DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA BACIA DO RIBEIRA DE IGUAPE: diagnóstico das condições socioeconômicas 1 e tipificação dos municípios Denyse Chabaribery2 Devancyr A. Romão3 Diva M. F. Burnier4 Leonam B. Pereira5 Márcio Matsumoto6 Maurício de Carvalho7 Michele Roth8 1 - INTRODUÇÃO1 2 3 4 5 6 7 8 Quando essas pessoas lá nasceram e quando outras pessoas, de fora, lá foram viver, A rapidez com que a dinâmica econômi- não estava claramente colocada uma questão ca ocorrida no Estado de São Paulo transformou socioambiental e o confronto direto com o modo seu interior, modificando o Homem rural em “qua- de vida das comunidades. Eram pessoas exce- se urbano”, pelo menos no desejo e, em parte, no dentes de um processo intensivo de moderniza- comportamento, faz pensar que em todo lugar é ção que alijou-as de qualquer forma de inclusão assim. Mas ainda permanece, não estaticamente, social e econômica por dois motivos: as próprias porém numa dimensão de tempo talvez protegida condições naturais e sociais da região dificulta- pelo lugar, uma população particularmente rural ram sua inserção em um desenvolvimento agrí- que vive em comunidades, abrigada entre as flo- cola nos moldes como se deu no planalto e, de restas, costões, mangues, ilhas, praias, serras, de certa forma para o bem, no entender de uma vi- uma região sui generis que possui uma das mais são ecossocialista, marginalizou-a de acompa- importantes contribuições à biodiversidade do nhar o dinamismo tecnológico e econômico do planeta, o Vale do Ribeira, que compreende a Ba- planalto. Essa mesma dinâmica de modernização cia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape. da agricultura expulsou grande parcela da popu- lação do campo no Brasil inteiro. Para o Vale do Ribeira, além da popu- 1 Este texto faz parte da pesquisa NRP1054, cadastrada no lação tradicionalmente residente, ocorreu a mi- Sistema de Informações Gerenciais (SIGA) - “Desenvolvi- mento Sustentável da Bacia do Ribeira de Iguape: uma aná- gração de uma pequena parcela de pessoas ex- lise das condições e limitações socioeconômicas ao ecotu- pulsas de outras regiões, em busca de uma “pos- rismo”, parcialmente financiada pelo FEHIDRO. Os autores agradecem aos estagiários Fernando C. S. Figueiredo, Luis se” de terra que lhes garantisse a existência. A Eduardo T. P. de Almeida e Fernanda C. Sindlinger. questão maior era apropriar-se dessa terra como 2Engenheira Agrônoma, Doutora, Pesquisadora do Institu- forma de garantir a cidadania. to de Economia Agrícola. Com a eleição de Franco Montoro para 3Engenheiro Agrônomo, Mestre, Pesquisador do Instituto governador, em 1982, intensificou-se a presença de Economia Agrícola, Coordenador da Agenda de do Estado no Vale do Ribeira, pois antigas reivin- Ecoturismo do Vale do Ribeira. dicações democráticas começaram a se traduzir 4Economista, Doutora, Técnica do IBGE. na forma de políticas públicas, não só para o Es- 5Economista, Técnico do INCRA. tado de São Paulo como especificamente para a 6Biólogo, Monitor Ambiental. região. As políticas de regularização fundiária e assentamentos de reforma agrária foram as prin- 7Biólogo, Técnico da Agenda de Ecoturismo do Vale do Ribeira. cipais e, também, ocorreram tentativas de imple- mentar a extensão rural e a assistência técnica 8Turismóloga, Técnica da Agenda de Ecoturismo do Vale do Ribeira. voltadas para os diferentes tipos de agricultores Informaç õ es Econô micas, SP, v.34, n.9, set. 2004. 58 do Vale do Ribeira. Já no final da década de ca produz territórios como as demais do modo 1980, a mudança de ênfase nas políticas públi- industrial de produzir mercadorias e na sua es- cas enfraqueceu as instituições criadas para sência é insustentável, pois temos de levar em efetivá-las, e o ambientalismo, respaldado por conta que toda produção é, ao mesmo tempo, movimento urbano de classe média, com pouca destruição, ou seja, trata-se da chamada produ- compreensão das questões socioambientais co- ção destrutiva. Sendo assim, a sustentabilidade mo afirmação da cidadania, ganhou maior espa- não pode ser pensada numa única atividade, da- ço nos órgãos do governo. da a inter-relação que existe entre todas as ativi- Os tempos mudaram! O que parecia ser dades econômicas. É preciso pensar o ecoturis- um tesouro encontrado, em forma de riqueza natu- mo não apenas como consumo direto da “paisa- ral, passou a ser o pesadelo e a impossibilidade de gem”, natural ou histórica, mas como o circuito existência dessa população. As décadas de 1980 produtivo de forma ampla, analisando-o pelo viés e 1990 foram marcadas por ações do Estado, no do desenvolvimento sustentável. Ou ainda, sa- que se refere à Legislação Ambiental e sua regu- bendo-se da sua essência insustentável e destru- lamentação nas Unidades de Conservação, que tiva, ir além dos atributos