Os Vestígios Do Nobel

Os Vestígios Do Nobel

Opiniões Número: Depoimentos ornalornal Novos Lançamentos 229 dede Mês: Novembro Entrevista JJ Ano: 2017 LetrasLetras Literatura Infantil Preço: R$ 5,00 OsOs VestígiosVestígios dodo NobelNobel O escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro, de 62 anos, é o Prêmio Nobel de Literatura de 2017. A escolha foi anunciada em Estocolmo, na Suécia, pela Academia Sueca. Nascido em Nagasaki, no Japão, em 1954, Ishiguro vive na Inglaterra desde os cinco anos de idade. (Por Manoela Ferrari – págs. 10 e 11) ornalde 2 JLetras Opinião JL Editorial JL Arnaldo Niskier Não se pode entender muito a razão pela qual o Brasil jamais deu acervo JL “Os sonhos seguram o mundo” um Prêmio Nobel. Mesmo o da Paz andou perto de um brasileiro, quan- do se falava em D. Hélder Câmara ou o professor Josué de Castro. Em matéria de literatura, a Academia Brasileira de Letras, quando instada a Quando eu disse à escritora Nélida citar um nome, enviou para a Academia Sueca o de Nélida Piñon, que, Piñon, autora do famoso A república dos convenhamos, é uma bela indicação. Mas sabe-se que temos alguns sonhos, que estava de viagem a Portugal, obstáculos, o principal dos quais é a língua portuguesa. Os julgadores ela, de forma veemente, recomendou: “Não não conhecem o nosso idioma e, portanto, têm dificuldades para tomar deixe de visitar a Fundação José Saramago. conhecimento do que se passa no íntimo da nossa literatura. Mas vamos Há muito o que aprender com as obras do continuar insistindo, pois o país merece esse tipo de homenagem. Se foi único escritor em língua portuguesa que ganhou o Prêmio Nobel de possível dar o Prêmio a José Saramago, por que não se pode chegar a um Literatura.” titular brasileiro? Lembramos que, durante alguns anos, a nossa indi- De fato, a acadêmica brasileira tinha razão. Primeiro porque a cação era Jorge Amado – e teria sido uma belíssima lembrança. Nisso Casa dos Bicos, em Alfama, é um notável centro cultural, que reúne tudo, é preciso considerar que só se dá o Prêmio Nobel com o aval do farto material sobre a vida e a obra do autor de Memorial do convento. governo do país concernente. E o nosso tem sido sempre reticente, em Depois, porque anotar certas coincidências que mexem com a nossa matéria de nomes. Dia virá em que haverá essa coincidência – e teremos imaginação, como a valorização da palavra “sonho”. a alegria de comemorar esse tipo de concessão. No interior da casa de quatro andares, subindo a pé sua linda O editor. escadaria, pude registrar certos pensamentos de Saramago: “São os sonhos que seguram o mundo em sua órbita” ou mais adiante: “Teve bons mestres nas longas horas noturnas que passou em bibliotecas públicas lendo ao acaso, com o mesmo assombro criador do navegante, que vai inventando cada lugar que descobre.” Assim se revela o seu apreço pelo que representam os livros na sua formação e o papel das bibliotecas, especialmente as públicas, na A jornalista, cientista política, vida de quem não teve a fortuna de frequentar universidades ou escolas criadora do bloco de carnaval superiores, mas chegou ao topo da carreira de escritor. Revelava, por “Mulheres Rodadas”, Débora isso mesmo, uma clara “humildade orgulhosa”. Thomé, recebe a colega escritora Saramago foi um grande amigo do Brasil e particularmente do e jornalista Miriam Leitão, no lan- nosso acadêmico Jorge Amado. Costumava dizer que um dos dois um çamento do livro 50 brasileiras dia ganharia a láurea da Academia Sueca (1998). Numa visita ao Rio de incríveis para conhecer antes de Janeiro, em companhia da sua amada Pilar Del Rio, hoje responsável crescer (ver resenha página 7). pela direção da Casa dos Bicos, aceitou o convite para um jantar no Hotel Glória, o que foi um prazer imenso. Conversamos horas a fio sobre o destino das literaturas dos nossos povos respectivos e a necessidade de um maior intercâmbio entre o Brasil e Portugal, tese que reacendi agora na audiência que me foi concedida em Lisboa pelo presidente Artur Anselmo, da Academia das Ciências de Lisboa. Voltemos a José Saramago, hoje apreciado em 40 línguas. Para ele, a escrita, mais do que uma atividade meramente ficcional, é ditada pela necessidade de indagar dos destinos da humanidade, das paixões e dos furores que a determinam. Faz uma escolha fundamental: “Em todas as minhas obras, sempre apontei na mulher a componente salvadora de uma humanidade hoje mais do que nunca à deriva.” Depois, recusa-se a admitir ser um romancista histórico: “Há uma definição que, de certa maneira, marcou o meu percurso como escritor, sobretudo como romancista e que, tenho de confessar, recebo com uma certa impaciência. Trata-se do rótulo gasto de que sou um romancista histórico.... Vejo a humanidade como se fosse o mar... que é o tempo.” J Com essas características, Saramago venceu o Prêmio Nobel. L Expediente Ganhou 1 milhão de dólares e aplicou parte do dinheiro na criação da Diretor responsável: Arnaldo Niskier Fundação que