Um Balanço Sobre a Diplomacia Dos Presidentes Collor, Itamar, Cardoso E Lula

Um Balanço Sobre a Diplomacia Dos Presidentes Collor, Itamar, Cardoso E Lula

Política externa em perspectiva: um balanço sobre a diplomacia dos presidentes Collor, Itamar, Cardoso e Lula Carlos Ribeiro Santana m traço da diplomacia brasileira é a capaci- fatores de continuidade e permanência. Orienta-se no sen- dade de expandir e diversificar as relações tido da consecução dos interesses nacionais no plano inter- internacionais do Brasil. Considerando- nacional. A política internacional, por sua vez, emerge da se as dimensões do País, a necessidade de relação conflitiva ou interativa das políticas externas que uma presença universal mostra-se natural compõem o sistema internacional. Refere-se a normas de e indispensável. A flexibilidade da ação externa – no sen- conduta no âmbito mundial ou à política frente ao mundo Utido de não haver focos únicos, excludentes – expande a contemporâneo. O artigo envolve, destarte, a política ex- agenda diplomática tanto temática quanto geograficamen- terna no sentido expresso acima. te. Dessa forma, o acervo de participação positiva da diplo- macia brasileira, sempre apoiada em critérios de legitimi- O governo Collor dade, amplia o leque de atuação da política externa frente O governo do presidente Collor, que assumiu em 1990, aos rumos da ordem internacional. foi marcado por estilo personalista e imediatista, provo- O presente artigo busca estudar a política externa do cando a marginalização de certos quadros da burocracia Brasil, os seus condicionantes internos e externos e as rela- estatal. De acordo com o Embaixador Paulo Nogueira ções bilaterais e multilaterais do País no contexto dos últi- Batista1, o ponto de partida da política externa do período mos quatro presidentes, levando-se em conta característi- foi “a intenção declarada de reexaminar os pressupostos do cas conceituais e práticas. Convém ressaltar que a política modelo de desenvolvimento brasileiro e da política exter- externa envolve aspectos mais determinados dentro do na que lhe dava apoio”. Nesse sentido, a diplomacia deveria conjunto das relações internacionais, enfocando a “orien- buscar a inserção competitiva do País na economia mun- tação governamental” de determinado Estado a propósito dial frente ao contexto da filosofia neoliberal do chamado de determinados governos e/ou Estados, ou ainda regiões, Consenso de Washington. Para o Embaixador, durante a situações e estruturas em conjunturas específicas. Envolve administração Collor, marcada pela diplomacia presiden- os acervos diplomáticos permanentes, percebidos como cial, o Itamaraty não foi o principal formulador da políti- ca externa e nem participou ativamente de sua execução. Carlos Ribeiro Santana é diplomata e Mestre em Relações Com efeito, o papel do Ministério das Relações Exteriores Internacionais pela Universidade de Brasília. O presente como formulador de quadros conceituais de política exter- artigo reflete apenas as opiniões pessoais do autor e não na foi ligeiramente diminuído pelo presidencialismo per- busca representar as posições oficiais do governo brasileiro. sonalista de Collor. 8 CARTA INTERNACIONAL NOVEMBRO 2006 A inflexão da iniciativa presidencial como determinan- nacional do desenvolvimento. A partir da Conferência do te da política externa ocorreu ao final de 1991, com a refor- Rio, o Itamaraty retomou o papel de coordenação no pro- ma ministerial que levou à nomeação de Celso Lafer para cesso decisório da política externa, atenuado durante o iní- o Itamaraty, em substituição a Francisco Rezek. O novo cio do governo Collor. chanceler estaria mais em sintonia com o quadro diplo- A adaptação criativa consistia em traduzir as necessi- mático do Ministério, embora fizesse críticas ao estilo do dades internas em possibilidades externas. Dois exemplos, Itamaraty. Dessa forma, a gestão Lafer buscou compatibi- segundo o Chanceler, seriam a Conferência do Rio e a ati- lizar as agendas interna e internacional com uma “combi- tude do País diante dos regimes de controle de transferên- nação de tradição e inovação”2 na política externa. Um dos cia de tecnologia sensível.4 De acordo com essa diretriz, objetivos principais da diplomacia consistiu em reintegrar o Brasil não deveria aceitar “imobilismos no mundo em constante transformação”, bem como práticas Durante o governo Collor, o Itamaraty não foi o e tendências que lhe eram desfavoráveis. A diplomacia deveria guiar-se pela combinação principal formulador da política externa e nem entre a tradição e a inovação, dosando sempre participou ativamente de sua execução. a ação pragmática com o idealismo. A visão de futuro, por sua vez, seria a polí- tica externa “inspirada por aquele mínimo de o País aos fluxos dinâmicos da economia mundial, no in- utopia sem o qual o peso dos fatos e dos condicionamen- tuito de promover a inserção