Caracterização Macroclimática E Potencial Enológico De Diferentes Regiões Com Vocação Vitícola De Minas Gerais

Caracterização Macroclimática E Potencial Enológico De Diferentes Regiões Com Vocação Vitícola De Minas Gerais

32 Vinhos finos: rumo à qualidade Caracterização macroclimática e potencial enológico de diferentes regiões com vocação vitícola de Minas Gerais Jorge Tonietto1 Rubens Leite Vianello2 Murillo de Albuquerque Regina3 Resumo - A qualidade do vinho está intimamente associada à qualidade de maturação da uva e esta, por sua vez, ligada às características de solo, de manejo e, principalmente, de clima da região de cultivo. Minas Gerais apresenta uma grande variação de condições climáticas em seu território, contrastando o clima seco e quente da região Norte com as condições de temperaturas mais amenas e precipitações mais abundantes e distribuí- das das regiões montanhosas do Sul. Nesse contexto, as possibilidades enológicas para elaboração de vinhos finos são bastante variáveis e devem ser equacionadas, a priori e como fator preponderante, quando da instalação de projetos vitícolas. As possibilida- des e os riscos de cada região devem ser analisados, orientando-se em modelos de climatologia vitícola que permitem indicar quais os tipos de vinhos que podem ser ela- borados nas diferentes regiões. Atualmente, novos projetos vitícolas encontram-se instalados ou em fase de instalação em praticamente todas as macrorregiões geográficas do Estado. Palavras-chave: Vitis vinifera. Uva. Viticultura. Vitivinicultura. Climatologia. Tem- peratura. Precipitação. INTRODUÇÃO potencial climático existente ao longo do Região Sudeste do Brasil, entre os paralelos A qualidade do vinho é uma resultante ano em diferentes regiões do estado de Mi- 14° 13' 57" e 22° 55' 47" de latitude sul e direta da qualidade da uva. Por sua vez, nas nas Gerais, buscando-se alternativas para entre os meridianos 39° 51' 24" e 51° 02' diferentes regiões de produção de vinho do a produção de vinhos finos. Não se pre- 56" de longitude oeste. Abrange uma área mundo, a qualidade da uva é fortemente tende fazer uma abordagem climatológica de 582.586 km², que representa 6,9% da influenciada pelo clima vitícola (TONIETTO; ampla para todo o Estado, mas tão-somente área total do Brasil. Portanto, é um Estado CARBONNEAU, 1999). Alguns trabalhos enfocar a questão sob o ângulo de seu inteiramente contido na zona intertropi- já sinalizam para a possibilidade de produ- potencial vitivinicultor, uma alternativa cal (CUPOLILLO, 1997). ção de uvas para vinhos em Minas Gerais, promissora para a agroindústria do Estado. Minas Gerais apresenta considerável especialmente considerando a produção na complexidade climatológica, levando-se estação seca (CONCEIÇÃO; TONIETTO, CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA em conta a diversidade de fatores presentes DO ESTADO 2005; AMORIM et al., 2005). Nesse sentido, em todo o seu território. O extremo norte, este estudo tem por objetivo caracterizar o O estado de Minas Gerais situa-se na parte integrante do Polígono das Secas, 1Engo Agro, D.Sc., Pesq. Embrapa Uva e Vinho, Caixa Postal 130, CEP 95700-000 Bento Gonçalves-RS. Correio eletrônico: [email protected] 2Engo Agro, Pós-Doc., Pesq. INMET-5o Distrito de Meteorologia, Av. do Contorno, 8159, Santo Agostinho, CEP 30110-051 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: [email protected] 3Engo Agro, Pós-Doc, Pesq. EPAMIG-CTSM-Núcleo Tecnológico EPAMIG Uva e Vinho, Caixa Postal 33, CEP 37780-000 Caldas-MG. Correio eletrônico: [email protected] Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.27, n.234, p.32-55, set./out. 2006 Vinhos finos: rumo à qualidade 33 seco e quente, contrasta com o sul, de to- denominada Zona de Convergência do sendo o trimestre dezembro-fevereiro o pografia acidentada e chuvas mais ou me- Atlântico Sul, responsável por chuvas responsável por mais de 50% do total anual. nos bem distribuídas ao longo do ano e contínuas. Associados a esses sistemas, Os valores da precipitação média anual temperaturas amenas; grandes formações ocorrem as frentes quentes e as linhas de variam bastante: no Norte, Nordeste e montanhosas contrastam com vales ex- instabilidade, principalmente no verão, Leste do Estado, oscilam entre 700 e tensos, com variações de altitude de 250 m provocando chuvaradas convectivas in- 1.000 mm; no Triângulo Mineiro e Alto a 2.700 m, ora intensificando, ora inibindo tensas e localizadas. A topografia de Minas Paranaíba, entre 1.400 e 1.700 mm; no No- as formações pluviais; a porção leste, su- Gerais atua como modulador climático, com roeste, entre 1.000 e 1.500 mm; no restante jeita à influência oceânica, contrasta com a atuação de destaque sobre a distribuição do Estado, há uma variação entre 1.200 continentalidade do Triângulo Mineiro e das chuvas e sobre as variações térmicas, e 2.500 mm, correspondendo os valores do Noroeste do Estado. Contrastantes tam- tanto no verão quanto no inverno. Em al- mais altos às regiões de maior altitude das bém são suas paisagens vegetais, desde a tos níveis, a Alta da Bolívia, localizada a serras do Espinhaço e Mantiqueira. Pelas caatinga no extremo