
ANITA GARIBALDI COBERTA POR HISTÓRIAS FERNANDA APARECIDA RIBEIRO ANITA GARIBALDI COBERTA POR HISTÓRIAS Conselho Editorial Acadêmico Responsável pela publicação desta obra Dra. Cleide Antonia Rapucci Dr. Álvaro Santos Simões Junior Dr. Benedito Antunes Prof. Dr. Antonio Roberto Esteves Dr. Carlos Eduardo Mendes de Moraes FERNANDA APARECIDA RIBEIRO ANITA GARIBALDI COBERTA POR HISTÓRIAS © 2011 Editora UNESP Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br [email protected] CIP – Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ R369a Ribeiro, Fernanda Aparecida Anita Garibaldi : coberta por histórias / Fernanda Aparecida Ribeiro. – São Paulo : Cultura Acadêmica, 2011. 225p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-212-3 1. Garibaldi, Anita, 1821-1849 – Crítica e interpretação. 2. Ficção brasileira – História e crítica. I. Título. 11-7975. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) A Deus, por ter me dado a vida... A minha família querida... AGRADECIMENTOS Ao caríssimo prof. dr. Antonio Roberto Esteves, por sua ex- trema dedicação a este trabalho e por ter me dado a chance de (des) cobrir ainda mais a história de Anita Garibaldi. À minha família, sempre presente ao meu lado, pela força e pelo carinho, sem os quais não conseguiria vencer essa etapa. A minha querida professora dra Cleide Antonia Rapucci, por me fazer enveredar nos caminhos da crítica feminista. À estimada professora dra Ana Maria Domingues e suas indi- cações preciosas, que deram novo rumo a este trabalho. Às minhas amigas Fátima Marcari e Kátia Rodrigues Mello Miranda, pela amizade de sempre. À Capes, pela bolsa concedida para o doutorado, o que me ofe- receu condições propícias à execução do presente trabalho. Sou morena, mas sou bela, filhas de Jerusalém, como as tendas de Cedar, como os pavilhões de Salomão. Não repareis em minha tez morena: pois fui queimada pelo sol. Cântico dos cânticos, 1:5-6a SUMÁRIO Palavras iniciais 13 1 “Quando uma mulher se torna heroína” 23 2 A donzela guerreira de atos e palavras 89 3 Uma mulher de amor e de letras 153 Palavras finais 211 Referências bibliográficas 219 PALAVRAS INICIAIS Em Las libres del Sur, romance da argentina María Rosa Lojo (2004, p.32), há uma afirmação do poeta indiano Tagore, transfor- mado em personagem ficcional, referente à construção da identidade de um povo: “lo que hace a cualquier pueblo es su memoria, lo vivido, soñado y sufrido en común. Una historia que pertenezca a todos, tanto al pueblo llano como a las clases altas”. A literatura, especialmente o romance histórico, realiza essa função de reaver a memória através da releitura da história e do reavivamento das figuras lendárias do pas- sado. Mesmo apresentando uma interpretação distinta daquela apre- sentada pela história hegemônica, permanece sempre o propósito de rememorar a tradição histórica e, por meio dela, fortalecer a identi- dade do povo. Assim ocorre com o romance histórico latino-ame- ricano, que muitas vezes traz à tona personagens pouco lembradas ou cujas histórias de vida não são muito conhecidas. Neste trabalho, o foco são os romances que recriam a história da heroína brasileira Anita Garibaldi. No Brasil do século XIX, diversas foram as lutas contra a Mo- narquia, a favor da instauração da República. Entre elas, destaca-se a Revolução Farroupilha (1835-45) no sul do país. Os grandes es- tancieiros, desgostosos com o preço do charque, rebelam-se contra o governador da província. A revolução ganha corpo e novas ideias, abrangendo a causa republicana e a abolição dos escravos. Em meio 14 FERNANDA APARECIDA RIBEIRO à guerra, nasce uma história de amor entre um revolucionário ita- liano e uma jovem brasileira. A história que Anita protagoniza ao lado de Garibaldi no Brasil, no Uruguai e na Itália é lembrada pela história e revivida pela literatura. No dia 4 de agosto de 1849, Anita falece em Madriole, Itália, quando Garibaldi e os legionários fogem da perseguição austríaca por causa das lutas pela unificação italiana. Dez anos depois, quando já é considerado um herói de seu país, Garibaldi publica, pela pena do escritor francês Alexandre Dumas, a primeira versão de suas Memórias, nas quais descreve a sua vida, os feitos heroicos e, con- sequentemente, relata os inúmeros episódios compartilhados com Anita, com quem viveu dez anos. Ela o acompanhou pelas batalhas na América do Sul e na Itália e, por isso, acaba passando à história com o epíteto de “heroína dos dois mundos”. As Memórias de Garibaldi são, praticamente, a fonte primeira da história de Anita. Nelas, o revolucionário constrói a imagem de sua companheira como uma mulher-soldado, uma pessoa corajosa com princípios claros de igualdade e justiça, uma espécie de guer- reira-nata e destemida nos campos de batalha. Nesse sentido, ele edifica o mito heroico de Anita, destacando que ela é uma mulher que irrompe no espaço público como vencedora e atua no espaço masculino