O VALE DO JEQUITINHONHA EM SEUS MÚLTIPLOS ASPECTOS: HISTÓRIA, CAMPESINATO, ARTESANATO E SECA NAS COMUNIDADES DE COQUEIRO CAMPO E PINHEIRO/MINAS NOVAS – MG Ludimila de Miranda Rodrigues Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG [email protected] Gisele Oliveira Miné Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG [email protected] Maria Aparecida dos Santos Tubaldini Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG [email protected] Resumo O Vale do Jequitinhonha compreende entre os chapadões de Minas uma riqueza social, cultural e humana que pode ser observada no modo vida tradicional dessas comunidades, que mesmo em meio à seca e às dificuldades econômicas do lugar desenvolvem uma série de alternativas de manutenção e reprodução social. O objetivo desse trabalho consiste em compreender a diversidade de ralações, práticas sociais e modos de vida ligados às concepções do campesinato das comunidades Coqueiro Campo e Pinheiro localizadas no município de Minas Novas/ Vale do Jequitinhonha, sendo esta última uma comunidade Quilombola. Observamos que a diversidade sociocultural do Vale do Jequitinhonha, relacionado com o seu processo de formação histórica, envolvendo vários povos e culturas, contribui fortemente para a manutenção da sustentabilidade social, cultural e econômica das comunidades rurais estudadas. Palavras - chave: Comunidades tradicionais. Vale do jequitinhonha. Sustentabilidade sociocultural. Campesinato. Introdução O Vale do Jequitinhonha é marcado por uma diversidade natural e sociocultural que se revela nas manifestações culturais, marcadas tanto por traços da cultura indígena quanto negra. Tais manifestações envolvem grupos folclóricos, conjuntos arquitetônicos históricos, modos de vida camponês e a produção de artesanatos típicos dessa região. Tal diversidade é marcada tanto pelos elementos naturais, quanto pela diversidade humana - resultado do longo processo histórico de ocupação, marcado pela mineração de ouro e diamante nos séculos XVIII; ressaltando-se também diversas manifestações e práticas culturais, modos de vida camponês e diversidade de atividades agropastoris que predominaram nesta região. A abundância do ouro e do diamante nas Minas Gerais levou a um deslocamento do eixo econômico colonial do Nordeste do Brasil para o Sudeste. E no sudeste, sobretudo 1 em Minas Gerais, a mineração avançou durante o início do século XVIII, pelo sul do estado e se instalou na região central, avançando pela Serra do Espinhaço até o Alto Jequitinhonha (Serro, Diamantina, Minas Novas), favorecendo a expansão regional com a criação de núcleos urbanos aonde esta atividade se estabeleceu e desenvolveu-se. Além da rota do ouro, na porção norte de Minas Gerais, a rota do São Francisco, tendo na pecuária extensiva sua maior expressão econômica, promoveu também, embora em ritmo mais lento, uma ocupação do território mineiro. Estas duas rotas são colocadas por José de Souza Valdir (2010), como importantes eixos que permitiram posteriormente a continuidade do avanço da ocupação para o oeste e para o nordeste mineiro nos vales do Jequitinhonha e do mucuri ao longo do século XIX . As primeiras tentativas de conquista do território de Minas Novas já haviam sido realizadas durante o século XVI, quando partiram do litoral baiano os primeiros aventureiros europeus que chegaram às Minas Gerais. Um exemplo disso foi a expedição Espinosa-Navarro que partiu de Porto Seguro, em 1553, rumo ao interior do continente chegando ao território que viria a ser mais tarde o nordeste de Minas Gerais. Outras expedições menores seguiram-se como as chefiadas por Martin Carvalho em 1567; Sebastião Fernandes Tourinho, em 1572; Antônio Dias Adorno, em 1576; e Marcos de Azevedo, em 1596; adentrando o sertão à procura de riquezas muito antes dos “currais de gado” se estenderem pelo Vale do São Francisco ou das minas de ouro serem descobertas pelos bandeirantes na região centro sul no atual estado de Minas Gerais. A ocupação da região de Minas Novas se deu no século XVIII, através da bandeira de Antonio Soares Ferreira e do sertanista Sebastião Leme do Prado, que saíram de Sabará, desbravaram e construíram a Vila de Príncipe, atual Serro, em 1714. Anos depois, em 1729, Leme do Prado avançou para outras áreas em busca de ouro e diamantes encontrando no Rio Fanado, afluente da margem direita do Rio Jequitinhonha, expressiva quantidade de ouro. Às margens do Rio Fanado, Leme do Prado, estabeleceu um vilarejo denominado de Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas do Fanado. A partir daí, enormes contingentes populações se dirigiram a região em busca de riquezas. Em 1817, quando o naturalista Saint Hilaire passou pela região, ele registrou que a exploração do ouro já não era mais a principal ocupação dos habitantes de Minas