Atleta, Substantivo Feminino: As Mulheres Brasileiras Nos Jogos Olímpicos

Atleta, Substantivo Feminino: As Mulheres Brasileiras Nos Jogos Olímpicos

Atleta, substantivo feminino: As mulheres brasileiras nos jogos olímpicos. Sandra Bellas de Romariz* Fabiano Pries Devide** Sebastião Votre*** Resumo: O livro Atleta, substantivo feminino: As mulheres brasileiras nos jogos olímpicos, publicado em 2006 por Oscar Valporto, reúne contos das histórias de vida de vinte atletas olímpicas brasileiras construídas a partir de relatos pessoais que descrevem as suas trajetórias desde sua pri- meira participação, em 1932, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, até a conquista da tão sonhada primeira medalha olímpica, em Atlanta, 1996. Os contos da obra relatam as carreiras esportivas, ressaltando as barreiras sociais trans- postas por cada uma dessas atletas pioneiras. O livro se divide em quatro partes: inicia com as trajetórias das pio- neiras do esporte nas modalidades natação e atletismo e finaliza com as atletas da primeira geração que conquistou medalhas olímpicas. As mulheres referenciadas como pio- neiras são: Maria Lenk e Mary Dalva – natação; Wanda e Aída dos Santos – atletismo. O autor segue destacando as atletas olímpicas Maria Elisa (natação), Isabel (vôlei); Luisa Parente (ginástica olímpica) e Soraia (judô). O livro ain- da retrata as rainhas da areia: Jackie, Mônica, Adriana, Sandra, Adriana Behar e Shelda; e se encerra com as mu- lheres que conquistaram as medalhas nos esportes coleti- vos: Paula e Janeth (basquete), Leila e Virna (vôlei de qua- dra) e Pretinha e Marta (futebol de campo). A obra está direcionada aos amantes do esporte nacional e da histó- ria, e, ainda que não apresente um texto no formato aca- dêmico, tem seu mérito por ser pioneira em resgatar tais trajetórias, oferecendo aos profissionais de educação físi- ca a possibilidade de realizar debates relevantes sobre as questões de gênero na escola. Palavras-chave: História. Mulheres. Jogos olímpicos. Es- porte. * Mestre em Motricidade Humana pela UCB, professora na graduação em Educação Física na Faculdade Integrada Maria Thereza e no Centro Universitário Plínio Leite e professora da FAETEC. E-mail: [email protected] ** Doutor em Educação Física e Cultura, professor adjunto do programa de Pós-Graduação em Ciências da Atividade Física (PGCAF/UNIVERSO), coordenador do Grupo de Pesquisa Gênero na Educação Física e no Desporto/CNPq, professor adjunto dos cursos de Licencia- tura em Educação Física e Especialização em Educação Física Escola (UNISUAM). E-mail: [email protected] *** Doutor e Livre-docente em lingüística, professor titular da UFRJ (aposentado), professor titular da UGF e associado na UFF. E-mail: [email protected] 208 Resenha Sandra Bellas de Romariz, Fabiano Pries Devide e Sebastião Votre 1 INTRODUÇÃO O livro intitulado Atleta, substantivo feminino: As mulheres brasileiras nos jogos olímpicos, com autoria do jornalista Oscar Valporto,1 publicado pela editora Casa da Palavra em 2006 e composto de 295 páginas, apresenta vinte contos sobre as trajetórias esportivas vivenciadas por atletas brasileiras olímpicas, divididos em sete capítulos: 1 – pioneiras; 2 – novos degraus; 3 – rainhas da areia; 4 – conquistas coletivas; 5 – depois do pódio; 6 – entrevistas e 7 – mulheres olímpicas. Os contos permitem a quem lê projetar- se no “tempo olímpico” percorrido por essas atletas, pois aborda, de forma cronológica, a participação das mulheres brasileiras nos jogos olímpicos modernos. O autor propõe, com os capítulos do livro, um roteiro que norteará a construção da trajetória da participação feminina nos Jogos Olímpicos, principalmente das atletas brasileiras, já que por um grande período o esporte era uma atividade apenas para os homens. O livro inicia com um pequeno relato sobre os jogos olímpi- cos, destacando o ideário da época, representado pela figura do barão Pierre de Coubertin, que afirmava ser o esporte uma atividade reservada aos homens e à construção da virilidade masculina. Cabe refletir sobre o olhar de Valporto a respeito dos ideais de Coubertin, sobretudo à análise histórica descontextualizada – Coubertin repre- sentava os ideais e as representações de uma época e não era contra a participação das mulheres nas atividades físicas e nos esportes. Sua ressalva era em relação à exposição pública das mulheres em competições esportivas nos Jogos Olímpicos. O autor inicia seus contos sobre as atletas brasileiras pioneiras nos jogos olímpicos, destacando: Maria Lenk, Wanda dos Santos, Mary Dalva Proença e Aída dos Santos. Justifica a escolha da atleta de natação Maria Lenk, por ela ter sido a primeira mulher sul- americana a disputar os jogos olímpicos modernos, em Los Angeles, 1 O mesmo autor publicou também, pela Casa da Palavra, o livro Atenas 2004 –O Brasil no berço dos jogos olímpicos. Na sua carreira como jornalista, Valporto teve passagem em três grandes jornais: O Globo, como chefe de reportagem e editor assistente; Jornal do Brasil, de que foi coordenador; e no jornal O Dia, do qual foi editor-executivo. , Porto Alegre, v.13, n. 01, p.207-216, setembro/dezembro de 2007. Atleta, substantivo feminino... 