Em Memória De Dinah: Uma Das Muitas Mulheres Esquecidas Nos

Em Memória De Dinah: Uma Das Muitas Mulheres Esquecidas Nos

103 Em memória de Dinah: que lhe contaram: os casamentos de suas mães, o nascimento de seus irmãos, seu próprio nascimento. uma das muitas Na segunda parte, a protagonista narra a sua pró- pria história, a partir de suas lembranças da infân- mulheres esquecidas cia, tragédias e surpresas que sua vida lhe reservou. nos relatos bíblicos A história das mães de Dinah é relatada a partir do encontro de Raquel com Jacó em um poço. Raquel chega em casa aos gritos dizendo que “um Priscila Andrade Magalhães Rodrigues* homem impetuoso, sem sandálias, cabelo emara- nhado, rosto sujo, beijou-a na boca” (p. 12). A jo- DIAMANT, Anita (1997). A Tenda Vermelha. Trad. vem diz que o estranho, irá se casar consigo. Ra- Maria Luiza Newlands Silveira e Marcia Claudia quel, de poderosa presença, é detalhada por Dinah Reynaldo Alves. Rio de Janeiro: Sextante, 2006. com esmero: “o cabelo castanho possuía reflexos 297p. acobreados, e a pele, dourada como mel, era perfei- ta” (p. 13), e, portanto, impossível de não chamar A história de Dinah, filha de Lia com Jacó, seme- a atenção de Jacó. lhante às histórias de muitas outras mulheres na Jacó apresentou-se a Labão, era filho de Bíblia, fica à margem dos relatos, sendo praticamen- Rebeca, sua irmã, e esperava a hospitalidade do tio. te esquecida e relegada ao pó. Dinah é mencionada Os olhos de Lia e Jacó se cruzaram e nenhum dos nos relatos bíblicos apenas como alguém que foi dois cuidou de os desviarem. Dinah menciona a violentada e cuja honra foi vingada. Em A Tenda característica marcante da mãe: seus olhos “um, Vermelha, no entanto, Anita Diamant dá voz a azul como lápis-lazúli, o outro, verde como a relva Dinah, que narra sua própria história, cheia de deta- do Egito” (p. 15). lhes, cheiros, sabores, prazeres, sexo, amores e ódio. Zilpah, que “não gostava muito de homens, que Anita Diamant é uma autora norte-americana dizia serem cabeludos demais, grosseiros demais e nascida em 1951, Nova Jersey. Graduou-se em Li- animalescos” (p. 18), se considerava uma sacerdo- teratura Comparada em 1973 pela Universidade de tisa, “guardiã dos mistérios da Tenda Vermelha, a Washington em St. Louis, Missouri. Em 1975, ob- filha de Asherah” (idem). De idade próxima à Lia, teve o mestrado em Inglês na Universidade Estadu- as duas irmãs cresceram juntas e se pareciam bas- al de Binghamton. tante com o pai, cabelos escuros, pele morena, os- Começou sua carreira como escritora em 1975, tentando “o nariz da família, o mesmo de Jacó, um trabalhando como jornalista free-lance. Lançado em respeitável bico de gavião” (p. 19). 1997, A Tenda Vermelha foi seu romance de es- Bilah era a mais jovem das irmãs. Era tristonha tréia. Dois outros romances foram publicados pos- e solitária, “nunca ultrapassou a altura de um me- teriormente, Good Harbour (2001) e The Last Days nino de dez anos e cuja pele era da cor do âmbar of Dogtown (2005). Nos últimos anos, Diamant escuro” (p. 20), assim, “era miúda, escura e silen- tem se envolvido em projetos criativos, construindo ciosa” (idem), mas estava sempre atenta às coisas um novo recurso para renovação espiritual judaica. que aconteciam ao seu redor. Ela é fundadora do Mayyim Hayyim: Centro Edu- Labão não era apreciado sequer por suas filhas: cacional Comunidade Mikveh Águas Vivas, uma “ele parecia um boi, uma estaca, um excremento de comunidade baseada em banho ritual localizada em cabra” (p. 22). Embora não apreciasse a presença Newton, Massachusetts. de Jacó, via nele um genro que talvez não fosse A primeira parte de A Tenda Vermelha, Diamant exigir um grande dote por sua noiva. Além disso, dá voz a Dinah, que narra as histórias de suas qua- Jacó era trabalhador e em pouco tempo, administra- tro “mães”: Lia e suas três tias, Raquel, Zilpah e va toda a propriedade de Labão, que prosperava em Bilah. Nesta parte do livro, Dinah conta as histórias suas mãos. Depois de alguns meses trabalhando para Labão, * Teóloga e mestranda em Educação pela Pontifícia Uni- iniciou-se a negociação pelo valor de Raquel, que, versidade Católica do Rio de Janeiro. depois de muitas reclamações foi o de um décimo de 104 GÊNERO E RELIGIÃO NAS ARTES todo o rebanho que nascesse sob os cuidados de freu abortos seguidos, enquanto via a barriga de Jacó. Bilah também passaria a servir Raquel e Jacó Lia crescer. poderia, assim, tomá-la como concubina. Raquel ficou desconsolada no conforto da Tenda Lia sofria com a alegria e superioridade que a irmã Vermelha, local onde as mulheres ficavam no pe- mais nova fazia questão de demonstrar, já