Ocaso Do Engenho Da Pedra E Bonsucesso

Ocaso Do Engenho Da Pedra E Bonsucesso

DA FRAGMENTAÇÃO AO CONFLITO : O CASO DO ENGENHO DA PEDRA E BONSUCESSO E A CIRANDA DA TERRA NA FREGUESIA DE INHAÚMA . Rachel Gomes de Lima * RESUMO A Fazenda da Pedra e a Fazenda do Bonsucesso foram algumas das principais propriedades da freguesia rural de São Tiago de Inhaúma. Este complexo agrário tem sua gênese no século XVI e, até o século XX a propriedade obtém diversos proprietários devido a processos fragmentários, em alguns casos geradores de conflitos. A análise deste caso específico permite- nos observar como proprietários rurais do subúrbio do Rio de Janeiro transmitiam seu patrimônio, se articulavam economicamente e defendiam seus próprios interesses. O presente trabalho faz parte de uma pesquisa maior intitulada “Ciranda da Terra: A Dinâmica Agrária e seus Conflitos na Freguesia de São Tiago de Inhaúma” que tem como objetivo o estudo das propriedades agrárias na freguesia ao longo do século XIX observando especificamente os processos de fragmentações, apropriações, mudanças de proprietários e conflitos entre estes. Palavras-chave : Conflitos de terra; Engenho da Pedra e Bonsucesso; Freguesia de São Tiago de Inhaúma. ABSTRACT Pedra Farm and Bonsucesso Farm were some main properties of the rural parish of St. Tiago of Inhaúma. The genesis of this agrarian complex is in the sixteenth century, but due to fragmentary processes conflict generators the property obtain many owners in some cases in the twentieth century. The analysis of this specific case let us observe how the rural owners from Rio de Janeiro’s suburb passed on their heritage and how they were articulated and defended their own economic interests. This work is part of a larger research project entitled "Ciranda da Terra: The Agrarian Dynamics and its Conflicts in the Parish of St. Tiago of Inhaúma" which aims to study the agrarian properties in the parish during the nineteenth century observing specifically the * Mestranda em História pela Universidade Federal Fluminense. Bolsista de mestrado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. processes of fragmentations, appropriations, changes in the ownership and the conflicts between the owners. Key-words: Conflicts of Land; Pedra Farm and Bonsucesso Farm; Parish of St. Tiago from Inhaúma. I. Ciranda da Terra: Fragmentações, apropriações e conflitos em Inhaúma. Por ser a Freguesia rural mais próxima do centro do Rio de Janeiro, Inhaúma foi a freguesia mais importante deste grupo rural e também a mais vulnerável às transformações que ocorriam na parte urbana. A localização geográfica, por exemplo, foi de fundamental importância para o aumento de sua função durante a eclosão mineradora e o fomento agrário brasileiro: se no século XVIII se encontrou como fundamental na produção agrícola de subsistência para a região mineira e manteve sua importância agrícola no fomento agrário, no século XIX também sofreu alterações com as transformações econômicas, políticas e sociais do centro do Rio de Janeiro, como a chegada da família real e a adaptação da corte. Portanto, as mudanças conjunturais da sociedade do início do século XIX no Brasil influenciaram diretamente a dinâmica da freguesia de Inhaúma e fizeram com que a mesma alterasse sua forma de produção agrícola e reorganizasse a ocupação em seu território desenvolvendo, desta forma, uma nova estrutura social. A freguesia que tinha a cana como um de seus principais produtos sentiu o peso da concorrência do açúcar extraído da beterraba pela recuperação dos produtores de açúcar internacionais. Essa diminuição da exportação do gênero pelo Brasil fez com que os recursos fossem desviados para a produção do café, que tinha boa clientela no mercado internacional. A produção cafeeira sai do centro urbano e das freguesias rurais do Rio de Janeiro em direção ao Vale do Paraíba, ficando as demais regiões, assim como a Freguesia de Inhaúma, a concentrar principalmente plantações direcionadas ao abastecimento interno. Para Joaquim Justino dos Santos essa influência econômica aconteceu em Inhaúma em três pontos distintos: A provocação do abandono das grandes áreas de cultivo da cana, o que teria provocado o declínio do escravismo na região; O estímulo (ou o fomento) de novas atividades agrícolas ligadas à pequena lavoura e ao trabalho livre em suas terras; E o estímulo de novas 2 formas de ocupação da terra, a partir de meados do século XIX, como arrendamentos e chácaras, além de loteamentos para fins habitacionais dando início a um importante processo de urbanização local (SANTOS, 1987:89). Com isso as grandes propriedades locais diminuíram ou se fragmentaram gerando novos proprietários e senhores, mas não desapareceram existindo um número considerável pelo menos até o final do século. Grande parte destas propriedades se inseriu no complexo econômico local, e diversificou sua produção, alterando não só suas características econômicas como também os perfis de seus proprietários. Para Marcos Guimarães Sanches: “A rede fundiária teve o seu perfil definido ou alterado em função da atividade econômica