Susan Faludi Tradução de MARIO FONDELLI década de 1980 deflagrou um implacá­ A vel contra-ataque às conquistas femini­ nas, que opera em dois níveis: convencer as mulheres de que seus sentimentos de angústia e insatisfação são resultado do excesso de in­ dependência, ao mesmo tempo que destrói gradativamente os mínimos avanços que as mulheres realizaram no trabalho, na política e em sua forma de pensar. Susan Faludi, prêmio Pulitzer de jornalis­ mo, nos mostra como a imprensa se ocupou em repercutir essas mensagens ao dar um cunho moralista às notícias e reportagens, e manipular estatísticas. Ela revela, também, como essa insidiosa guerra contra os direitos da mulher transformou-se em um fenômeno cultural que orientou e invadiu o cinema e a TV, as indústrias da moda e da beleza, a re­ tórica da Nova Direita, os discursos presiden­ ciais e a política antiaborto. Ao promover a idealização da mulher tra­ dicional, da mulher lipoescultural, cujo trono cativo ainda é o lar, os defensores do antife- minismo buscam fomentar a baixa auto-esti- ma da mulher, enfraquecendo com isso a sua luta pela igualdade de direitos. Com este livro, Susan Faludi procura desa­ fiar a tese central do contra-ataque: a de que o feminismo é o pior inimigo da mulher, e de que todas as conquistas alcançadas na verda­ de a prejudicam em vez de fortalecer. Ao fa­ zê-lo, Backlash nos oferece um oportuno e preocupante retrato da condição da mulher nos tempos atuais. A AUTORA SUSAN FALUDI é jornalista, tendo colabora­ do em publicações como o Wall Street Jour­ nal, San Jose Mercury News, West, Ms. & Mother Jones. À minha mãe, Marilyn Lanning Faludi Sumário 1. Introdução: Tudo por culpa do feminismo 9 PARTE 1. MITOS E FLASHBACKS 2. Falta de homens e úteros estéreis: Os mitos do backlash 25 3. Os refluxos de ontem e de hoje 65 PARTE 2. O BACKLASH NA CULTURA POPULAR 4. As "tendências" do antifeminismo: A mídia e o backlash 93 5. Visões fatais e fetais: O backlash no cinema 127 6. Anjos adolescentes e bruxas solteiras: O backlash na TV 154 7. Vestindo as bonecas: O backlash na moda 181 8. A beleza e o backlash 208 PARTE 3. A REAÇÃO AO BACKLASH 9. A política do ressentimento: A guerra da nova direita contra as mulheres 237 10. A Sra. Smith abandona Washington: O backlash na política nacional 263 11.0 cérebro do backlash: De neoconservadores a neofeministas 283 George Gilder: "O maior antifeminista da América" 285 Allan Bloom: Um exilado da causa feminista 290 Michael e Margarita Levin: Meninos não cozinham e meninas não fazem contas 295 Warren Farrell: A renúncia do homem liberado 299 Robert Bly: De "comedores de iogurte" a "homens selvagens" 304 Sylvia Ann Hewlett: Uma obra menor do neofeminismo 310 Betty Friedan: Revisionismo como instrumento de marketing 316 Carol Gilligan: Vozes diferentes ou ecos vitorianos? 322 PARTE 4. CONTRA-ATAQUES ANTIFEMINISTAS: OS EFEITOS NA MENTE, NO TRABALHO E NO CORPO DAS MULHERES 12. Está tudo na sua cabeça: A psicologia popular adere ao contra-ataque 331 13. Backlash e salários: O preço a ser pago à mulher que trabalha 356 14. Direito de reprodução no backlash: A invasão do corpo das mulheres 380 Epílogo 425 Referências bibliográficas 431 Agradecimentos 457 Ser mulher nos Estados Unidos neste fim-de-século: que maravilha! Pelo menos é o que se diz o tempo todo. Os políticos garantem que as barricadas já caíram. As mulheres "chegaram lá". O mundo da publicidade se regozija. A revista Time proclama que a luta da mulher pela igualdade "foi amplamen­ te vencida". Matricule-se à vontade em qualquer universidade, arrume um emprego em qualquer firma de advocacia, solicite empréstimos em qualquer banco. Os líderes trabalhistas afirmam que agora as mulheres têm tantas oportunidades que não é necessária uma política que lhes garanta igualdade de condições. Os legisladores proclamam que atualmente as mulheres são tão iguais que já não é preciso haver emendas constitucionais para a Igualdade de Direitos. Até os anúncios de cartões de crédito estão saudando a liberdade da mulher a fim de cobrá-la. Enfim, as mulheres receberam os seus papéis de cidadania plena. E mesmo assim... Por trás desta celebração da vitória, por trás das afirmações, alegres e continuamente reiteradas, de que a luta pelos direitos femininos foi vencida, a mensagem que salta aos nossos olhos é outra. Você pode ser livre e igual o quanto quiser, ela diz às mulheres, mas nunca se sentiu tão infeliz. Este boletim de desespero está afixado em todos os lugares - nas bancas de jornais, na telinha da televisão, nos anúncios, nos filmes, nos consultórios médicos e nas publicações acadêmicas. As mulheres profissionais estão en­ trando em "parafuso" e sucumbindo a uma "epidemia de infertilidade". As solteiras estão se queixando devido à "falta de homens". O New York Times revela: as mulheres sem filhos andam "deprimidas e confusas" e cada vez em maior número. A Newsweek afirma: as mulheres não-casadas estão "histéri­ cas" e prostradas numa profunda crise de "falta de confiança". Os manuais médicos