competitiva do Brasil. tos não será superado”. Por meio desse elemento, o País As diretrizes da política externa do ministro Lafer en- reforçaria as estruturas de cooperação em matéria de co- volveram, basicamente, quatro elementos conceituais: as mércio, investimento e transferência de tecnologia. Como parcerias operacionais, os nichos de oportunidade, a adap- exemplos de visão de futuro, pode-se citar a Agenda 21, tação criativa e a visão de futuro.3 As “parcerias operacio- aprovada durante a Conferência do Rio, a qual incorporou nais” apresentavam-se no contexto da inserção competitiva esse conceito “ao consolidar um programa de princípios do País, um dos objetivos fundamentais da política exter- de cooperação capazes de alterar a dinâmica simplista das na do Chanceler. Seriam predominantemente econômicas; relações de custo-benefício”5; e a posição do Brasil favo- porém, em alguns casos, com conteúdo político. Logo, o rável ao debate sobre a reformulação da composição do Mercosul era tido como a principal prioridade, seguido Conselho de Segurança das Nações Unidas. pelo relacionamento com a “tríade” Estados Unidos, União A atuação do ministro Lafer foi marcada pela Européia e Japão. A política de parcerias operacionais vi- Conferência do Rio e pela grande crise política interna, a sava a inserir o Brasil no sistema globalizado, auferindo qual culminou no afastamento do presidente Collor. Nesse ganhos com a liberalização multilateral do comércio, e a contexto, o Chanceler conferiu ênfase à Rio 92 como o aproximá-lo dos países do centro da economia mundial. ponto inaugural de uma nova era na diplomacia brasileira, Além de buscar parceiros operacionais, a política ex- cujas propostas de âmbito multilateral teriam tal peso que terna deveria explorar “nichos de oportunidades” que se deveriam ser obrigatoriamente discutidas pelos países de- apresentavam com o fim da Guerra Fria nos campos eco- senvolvidos. A Conferência do Rio teve também o papel de nômico e político. O chanceler chamava a atenção para o posicionar o Brasil como país mediador ou, como prefere potencial do relacionamento econômico bilateral com paí- Lafer, “construtor de consensos”, haja vista a estratégia de ses como Irã, Turquia, Emirados Árabes Unidos, República aproximação com o mundo desenvolvido sem abrir mão da Coréia e Israel. Essa política coadunava-se com o ob- da autonomia decisória nacional. jetivo da diplomacia de cultivar o multilateralismo “com Por fim, a política externa do governo Collor procurou, nichos de tratamento diferenciado”, como dizia o ministro basicamente, instrumentalizar, em âmbito externo, o pro- Lafer, buscando as oportunidades econômicas nas diversas cesso de reforma e de abertura econômica e restabelecer a frentes do relacionamento externo. credibilidade do País ante seus principais interlocutores no O Chanceler também cunhou dois conceitos para a mundo industrializado. Buscou utilizar a política externa nova diplomacia sob sua gestão: “adaptação criativa”, que como ferramenta para ampliar a competitividade interna- consistia em nova postura da política externa frente à reali- cional do País, melhorando as condições de acesso a mer- dade internacional da época; e “visão de futuro”, que busca- cado, crédito e tecnologia. Todavia, a tentativa do governo va a constituição de sistema internacional em consonância de abandonar o modelo estatista por meio de rápida im- com os valores e as aspirações nacionais. No contexto des- plementação de políticas liberalizantes viu-se constrangida ses novos conceitos e tendo como marco a Conferência das pela crise política deflagrada no segundo ano do mandato Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento presidencial. Do amplo pacote de reformas econômicas, (Conferência do Rio), em 1992, foi reforçada a ênfase con- envolvendo abertura comercial, liberalização de investi- ferida ao termo “desenvolvimento sustentável”, derruban- mentos, privatização de empresas estatais e renegociação do barreiras impostas por questões ecológicas ao objetivo da dívida externa, manteve-se em marcha apenas as novas CARTA INTERNACIONAL NOVEMBRO 2006 9 determinações no campo do comércio exterior. A atualiza- é, das questões de narcotráfico e terrorismo. No período, o ção da agenda diplomática frente às mudanças ocorridas presidente sugeriu inclusive que fosse criada, em contra- no cenário internacional também concorreu com a cons- partida à pretendida Área de Livre Comércio das Américas trução de agenda positiva com os Estados Unidos. (Alca), a Área de Livre Comércio Sul-Americana (Alcsa). Observou-se também a busca por melhores relações com O governo Itamar os Estados Unidos, com a Comunidade Européia, com o O governo Itamar foi tão curto quanto o do ex-presi- Japão e a ampliação dos vínculos diplomáticos com China, dente Collor. Pode-se dizer que constituiu

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