As Telenovelas Brasileiras Em Portugal

As Telenovelas Brasileiras Em Portugal

As telenovelas brasileiras em Portugal Isabel Ferin Cunha Universidade de Coimbra Índice dos dos primeiros estudos de recepção re- alizados desde 1999, na região de Lisboa. 1 Introdução ............. 1 Chega-se à conclusão de que existem indi- 2 No Princípio era a Gabriela .... 4 cadores claros sobre os factores de aceita- 2.1 O Ano de 1977 ......... 5 ção das telenovelas brasileiras, bem como 2.2 A década de 80 ......... 8 elementos que apontam para mudanças de 3 As Guerras de Audiência, Parte I comportamento das audiências frente a este (1993-1998) ............ 10 produto. Numa perspectiva interpretativa 4 As Guerra de Audiência, Parte II exploratória, considera-se que na base des- (1999-2002) ............ 13 tas mudanças se encontram factores sócio- 5 Conclusão ............. 17 económicos recentes, nomeadamente o cres- 6 Bibliografia ............ 20 cimento sustentado das classes médias e mé- dias baixas, desde o início da década de 90, bem como factores inerentes à economia dos Resumo: Neste artigo, procura-se contri- Media, tais como a expansão da TV a Cabo buir para a compreensão dos processos que e a “guerra das audiências”, entre os 4 ca- levam a telenovela novela brasileira a consti- nais generalistas, que levaram à diversifica- tuir, desde 1977, um produto de sucesso in- ção de estratégias de programação e ao in- discutível em Portugal. Com base em da- vestimento em novos produtos televisivos. dos estatísticos, compilados por organismos oficias portugueses, faz-se uma breve apre- sentação do actual panorama mediático por- 1 Introdução tuguês no que toca aos canais generalistas. Na nossa perspectiva, não é possível com- Apresenta-se, em seguida, algumas questões preender os Media sem ter em conta os con- teóricas referentes à segmentação do mer- textos políticos, económicos, sociais e cultu- cado português quanto a consumos de produ- rais em que se inserem. Os Media são, en- tos culturais e de conteúdos. Com base nes- quanto instituições sociais, simultaneamente tes dados, procede-se então a um estudo ex- um sistema gerador de lógicas próprias e um ploratório, cruzando-os com indicadores ob- dos elementos, dos mais determinantes, de tidos por levantamentos na imprensa (de re- contaminação de outros sistemas presentes ferência e de “coração”) e com os resulta- na Sociedade. O estudo dos Media, nesta 2 Isabel Ferin Cunha concepção alargada, deverá ter em conside- Portugal na Comunidade Económica Eu- ração os percursos das indústrias culturais e ropeia - CEE) como nos pertencentes ao de conteúdo, a inserção e dinâmicas das cul- campo dos Media (por exemplo, Aprovação turas urbanas, bem como a diversificação dos da Legislação que permite canais de televi- estilos de vida e expansão das culturas de são privados, Início do funcionamento dos consumo. canais privados de televisão, Expansão da São recentes os estudos e investigações televisão a cabo e da multimédia doméstica). sobre os Media em Portugal. A imprensa, Ressalvando a devida especificidade, estes como Media mais nobre, reúne o maior nú- marcos surgem em conformidade com a aná- mero de estudos,1 tendo em conta a sua na- lise da situação social das últimas décadas. tureza de fonte de informações e espelho da 3 Por outro lado, é necessário ter em conta sociedade. Nos últimos anos, em função que, sendo extremamente difícil aceder à do- de múltiplos factores, nomeadamente o cres- cumentação produzida, nos e sobre, os Me- cente número de dissertções e teses em Ciên- dia, os dados quantitativos são, até ao final cias da Comunicação e áreas afins, e dada a da década de noventa, praticamente inexis- progressiva centralidade, visibilidade e alte- tentes. Assim, a investigação fundamenta-se, rações dos Media na sociedade portuguesa, na generalidade, nos jornais de época e even- têm surgido trabalhos importantes que pro- tuais documentos achados em arquivos ge- nunciam a investigação sobre os Media a rais, bem como em dados, não sistemáticos, partir do campo dos Media. produzidos por por empresas e institutos de A complexidade do sistema dos Media e investigação. Convém, ainda, ressalvar que as diversas estratégias de promoção de con- esta exposição tem como limite o ano 2002. teúdos, exigem que se avance para uma pe- Com base nos critérios enunciados, o tra- riodização funcional capaz de garantir a in- balho compreende os seguintes períodos: pe- vestigação e a análise. Esforços teóricos rea- ríodo de Normalização Democrática 4 que lizados até ao momento2 procuraram compa- abrange o ano de 1977 e vai até 1988; pe- tibilizar determinados marcos contextuais da ríodo de Modernização e Desregulamenta- sociedade portuguesa com as alterações que ção do mercado dos Media que abarca os estes marcos suscitaram no campo dos Me- anos de 1989 a 1992; o período de 1993 até dia. 1998, que é dominado pela privatização dos Os parâmetros cronológicos propostos canais de TV, pela expansão das empresas neste artigo fundamentam-se tanto em mar- de multimédia e de novos conteúdos e por cos histórico-políticos (por exemplo, Estado fim, um último período, de 1999 à actuali- Novo, Revolução do 25 de Abril, Período dade, caracterizado pela progressiva concen- de Normalização Democrática, Entrada de tração das empresas Media e de telecomuni- cações, pelas manifestas dificuldades surgi- 1Por exemplo: Tengarrinha, J. (1965) História da Imprensa Periódica Portuguesa, Lisboa, Portugália. 