negativos, levando em restringiram as possibilidades de explorações eco- conta que o local não pode mais ser analisado nômicas na região do Vale do Ribeira. Conhecido como o portador do exótico, da singularidade, de décadas passadas como o Nordeste Paulista, mas sim que está sendo cada vez mais apropria- pela pobreza e baixos indicadores de condições do fragmentadamente pelo global e que o ecotu- de vida, o Vale permaneceu estagnado até então, rismo precisa ser compreendido também no âm- quando o interesse pela riqueza estética e biodi- bito das atividades econômicas. versidade da região despertou uma nova deman- O Instituto Interamericano de Coopera- da para as comunidades: a conservação do meio ção para a Agricultura (IICA) apresenta também ambiente pode significar mais que restrições e essa proposição, que envolve o desenvolvimento limitações à vida humana, como vem se impondo sustentável da agricultura, o meio ambiente e o a essas populações, pois deve existir uma forma turismo, fundamentada na constatação de que de se desenvolver sustentadamente, integrando não é possível separar o agrícola do rural, defen- conscientemente o ser humano à natureza e con- dendo uma concepção de agricultura ampliada, servando a vida das comunidades que se abrigam que integra a gestão dos sistemas agroalimenta- nessa mesma natureza. res e do território rural. Soma-se à riqueza natural da região Diante deste quadro, torna-se impor- séculos de história, o que faz com que apresente tante dar a base para uma forma de inserção da um legado cultural brilhante, fruto de um patrimô- população do Vale do Ribeira em atividades que nio histórico e cultural forjado desde os primór- garantam sua existência e sobrevivência, tendo dios da ocupação da região anterior ao próprio como aliado o interesse humano pelo legado na- descobrimento do Brasil. O ecoturismo, como tural, cultural e étnico da região, buscando melho- modalidade do turismo realizado de uma forma rar as condições de vida sem alterar o modo de que respeita o meio ambiente sem impedir a exis- vida das comunidades locais. A alternativa é da- tência e a sobrevivência das populações locais, da pelo ecoturismo compreendida como uma ati- integrando-as no processo de planejamento da vidade econômica complementar àquelas realiza- atividade, configura-se como uma das alternati- das pelas comunidades tradicionais. Através do vas mais apropriadas ao desenvolvimento local gerenciamento participativo para a sustentação no Vale do Ribeira. das populações locais, busca integrar a atividade Como alerta Rodrigues (1997, p.42- turística às outras atividades, tais como: o artesa- 43), na bibliografia relacionada ao turismo, este nato, o processamento de alimentos de forma geralmente é tratado sob dois enfoques em artesanal, a pesca artesanal, a criação de frutos separado: um que trata da produção e dos do mar auto-sustentada, o manejo auto-sustenta- produtores da “paisagem” e outro que analisa o do da mata e dos mangues, a agricultura não consumo da paisagem, do território e do espaço. agressiva ao meio ambiente, a conservação do Porém, paisagem “produzida” e paisagem patrimônio cultural e natural, o monitoramento apropriada pela atividade turística são elementos das atividades de visitação aos atrativos turísti- de análise que não podem estar dissociados. A cos, etc. Também deve haver um esforço no sen- atividade turística produz territórios como as Informaç õ es Econô micas, SP, v.34, n.9, set. 2004. 59 tido de a própria comunidade buscar prover o ral surge em decorrência da necessidade de abastecimento de alimentos da população local e adaptação do Homem aos diferentes ecossiste- dos turistas em visita. A agroecologia e outras mas, sendo veiculadora de maior diversidade formas ecológicas de produção de alimentos e de biológica. A diversidade cultural deveria ser man- outros bens, realizadas dentro dos limites de tida e incentivada pelo fato de que ela guarda terrenos apropriados para cultivos, juntamente profunda interligação com a diversidade biológi- com técnicas de sistemas agroflorestais e de ca. Referindo-se à Amazônia, por exemplo, Po- manejo sustentável de espécies, devem fazer sey (1984, p. 37) afirma que ela compõe-se de parte de um conjunto de atividades econômicas uma grande variedade de zonas ecológicas, po- que busquem a sustentabilidade e se integrem ao rém só recentemente os biólogos e ecologistas ecoturismo. reconheceram a complexidade do assunto. Mas, O objetivo deste trabalho foi elaborar os indígenas já lidavam com ela, pois a consciên- um estudo que detectasse o potencial socioeco- cia dessa variedade é um conhecimento incorpo- nômico da Bacia do Rio Ribeira de Iguape (Vale rado à herança cultural que recebem de seus do Ribeira) para a atividade do ecoturismo, que antepassados9.
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