CARTA ABERTA DOS PÓS-GRADUANDOS E PROFESSORES AO CONGRESSO NACIONAL E AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE OS CORTES RECENTES NA ÁREA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL Brasil, 22 de julho de 2020 Aos Ilustríssimos Membros do Poder Público Brasileiro: V. Exa. Félix Mendonça, Presidente da CCTCI da Câmara dos Deputados, V. Exa. Pedro Lima, Presidente da CE da Câmara dos Deputados, V. Exa. Rodrigo Maia, Presidente da Câmara dos Deputados, V. Exa. Daniella Ribeiro, Presidente da CCT do Senado Federal, V. Exa. Dário Berger, Presidente da CE do Senado Federal, V. Exa. David Alcolumbre, Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, V. Exa. José Dias Toffoli, Presidente do Supremo Tribunal Federal. Nós, pós-graduandos e professores brasileiros, fomos recentemente surpreendidos com o teor do novo edital do CNPq, número 25/2020. Este novo edital de distribuição de bolsas do CNPq vem logo após o corte de bolsas da CAPES para consolidar o desmonte da pós-graduação stricto sensu (mestrado, doutorado e pós- doutorado), carro-chefe da pesquisa científica no Brasil. Para deixar o cenário ainda mais desolador, hoje a CAPES decidiu suspender a implementação de bolsas internacionais em 2020. Estes novos cortes vêm em um momento no qual a ciência está mostrando ao mundo inteiro sua importância, visto que estamos diante da pandemia do novo coronavírus e esperamos todos os dias, ansiosamente, uma notícia vinda de algum cientista do mundo de que uma vacina já está pronta e funcionando ou que um tratamento eficaz contra a COVID-19 foi desenvolvido. Estamos cientes do fato de que as verbas destinadas à área de ciência, tecnologia e inovação vêm sendo reduzidas progressivamente nos últimos cinco anos, sempre com a justificativa de que os cortes são necessários em virtude da crise econômica pela qual passa nosso país. Contudo, tal atitude vai na contramão de vários países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, França, Japão e China, cujos financiamentos para a Ciência aumentaram quando a atual crise sanitária os atingiu. O aumento nos investimentos em ciência e tecnologia não visa apenas resolver o problema de saúde gerado pelo novo coronavírus, mas também prover soluções para uma rápida recuperação econômica diante da recessão que a pandemia atual provoca em todas nações do planeta. Na contramão da ação desses países, os investimentos das duas principais agências de fomento à pesquisa brasileira (CAPES/MEC e CNPq/MCTI) chegaram ao nível mais baixo dos últimos 9 anos, próximo à dotação orçamentária executada no ano de 2011 (Figura 1). O quadro fica ainda mais nebuloso ao constatar-se que a execução integral do orçamento do CNPq depende da abertura de créditos suplementares, conforme aprovado na LOA para o presente exercício fiscal. Figura 1: Dotação orçamentária da CAPES e do CNPq entre os anos 2001 e 2020. Fontes: CNPq, CAPES e Portal Transparência do Governo Federal. Em relação à suspensão das bolsas internacionais pela CAPES, trata-se de uma medida extremamente enérgica por parte do MEC. Sabemos que a pandemia do coronavírus tem promovido a suspensão de diversas atividades acadêmicas no Brasil e no mundo. Entretanto, várias dessas bolsas internacionais são destinadas a atividades de pesquisa e não o simples atendimento a aulas. As universidades e outras instituições de pesquisa no Brasil e no exterior têm estabelecido e seguido protocolos rígidos para o retorno gradual das atividades científicas e de desenvolvimento tecnológico, haja vista sua importância tanto para o controle da pandemia, quanto para a retomada do crescimento econômico diante da atual recessão. Assim, além de comprometer a colaboração de instituições brasileiras com nações amigas e a troca de conhecimento e tecnologia entre os países, tal medida adotada pela CAPES é precipitada, pois encontramo-nos apenas no meio do ano e é possível que a pandemia possa estar sob controle no segundo semestre, assim como a recuperação da moeda brasileira frente às demais. De forma ainda mais espantosa que a suspensão das bolsas internacionais pela CAPES, verifica-se que no novo edital do CNPq já estão embutidos cortes de milhares de bolsas de Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado no país, prejudicando ainda mais nossas pós-graduações. Não obstante que as bolsas de pós-graduação já não são reajustadas desde 2013 (Figura 2), o que induz muitos estudantes a procurarem outras atividades paralelas para complementá-la para sobreviverem, o atual modelo proposto pelo CNPq e pelo MCTI reduzirá bruscamente o acesso de novos cientistas aos programas de pós-graduação. Para tornar o cenário ainda pior, a extinção do sistema cotas de bolsas por programa de pós-graduação nos forçará a moldar nossos projetos de pesquisa dentro de propostas pré-estabelecidas por pessoas que, muitas vezes, não