3Cfr.: Barreto, A. ( 1996) Três décadas de mu- 2 Mesquita, M. (1994) Os meios de comunicação dança em Portugal. In: A Situação Social em Portu- social. In: Portugal 25 anos de democracia, Lisboa, gal, 1960-1995. Lisboa, ICS, pp. 35-60. Círculo dos Leitores, pp. 360-405; Correia, F. (1997) 4Maxwell, K. (1999) A construção da democracia Os Jornalistas e as Notícias, Lisboa, Caminho. em Portugal, Lisboa, Ed. Presença. www.bocc.ubi.pt As telenovelas brasileiras em Portugal 3 das nas televisões generalistas frente ao de- ses foi tomando conhecimento do que se pas- senvolvimento das televisões a Cabo e o con- sava no país. Foi assim com o Programa do traditório desenvolvimento de conteúdos na- MFA, com as ocupações das fábricas, com cionais, originais ou adaptados. as nacionalizações das empresas e os sane- Esta periodização tem como objectivo amentos dos patrões. As rádios estiveram, principal facilitar a investigação e organizar também, nas ocupações do Alentejo, na re- a exposição do conhecimento apesar de, tal forma agrária e nas greves, acompanharam como afirma Paquete de Oliveira os diferen- os acordos para a independência nas Coló- tes ciclos demarcados da vida da comunica- nias, o regresso dos militares e os primei- ção social portuguesa corresponderem a ou- ros refugiados/retornados. Às rádios deve- tros tantos ciclos da história da nação.5 se, também, a expansão do canto livre, da A complexidade, diversidade e extensão música de protesto, nacional e estrangeira, e do objecto, e o objectivo deste artigo Tele- a abertura a países até então pouco conheci- novelas Brasileiras em Portugal: indicado- dos. Se as rádios deram voz e divulgaram (de res de aceitação e mudança, leva-nos a fazer forma mais eficaz que a imprensa) conteú- uma breve exposição dos períodos enuncia- dos e jargões próprios aos diversos momen- dos, na tentativa de melhor compreender o tos da revolução, a televisão deu-lhes o rosto. período que se vive na actualidade. No dia 26 de Abril de 1974, à 1h 20 da ma- Primeiramente é necessário referir que a drugada, a televisão pública apresentou, num Revolução do 25 de Abril demonstrou que, cenário árido e ríspido, a Junta de Salvação apesar da censura e da repressão, a Rádio, o Nacional, e ao longo dos dois anos de Re- Jornal, a Televisão, a Indústria Cultural e as volução, reflectirá as alternâncias do Poder, Telecomunicações constituiam instrumentos ao mesmo tempo que acertará contas com o e agentes sociais incontronáveis.Basta lem- anterior Regime. brar que as senhas para o deflagrar do movi- Num balanço de fim de revolução de mento utilizaram todos estes elementos. 1974-75, algumas linhas de força estarão es- Por outro lado, independentemente, das tabelecidas e far-se-ão sentir até aos nossos vicissitudes internas, comuns a todas as em- dias: a relação entre Cultura e Poder (através presas neste período (ajustes de contas, sane- de nomeações, cargos, prémios, e a coopta- amentos, greves, comissões de luta, etc.), as ção de intelectuais, nomeadamente, através rádios e a televisão, tiveram um papel muito da concessão de subsídios); a distinção en- importante de dinamização, no primeiro ci- tre a cultura erudita e a cultura popular ou clo da Revolução do 25 de Abril. Primeiro, de massas; a formação de grupos de teatro foram as rádios que levaram aos locais mais responsáveis por transformações na lingua- recônditos, do então Império Colonial, as no- gem teatral; a promoção do urbanismo como tícias dos acontecimentos na capital, depois, princípio de qualidade de vida; o consumo foi através delas que a maioria dos portugue- regular de literatura especializada (política, ciências sociais, etc.); o incremento da mú- 5Paquete de Oliveira, J.M. (1992), A integração europeia e os meios de comunicação social In: Aná- sica como grande consumo cultural; a ascen- lise Social, 27, 118-119: 4-5, 995-1024. são e a queda do número de espectadores de cinema. www.bocc.ubi.pt 4 Isabel Ferin Cunha 2 No Princípio era a Gabriela estruturas domésticas e habitacionais, pro- gredindo, constantemente, os indicadores so- Em função do objectivo do trabalho – identi- ciais referentes à educação, saúde, habitação ficar os indicadores de aceitação e mudança e consumo. da telenovela brasileira em Portugal – optou- Na década de oitenta, o Estado assume, se por tratar em conjunto, os períodos cor- de forma inequívoca, o papel de agente mo- respondentes à Normalização Democrática dernizador, implementando políticas econó- (de 1977 a 1988) e à Modernização e Des- micas e sociais tendentes, como já foi refe- regulamentação (de 1989 a 1992), indepen- rido, a integrar Portugal na União Europeia.

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