A Ntônio F Rancisco L Isboa O a Leijadinho 4

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A NTÔNIO F RANCISCO L ISBOA O A LEIJADINHO 4 Arquitetura e Arte no Brasil Colonial A NTÔNIO F RANCISCO L ISBOA, O A LEIJADINHO Na catedral de Cuzco, no Peru, há uma série de pinturas do século XVII que representam os meses do ano. São insólitas para o período em que foram feitas, porque seu tema não é religioso, e em conseqüência têm atraído bastante atenção. A opinião dos peritos lhes atribuía, sem hesitar, uma origem flamenga que se confirmava pelo tratamento da paisagem e pelos característicos azuis e verdes utilizados, até ser descoberta há pouco tempo uma assinatura: “Ttito Quispe, 1631”. No convento dominicano de Cuzco volta a aparecer a mesma assinatura numa pintura de estilo bastante italianizado. Vemos, portanto, que o artista índio atingiu seu objetivo, o de que seu trabalho não se distinguisse da produção européia do período, fato que abre uma fascinante perspectiva da psicologia nativa do Peru colonial de trezentos anos atrás. Deixando o Peru do século XVII para nos dirigir ao México atual, temos o caso dos Este artigo foi originalmente publicado em seis volumes in-fólio, magnificamente ilustrados, publicados na Cidade do México entre World Review, Londres, 1924 e 1927 com o título de Iglesias de Mexico, trabalho que marca um importante passo New Series, n. 25, março de à frente na recente redescoberta que os mexicanos estão fazendo do seu legado colonial 1951. na arte e na arquitetura. Seu autor principal, responsável tanto pela maior parte do texto como também por uma parte das belas fotografias em cores reproduzidas, assina Dr. Atl. Anteriormente, em 1922, os dois importantes volumes in-fólio, Las artes populares en Mexico, também haviam sido escritos e ilustrados pelo Dr. Atl. Além do trabalho pioneiro de divulgá-los, Atl desempenhou também, no início de sua carreira, importante papel no movimento da arte moderna mexicana, tendo seu nome associado ao dos grandes artistas Diego Rivera e José Clemente Orozco. Especializou-se no tema do vulcão Popocatépetl, cujo pico de 5400 metros de altitude escalou mais de uma centena de vezes e cujos múltiplos humores interpretou tanto em poemas líricos quanto em pintura de notável sentido colorístico. Seu nome asteca (atl = água) poderia, à primeira vista, indicar ascendência indígena, mas na verdade Dr. Atl é o pseudônimo adotado por Gerardo Murillo, um mexicano de origem espanhola e, portanto, sem sangue índio nas veias. Ttito Quispe, o índio que renunciou por completo à tradição artística de seus antepassados incas em favor dos modelos europeus, e Gerardo Murillo, o mexicano espanhol cuja devoção às tradições artísticas nativas de seu país é simbolizada pela adoção do nome asteca Atl, são marcos que sintetizam a completa reviravolta da visão artística verificada na América Latina desde a época da colonização. Revela-se de especial interesse a longa prevalência da atitude semelhante à de Ttito Quispe. O desenvolvimento arquitetônico do século XVIII, de uma vigorosa originalidade, teve curta duração, e durante Profeta do Santuário de Congonhas do Campo, Minas Gerais. Arquivo do Iphan (Márcio Vianna). ~ 89 ~ Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho todo o século XIX a arte latino-americana continuou quase inteiramente dependente e imitativa dos estilos europeus. A mudança de atitude só começou há uma geração, podendo o Dr. Atl ser considerado um pioneiro. O Dr. Atl também é importante por unir a redescoberta da herança artística nacional indígena e colonial com os movimentos artísticos modernos que acompanharam de perto essa redescoberta. No Brasil, a outra república latino-americana que deu notável contribuição à arte do século XX, o mesmo estreito paralelo pode ser observado entre o estudo sério do legado nacional e os movimentos artísticos modernos liderados por figuras de fama internacional, como o pintor Cândido Portinari e o arquiteto Oscar Niemeyer. No México, esses avanços datam da década de 1920, e no Brasil tiveram início uma década mais tarde. Os mexicanos se expressaram sobretudo na pintura, enquanto os brasileiros canalizaram sua energia criativa em primeira instância para a arquitetura. Em Lúcio Costa, o Brasil tem a boa fortuna de possuir uma das maiores e mais versáteis figura de nosso tempo, simultaneamente o mais influente dos arquitetos progressistas e a principal autoridade no que se refere aos monumentos brasileiros dos séculos XVII e XVIII. As realizações coloniais do México e do Peru são hoje bem conhecidas fora da América Latina, graças aos estudos, admiravelmente ilustrados, publicados há pouco na Espanha e nos Estados Unidos1. Entretanto, os belos edifícios construídos no Brasil do século XVIII ainda esperam o reconhecimento geral, e o mais notável artista brasileiro da época compartilha dessa mesma obscuridade. George