D.F. Rocco, Um Construtor Em Porto Alegre, Brasil: Sobre Casas Urbanas, Imigrantes Italianos E Difusão Da Arquitetura

D.F. Rocco, Um Construtor Em Porto Alegre, Brasil: Sobre Casas Urbanas, Imigrantes Italianos E Difusão Da Arquitetura

História Unisinos 22(4):673-684, Novembro/Dezembro 2018 Unisinos – doi: 10.4013/htu.2018.224.13 D.F. Rocco, um construtor em Porto Alegre, Brasil: sobre casas urbanas, imigrantes italianos e difusão da arquitetura D.F. Rocco, a builder in Porto Alegre, Brazil: About urban houses, Italian immigrants and dissemination of architecture Renato Gilberto Gama Menegotto1 [email protected] Resumo: As residências urbanas do tipo de dois pavimentos, implantadas em terreno de testada estreita e produzidas nos anos 1920 em Porto Alegre, Brasil, pelo construtor de sobrenome italiano D.F. Rocco, evidenciam semelhanças com a arquitetura realizada no início do século XX por arquitetos oriundos da Itália na cidade de Buenos Aires, Argentina. Utilizando-se de fontes primárias e secundárias, o trabalho procura estimular o aprofundamento de estudos sobre o tema. A partir de método comparativo aplicado a situações históricas afins, abre-se a possibilidade para o fenômeno da circulação de ideias. A mobilidade de personagens e a proximidade entre cidades de países distintos, destinos da emigração desde a Itália, podem ser vistas como fatores de difusão de manifestações arquitetônicas. Em simultâneo, pretende-se, com a apresentação de obras de pequeno porte de D.F. Rocco, reconhecer o valor da contribuição de arquiteturas conformadoras do pano de fundo da paisagem urbana, que, em sentido ampliado e de algum modo, fazem parte da história de Porto Alegre e/ou de seu patrimônio edificado. Palavras-chave: D.F. Rocco, história de Porto Alegre. arquitetura de italianos. Abstract: The urban households of the two-story type, built on narrow terrain and produced in the 1920s in Porto Alegre, Brazil, by a builder with an Italian surname, D.F. Rocco, show similarities to the architecture performed in the early 20th century by architects from Italy in the city of Buenos Aires, Argentina. Using primary and sec- ondary sources, the present paper aims to stimulate further studies on the subject. The comparative method applied to similar historical moments opens the possibility to the phenomenon of an exchange of ideas. The mobility of characters and the geographical proximity of distinct cities from different countries, destinies of Italian migration, can be seen as decisive factors for the propagation of architectural manifestations. Simultane- ously, it is intended, with the presentation of small works by D.F. Rocco, to recognize the value of the contribution of architectures that form the backdrop of the urban landscape, which, in an extended sense and in some way, are part of the history of Porto Alegre and its built heritage. 1 Professor Titular e Pesquisador da Keywords: D.F. Rocco, history of Porto Alegre, architecture of Italians. Faculdade de Arquitetura e Urbanis- mo da Pontifícia Universidade Católi- ca do Rio Grande do Sul (1997-2017). Foi professor da Escola Politécnica da mesma Universidade (1982-1997). Av. Ipiranga, 6681, Prédio 30, 90619- 900, Porto Alegre, RS, Brasil. Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), sendo permitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados. Renato Gilberto Gama Menegotto Introdução urbana, pensa-se estar na direção de perspectiva teórica de valorizar manifestações cotidianas a que Burke (2005) Na passagem do século XIX para o XX, é possível se refere, ou seja, costumes, modos de vida e expressões observar que artistas nascidos na Itália chegavam ao Rio artísticas e de arquitetura que não fazem parte do domínio Grande do Sul provenientes da Argentina. Há notícias da cultura de prestígio. Agregam-se à noção de cultura, de escultores que residiram inicialmente em Buenos que contempla objetos oficialmente reconhecidos como Aires antes de se fixar em Porto Alegre para trabalhar de valor, também realizações comuns, oriundas de saberes em oficinas de estatuária e ornamentação de edifícios. e práticas do dia a dia, capazes de alimentar identidades A proximidade geográfica facilitava trocas comerciais e particulares. Nesse sentido, a História Cultural apresenta culturais, contribuindo para que peninsulares europeus, possibilidades de abordagem, conforme evidencia Barros especializados em algumas profissões, viessem para o Rio (2005, p. 126): Grande do Sul. Na época e mesmo nas primeiras décadas do século XX, conforme Weimer (2003), o número de Esta modalidade historiográfica abre-se a estudos os profissionais de origem italiana que atuava em arquitetura mais variados, como a “cultura popular”, a “cultura na Capital do Estado era o segundo maior, sendo superado letrada”, as “representações”, as práticas discursivas apenas pelo de alemães. partilhadas