................. 207 6.2.2- Aprender com os pares: imitação, ação e percepção ................... 214 6.2.3- Aprender “sozinho”: observação e improvisação ........................ 223 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 238 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 244 9 RESUMO O que um terreiro de umbanda, localizado em um bairro da periferia de Belo Horizonte (MG), tem a revelar sobre processos de aprendizagem na prática é o tema dessa tese. Elaborado a partir de uma incursão etnográfica no universo das práticas cotidianas de umbanda, o estudo buscou identificar e descrever um modelo nativo de produção de umbandistas – processo que pode ser compreendido, com auxílio teórico de Lave e Wenger (1991) como aprendizagem situada , e com Ingold (2000) como educação da atenção e processo de habilitação . Trata-se, pois, de uma pesquisa sobre os modos de pensar e agir dos membros de uma comunidade de prática específica, estando em seu cerne a discussão a respeito da aprendizagem como parte do processo de vir a ser, de se produzir , umbandista. Palavras-chave: aprendizagem; comunidade de prática; umbanda. 10 ABSTRACT What a umbanda temple located in a borough in the outskirts of Belo Horizonte (MG) has to reveal to us about learning processes is the theme of this theses. Thought from an ethnographic incursion into the universe of daily practices of umbandists, the study tries to identify and describe a native model of making umbandists – process to be comprehended through the theoric help of Lave e Wenger (1991) as a type of situated learning , and through Ingold (2000) as education of attention and process of habilitation . It is, therefore, a research about ways of thinking and acting of the members of a community of practice specific, keeping in its core the discussion regarding learning as part of the process of becoming, making an umbandist. Key-words: learning; community of practice; umbanda. 11 CAPÍTULO I “Viver – não é? – é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver mesmo”. Guimarães Rosa Grande Sertão: Veredas (1967) INTRODUÇÃO Certa vez, ouvi um pesquisador 1 fazer a seguinte observação: se o barroco das igrejas católicas invade as pessoas pelos olhos, as religiões afro-brasileiras arrebatam os fiéis pelos ouvidos. Achei essa observação muito interessante, pois de fato o som dos atabaques, os cantos, as orações e o burburinho das pessoas criam uma atmosfera inebriante. Contudo, cada vez

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