TELENOVELAS BRASILEIRAS: Narrativas Alegóricas Da Indústria Cultural

TELENOVELAS BRASILEIRAS: Narrativas Alegóricas Da Indústria Cultural

DILMA BEATRIZ ROCHA JULIANO TELENOVELAS BRASILEIRAS: narrativas alegóricas da indústria cultural. Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutora. Curso de Pós-graduação em Literatura Brasileira e Teoria Literária, Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora: Profª. Drª. ANA LUIZA ANDRADE FLORIANÓPOLIS 2003 A Cecília, ao Frederico e ao Paulo, pelo amor compartilhado. ii AGRADECIMENTOS A Profa. Dra. Ana Luiza Andrade, orientadora desse trabalho, sem a qual essa pesquisa não teria acontecido. A minha família, em especial: a Ana pelo trabalho das correções; a Rita, pelos inestimáveis contatos na Rede Globo; a Luciene, pelo incentivo e pelas correções; a Tê, por ter tornado os momentos da pesquisa alegres e aconchegantes viagens ao Rio de Janeiro. As minhas colegas Simone, Jeana e Ana Lúcia que nos episódios difíceis me ajudaram a acreditar nesse trabalho. A Coordenação do Curso de Pós-graduação, na pessoa da Profa. Dra. Tânia Ramos, pela necessária compreensão nesse final de tese. A Lacy Barca, Gerente de Projetos Sociais Globo-Universidades, pela gentileza com que me abriu caminhos na Rede Globo e por ter me proporcionado a visita ao Projac. A equipe de funcionários do CEDOC/Rede Globo pela facilitação da pesquisa documental. Ao CNPq pela bolsa que financiou meus estudos. iii SUMÁRIO RESUMO VI ABSTRACT VII INTRODUÇÃO 01 CAPÍTULO I – TELEVISÃO COMO MITO MODERNO 29 TELEVISÃO NO BRASIL 45 TELENOVELAS BRASILEIRAS: A FICÇÃO, PÃO NOSSO DE CADA 56 DIA CAPÍTULO II – IMAGEM COMO FANTASMAGORIA 69 A CULTURA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 70 77 SARAMANDAIA: ENTRE AS FANTASMAGORIAS DA INDÚSTRIA E A 84 CENSURA MILITAR Coronel, coronelismo: mantendo a ‘majestade’ 96 Dona Redonda: a explosão da carne 101 Gibão: com as asas do herói 108 CAPÍTULO III – FRAGMENTO E TOTALIDADE 117 TELEVISÃO E PROPAGANDA DO BRASIL 122 FARSA E CONTRAFARSA: TELENOVELA E A IMAGEM DA 127 REVOLUÇÃO Um título simbólico, uma dúvida alegórica 143 Ravengar: ciência e bruxaria 152 Corcoran: a espiral alegórica 158 CAPÍTULO IV – INOVAÇÃO E (DES)MEMÓRIA 166 iv CULTURA ‘VIDEO-FINANCEIRA’ DA DÉCADA DE 90 174 ANDANDO NAS NUVENS: IMAGENS CONFIRMANDO O 189 PROGRESSO TÉCNICO Otávio: protagonista de massa 202 San Marino e a tríade do poder: dinheiro, mídia e política 211 FINAL (IN)FELIZ: TRANSBORDAMENTOS DO MELODRAMA 220 BIBLIOGRAFIA 229 ANEXOS 242 v JULIANO, Dilma Beatriz Rocha TELENOVELAS BRASILEIRAS: narrativas alegóricas da indústria cultural. 241 f. Tese (Doutorado em Teoria Literária). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003. Orientadora: Profª Drª Ana Luiza ANDRADE. RESUMO Este trabalho partiu das telenovelas brasileiras como fatos sociais, das quais são extraídas imagens alegóricas que permitiram ler momentos políticos da sociedade brasileira, da segunda metade do século XX. Foram privilegiados três aspectos da modernidade das telenovelas: a fantasmagoria das imagens, em Saramandaia (1976); a fragmentação histórica, em Que Rei Sou Eu? (1989); a memória e o esquecimento, em Andando Nas Nuvens (1999). Telenovelas são narrativas modernas, herdeiras dos folhetins como gênero ficcional do mundo maquínico, incorporadoras dos desenvolvimentos tecnológicos e mantenedoras dos índices melodramáticos, próprios das produções culturais de massa. Produções que tanto vendem a cultura como objeto de troca regido pelas regras capitalistas de mercado, quanto contêm o potencial democrático, de justiça social, se considerada sua posição política de massa, que mistura o alto e o baixo. A “reprodutibilidade técnica” é paradigma para a concepção valorativa das telenovelas como ficções cotidianas com as quais se identifica a sociedade brasileira. Por outro lado, como mercadoria, a telenovela se prostitui, é prazer efêmero e fugaz, fuga à dura realidade cotidiana. vi ABSTRACT This work starts off with soap operas as social facts from which allegorical images are extrached in order to allon a particular reading of political moments in Brazilian society in the second half of the XX th century. Three aspects of modernity were focused in these soap operas: the phantasmagorical, in Saramandaia (1976); historical fragmentation, in Que Rei Sou Eu? (1989); forgetfulness and memory, in Andando Nas Nuvens (1999). Soap operas are modern narratives, they inherit from the feuilleton as a fictional genre in a mechanical world; they incorporate technological developments, maintaining melodramatic suspense, typical of cultural massive production. They are productions wich sell culture as an exchange object, accordind to market capitalistic rules, as much as they promise democracy and social justice, considering a potilical position that mixes high and low. “Tecnical reproduction” becomes a paradigm for a concept