informam: mulheres em altos cargos executivos estão sofrendo como nunca de "distúrbios provocados pelo estresse", queda de cabelo, ner­ vosismo, alcoolismo e até enfartes. Os livros de psicologia advertem: a soli­ dão da mulher independente representa hoje em dia "um dos mais graves pro­ blemas de saúde mental". Até a histórica feminista Betty Friedan anunciou aos quatro ventos que as mulheres estão atualmente sofrendo de uma nova crise de identidade e de "problemas ainda sem classificação". Como é que as mulheres podem estar tão mal justamente quando deve­ riam sentir-se abençoadas? Se a condição da mulher nunca foi tão prestigia­ da, como explicar que o seu estado emocional ande tão em baixa? Se as mu­ lheres conseguiram o que queriam, então qual é o problema, agora? A opinião geral da última década aponta uma, e somente uma, resposta para esta confusão: a causa deste sofrimento deve ser o excesso de igualda­ de. As mulheres estão infelizes justamente devido ao fato de serem livres. As mulheres estão sendo escravizadas pela sua própria liberação. Elas se agar­ raram ao brilho dourado da independência e deixaram escapulir o único anel que realmente lhes interessa. Conseguiram assumir o controle da sua fertili­ dade, mas só para destruí-la. Perseguiram seus próprios sonhos profissionais - perdendo no caminho a aventura feminina maior. Os movimentos feminis­ tas, não nos cansam de apregoar, acabaram por se provar o pior inimigo da mulher. "Ao distribuir os seus despojos, o movimento feminista deu à minha geração altos rendimentos, os nossos próprios cigarros, a opção de ser mãe solteira, delegacias para cuidar de mulheres violentadas, linhas de crédito pessoal, amor livre e mulheres ginecologistas", escreve na National Review Mona Charen, uma jovem estudante de Direito, num artigo intitulado "O erro feminista". "Em compensação tirou de nós aquilo sobre o qual repousa a felicidade da maioria das mulheres - os homens." A National Review é uma publicação conservadora, mas tais ataques contra o movimento feminis­ ta não se encontram apenas em suas páginas. "A nossa geração foi o sacrifí­ cio humano exigido pelo movimento feminista", afirma Elizabeth Mehren, a formosa redatora do Los Angeles Times. Segundo ela as mulheres do baby- boom foram enganadas pelo feminismo: "Acreditamos na retórica." Na Newsweek, a escritora Kay Ebeling chama o feminismo de "A grande expe­ riência que não deu certo" e afirma que "as mulheres da minha geração, suas perpetradoras, foram também as primeiras baixas". Até as revistas de moda insistem na mesma tecla. A Harper 's Bazaar acusa o movimento feminista de ter feito com que "nós mulheres perdêssemos mais do que conseguimos ganhar". Na última década, publicações, do New York Times a Vanity Fair e Na- tion, fizeram recorrentes acusações contra o movimento feminista. Para elas a campanha pela igualdade da mulher é responsável por quase todas as tris­ tezas que nos afligem desde depressão até insatisfatórias contas bancárias, desde suicídios de adolescentes até má alimentação e má aparência. Para o programa "Today" o movimento feminista deve ser considerado responsável pelo crescente número de velhinhas carregando sacos ou empurrando carri­ nhos de supermercado à cata de quinquilharias que ainda possam ter alguma utilidade. Um colaborador do Baltimore Sun chega a sugerir que as feminis­ tas provocaram o aumento de filmes de violência explícita. Ao tornarem a "violência" do aborto mais aceitável, ele raciocina, as ativistas dos direitos da mulher tornaram possível a explosão do homicídio nas telas. Ao mesmo tempo, outros rebentos da cultura popular acabaram forjando idêntica conexão: nos filmes de Hollywood, dos quais Atração fatal é apenas o mais conhecido, mulheres emancipadas, donas de suas próprias casas, agi­ tam-se de olhos arregalados entre paredes nuas, pagando pela liberdade com uma cama vazia e um útero estéril. "O meu relógio biológico está tiqueta- queando tão alto que não me deixa dormir à noite", grita Sally Field no filme Ensina-me a querer, quando, numa óbvia atualização para o cinema dos anos 80, uma atriz que outrora desempenhava o papel de indomável heroína é agora mostrada rastejando por um noivo. Nos programas do horário nobre da TV, mulheres solteiras, independentes e feministas são humilhadas, transfor­ madas em harpias ou vítimas de esgotamento nervoso; as mais ajuizadas renegam os seus pendores para a independência nas cenas finais. Nos roman­ ces populares, como Louca obsessão de Stephen King, mulheres sozinhas reduzem-se a lamurientas solteironas ou trovejam como satânicos dragões, desistindo de qualquer aspiração que não seja o casamento, imploram por vínculos matrimoniais a estranhos ou dão machadadas em relutantes soltei­ rões. "Estragamos tudo esperando demais", soluça uma típica profissional de carreira arrependida em Singular Women de Freda Bright; ela e a irmã, ambas executivas, "são condenadas a ficar sem filhos para sempre".
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