Livros, Literatura & História

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Livros, literatura & história PASSAGENS BRASIL - FRANÇA SANDRA REIMÃO | MICHEL RIAUDEL organizadores ESCRITÓRIO DO LIVRO Livros, literatura & história PASSAGENS BRASIL - FRANÇA SANDRA REIMÃO | MICHEL RIAUDEL organizadores ESCRITÓRIO DO LIVRO © Sandra Reimão, Michel Riaudel e autores. Preparação: Théo Bonin Normatização e revisão: Bianca Melyna Filgueira Projeto gráfico e editoração: Escritório do Livro Imagem de capa: Torre de Babel, Pieter Brueghel, c. 1563 (detalhe) Vinhetas: Detalhes de esboços de Van Gogh para Barques de pêche aux Saintes­Maries (1888). Dados da Catalogação Anglo-American Cataloguing Rules – aacr2 Marcelo Diniz - Bibliotecário - crb 2/1533 L784 Livros, literatura e história: passagens Brasil-França. / Organizadores, Sandra Reimão e Michel Riaudel; Colaboradores, Felipe Quintino [et al]. – Florianópolis: Escritório do Livro, 2017. 230 p.; il. Coletânea de artigos isbn-13: 978-85-94157-00-3 (livro eletrônico) 1. Literatura - Brasil – França. 2. História - Cultura – Brasil e França. 3. História da literatura francesa e brasileira - Cultura. 4. Estudos literários comparados. i. Reimão, Sandra. ii. Riaudel, Michel. iii. Quinti no, Felipe. iv. Passagens Brasil-França cdu 82.091 (81+44) cdu B869 840.9 Escritório do Livro Dorothée de Bruchard, editora www.escritoriodolivro.com.br Sumário Nota prévia 7 Teria havido um boom latino-americano? 11 Michel Riaudel Zuenir Ventura, história e cultura na França na década 49 de 1960: jornalismo, relações de amizade e vivências na Casa do Brasil Felipe Quintino A publicação de Guimarães Rosa na França dos anos 1960 79 Márcia Valéria M. de Aguiar Da “Tireuse de cartes” à “Cartomancienne”, o bruxo do Rio 103 retraduzido na França Émilie Audigier Análise do papel e história do livro no século xx: 115 considerações a partir do caso da Editora Brasiliense no Brasil do final da II Guerra Mundial Paulo Teixeira Iumatti Coetzee, leitor de Barthes 151 Adriano Schwartz Cândido, ou o otimista multimidiático: da literatura 163 francesa ao cinema e televisão brasileiros Maria Cristina Palma Mungioli Daniela Jakubaszko Anderson Lopes da Silva França, 1971; Brasil, 2013: duas edições do livro 195 Pau de arara e a memória da repressão Sandra Reimão Flamarion Maués João Elias Nery Organizadores / Autores 228 Nota prévia A imprensa no brasil começou muito tardiamente. Até 1808, no Brasil, colônia de Portugal, eram proibidas pela metrópole a exis­ tência de oficinas tipográficas e a produção de qualquer tipo de impresso. Em 1808, a transferência da Família Real Portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro propiciou a instalação da Impressa Régia, e, com ela, houve o início da produção de livros no Brasil. A Imprensa Régia deteve o monopólio do direito à impressão no país até 1821. A partir de 1821, com o fim do monopólio real para impres­ são e uma nova legislação abolindo a censura prévia, começam a chegar ao Brasil estrangeiros que iniciam a indústria editorial no país. Entre os franceses, destaquemos Pierre François Plancher, que chegou em 1922 e editou algu ns periódicos, pequenas novelas e o Almanach Plancher; Eduardo Laemmert, que veio, em 1827, para dirigir a filial brasileira da editora francesa Boussage e Aillau­ ne, e depois fundou a Livraria Universal e a Laemmert editora; e Baptiste Louis Garnier, que chegou no Rio de Janeiro em 1944 para abrir uma filial da Livraria Garnier e acabou expandindo seus ne­ gócios, atuando também em edição. Por esses exemplos, vê-se como os editores franceses estiveram presentes na vida editorial brasileira desde seus primórdios. 8 Os estudos reunidos neste livro enfocam inter-relações cultu­ rais entre Brasil e França no âmbito da edição e da cultura im­ pressa durante o século xx. Abordando a tradução da literatura brasileira na França, Mi­ chel Riaudel analisa como nas décadas de 1950 a 1970 houve uma explosão editorial em torno da li teratura latino-americana, desta­ cadamente aquela vinculada ao realismo fantástico, e como esse boom deixou de lado a literatura brasileira naquele momento. O instigante título do artigo é: “Teria havido um boom latino- americano?” Foi na França que Zuenir Ventura buscou formar-se como jornalista. O artigo de Felipe Quintino, “Zuenir Ventura, história e cultura na França na década de 1960: jornalismo, relações de amizade e vivências na Casa do Brasil” reconstitui o percurso de Zuenir Ventura na década de 1960, momento em que a França passa por profundas transformações. Ganhador de uma bolsa do governo francês, o jornalista estudou por um ano no Centre de formation des journalistes, em Paris. Os artigos ““Da “ Tireuse de cartes ” à “ Cartomancienne”, o bruxo do Rio retraduzido na França” e “A publicação de Guima­ rães Rosa na França dos anos 1960”, respectivamente de Émilie Audigier e Márcia Valéria M. de Aguiar, debruçam-se sobre ques­ tões relacionadas a traduções e edições francesas de obras de dois autores clássicos da literatura brasileira, Machado de Assis e Gui­ marães Rosa, e vinculam essas qu estões com os diferentes mo­ mentos históricos das publicações: início da I Guerra Mundial (1914), II Guerra Mundial (1939-1945) e início