Borrow, que mereceu pouca atenção em vida, apresentou aos leitores ingleses El Greco, “um gênio extraordinário”, em The Bible in Spain (1843). Outro famoso autor vitoriano, Sir Richard Burton, foi o primeiro viajante a registrar o nome do admirável artista brasileiro colonial, que só recentemente foi redescoberto em seu próprio país, permanecendo ainda quase desconhecido fora dele. Viajando pela província de Minas Gerais, no montanhoso interior do Brasil, durante o ano de 1867, Burton visitou a cidade de São João del Rei, outrora um dos mais prósperos centros da mineração do ouro da colônia. Nessa cidade, mostraram-lhe uma igreja franciscana do fim do século XVIII, dizendo que aquela fachada ricamente ornada de esculturas era “o trabalho manual de um homem sem mãos, conhecido como o Aleijadinho”. Buscando mais informações, Burton ficou sabendo que o escultor trabalhara “com instrumentos fixados por um assistente aos cotos que lhe serviam de braços”. Antônio Francisco Lisboa (1738-1814), mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho, nasceu em Ouro Preto, capital de Minas Gerais colonial. A tradição relata que ~ 90 ~ Arquitetura e Arte no Brasil Colonial seu pai era um carpinteiro português, e sua mãe, uma escrava africana. Nativo de uma província do interior descoberta e fundada por exploradores brasileiros (e não portugueses), e tipicamente brasileiro também no sangue, misto de português e africano, ele é com razão aclamado por seus compatriotas como uma figura verdadeiramente “nacional”. Sabe-se muito pouco de sua vida. Era, segundo consta, um mulato pequeno e disforme, que sofreu nos últimos anos de vida de uma misteriosa doença que o tornou tão aleijado que ele não conseguia mais andar; ficou com os dedos encarquilhados, e o rosto foi tão atingido, que se tornou medonho e repulsivo. Consciente do horror que sua aparência inspirava, desenvolveu um medo mórbido de ser visto, chegando nisso a extremos exageros. Porém, mesmo escondido por toldos, continuou a trabalhar incansavelmente, e era seu escravo favorito, Maurício, quem amarrava o formão e a marreta as suas mãos paralisadas. Quando tinha quase 60 anos, assumiu o encargo de esculpir 64 imagens de madeira em tamanho natural e doze gigantescas estátuas de pedra para a igreja de peregrinação de Congonhas do Campo, cidadezinha localizada entre São João del Rei e Ouro Preto. Levou dez anos para completar essa tarefa. As figuras de Congonhas são muito desiguais na qualidade, como se refletissem o avanço acidentado da terrível doença do escultor, porém incluem trabalhos que talvez sejam as obras de arte mais dramáticas da América do Sul. Passo da Crucificação, Santuário de Congonhas do Campo. (Arquivo do IPHAN, Márcio Vianna). ~ 91 ~ Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho A realização artística do Aleijadinho, em vista de sua severa deficiência física, tem um significado muito particular para os brasileiros. A luta para manter uma civilização moderna nos trópicos, cuja criação foi um evento histórico único, demanda uma inexaurível energia e a recusa em admitir derrota diante dos constantes obstáculos. Nesse sentido, a vida do Aleijadinho é considerada um exemplo simbólico por seus compatriotas. Além disso, como artista que desenvolveu um estilo original, abandonando a imitação provinciana dos precedentes europeus, o Aleijadinho se torna uma figura de importância não só para o Brasil, mas para todo o continente americano. Com efeito, pode ser considerado o pioneiro que expressou em sua arte, da maneira mais vigorosa, mais impressionante e mais decisiva, a emancipação do Novo Mundo em relação ao Velho. A província de Minas Gerais, cenário dos monumentais trabalhos do Aleijadinho, é uma das regiões mais ricas do mundo em minerais. Suas pedras preciosas rivalizam com as do Ceilão e, entre outros imensos recursos, há montanhas inteiras de puro minério de ferro. Já em meados do século XVI, alguns exploradores portugueses haviam atingido as cabeceiras do rio Jequitinhonha, na serra do Espinhaço, penetrando essa formidável cadeia de montanhas, apesar dos índios hostis, e atingindo a bacia do rio São Francisco. Ali encontraram belas pedras verdes que pensaram ser esmeraldas, mas não passavam de turmalinas. A esse período pertence a lenda sobre a existência de uma cadeia de montanhas rebrilhante de metais preciosos, a serra de Sabarabuçu. Esta passou a exercer sobre os primeiros exploradores do Brasil Central a mesma atração mágica que a terra dos Omáguas, o lago Parima e as fabulosas cidades de Manoa do El Dorado exerceram sobre Sir Walter Raleigh e outros aventureiros que subiam o Orenoco e o Orellana. A decepção causada pelos sucessivos e custosos fracassos ocorridos na segunda metade do século XVI desencorajou novas tentativas de descobrir esmeraldas e prata, que se acreditava existirem

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