leva o seu nome – e hoje está em pleno funcionamento, Editora-adjunta: Beth Almeida num local nobre de Lisboa. À frente da Casa dos Bicos, foi plantada uma Colaboradora: Manoela Ferrari oliveira, trazida da terra natal do autor (Azinhaga). Ali foram deposita- das as suas cinzas e colocada a frase por ele escolhida: “Mas não subiu Secretária executiva: Andréia N. Ghelman às estrelas se à terra pertencia!” De grande significado. Redação: R. Visconde de Pirajá N0 142, sala 1206 – 120 andar — Tel.: (21) 2523.2064 Ipanema – Rio de Janeiro – CEP: 22.410-002 – e-mail: [email protected] Distribuidores: Distribuidora Dirigida - RJ (21) 2232.5048 – Leonardo Da Vinci - SP (11) 5052.3691 Correspondentes: António Valdemar (Lisboa). Programação Visual: CLS Programação Visual Ltda. “Um pedaço de pão comido em paz é melhor do que um banquete comido com ansiedade.” Fotolitos e impressão: Folha Dirigida – Rua do Riachuelo, N0 114 O Jornal de Letras é uma publicação mensal do Esopo Instituto Antares de Cultura / Edições Consultor. ornalde JLetras 3 é o “fraco rendimento” do Ensino Superior, eles sempre evocam como circunstâncias atenuantes as carências do Ensino Médio, e, sobretudo, a falta de motivações sérias e de verdadeiro gosto pelos estudos por parte dos estudantes que, em sua maioria, fariam seus estudos por mera “imposição social”. A educação, o ensino Sem dúvida, pais e estudantes encaram os estudos antes de tudo na perspectiva da ascensão social. A expectativa é que a Universidade abra as portas às carreiras lucra- tivas e agradáveis ou que, pelo menos, permita uma condição em que se possa ganhar a vida satisfatoriamente. Mas realizar os estudos, universitários ou de qualquer outro e a pesquisa nível, da mesma forma como se faz um seguro de vida, nada tem de escandaloso, nem incomoda àqueles que, dispondo de uma fortuna pessoal, não têm qualquer preocu- Por Roberto Boclin* pação com o futuro e podem se dar o luxo de estudar visando unicamente adornar o espírito. Por outro lado, atribuir a aversão à Universidade à reação de estudantes pouco O governo federal divulgou indicadores que revelam, no período de 5 anos, que é dotados e insensíveis ao prazer de compreender e que, por isso, fariam seus estudos a o tempo médio dos cursos universitários, resultados alarmantes. Por exemplo: de todos contragosto, é também uma forma de escamotear o verdadeiro problema. A aptidão os alunos que ingressaram no ensino superior em 2010, cerca da metade (49%) abando- para “receber um ensinamento” depende ao mesmo tempo dos que aprendem e dos nou os cursos até o quarto ano, em 2014. que ensinam. Antes de denunciar a incapacidade da maioria dos estudantes, deve-se Essa conjuntura preocupante foi revelada pelo Censo da Educação Superior 2015, perguntar se existe, por parte dos professores, empenho em despertar o interesse dos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). alunos, em estimulá-los ao esforço e à autovalorização. Alguns dados apontam que o Ensino Superior brasileiro não vai bem. O núme- Mostraremos justamente que, quanto a isso, estamos ainda muito longe do ideal, ro de novos alunos caiu 6,1%; o total de matrículas cresceu apenas 2,5%; metade dos mesmo diante de estudantes inteligentes e operantes. ingressantes de 2010 desistiu dos cursos; cerca de 58% das novas vagas não foram preen- É isto o que ocorre sempre? Eis a verdadeira questão! chidas; EAD corresponde a 17,4% dos cursos de graduação; cerca de 62% dos alunos da Todas as acusações de que a Universidade é objeto conduzem geralmente à modalidade presencial estudam à noite; Direito, Administração, Pedagogia e Ciências conclusão de que esta instituição cumpre mal suas diferentes missões e que deve se Contábeis são os cursos com mais matrículas no país renovar. Cada um tem suas teorias sobre as causas do mal: uns acusam as “estruturas Instituições privadas predominam, representando mais de 80% do total de matrí- enrijecidas”, outros “a precariedade de recursos”. culas. Os dados revelam que as preocupações da sociedade, publicadas na imprensa, Mais uma vez, tudo isso é verdade, mas não tem uma importância decisiva. nos artigos acadêmicos e nas estatísticas de desempenho das instituições no cenário Enquanto, para inovar, escolher “caminhos dissimulados”, não se chegará a grande mundial são mesmo muito ruins. coisa. É preciso ter coragem de “lançar o alerta” e de mexer com o bisturi na ferida. A Universidade hoje está de fato desacreditada. De toda parte afloram reivindi- Alguns professores universitários não hesitam em se aliar àqueles que depõem cações e denúncias. Estudantes, ministros, jornalistas, pais, industriais e mesmo alguns contra o suposto conformismo e conservadorismo da Universidade. Mas ocorre que se docentes não se cansam de criticar publicamente a Universidade e de acusá-la de todo trata dos mesmos que defendem com ardor as tradições caducas, causadoras de escle- tipo de insuficiência.

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