por diversos grupos sociais, os sistemas Neste trabalho, a partir de estudo de casos, des- educativos, a mediação cultural através de intelectuais, tacam-se obras de pequeno porte produzidas na década ou a quaisquer outros campos temáticos atravessados de 1920 pelo construtor de sobrenome italiano Domingo pela polissêmica noção de “cultura”. F. Rocco. Por evidenciarem aspectos arquitetônicos – ti- pológico e compositivo – de traços comuns à produção Entende-se como atual a perspectiva que envolve de arquitetos italianos na cidade de Buenos Aires, na realizações cotidianas, à margem de reconhecimentos Argentina, acredita-se admissível relacionar manifestações oficiais (Barros, 2005). Ao se aproximarem por ação de arquitetônicas de locais distintos, não muito distantes agentes – projetistas de arquitetura e construtores entre entre si, em que a possível mobilidade de personagens eles –, tais manifestações acabam, culturalmente, sobre- entre esses lugares se constitua em um dos fatores de pondo-se àquelas com notoriedade, cada uma se mantendo . assimilação de conhecimentos e práticas. A tal sentido de em parte íntegra, mas em parte se misturando circulação de ideias, agrega-se metodologia que busque comparações de situações históricas de contextos afins, Projeto e obra como “fatores estes próximos geográfica e temporalmente como são os de sociação” e a mobilidade de da capital argentina e de Porto Alegre. Ao considerar culturas que se aproximam, intera- profissionais imigrantes gem e se adaptam a distintas realidades, julga-se possível, também, estabelecer relação com análises em que está O presente texto, portanto, busca ressaltar em- presente o conceito de identidade étnica, capaz de encerrar preendimentos de edifícios de pequena dimensão reali- diferenças entre conjuntos de pessoas reconhecidos racial e zados por construtores de origem italiana em cidades de culturalmente, conforme reflexão de Constantino (1991). diferentes contextos sociais e econômicos. Permite-se, Sobre a questão, a autora, citando Cecchi (1967, p. 224), desde tal assunto de estudo, propor o exame e a interpre- evidencia a assimilação de “modelos externos de conduta e tação do passado por meio de “fenômenos de conjunto”, modelos conceituais de comportamento que caracterizam conforme expressão de Daumard et al. (1984, p. 14), o mesmo sujeito como pertencente a um determinado fenômenos estes protagonizados por determinado grupo grupo étnico”. Assim sendo, alude-se aqui à condição de social – os italianos. Os trabalhos de projeto e construção que, se tais modelos são adotados para a compreensão do da obra, que estão diretamente vinculados à arquitetura, conceito, a arquitetura, por extensão – ao fazer parte do constituem “fatores de sociação”, diz Simmel (2006, universo de representações simbólicas vinculadas a uma p. 60), “quando transformam a mera agregação isolada dos cultura –, também poderá ser considerada. indivíduos em determinadas formas de estar com o outro 674 Concomitantemente a tal premissa, deseja-se e de ser para o outro que pertencem ao conceito geral de acreditar como de valor cultural edifícios que Gutiérrez interação”. Ao interagirem, os sujeitos têm consciência da (1992, p. 121) menciona como de “significado essencial- sociedade como tal. Eles próprios, neste caso os persona- mente intangível”, afastados da “visão reducionista que gens italianos, produzem um conjunto de pensamentos, enfatizava a historiografia oficial”. Ao se destacar obras de convicções e atitudes – como grupo –, considerando o que menor porte que produzem o pano de fundo da paisagem têm em comum ou a visão de mundo que os cerca. Tudo Vol. 22 Nº 4 - novembro/dezembro de 2018 D.F. Rocco, um construtor em Porto Alegre, Brasil se vincula a tudo e fenômenos e ideias se misturam dina- também na Capital do Rio Grande do Sul, em 1898. micamente. Nesse sentido, Simmel (2006, p. 60) salienta Sanguin, de Cantanaro, havia realizado estudos no Régio o que denomina “conteúdo e matéria da sociação”, ou seja, Instituto de Belas-Artes de Veneza e na Escola de Dese- nho e Artes Plásticas de Pádua. Também vindo da capital tudo o que existe nos indivíduos e nos lugares con- argentina, estabeleceu-se em Porto Alegre na segunda cretos da realidade histórica como impulso, interesse, metade da primeira década do século XX em busca de finalidade, tendência, condicionamento psíquico e melhores oportunidades de trabalho (Doberstein, 2002). movimento nos indivíduos – tudo que está presente nele Na época, em Buenos Aires, houve redução substancial de modo a engendrar ou mediatizar os efeitos sobre os da quantidade de empregos para escultores-decoradores. outros, ou a receber esses efeitos dos outros. Na mesma direção de raciocínio, a facilidade de transporte durante a República Velha, por conta da exis- Acredita-se ser possível

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