Lógicas no Futebol Dimensões Simbólicas de um Esporte Nacional Luiz Henrique de Toledo Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Antropologia Orientador: professor doutor José Guilherme Cantor Magnani Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Departamento de Antropologia São Paulo, 2000 Resumo ‘LÓGICAS no FUTEBOL’ propõe reconstituir no plano da dimensão simbólica alguns dos aspectos que encerram a dinâmica entre os atores que conformam o chamado futebol profissional. Esporte nacional que articula vários domínios na sociedade, o futebol está sendo enfocado neste trabalho a partir de um modelo etnográfico definido pela atuação de alguns dos atores sociais que o compõem, a saber, jogadores, técnicos, cronistas especializados, torcedores entre outros que, articulados às suas práticas sociais específicas, definem um socius esportivo cuja dinâmica incide sobre os processos de identificação nacional. A análise privilegia a dimensão cotidiana, em relação a ritual, como referencial teórico e metodológico, recortada a partir de alguns contextos particulares de exercício profissional, vivência e sociabilidade desses atores. Com isso, intenta-se confrontar determinadas versões de um mesmo fenômeno esportivo e o modo como são construídas e reciprocamente engendradas as representações sobre o jogo e a própria sociedade que o gesta. II Para Rita , Mariza , Renata e Soraya , torcedoras assíduas desta pequena trajetória. III Agradecimentos Esta pesquisa contou com o suporte financeiro do CNPq durante quatro dos cinco anos de doutoramento. Agradeço ao Departamento de Antropologia da USP e ao Núcleo de Antropologia Urbana (NAU) por terem viabilizado este trabalho, cada qual dentro das competências e atribuições que lhes cabem. Um primeiro diálogo foi travado com as professoras Paula Montero e Manuela Carneiro da Cunha ainda na ocasião da banca de admissão no doutorado, agradeço a ambas pelo esforço inicial de crítica. Com a professora Maria Lúcia Montes e o professor Márcio Silva pude discutir no momento do exame de qualificação as possibilidades e as trajetórias que organizaram a pesquisa. Também sou muito grato às aulas de ambos, sobretudo os vários cursos de Maria Lúcia, com quem tive, desde os primeiros ensinamentos ainda na graduação, tudo a aprender. Aos integrantes do NAU, particularmente Ciméa Bevilaqua, Lilian Torres e Yara Schreiber, que se dispuseram a ler o exame de qualificação e discuti-lo comigo antes mesmo da apreciação oficial da banca. Embora ainda acredite que treino é treino, jogo é jogo , as observações feitas naquele momento, de estimulante treino acadêmico, foram fundamentais, somadas às do amigo Fernando Viana, o Fedola , para enfrentar a qualificação e dar prosseguimento às minhas investigações. Toda esta trajetória, da graduação até aqui, contou com a presença e o diálogo intelectual e fraterno inestimáveis do professor José Guilherme Cantor Magnani, responsável direto, obviamente sem o ônus dos inevitáveis desvios, na escolha da Antropologia como disciplina que segue orientando decisivamente minhas pesquisas, desde o mestrado. Outra ajuda fundamental veio de Piero de Camargo Leirner, amigão de todas as horas, que de modo muito paciente e incisivo lê e discute, há um bom tempo, vários dos meus textos. Muitos consangüíneos, afins, colegas, amigos e “chegados”, uma considerável parentela, colaboraram diretamente na reunião de todo o material aqui utilizado. Na forma IV de textos, teses, livros, jornais, pequenos relatos, conversas, críticas, comentários, observações, brincadeiras, idéias, questionamentos, dúvidas, enfim, por tudo isso, e muito mais ainda, gostaria de, nominalmente, citá-los. Então, aí vão eles: Dida e “dona” Eva, “seu” Amim Gebara, Márcia, Vicente, Marlene Garcia, Andrés Vivas, Sônia, Isabel Frontana, Dylan, Bernardo Lewgoy, Celso Castro, Karina Kuschnir, Maurício Murad, André Pinto Pacheco, Adriana Dalla Ono, Ronaldo Almeida, Artionka, Angela Alonso, Fernando Limongi, Renato da Silva Queiroz, Samuel Titan Jr., Luiz Jackson, Fernando Pinheiro, Sérgio Marcolino Rosa, Antônio Luiz Garcia de Toledo, Marco Antônio de Toledo, Veridiana de Toledo, José Fernando de Toledo, Margareth Von Zeska, Carolina Marques, Heitor Frúgoli Jr., Cláudio Newcles Arantes, Roberto Da Matta, Luis “Dumont” Lacerda, Edilene Cofacci, Eduardo, Valentim, Roberto Carlos, Carlos Perito, Ademar Seabra, Sérgio Cândido, Edu Morandini, Wilson Lima da Silva, Marco Lopes Padilha, Marco Aurélio dos Santos, Tu, Brandão, Paulão, Dindão, Andreas, Raquel, Andrei Koerner, Albano, Milton Meira, Francisco José Nunes, Aracy Lopes da Silva, Lilia Schwarcz, Carlos André Cunha, José Eduardo, Elias Awad, Vercícia de Paula, Juliana Saporini, Ivanete Ramos, Rose