e não preexistindo a ela. Kátia Mattoso destaca o “desmembramento das propriedades” como problema da economia baiana no século XIX, em conseqüência da crise da produção açucareira. O crescimento do número de engenhos até o último quartel do século resultou de desmembramento por vendas ou heranças, gerando “propriedades relativamente pequenas”(SANCHES, 1989:263). O fenômeno analisado por Kátia Mattoso na Bahia e por Marcos Sanches no interior do Rio de Janeiro também foi analisado por nós na freguesia de Inhaúma. Como dissemos, a fragmentação das propriedades é também um indicador da mudança de perfil da atividade econômica na região. A freguesia de Inhaúma se caracteriza no século XIX principalmente pela produção de abastecimento local e do Rio de Janeiro, porém não existiam somente as lavouras, mas também fábricas, vendas e hospedarias 1 que se desenvolveram ao longo da primeira metade deste século e muitas vezes se localizavam ao lado de plantações de café, ou até de criação de animais mostrando que o proprietário deixa de ser, em alguns casos, um mero “fazendeiro” e se transforma também em um homem de negócios que muitas vezes passa a residir em freguesias urbanas próximas de onde pode administrar sua propriedade agrícola, além de demonstrar uma “alto-suficiência” destas propriedades 2. O estudo de caso que é por nós proposto neste trabalho se fundamenta nesta conjuntura: O Engenho da Pedra e também a Fazenda do Bonsucesso localizados lado a lado e pertencentes a 1 Existiam fábricas que coexistiam na propriedade com chácara e residências. Também Francisco José Ferreira Rego que será tratado neste artigo possuía fábrica deste tipo. Além dessas existiam fábricas de Colla, telhas e tijolos, aguardente, hospedarias, fábricas de carvão em furna e vendas. Tal fato é mais comum nas grandes fazendas como a do Engenho de Dentro e Engenho da Pedra. Vide Laemmert - Anos 1848 – 1861. 2 Um exemplo claro é a Fazenda do Engenho de Dentro, analisada em nossa monografia de conclusão de curso de Bacharelado em História. (LIMA, 2008). 3 membros da mesma família desde finais do século XVIII. Com vestígios de existência já no século XVI, a região onde então estariam localizadas as duas propriedades passara por diversos proprietários e conflitos originados, principalmente, por processos de fragmentação por venda e por heranças, sendo um dos melhores exemplos para o que chamamos em nossa pesquisa de “Ciranda da Terra”. II. Da Fragmentação ao Conflito: O Caso do Engenho da Pedra e Bonsucesso. O objetivo desta exposição não é apenas analisar os processos de fragmentação das propriedades, mas principalmente esquadrinhar as lutas pela terra em uma região dita por muitos como a mais importante do “mundo rural carioca”, que conteve fazendas de destaque onde, no caso por nós escolhido, foi palco de conflitos acirrados muitas vezes ocasionados por diversos tipos de fragmentação. É preciso salientar que este trabalho encontra-se em processo, o que justifica a falta de algumas respostas para nossas problemáticas 3. O Engenho da Pedra foi provavelmente a primeira das fazendas “não-jesuíticas” instaladas em Inhaúma. Suas terras abrangiam os atuais bairros de Olaria, Ramos, Bonsucesso e parte de Manguinhos, situadas entre o porto de Maria Angu próximo a Penha, e a Ponta do Caju (SANTOS, 1987:49). No engenho estava presente a maior parte do litoral de Inhaúma e sua área, ou pelo menos grande parte desta, teria feito parte da sesmaria concedida a Antonio da Costa no período do século XVI. Em 1638 já era existente a Capela de Santo Antônio. No ano de 1666 aparece como sendo propriedade de Inácio de Andrade Souto Maior ou ainda, no ano de 1738 pertencente à Cecília Vieira de Bonsucesso que reedificou sua capela neste mesmo ano. Ainda no século XVIII, especificamente em 1742 a propriedade passa a ser do “Sargento Mor” 4 José Dias de Oliveira que compra as terras da Rainha D. Maria I. de Portugal. Neste mesmo ano arrematou em “hasta pública” o sítio Antonio dos Mangues na região da fazenda do Bonsucesso. As propriedades de José Dias de Oliveira faziam parte de um mesmo complexo agrário e denominavam a localização de uma região que não era ocupada somente pela sua família, existindo proprietários de pequenos lotes ou arrendatários, por exemplo, (pelo menos no 3 O presente trabalho, iniciado neste ano de 2010, encontra-se em desenvolvimento pelo PPGH da Universidade Federal Fluminense e faz parte da pesquisa intitulada “Ciranda da Terra: A Dinâmica Agrária e seus Conflitos na Freguesia de São Tiago de Inhaúma” com bolsa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. 4 Denominação existente no pedido de delimitação de terras feito pelo mesmo. (Arquivo Nacional –“Sesmarias”). 4 século XIX). Porém o proprietário detinha o domínio da região. Com sua morte as propriedades foram deixadas as suas filhas D. Joaquina Rosa de Mascarenhas, D. Marianna Josefa Mascarenhas, D. Eugenia Rosa Mascarenhas e D.Leonor de Oliveira Mascarenhas, ou as “irmãs Mascarenhas” como ficaram conhecidas na região até meados do século XIX.

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