of value in the soap opera as an eveyday fiction with wich Brazilian society identies. On the other hand, as a commodity, the soap opera prostitutes itself: it is ephemeral pleasure, while it helps to escape everyday hardships in life. vii INTRODUÇÃO Retirar o objeto do seu invólucro, destruir sua aura, é a característica de uma forma de percepção cuja capacidade de captar o ‘semelhante no mundo’ é tão aguda, que graças à reprodução ela consegue captá-lo até no fenômeno único. Walter Benjamin O estágio atual das expressões culturais brasileiras, que de uma forma ou de outra possuem em comum os componentes midiáticos de massa, exigem redimensionamentos teóricos e críticos em todas as áreas de conhecimento, e não só em sua especificidade “nacional” como em suas globalizadas conexões com o mundo. O paradigma midiático atual tensiona o campo das produções artísticas, não apenas do ponto de vista da inserção tecnológica na feitura dos objetos, como, também, do ponto de vista político-econômico que dá formas históricas à tríade, privilegiada por Antonio Candido, autor-obra-público.1 “Reprodutibilidade técnica” e “indústria cultural” são referências conceituais imprescindíveis para qualquer debate que recaia sobre cultura de massa. Esse trabalho pretende refletir sobre um objeto cultural – telenovela – representante inconteste da cultura de massa, no Brasil dos últimos 50 anos. O fio condutor das reflexões sobre a cultura parte do mix cultural promovido pela videoesfera, em busca dos rastros históricos capazes de produzir um saber que 1 Antonio Candido (1978, p.15-6) ao analisar O Conde de Monte Cristo toma como tese o que ele chama de “Tratado da Vingança”, e afirma ser este o “romance moderno por excelência”, correspondendo às características que sustentam a tríade: “O romance, do seu lado, precisava no Romantismo de movimento e peripécia, para satisfazer à voracidade parcelada do folhetim de revista e jornal. Enquanto a vingança, como tema, permite e mesmo pressupõe um amplo sistema de incidentes, a ficção seriada, como gênero, exige a multiplicação de incidentes. Daí a frutuosa aliança referida, que atendia às necessidades de composição criadas pelas expectativas do autor, do editor e do leitor, todos três interessados diretamente em que a história fosse o mais longa possível: o primeiro, pela remuneração, o segundo, pela venda, o terceiro, pelo prolongamento da emoção”. 2 permita desmitificar o objeto – que hoje se oferece sempre como o mais novo, na medida em que não interessa àqueles que se encontram no poder tornar visíveis as camadas históricas que compõem cada objeto cultural, o que denunciaria a cópia falsa das estruturas sócio-culturais da tradição. Ou seja, acredito que cada reflexão sobre a cultura moderna industrializada deve compreender a preocupação com as formas anteriores ao recorte eleito, uma vez que os deslocamentos promovidos pelas indústrias da cultura delatam o caráter político das manifestações culturais, e a história das injunções destas com as técnicas é capaz de relatar as transformações sociais ocorridas nos últimos dois séculos, nos processos humanos da percepção do mundo das coisas. O ponto de partida teórico, desse trabalho, está na “reprodutibilidade técnica”, naquilo que o conceito traz de possibilidades de manter viva a crítica cultural. Para isso, o trabalho situa-se na ambigüidade dos conceitos da industrialização da cultura que traduzem tanto a “dessacralização”, quanto a “massificação”, uma vez que ambos os movimentos debatem o valor da reprodutibilidade, que pode aproximar as produções das diferentes classes sociais, retirando a distância que caracterizava o sublime e, com isso, redimensionam o valor de exposição. A massificação faz da cultura espetáculo-mercadoria com valor de troca legitimado nas relações capitalistas de mercado. A cultura de massa, nesse sentido, tem a potência da democratização política das sociedades de classes e serve à apropriação de poder econômico numa sociedade capitalista. Portanto, pode estar na compreensão da modernização das produções culturais uma posição que reavive a potência dos objetos artísticos, recolocando, permanentemente, a crítica na trilha ressignificante dos objetos, em busca do valor político de liberdade dos sujeitos sociais. É evidente, portanto, que se encontram aqui em tensão Walter Benjamin, Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, respectivamente com os ensaios: o primeiro, com A obra de arte na era da reprodutibidade técnica, ensaio escrito entre 1935 e 1936; e, os dois útlimos, com A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas, datado de 1944. 3 O conceito de “indústria cultural” aponta a ligação entre a produção artística e a industrial destinada aos bens de consumo (ainda que pensados, naquele momento, como processos independentes) remetendo a um importante

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