de Oliveira, Ednaldo Faria Lima, Celso Cunha, Roseli Hasenfratz, Ruben Sosa Cabrera, Mariê Pedroso, Sussumo Harada, Iara Bernardes, Paulo, Beth, Chicão, Maria Amélia, Maria Luísa, Gérson Ferro, Edgar, Élcio, Eduardo, Edson, Elaine, Ernani, Dirce e Roberto de Toledo, Reinaldo T. B. Pacheco, Brasílio Sallum, Eduardo Kugelmas, Rodrigo Arco e Flecha, Paul e Carmen Lúcia de Toledo. V SUMÁRIO INTRODUÇÃO – Caixinha de surpresa 1 1. folha seca – um percurso metodológico 1 2. jogos versus esportes 20 2.1 uma contenda acadêmica 20 2.2 o modelo etnográfico: a peleja entre profissionais , especialistas e torcedores 36 CAPÍTULO 1 – Treino é treino, jogo é jogo 39 1. o futebol jogado nos manuais 41 1.1 breve histórico dos manuais técnicos 41 1.2 universalizando as regras, fragmentando estilos 50 1.3 as formas do jogar 67 1.4 a linguagem dos esquemas táticos 77 2. curso básico e soccer clinic 84 2.1 futebol se aprende na escola 84 2.2 do estilo à técnica 100 2.3 os técnicos de ponta 106 2.4 trajetórias e dilemas profissionais 117 3. rotinas e rituais 131 3.1 a máxima de Didi 131 3.2 os CTs e os treinos vistos dos alambrados 139 3.3 dos técnicos aos preparadores físicos e mentais 146 3.4 a busca das formas-representações 161 VI CAPÍTULO 2 – Jornada esportiva 171 1. os sentidos multiplicadores do jogo, no campo dos especialistas 173 2.1 a “invenção” da crônica e dos cronistas 173 2.2 especialistas e “amadores” 178 2.3 clubismo e bairrismo entre os especialistas 184 2. as coberturas diaristas 189 2.1 esportes nas coberturas jornalísticas 189 2.2 “fontes” e mídia esportiva 194 2.3 técnica e estilo do jornalismo esportivo diarista 199 2.4 a construção simbólica da emoção entre os especialistas 213 3. transmissões ao vivo e as mesas redondas 219 3.1 comentaristas, locutores, repórteres e cinegrafistas 219 3.2 o ponto de vista dos especialistas 227 3.3 futebol falado 231 CAPÍTULO 3 – Futebol não tem lógica? 242 1. significados do torcer 244 1.1 sócios versus assistências 244 1.2 as primeiras formas coletivizadas do torcer 250 1.3 a violência vista “de dentro” e “de fora” do campo esportivo 256 1.4 das torcidas organizadas aos sócios-torcedores 270 2. mesas de bares e a sociabilidade cotidiana 275 2.1 da lógica competitiva e outras lógicas 275 2.2 sociabilidade cotidiana e o ethos “de bar” 288 2.3 lógica do sensível 296 3. torcer e enxergar o jogo 302 3.1 de olho no lance 302 3.2 versões de um mesmo esporte 313 VII CONSIDERAÇÕES FINAIS 318 BIBLIOGRAFIA I 1. teses, dissertações, periódicos e publicações científicas I 2. crônicas, ensaios, biografias, manuais técnicos e publicações de divulgação esportiva XII 3. jornais, revistas, catálogos, folders , documentos manuscritos, panfletos, programas esportivos, home pages, sites, endereços eletrônicos XVII VIII 1 INTRODUÇÃO - Caixinha de surpresa 1. folha seca – um percurso metodológico Folha seca nomeava, para além de um lance bem sucedido de gol, uma trajetória quase que improvável imposta à bola, desferida de modo singular por Didi, um dos protagonistas da conquista brasileira no mundial da Suécia. Chute considerado um tanto quanto insensato, sobretudo do ponto de vista indignado de seus adversários, descrevia no ar um percurso sinuoso, uma meia parábola como afirmam alguns 1, obviamente intencionada, uma vez que a bola alcançava não raramente as redes adversárias, mansamente. Folha seca foi um ato quase que solitário, marcado pela habilidade individual de um “gesto” repetido e inúmeras vezes treinado, mas socialmente muito valorizado, revelando na mesma proporção uma considerável dose de improviso, recurso que tal procedimento exigia, cada vez que realizado pelo jogador. Intento reconstituir neste tópico os percursos de uma pesquisa cujo desfecho, se não possui a genialidade de tal jogada, impossível para um torcedor comum, ao menos compartilha daquilo que dizia respeito às imponderabilidades que também motivavam os debates em torno dos chutes de Didi. Num outro plano, percorro os meandros metodológicos que enfrentei durante a elaboração da pesquisa de campo. Trajetória sinuosa muitas vezes imposta pelas injunções da própria temática, que se vislumbrou num campo quase que ilimitado de 1 . O investimento e significado simbólicos em torno dos chutes de Didi são tamanhos que, volta e meia, comportam outras explicações ou definições, tais como algumas que seguem: “Uma dolorosa contusão no tornozelo da perna esquerda levou este jogador detalhista à utilização, não do peito do pé ou de faces interior e exterior, mas de sua extremidade, batendo na bola com a superfície do dedo maior e dois artelhos. Com isso, a dor não se manifestava, e nascia a bola-de-efeito tanto para o passe
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