Opinião Pública E Futebol: Quando a Tradição E O Presente Interagem Walter José Moreira Dias Junior 1

Opinião Pública E Futebol: Quando a Tradição E O Presente Interagem Walter José Moreira Dias Junior 1

Opinião pública e futebol: quando a tradição e o presente interagem Walter José Moreira Dias Junior 1 Resumo: Este artigo tem como objetivo demonstrar como a opinião pública é capaz de interferir no rumo de instituições. Neste caso, irei sugerir a utilização do método descrito por Jean- Jacques Becker (1996) sobre a articulação do tempo na opinião pública. Irei sugerir a aplicação do conceito no C.R. Vasco da Gama, demonstrando a interação entre o interesse de contratação de um treinador com uma tradição estabelecida neste clube de futebol, que acabou gerando uma manifestação social por parte de sua torcida que, assim, influenciou os dirigentes a reconsiderar a decisão. Palavras-Chave: Opinião pública; Futebol; Racismo Abstract: This paper aims to demonstrate how public opinion is able to interfere in the direction of institutions. In this case, I suggest using the method described by Jean-Jacques Becker (1996) on the relationship of time in public opinion. I will suggest the application of the concept in C.R. Vasco da Gama, demonstrating an interaction between the interest of hiring a coach with an established tradition in this football club, which has led to a social statement by his supporters that so influenced the management of reconsider the decision. Keywords: Public Opinion; Football; Racism I- Introdução Abordando o Club de Regatas Vasco da Gama, tratarei da influência da opinião pública de sua torcida no próprio clube. Para isto inicio com uma breve explanação de como trabalharei com o conceito de opinião pública. A opinião é um espaço de debate, de reflexão crítica e de mudança constante. E o acontecimento presente reinveste o sentido do passado, atribuindo-lhe um sentido carregado de influência. Assim, os eventos recentes atuam sobre a opinião pública, que por sua vez, atua sobre os eventos. E conforme a visão de Jean-Jacques Becker (1996), utilizando preceitos de Wilhelm Bauer, o fenômeno da opinião seria formado por dois planos temporais que interagem entre si. Um relacionado ao tempo curto e o outro ao tempo longo. A estrutura de tempo curto seria a ¹ Graduando em História na Universidade Federal Fluminense. 2 reação da opinião imediata a um determinado acontecimento e a estrutura de tempo longo se relacionaria aos costumes, hábitos, tradições e ideologia de um determinado grupo. Deste modo, ocorre a formação de várias consciências coletivas, sendo uma dominante entre elas. Mas apesar de haver diferentes tendências de opinião pública, o historiador tem que buscar a dominante, porém a expressão no singular “a opinião pública” é usada por comodidade, porém corresponde a uma realidade plural com várias tendências paralelas. E em determinados momentos, a opinião pública pode conduzir à eclosão de uma manifestação social, porém mesmo quando ela não é aparente e se mantém silenciosamente, não deixa de ser por isto, uma forma de opinião. E como Norbert Elias (2006) esclarece, a opinião pública é um grupo de pressão não-organizado, mas possui um potencial de influência. II- O tempo curto E para examinar a forma em que este tempo curto, a divulgação da negociação com Antônio Carlos Zago para ocupar o cargo de treinador do C.R. Vasco da Gama, é necessário compreender o que o referido profissional realizou no dia 5 de março do ano de 2006 durante uma partida do Campeonato Gaúcho de futebol, quando ainda era jogador, tendo 36 anos de idade. O jogo era disputado no estádio do Juventude E.C., Alfredo Jaconi, entre a equipe da casa e o Grêmio FBPA. Antônio Carlos, zagueiro do Juventude, foi expulso de campo pelo árbitro Leandro Vuaden após ter acertado uma cotovelada no volante do Grêmio, Jeovânio, e se enfureceu com a atitude do adversário, que por sua análise no momento, havia valorizado a agressão sofrida tendo ficado estendido no chão. Na saída para os vestiários, após ter levado o cartão vermelho, Antônio Carlos esfregou o dedo indicador no antebraço em direção à Jeovânio, jogador negro, e vociferou algumas palavras nitidamente enraivecido 2. ² Folha de S. Paulo , 6 de março de 2006, p.D4; Esportes, O Globo , 6 de março de 2006, p.2. 