têm conhecimento sobre a relevância dos projetos desenvolvidos, visto que não são temas tão conhecidos pelo senso comum, mas que possuem um grande diferencial e tem grande relevância na área científica. Esta poderia ser, inclusive, uma maneira velada do Governo Federal de atingir a autonomia científica, consagrada no Artigo 207 da nossa Constituição Federal, pois obstrui sua livre atuação na pesquisa, ao restringir o acesso dos estudantes brasileiros às bolsas de pesquisa. Um exemplo bem sucedido da autonomia científica está nos trabalhos da famosa cientista brasileira Johanna Döbereiner. Seu estudo sobre bactérias que se associam às plantas (conhecidas como bactérias fixadoras de nitrogênio), inicialmente sem intenção de aplicabilidade, levou ao desenvolvimento de uma tecnologia amplamente utilizada na agricultura brasileira, reduzindo imensamente a adubação nitrogenada obrigatória de culturas que são extremamente importantes para a nossa economia, como a soja, o milho e a cana-de-açúcar. A pesquisa de Johanna traz uma economia anual de 1 a 2 bilhões de dólares para o Brasil e permitiu que a agricultura nacional pudesse ser expandida por diversas regiões do país, antes consideradas como pouco produtivas, como a região Centro-Oeste. Não fosse o trabalho desta brilhante cientista, não estaríamos hoje entre os maiores produtores dessas culturas. Fato é que consumimos os produtos da ciência brasileira todos os dias, mesmo quando não percebemos. A consumimos ao abastecer nossos carros com álcool combustível (fruto do Proálcool), quando recarregamos nossos celulares na tomada (energia proveniente de hidrelétricas) ou quando tomamos uma vacina que nos imuniza contra a Febre Amarela nos postos de saúde (produzidas pela Fiocruz). Figura 2: Valores das Bolsas de Pós-graduação e sua desvalorização entre 1995-2020. A primeira figura mostra os valores atuais das bolsas de mestrado e doutorado ofertadas pela CAPES e o CNPq (linhas azul e vermelha cheias), seus valores se tivessem sido reajustados anualmente pelo IPCA (linhas azul e vermelha pontilhadas) e o salário mínimo vigente em cada ano para comparação. Já a segunda figura mostra a desvalorização real nos valores destas bolsas dada pelo percentual correspondente à divisão do valor nominal (pago atualmente) pelo valor reajustado pelo IPCA. Fontes: CNPq, CAPES e IBGE. A ciência não parte de moldes pré-concebidos, ciência é descoberta, é ter dúvidas, é buscar resolver problemas sociais. Além de já ser um absurdo sem tamanho a idéia de termos que nos encaixar em moldes pré-definidos pelo Governo Federal, os projetos somente serão aprovados se tiverem “importância” por eles determinada. Agora, fica a pergunta, como pode ser definido esse critério de “importância”? Será que um projeto para estudar marsupiais (como os gambás), no qual descobrimos sobre sua incrível capacidade de proteção contra venenos cobras e serpentes, seria considerado importante? Ou apenas seria considerado uma “balbúrdia”, uma besteira, um cientista que gosta de estudar gambás? As descobertas e sua importância vêm somente após o início da investigação científica; justificar a importância de algo que ainda, não foi nem descoberto é limitar a ciência a não fazer novas descobertas. Ficamos muito tristes e pesarosos com a maneira com que o Governo Federal vem tratando os cientistas e os pós-graduandos do nosso país, atacando-nos e evitando deliberadamente o diálogo com as universidades e institutos de pesquisa, locais responsáveis pela maior parte da produção científico-tecnológica nacional. Somos nós, pós-graduandos, a força motriz da pesquisa científica, tecnológica e inovadora do Brasil. Talvez eles não consigam entender que não somos simples estudantes; diferente de uma especialização (pós-graduação lato sensu), no qual o objetivo é aprofundar-se em uma área do conhecimento, a pós-graduação stricto sensu almeja a geração de novos conhecimentos e tecnologias, exigindo, portanto, dedicação integral dos envolvidos. E é para que este objetivo seja atingido que, ao assinar os termos de concessão das bolsas, comprometemo-nos a dedicar exclusivamente a essa atividade, abrindo mão, inclusive, de direitos trabalhistas, algo que nos é muito caro. Pedimos apenas que Vossas Excelências intercedam por nós junto ao Governo Federal para reverter o cenário no qual nos encontramos. Em tempos de crise, como a que passamos, a ciência deve ser a luz que nos guia no meio da escuridão. E é justamente isso que queremos ser: a luz que vai ajudar o povo brasileiro a sair desta crise sanitária e econômica provocada pela pandemia. A nossa importância é tão grande e valorosa para o país que a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 deixou consagrado no artigo 218 da Constituição Federal que a pesquisa científica e tecnológica deve
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