como se fosse o seu próprio universo. Essa figura de Anita é repetida pelos demais historiadores depois dele que corro- boram a solidificação da heroicidade de Anita Garibaldi. Contudo, no Brasil, a história de Anita permanece praticamente oculta no século XIX porque ela transgride as regras da sociedade patriarcal vigente para se amasiar com um revolucionário. Com o fim do Império e a implantação da República em 1889, a imagem dela é evocada pelos historiadores brasileiros, no intuito de pro- mover heróis que lutaram pelo novo regime. Assim, a versão das Memórias de Garibaldi, por Alexandre Dumas, possivelmente uma das mais conhecidas e lidas, é traduzida somente em 1908, no Es- tado do Rio Grande do Sul. Os historiadores brasileiros, no entanto, dão ênfase não somente à atuação de Anita Garibaldi no espaço público, mas também à sua ANITA GARIBALDI COBERTA POR HISTÓRIAS 15 participação no espaço privado, como mãe, esposa e dona de casa. Assim, ela seria também uma mulher que atua dentro dos padrões estabelecidos por uma sociedade que se embasa em princípios pa- triarcais. Cria-se, então, uma personagem feminina ambígua – um protótipo feminino exemplar na esfera domiciliar e uma heroína na guerra –, como se as funções desempenhadas no espaço público e privado não tivessem entrechoques ou embates sociais. Acredita-se que essa dualidade da figura feminina tenha sido refletida em obras literárias sobre Anita, pois se trata de uma mu- lher que rompe com as regras que estabelecem a opressão feminina e emerge em um espaço vetado às mulheres. A personagem femi- nina na literatura, como adverte Ruth S. Brandão (2006, p.29), tem as suas singularidades: Marcada pela letra e pela materialidade dos significantes, é, prin- cipalmente, figura de linguagem e figura literária. Como fetiche, remetendo à ilusão de completude, que, se se cobre de letras, re- vela-se, entretanto, insuficiente para se definir. É necessário sempre mais e mais palavras para se dizer sobre ela que nunca se diz toda. Muda de posição no discurso, é percebida de diversas maneiras, encarna o pretendido enigma de uma feminilidade que se pode representar falicamente, mas que, se se mostra com adornos fálicos, estes, entretanto, são o brilho do que ela não é. A história de Anita Garibaldi é marcada pela escrita, já que é pelo relato de suas memórias que Garibaldi edifica a imagem de sua companheira, provavelmente não como realmente ela foi, mas sim como ele queria que fosse lembrada. Por isso, a construção pri- meira da figura de Anita é de uma heroína intrépida e uma mulher fiel ao italiano. Os historiadores posteriores a Garibaldi, no afã de completar a história de Anita, buscam outras informações sobre a heroína, destacando a vida dela em Santa Catarina antes de co- nhecer Garibaldi. Ou seja, mesmo validando o mito heroico de Anita concebido pelo italiano, eles assinalam o lado privado dela, como uma mulher de seu tempo. 16 FERNANDA APARECIDA RIBEIRO Na literatura, os escritores dão enfoque maior a um ou a outro âmbito da vida de Anita, mas sempre rodeada de elementos do uni- verso masculino. A cada romance, é provável que ela mude de po- sição no discurso por ser representada ou como uma guerreira ou como uma mulher preocupada consigo mesma. Contudo, o que deve permanecer é a ambiguidade da personagem feminina, em contínuo trânsito entre os espaços público e privado. Nesse contexto, este trabalho tem como proposta analisar a imagem de Anita Garibaldi na literatura latino-americana, com o intuito de averiguar a releitura do modelo histórico em quatro ro- mances históricos, dois brasileiros e dois argentinos. São eles, res- pectivamente: A guerrilheira (1979), de João Felício dos Santos; Anita (1999), de Flávio Aguiar; Anita Garibaldi (2003), de Julio A. Sierra, e Anita cubierta de arena (2003), de Alicia Dujovne Ortiz. João Felício dos Santos é um conhecido romancista mineiro que publicou diversas narrativas, entre elas, Xica da Silva (1976) e Car- lota Joaquina: a rainha devassa (1949), nas quais se percebe a ten- dência de protagonizar a personagem feminina. Flávio Aguiar, gaúcho de Porto Alegre, foi professor de Literatura Brasileira na USP e se utiliza dos conhecimentos das estratégias narrativas para elaborar seu romance. Julio A. Sierra é um jornalista independente na Argentina e escreveu uma obra sobre as damas de seu país. A argentina Alicia Dujovne Ortiz é romancista e jornalista e escreveu uma conhecida biografia de Evita Perón em 1995. Os romances de Sierra e Dujovne Ortiz sobre Anita despertam uma curiosidade à primeira vista, uma vez que Anita Garibaldi nem chegou a conhecer a Argentina. O único elo com esse país está no fato de Garibaldi, quando o casal morava em Montevidéu, ter lutado contra o cerco que o ditador argentino Rosas promoveu contra a cidade, no intuito de obter o comando do estuário do rio da Prata.
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