209 1932. Nessa ocasião, a delegação brasileira contava com 67 atletas, entre os quais Maria Lenk era a única mulher atleta. Em 1936, nos jogos olímpicos de Berlim, a nadadora também esteve presente. Nos anos subseqüentes de 1940 e 1944 os jogos olímpicos foram cancelados devido à Segunda Guerra Mundial, sepultando o sonho da nadadora de participar pela terceira vez do evento e causando enorme frustração em sua vida. Atualmente, ultrapassados os 90 anos, Lenk participa de Campeonatos Mundiais de Natação na categoria Máster. A segunda atleta apresentada à leitura vem do atletismo: Wanda dos Santos, corredora da prova de 80m com barreira. Uma atleta humilde de família modesta da zona Norte do Rio de Janeiro, que, por ser negra, chamou a atenção dos outros atletas, quando partici- pou de sua primeira olimpíada, em 1952, em Helsinque, na Finlân- dia. Esteve presente nos jogos olímpicos de Roma, em 1960, quando foi a única representante mulher na delegação brasileira. Em tempos de esporte amador, Wanda dos Santos conciliava sua vida de atleta com a rotina de trabalho em um emprego de auxiliar de escritório. A história de Wanda é importante para refletirmos sobre as interfaces entre ser mulher, negra e trabalhadora, convidando-nos a estabelecer um debate urgente entre gênero, esporte, raça e trabalho, ainda escas- so na produção acadêmica da educação física nacional. A terceira atleta é Mary Dalva Proença, do salto ornamental, participante dos Jogos Olímpicos de Melbourne, na Austrália, em 1956, a única mulher atleta naquela delegação brasileira. Iniciou a sua aprendizagem saltando na parte funda do igarapé, próximo a sua residência, e teve a vida modificada quando seu pai foi transferido para o Rio de Janeiro, proporcionando-lhe a oportuni- dade de ser vista e escolhida para representar o Brasil. A sua carreira esportiva foi interrompida quando sua família retornou à capital paraense, onde ela se casou e teve dois filhos. Mary bem que tentou permanecer no Rio para continuar a sua carreira, mas para a época (1956) uma moça solteira morar longe de sua família ia contra os princípios da moralidade social. Após a morte do marido, ela retornou ao Rio de Janeiro, buscando realizar o sonho que fora interrompido. Reforçando o modelo no qual a mulher era criada, , Porto Alegre, v.13, n. 01, p.207-216, janeiro/abril de 2007. 210 Resenha Sandra Bellas de Romariz, Fabiano Pries Devide e Sebastião Votre Mary, mesmo participando do Campeonato Brasileiro em 1963, quando se sagrou campeã, optou pelo papel social de mãe, encerrando sua carreira esportiva logo após o evento. A pentatleta Aida dos Santos também sofreu com os preconceitos de seu pai, que achava o esporte coisa de vagabundo, por não garantir renda, não permitindo a sua filha participar de eventos esportivos. Superando vários preconceitos em relação a sua cor e à condição familiar modesta, Aída representou o Brasil em duas edições dos jogos olímpicos: em 1960, Tóquio, Japão, na prova de salto em altura e, em 1964, no México, na prova do pen- tatlo. Rompendo protocolos de “boas condutas” preconizados para época, relatou em entrevista à televisão as dificuldades que enfrentara nas duas participações olímpicas, afirmando que o apoio dos órgãos responsáveis pelo evento à atleta fora escasso. Foi o suficiente para Aída não ser convocada pela terceira vez, para os jogos olímpicos de 1968, apesar de apresentar os melhores índices técnicos. Continuando a resgatar as histórias das mulheres brasileiras nos Jogos Olímpicos, o autor apresenta, no capítulo novos degraus, trajetórias de mais quatro atletas: Maria Elisa Guimarães, Maria Isabel Barroso Salgado, Luisa Parente e Soraia André. Nesse período, a escolha das atletas representantes do Brasil era feita sem critérios claros por parte dos dirigentes esportivos, geralmente militares. Não bastava o melhor índice técnico na modalidade ou na prova. Nesse contexto, Maria Elisa, aos 13 anos, apesar de estabelecer novos recordes sul-americanos absolutos, não foi convocada para participar dos jogos olímpicos de Munique, em 1972. Porém, quatro anos mais tarde, os dirigentes não puderam negar sua supremacia em todas as provas de nado livre da natação, convocando-a para os jogos Olímpicos em Montreal, Canadá, em 1976. Dada a ausência dos exames antidoping, na época, nossa atleta ficou à sombra das adversárias anabolizadas da cortina de ferro, competindo em desigualdade de condições. Maria Isabel, conhecida no meio esportivo apenas como Isabel, também sofreu com a política brasileira e com a Guerra Fria. Não bastasse a ditadura brasileira, o clima de guerra interferiu nos , Porto Alegre, v.13, n. 01, p.207-216, setembro/dezembro de 2007. Atleta, substantivo feminino... 211 Jogos Olímpicos, causando o boicote de vários países, como os EUA, ao evento esportivo, o que garantiu à equipe de voleibol feminina do Brasil uma vaga nos jogos Olímpicos. Isabel participou de duas edições dos jogos, Moscou, 1980 e Los Angeles, 1984. A atleta recebeu, em 1982, após o Mundialito de vôlei Feminino, o título de “musa do vôlei”, que, no nosso entendimento, não valoriza nem qualifica uma atleta.

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