que Raquel ríodo do “sangramento”. Neste período, as mulhe- seria esposa e mãe antes das irmãs. Jacó percebia o res eram servidas pelas mais jovens que ainda não sofrimento de Lia e reconhecia que era a jovem de 15 “sangraram”. Não faziam qualquer atividade, ape- anos que mantinha a ordem na casa. Ele se referia a nas fiavam, conversavam, passavam perfumes, ela sempre com deferência e respeito, mas todos os maquiagem e cuidavam uma das outras. Raquel dias tinha alguma pergunta a lhe fazer. demorou a se recuperar, mas com o apoio de uma Zilpah percebia luxúria por todos os lados. Não amiga parteira, que cuidou dela e lhes falava pala- aguentava ver Lia e Jacó juntos, já que os dois vras de conforto e esperança, ela saiu da Tenda e “quase se contorciam para não se verem, com resolveu acompanhar Inna, a parteira, em seu tra- medo de pularem um sobre o outro como dois ani- balho. De aprendiz, logo tornou-se uma hábil par- mais excitados” (p. 32). Zilpah, que gostava de Lia, teira. Como viu que não podia ter filhos, e enquan- mas não suportava Raquel, resolveu tirar proveito to via a família de sua irmã Lia crescer, Raquel da situação. Ao aproximar a data do casamento, aceitou a sugestão de Bilah para que Jacó a tomas- Raquel foi tomada pelo medo da primeira noite se por mulher e lhe fizesse um filho por meio dela. com Jacó. Zilpah percebeu os temores da irmã e Dinah detalha o nascimento de cada um dos aproveitou para aumentar seu medo dizendo que seus irmãos e o sofrimento de suas mães para tê- “os pastores comentavam que o sexo de Jacó era los: Rubem, Simão, Levi, Judah, Zebulon, Naftali, uma aberração da natureza” (p. 33). Issacar e ela mesma, filhos de Lia; Gad e Asher, Assim, no dia de seu casamento, a jovem Raquel filhos de Zilpah; José, filho de Raquel; e Dan, fi- entrou em pânico e implorou à irmã mais velha lho de Bilah. Sobre Benjamim, Dinah sabe pouco, para ir em seu lugar. “Zilpah disse que você con- já que não estava presente em seu nascimento e sentiria – bradava ela” (idem). Embora com medo não ouviu suas histórias. de ser desmascarada, Lia aceita a proposta da irmã. Ao contar sua própria história, agora já na se- Lia foi para a tenda de Jacó, que foi bom para gunda parte de A Tenda Vermelha, Dinah, a narra- ela, acariciou suas mãos, tocou seu rosto e, como dora, em um primeiro momento, tece as relações conta: “penetrou-me lentamente da primeira vez, com os irmãos e depois conta sobre a saída da fa- mas acabou tão depressa que eu não tive tempo mília de seu pai das terras de Labão. nem de me acalmar” (p. 35). A viagem, que agradara a Dinah, de repente, Depois da semana de núpcias os dois decidiram torna-se temerosa com o medo de Jacó pelo reen- que Jacó sairia indignado, dizendo que fora enga- contro com Esaú. Tal encontro, contudo, permitiu nado e que cumprira o dever de passar as sete noi- que Dinah conhecesse sua avó Rebecca, que era tes e dias com Lia em vez da amada Raquel, so- conhecida como Oráculo e era servida por muitas mente para livrar Labão da “filha desgraciosa”. sacerdotisas; também pôde ouvir músicas tão lin- Jacó colocou suas condições: queria Zilpah como das que a faziam chorar. Jacó se instalou nas re- parte do dote de Lia, outro décimo do rebanho e dondezas de Shechem, cidade que mudaria para trabalharia mais sete meses por Lia, como traba- sempre o destino de Dinah. lhou por Raquel; e ainda, exigia que Raquel lhe Dinah vai para a Tenda Vermelha. Ali recebe os fosse dada por esposa para se fazer justiça. Raquel, cuidados de suas mães que massageiam seu corpo, já arrependida, cuspiu em Jacó. untam-lhe com óleo e perfumes, cantam para ela e O casamento de Raquel deu-se aproximadamente a fazem passar por um ritual em que seu sangue é um mês depois ao de Lia. Para “proteger a felicida- derramado na terra em honra a Innanna, Rainha da de da irmã” (p. 39), Lia guardou para si a notícia Noite, de modo que sua virgindade não pudesse ser de sua gravidez até a volta de Raquel da tenda de transformada em um prêmio (p. 159). Jacó. Raquel, indignada, acusou a irmã de roubar- Dinah passou a acompanhar Raquel nos partos lhe o posto de primeira esposa. Raquel, ainda, so- como ajudante. Um dia, a rainha de Shechem, Re- 105 nefer, mandou chamar as parteiras da casa de Jacó Não muito diferente do que nos contam os textos para atender a uma das mulheres de Hamor. Ra- bíblicos, Shalem foi falar com seu pai, Hamor, quel, juntamente com Dinah, foi para a cidade. Já sobre Dinah. Ele estava disposto a dar o que a fa- no palácio, Dinah ouviu uma voz masculina e foi mília de Jacó pedisse como dote.

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