Silêncio E Erotismo Em José Carlos Ary Dos Santos

Silêncio E Erotismo Em José Carlos Ary Dos Santos

Universidade de Aveiro Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas Ano 2010 Lurdes Maria Lopes da O silêncio é o sítio onde se grita : silêncio e erotismo Costa em José Carlos Ary dos Santos ii Universidade de Aveiro Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas Ano 2010 Lurdes Maria Lopes da O silêncio é o sítio onde se grita : silêncio e erotismo Costa em José Carlos Ary dos Santos Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Estudos Portugueses , realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Isabel Cristina Saraiva de Assunção Rodrigues, Professora Auxiliar do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Aveiro. iii iv À memória da minha mãe: E em volta do seu banco os malmequeres e as andorinhas provam que a minha mãe nunca morreu. À minha filha: Minha vida és meu sangue e meu caminho Meu pássaro de carne meu amor Ao meu marido: Quando a mulher se rasga mas resiste Há sempre um nome um outro nome por dizer. Ao meu pai: Pelo tanto que lhe quero e que lhe devo. v vi o júri presidente Professor Doutor António Manuel dos Santos Ferreira Professor Associado com Agregação da Universidade de Aveiro Professora Doutora Maria do Rosário da Cunha Duarte Professora Auxiliar da Universidade Aberta (arguente) Professora Doutora Isabel Cristina Saraiva de Assunção Rodrigues Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro (orientadora) vii viii agradecimentos Num olhar retrospectivo sobre este final de percurso, sinto uma reconfortante necessidade de agradecer a todos quantos me acompanharam, me incentivaram, me ensinaram com toda a sua sábia benevolência e, de um modo ou de outro, enriqueceram este trabalho. O meu agradecimento mais carinhoso dirijo-o à minha orientadora, Professora Doutora Isabel Cristina Rodrigues, de cuja competência profissional e dedicação esta dissertação se sente para sempre devedora. Aos professores Paulo Pereira e António Manuel pela sapiência estimulante e ainda pela simpatia com que sempre me distinguiram. À minha amiga Belinha, pela leitura paciente e atenta e pelas suas palavras confortantes e animadoras. Ao s meus colegas de mestrado, pelo convívio salutar e amigável, factor de integração e de prazer. Aos meus colegas da Escola Sec/3 Drª Maria Cândida, porque juntos demonstramos ser possível haver alegria no trabalho. À minha filha e ao meu marido, pelo incentivo constante ainda que sobre eles tenha pesado, também, o ónus de tantas horas de trabalho. ix x palavras -chave José Carlos Ary dos Santos; palavra; silêncio; erotismo; censura; solidão; desespero; voz; gesto. resumo A ve rsatilidade e a originalidade da poesia de José Carlos Ary dos Santos (1937-1984) instigou-nos a uma análise aprofundada da obra poética do autor, tão silenciada do ponto de vista crítico-literário e tão acarinhada do ponto de vista popular. Assim, afigurou-se-nos oportuno desenvolver um estudo que intersectasse silêncio e erotismo e, ao longo do qual, o silêncio é entendido numa perspectiva sintáctica, emergindo de forma paradoxal, enquanto expressão do silenciamento censório do verbo e do auto-silenciamen to da palavra erótica. Para além disto, a textualização do silêncio na obra de Ary desenvolve ainda uma outra realidade paradoxal, ao transferir para o discurso do excesso e da torrencialidade a manifestação de certos significados igualmente exprimíveis pela privação da palavra. ~ xi xii keywords José Carlos Ary dos Santos; word; silence; eroticism; censorship; loneliness; despair; voice; gesture. abstract The versatility and originality of José Carlos Ary dos Santos’s (1937- 1984) poetry prompted us to thoroughly analyse the author’s poetic works which, from a literary c ritic’s point of view, have been greatly silenced and yet popularly nurtured. Thus, it seemed opportune for us to develop a study that intersects silence and erotic ism throughout which silence would be understood from a syntactic perspective, emerging paradoxically as an expression of the censorial silencing of the verb and self-silencing of the erotic word. Furthermore, the text of silence in Ary’s work develops yet another paradoxical reality when transferring onto his extraordinarily copious and excessive discourse the manifestation of certain meanings equally expressible through the deprivation of the word. xiii xiv Índice 1 2 ÍNDICE ................................................................................................................................. 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 5 CAPÍTULO I — O SALAZARISMO E O SILÊNCIO COMO PROGRAMA DOUTRINÁRIO ....................................... 