3 Porém, como se não tivesse sido uma grande mostra de racismo, o que ainda auxiliou a prejudicar a imagem do zagueiro foram as suas tentativas inusitadas de explicar o seu gesto e de pedir desculpas sem admitir ter cometido qualquer ofensa. Primeiramente, Antônio Carlos logo após o jogo alegou que estava apenas limpando com o dedo um ferimento no braço. Já no dia seguinte à partida Antônio Carlos pareceu ter se empenhado na busca de uma justificativa melhor e alegou que quando esfregou o dedo no braço estava contra-argumentando o lateral do Patrício do Grêmio, quando o mesmo disse que ele jogava por um “timinho”, mostrando assim que sua pele já havia sido vestida por camisas de vários grandes clubes. E neste dia o zagueiro aproveitou para formular uma retratação singela já notando a repercussão do caso. Ele pediu desculpas sem reconhecer o racismo, utilizando as desculpas supracitadas e reconhecendo que pode ter falado a palavra “macaco” na saída de campo porque estava irritado com a situação no momento 3. A carreira de jogador de Antônio Carlos Zago terminou em 2007, sendo seu último clube o Santos F.C. Entre os anos de 2008 e 2009 foi diretor técnico do S.C. Corinthians Paulista e em junho de 2009 iniciou sua carreira de treinador na A.D. São Caetano. Assim, em dezembro de 2009, após conseguir bons resultados dirigindo a equipe do ABC paulista, Antônio Carlos teve seu nome sondado e tido como favorito a assumir o cargo de treinador do Vasco da Gama, que não havia renovado com seu treinador Dorival Júnior para a temporada seguinte. Deste modo, formam-se as prerrogativas para o estabelecimento do tempo curto nesta análise da influência da opinião pública. III- O tempo longo E sugiro a interação deste tempo curto com a escala temporal de tempo longo considerando como objeto o título do Campeonato Carioca de 1923 conquistado pelo C.R. Vasco da Gama, o primeiro no Brasil a ser conquistado por uma equipe que continha jogadores negros e mulatos no elenco. 3 Jornal do Brasil, 8 de março de 2006, p. A26; Esportes, O Globo , 7 de março de 2006, p. 21. 4 Na última década do século XIX, foram as figuras de Charles Muller e Oscar Cox que iniciaram a introdução do futebol profissional em São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente. Ambos viajaram para a Europa estudos – Miller à Inglaterra e Cox à Suíça –, e quando retornaram trouxeram bolas de couro, uniformes e chuteiras para a prática de uma modalidade esportiva em recente difusão, o “football”. Como se sabe, ambos eram oriundos de famílias ricas e fizeram a difusão deste novo esporte em seus próprios meios sociais. Os primeiros clubes a aderirem e serem criados para este fim foram impulsionados pela elite dos locais e pelos imigrantes ingleses no Brasil. Desta forma, o futebol profissional no Brasil nasce com uma marca elitizada e excludente, onde somente com a criação, em 1904, por parte de altos funcionários da Cia. Progresso Industrial do Brasil, o The Bangu Athletic Club, aceitaria operários em seu escrete. Esta adesão pelos empregados e operários deu-se por total falta de jogadores ingleses para compor os times, já que a fábrica se localizava distante do centro onde havia maior número de imigrantes da Inglaterra. Porém o Bangu ainda não tinha conquistado nenhum campeonato para ameaçar a hegemonia dos grandes clubes elitizados. Mas isto viria a ocorrer em 1923 com outro clube, o Vasco da Gama. Após conquistar bons resultados no remo surge a motivação de aderir também ao futebol, que já contava desde 1901 contava com a Liga Metropolitana de Futebol que organizava torneios na cidade. Esta adesão ao futebol profissional ocorreu no final de 1915, após a fusão de alguns clubes de origem portuguesa na cidade. Em 1916, o Vasco da Gama se filia à Liga e começa sua trajetória disputando o Campeonato da Terceira Divisão. Em 1917, é beneficiado por uma reformulação e ganha uma vaga na Segunda Divisão. Na década de 20 o futebol do Vasco se expandia, suas partidas recebiam cada vez mais público e recebia convites para disputar amistosos em outras cidades. Em 1922, o Vasco conquistou a Segunda Divisão e recebeu o direito de participar da Primeira Divisão. A equipe do Vasco diferenciava-se das equipes tradicionais por ter em seu time atletas que fugiam do padrão entre os jogadores amadores da época, muitos eram de origem humilde 5 e negros e que se dedicavam integralmente ao esporte, tendo maior possibilidade para aprimorar o preparo físico. Já que muitos os jogadores do Vasco eram remunerados e recebiam prêmios por vitória, o que também ocorria em diversos outros clubes. Em seu primeiro ano na Primeira Divisão do Campeonato Carioca o Vasco se sagrou campeão com onze vitórias e apenas uma derrota. Sendo o primeiro clube a levantar uma taça no Brasil contando com jogadores negros e mulatos no elenco. Mas além dessa conquista, o Vasco também se mostrou protagonista contra o preconceito social e racial quando permaneceu com a mesma convicção no ano de 1924. Pois os dirigentes que coordenavam o futebol amador no Rio de Janeiro, se sentindo afetados por um clube que tinha em seu elenco jogadores negros, pobres e vindos da periferia da cidade, impuseram um novo regulamento que obrigava os atletas de todas as equipes a comprovar o vínculo empregatício e assinar o nome na súmula. Desta maneira, pensavam poder afastar os jogadores que recebiam somente para jogar futebol, reforçando assim o amadorismo, e também os analfabetos, marca nas classes humildes da época.

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