norte, passando por 150 hPa, no verão, exerce forte influência conseqüências negativas sobre a agricul- vastas áreas ocupadas pelo Cerrado de sobre o regime de chuvas em Minas Gerais, tura, há que se destacar a ocorrência do diferentes densidades, aos campos de Estado que se situa entre esse centro de fenômeno denominado “veranico”, perío- montanhas e às formações florestais re- alta pressão e o cavado compensador de do entre 10 e 25 dias, por vezes mais, du- manescentes da floresta Atlântica (VIA- leste (VIANELLO, 1986). rante o período chuvoso, em que não ocor- NELLO et al., 2004). rem chuvas, coincidindo ainda com altas Quanto à dinâmica atmosférica, o Estado ANÁLISE CLIMATOLÓGICA temperaturas e, conseqüentemente, com acha-se sujeito à influência de mecanismos Os dados climatológicos usados para evapotranspiração elevada. Ocorre, nor- de larga escala, como os Anticiclones quase- o traçado dos mapas apresentados (Fig. 1 malmente, em janeiro ou fevereiro, perío- estacionários do Atlântico Sul e do Pacífico a 5), bem como aqueles utilizados para a do de maior desenvolvimento das cultu- Sul, responsáveis, em grande parte, pelas caracterização climática das localidades ras, por isso chegando a provocar redução condições do tempo meteorológico sobre discriminadas neste artigo, foram obser- de 30% a 40% nas safras (ANTUNES, o Estado, uma vez que exercem influência vados pelo Instituto Nacional de Me- 1986). destacável na penetração das massas de teorologia (INMET), cobrindo o período de Os valores observados das tempe- ar tropicais úmidas e polares. Particu- 1961 a 1990. Os mapas foram preparados raturas são bastante influenciados pela larmente, o Anticiclone do Atlântico Sul pela Seção de Análise e Previsão do Tempo/ latitude e, principalmente, pela altitude, destaca-se pelo papel que desempenha 5o Distrito de Meteorologia (SEPRE/5o dado o relevo acentuado de grande parte sobre o clima. Sua presença dominante DISME) do INMET, com a participação do Estado (Fig. 2A, 2B, 3A e 3B). As sobre o continente brasileiro, no inverno, ativa da Seção e Observação e Meteo- médias compensadas mensais vão de é o principal mecanismo a justificar a es- rologia Aplicada (SEOMA). Esclareça-se 13°C, nas regiões mais elevadas das Serras tação seca em Minas Gerais. Por outro lado, que nem todas as localidades possuem a da Mantiqueira e do Espinhaço, até 27°C, no verão, localizando-se sobre o Atlântico série completa, sendo utilizada, nesse caso, no Norte e Leste do Estado. As médias Sul, induz uma circulação nos quadrantes a maior série disponível em cada local. Os mensais das temperaturas extremas variam Norte e Leste, com a conseqüente invasão dados de irradiância solar global (radiação de 4oC a 33oC. de ar quente e úmido, principal responsá- solar) incidente à superfície foram extraídos Nas regiões Sul, Sudoeste, Centro-Sul vel pelas chuvas de verão, especialmente dos campos mensais estimados por Nunes e Triângulo podem ocorrer geadas, fe- quando aquela massa de ar encontra-se et al. (1979). nômeno restrito à estação do inverno, com com a massa fria polar oriunda do Sul. Outro As Figuras 1 a 5 mostram, claramente, uma ocorrência anual de 50%, no extremo centro de destaque sobre o continente, em a variação climática (temperatura, pluvio- sul; 20%, no Sudoeste e no Centro-Sul; e baixos níveis, é a Baixa do Chaco, formada sidade, umidade), para os meses de janei- 10%, no Triângulo Mineiro (Fig. 4). pelo grande aquecimento continental, no ro e julho, representativos, respectiva- Os pontos sobre as isolinhas preta, verão. Esse centro de baixa pressão pro- mente, das estações do verão e inverno em azul e vermelha têm, respectivamente, 50%, voca intensas formações convectivas que Minas Gerais. 20% e 10% de probabilidade de que ocor- penetram o estado de Minas Gerais, asso- Quanto ao regime pluvial (Fig. 1A e 1B), ra pelo menos uma geada por ano. Em ciando-se às frentes polares e dando ori- observam-se, claramente, dois períodos outras palavras, pontos sobre as isoli- gem a uma larga faixa de grande nebu- bem definidos. Um chuvoso, de verão, e nhas preta, azul e vermelha devem esperar losidade, não raras vezes estacionando-se outro seco, de inverno. A precipitação, em uma geada a cada dois, cinco e dez anos, sobre Minas Gerais no sentido noroeste- quase sua totalidade, concentra-se em seis respectivamente (Fig. 4). sudeste, por vários dias, dando origem à ou sete meses do ano (outubro a abril), É notável a correlação que se observa Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.27, n.234, p.32-55, set./out. 2006 34 Vinhos finos: rumo à qualidade Figura 1 - Regime de chuvas para o verão e inverno em Minas Gerais NOTA: Figura 1A - Normal de chuva, no período 1961-1990, para o mês de janeiro. Figura 1B - Normal de chuva, no período 1961- 1990, para o mês de julho. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.27, n.234, p.32-55, set./out. 2006 Vinhos finos: rumo à qualidade 35 Figura 2 - Temperaturas médias para o verão e inverno em Minas Gerais NOTA: Figura 2A - Normal de temperatura média compensada, no período 1961-1990, para o mês de janeiro.

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