dos anos 1960. Paulo Teixeira Iumatti, em “Análise do papel e história do livro no século xx: considerações a partir do caso da Editora Bra­ 9 siliense no Brasil do final da II Guerra Mundial”, observa como informações laboratoriais das propriedades do papel podem ser utilizadas por historiadores do livro contemporâneo de qualquer continente como dados complementares às observações sociocul­ turais e econômicas. No artigo “Coetzee, leitor de Barthes”, o pesquisador Adriano Schwartz aborda o escritor sul-africano J. M. Coetzee, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2003, cuja obra é traduzida no Brasil há muitos anos, tendo sido, inclusive, como é raro com au­ tores estrangeiros entre nós, objeto de um volume de ensaios de­ dicado só a ele, com textos de vários pesquisadores locais. Adria­ no Schwartz aborda especificamente um romance do autor, Diá­ rio de um ano ruim, e demonstra como esse texto possui um inespe­ rado vínculo com a obra do pensador Roland Barthes. Duas releituras brasileiras para o cinema e a televisão da obra Cândido, ou o Otimismo , do filósofo e escritor francês Voltaire, são enfocadas no artigo: “Cândido, ou o otimista multimidiático: da literatura francesa ao cinema e à televisão brasileiros”, de autoria de Maria Cristina Palma Mungioli e equipe. As releituras analisa­ das são o filme Candinho (Vera Cruz, 1954), do diretor, produtor e ator Amácio Mazzaropi (1912-1981), e a telenovela Êta mundo bom! (Globo, 2016). O último artigo da coletânea, “F rança, 1971; Brasil, 2013: duas edições do livro Pau de arara e a memória da repressão”, foi es­ crito a seis mãos por Sandra Reimão, Flamarion Maués e João Elias Nery. O estudo enfoca o livro Pau de arara: la violence mili­ taire au Brésil, publicado em francês pela editora François Maspero em 1971, e que só veio a ser lançado no Brasil, em português, em 2013, mais de quarenta anos depois da edição francesa. O artigo 10 aborda a trajetória dos autores e a origem do material publicado, inserindo esta obra no conjunto das denúncias contra a tortura executada por agentes do regime ditatorial brasileiro. Os estudos aqui reunidos analisam, por diferentes perspecti­ vas, casos de correlações de cultura impressa entre Brasil e França no século xx — correlações estas que se inserem em uma longeva história de permutas e passagens, na qual há muitos capítulos ain­ da a serem escritos. Os organizadores Teria havido um boom latino-americano? Michel Riaudel A expressão “boom latino-americano” esconde o desnível considerável existente entre a recepção, na França, de uma nova geração de escritores hispano-americanos nos anos 60, e o conco­ mitante refluxo da literatura bras ileira. Por razões conjunturais e estruturais, a edição francesa era então mais voltada para questões sociais e políticas. A única revelação do período, João Guimarães Rosa, do qual foram publicados quatro títulos naquela década, é também a história de um desencontro, precipitado pela morte do autor em 1967. Seria necessário, de fato, esperar os anos 80 para um real reconhecimento do campo literário, que, ainda hoje, é frágil. Digamos desde já o quanto é abusiva e enganosa a expressão “boom latino-americano”, a não ser que não se considere o Brasil como um componente da América Latina. O exame do fluxo de traduções revela, com efeito, fortes disparidades entre um país e outro do subcontinente e, sobretudo, um nítido descompasso de recepção entre o mundo herdado da dominação hispânica e aquele originado da colonização portuguesa. Se é verdade que a literatura brasileira se beneficiou da primeira onda latino-americana do pós­ 12 guerra, ela permaneceu alijada, no entanto, da grande virada repre­ sentada pelo boom dos anos 601. A expressão “boom latino-americano”, no que absolutiza uma unidade geoliterária bastante relativa, perpetua uma ilusão credita­ da notadamente pela trajetória fr ancesa da invenção da América latina, construção que se viu reinvestida no pós-guerra, em um momento em que a região ocupava um lugar privilegiado no cru­ zamento das polaridades Leste-Oeste e Norte-Sul. Sobre ela repou­ savam então parte das esperanças revolucionárias dos socialistas mais ou menos ortodoxos e uma alternativa à hegemonia estaduni­ dense no Ocidente. Espaço de uma descolonização percebida como inacabada, caída na órbita da doutrina Monroe após ter-se emanci­ pado das tutelas europeias, mas também terra herdeira de uma longa história de utopias, a região inspirava aos intelectuais, majo­ ritariamente “progressistas”, sonh os de um desenvolvimento soci­ almente equilibrado, menos predatório do humano que as prece­ dentes revoluções industriais, e uma possível reconciliação entre as tradições, o primitivo e a modernidade; aparecia, além disso, como suscetível de reforçar a liga dos não alinhados, em um tempo em que o modelo soviético já havia, para muitos, mostrado os seus limites. Um olhar macroscópico sobre as publicações vindas do Brasil ao longo dessas décadas permite confirmar esse interesse regional provisoriamente homogêneo por part e dos franceses, logo altera­ do, porém, por um diferencial cons iderável entre os autores brasi­ leiros e seus vizinhos.

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