11 1. Ary e o seu tempo .................................................................................................... 13 2. Castração mental e física — o silenciamento do humano ....................................... 23 3. A voz e o gesto ......................................................................................................... 31 CAPÍTULO II — DISCURSO E SILÊNCIO EM ARY DOS SANTOS .................................................................. 47 1. A palavra e o poeta .................................................................................................. 49 2. Silêncio e resistência: a gestão política da palavra .................................................. 51 3. Entre o silêncio e o excesso: a torrencialidade de Ary ............................................. 61 4. Derivações do excesso: o grito e o riso .................................................................... 66 CAPÍTULO III — PALAVRA , SILÊNCIO E EROTISMO ............................................................................. 73 1. Silêncio, elipse e obscenidade .................................................................................. 75 2. Salazarismo e homoerotismo ................................................................................... 80 3. O erotismo como palavra contestatária................................................................... 85 4. Censura sexual e autocensura moral ....................................................................... 97 CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 113 ANEXOS .............................................................................................................................. 119 ANEXO 1 — Entrevista a José Jorge Letria ........................................................................ 121 Anexo 2 — Entrevista a Ruben de Carvalho ................................................................... 131 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................... 149 3 4 1 INTRODUÇÃO 1 Os versos inscritos na rubrica “Dedicatórias” - página v -, são da autoria de José Carlos Ary dos Santos e foram retirados dos poemas «Balada para uma velhinha» (Santos, 1989:52), «Balada para os nossos filhos» (ibid., 1989:102), «O nome» (ibid., 1989:145), inscritos em As palavras das cantigas, e ainda da dedicatória do livro Asas (ibid., 1994:429), inserido na Obra Poética, respectivamente. 5 6 Ser poeta é escolher as palavras que o povo merece Ary dos Santos Na sua obra Comenda de Fogo , Eduardo Pitta escreveu: «Se por um lado a queda da ditadura (e, consequentemente, da censura) permitiu a livre circulação de todo o tipo de obras, também é verdade que, aos poucos, essa mesma normalização teve como corolário o silenciamento de algumas vozes. Uma delas foi a de José Carlos Ary dos Santos» (Pitta,2002:266). As palavras de Eduardo Pitta caíram como produto corrosivo numa convicção já existente, mas nunca antes por nós enunciada e daí que se nos tenha afigurado propícia a eleição de José Carlos Ary dos Santos como objecto de estudo desta dissertação, numa tentativa de homenagear o “poeta da revolução” de Abril e de o posicionar no lugar de destaque na literatura portuguesa da segunda metade do século XX que julgamos ser o seu. Estamos certos que José Carlos Ary dos Santos terá sido uma pessoa extremamente incómoda sob o ponto de vista individual, social e político e, consequentemente, « a desobediência normativa arrasta consigo o correlativo ónus » (ibid., 2002:266). A singular truculência de carácter e a radicalidade vivencial do poeta nunca se compadeceram, minimamente, das normas vigentes nem tão pouco respeitaram os valores instituídos: a sua posição de rebeldia foi sempre diametralmente oposta a tudo e a todos. Além de ter sido dotado de uma voz tonitruante, cujo brado não se podia ignorar nem deixar de ouvir, era corajoso, pelo que enfrentava e afrontava todos os seus opositores. Não é, pois, difícil entender as razões do silenciamento crítico-literário do escritor, exercido pelas comunidades literária e académica, nem tão pouco entrever o escopo do poeta ao repontar na música e nos festivais da canção, onde granjeou um importante lugar na imagética popular. A paradoxalidade da situação, não deixando, contudo, de causar estranheza, franqueou e reavivou a nossa determinação. A bem da verdade, a forma peculiar como o autor reagiu às vicissitudes da vida e ao silenciamento imposto, ora gritando a sua dor, ora comunicando desmedidamente, aliciou-nos para a abordagem da temática do silêncio na poesia do autor, porquanto se nos afigurou pertinente contrapor a todas as teorias existentes

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