Novas, destacando a agricultura de subsistência e a pecuária como atividades mais importantes da região. A redução gradativa da atividade mineradora deu lugar a agricultura como principal atividade econômica da população local. Desenvolvida por 2 agricultores familiares para subsistência, a agricultura foi, sobretudo, praticada nas margens dos rios e córregos ocupando as “grotas”, enquanto as chapadas transformaram-se em terras coletivas utilizadas para o pastoreio do gado e para a coleta de frutos silvestres, nativos do cerrado que a partir da década de 50 (século XX) foram apropriadas pelo grande capital através das empresas reflorestadoras, no contexto de modernização econômica brasileira Este trabalho objetiva entender as diversas relações, práticas sociais e modos de vida camponês de duas comunidades localizadas no município de Minas Novas\Vale do Jequitinhonha, a saber, a comunidade de Coqueiro Campo e a comunidade Quilombola de Pinheiro. Este trabalho é fruto de projetos de pesquisa desenvolvidos no âmbito do Laboratório de Geografia Agrária e Agricultura Familiar, que contempla o núcleo Terra & Sociedade de Estudos em Geografia Agrária, Agricultura Familiar e Cultura Camponesa, ligado institucionalmente ao Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e coordenado pela Prof. Dra. Maria Aparecida dos Santos Tubaldini. Além de reflexões e visitas de campo desenvolvidas no âmbito da disciplina “Agricultura Familiar e Desenvolvimento Sustentável” ministrada pela coordenadora do núcleo. Do ponto de vista social, econômico e histórico podemos afirmar que ambas as comunidades são constituídas por grupos familiares que praticam atividades agropastoris em pequenas propriedades. A comunidade de Pinheiro possui um diferencial por se tratar de uma comunidade quilombola e por já terem o reconhecimento oficial da Fundação Palmares como remanescentes quilombolas. Desenvolvimento do Trabalho De acordo com JESUS (2009), o município de Minas Novas, é marcado pela existência de um grande numero de habitantes residentes no espaço rural que praticam uma agricultura de cunho familiar com fortes traços de campesinato tradicional. Sobre o modo de vida camponês, Wanderley (1996, p.2) nos aponta que as sociedades camponesas podem ser entendidas a partir de cinco características fundamentais 1) autonomia face à sociedade global; 2) importância estrutural dos grupos domésticos; 3) sistema econômico de autarquia relativa; 4) uma sociedade de interconhecimentos e, por fim: 5) a função decisiva dos mediadores entre a sociedade local e a sociedade global. 3 Segundo Mendras (1978) podemos caracterizar a sociedade camponesa por uma homogeneidade cultural, onde todos os seus membros comungam de uma visão de mundo comum, com os mesmos sistemas de valores, uma linguagem comum e uma mesma moral. Assim, para este autor “[...] o sermão dominical do padre, na missa, seja compreensível igualmente a todos é o melhor signo dessa homogeneidade cultural: ele utiliza algumas palavras, faz referências a crenças e a valores, evoca imagens e situações conhecidas de todos” (MENDRAS, 1978). A preocupação com as gerações futuras também é um fator determinante para compreender o modo de vida camponês. No que tange a projeção futura das sociedades camponesas, a autora afirma que estas atuam no presente com vistas a sua perpetuação futura. Desta forma ao enfrentar o presente e preparar o futuro, o agricultor recorre ao passado, às suas raízes culturais e ao saber tradicional passado pelos seus antepassados. Assim os valores culturais cultivados pelas sociedades camponesas, as tradições e seus costumes, fazem parte das suas estratégias de reprodução social. A religiosidade é outra característica marcante do camponês, de forma que para este “são os santos e as divindades que dão sentido aos dias especiais” (MOURA, 1988), assim sendo, os feriados cívicos decretados pelo Estado nenhuma mudança impõe ao ritmo de vida camponesa, diferentemente do que ocorre em dias de festejos do santo padroeiro. Moura (1988) cita ainda o envolvimento do camponês com sua “divindade” de devoção quando se passa por alguma dificuldade. A religião do camponês baseia-se na divida para com a divindade de forma tão direta e intensa que a desconfiança de que o sobrenatural desconhece um pedido feito a ele pode levar o crente a castigá-lo de alguma forma. (...) A outra face do conceito de divida é a preocupação do camponês em cumprir a promessa feita à divindade e de materializar em orações e bens a gratidão pela graça atendida, temendo um castigo se assim não agir. (MOURA, 1988, p.20-1) Outro traço importante a ser analisado na cultura camponesa é a oposição entre homem/mulher que se verifica nos ambientes da casa, do trabalho na roça e na
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