PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS O ESPAÇO DOS MISERÁVEIS NO TEATRO BRASILEIRO NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960 Marina de Oliveira Prof. Dr. Luiz Antonio de Assis Brasil Orientador Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutora em Letras, na área de concentração de Teoria da Literatura Data da defesa: 14 de janeiro de 2010 Instituição depositária: Biblioteca Central Irmão José Otão Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre, janeiro de 2010 AGRADECIMENTOS Aos interlocutores da rua – Em primeiro lugar, ao Assis, por sua orientação, paciência e bom humor; – Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Letras, Alice Campos Moreira, Charles Kiefer, Ir. Elvo Clemente (in memoriam), Maria da Glória Bordini, Maria Eunice Moreira, Maria Luíza Ritzel Remédios, Maria Teresa Amodeo, Regina Zilberman, Rita Schmidt e Vera Teixeira de Aguiar, pelo aprendizado durante o Doutorado; e às funcionárias da secretaria, Isabel e Mara, pela atenção; – À professora Maria João Brilhante, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pela orientação durante minha estada em terras lusas, e ao queridíssimo Rui Pina Coelho, pelas preciosas dicas; – Às professoras Beatriz Weigert e Vânia Chaves, pelas oportunidades em Portugal; – Ao professor Antonio Dimas e à Maria Della Costa, por terem me cedido importante material para a pesquisa; – À Vera e ao Glênio, pelas sugestões na qualificação; – Aos colegas do curso de Mestrado e Doutorado da PUCRS, pela convivência; – Ao CNPq, pela bolsa integral, e à CAPES, pela bolsa-sanduíche em Lisboa; – Aos colegas, amigos e alunos do curso de teatro da UFPel. Aos interlocutores do outro mundo – Às personagens desvalidas das peças que rondaram o meu imaginário e comigo conversaram. Aos interlocutores da casa – À mamita, Nara, por toda proteção e aconchego; – Aos avós Roberto (in memoriam) e Margarida; ao “gaúcho” Paulo; aos irmãos Leti, Vini e Manu; às tias Vera, Nayá e Rose; aos primos; aos 2 cunhados; aos sogros Aldo e Rosa; aos pequenos Sofia, Martina e Caio; à Brunna – obrigada por todo o carinho; – Aos amigos de fé que, longe ou perto (no tempo ou no espaço), me proporcionam momentos de ternura e alegria; – À Maria Manuel Marques, a Miúcha, que generosamente nos acolheu em Lisboa; – Ao Mauro, meu companheiro amado, pelos conselhos, pela cumplicidade e por tudo o que as palavras não dão conta de mensurar. A ele dedico esse trabalho. 3 “Nós vamos, mãe, p’ra um lugar onde ninguém vive debandado, desgarrado de tudo. No Paraíso, todos vive como anjo. As roça são limpa, sempre limpa! Os mantimento são cuidado pelas enxada de Deus. Terra sobra p’ra todo lado e o frio não tem morada no corpo de ninguém. O sol de Deus alumia e esquenta todos! Assim vai ser um dia na terra, quando o demônio acabar.” (Joaquim – Vereda da salvação) “Se o Zumbi quisesse, esse morro inteiro baixava com ele e tomava as casas da Lagoa. (...) Você já pensou, Pedro, se a turma de todos os morros combinasse para fazer uma descida dessas no mesmo dia?” (Aparecida – Pedro Mico) “Sei lá. Mas o mundo é grande. Tem que haver, em alguma parte, um lugar pra gente.” (Malu – A invasão) 4 RESUMO O foco da tese consiste na análise do protagonismo dos miseráveis na dramaturgia brasileira das décadas de 1950 e 1960, seus conflitos de classe e suas relações com distintos espaços de significação social. Para tal objetivo, a pesquisa estrutura-se a partir da identificação de três vertentes espaciais de representação: a primeira delas – composta por Auto da Compadecida, Morte e vida severina e Vereda da salvação – abarca as figuras dramáticas carentes que habitam pequenas vilas ou territórios do universo campestre (eixo rural); a segunda – Orfeu da Conceição, Pedro Mico e Gimba – refere-se a personagens desprovidas de recursos que moram na periferia das cidades (eixo da favela); e a terceira – Quarto de empregada, A invasão e O abajur lilás – retrata a situação de indivíduos que, em busca de sustento, trabalham em subempregos ou exercem atividades degradantes nos centros urbanos (eixo da cidade). Acrescenta-se, ainda, que apesar de utilizar a contribuição de vários pensadores, o estudo vale-se, essencialmente, das teorias de dois antropólogos brasileiros: Darcy Ribeiro e Roberto DaMatta. Palavras-chave: teatro brasileiro; espaço social; miséria. 5 ABSTRACT The focus of the thesis is the analysis of the role of the miserable characters of the Brazilian drama of the 1950’s and 1960’s, its class conflicts and its relations with different spaces of social significance. For this purpose, the research is structured from the identification of three spatial aspects of staging: the first – Auto da Compadecida, Morte e vida severina e Vereda da salvação – covers the poor dramatic figures who inhabit small villages or territories of the countryside universe (rural axis); the second – Orfeu da Conceição, Pedro Mico e Gimba – refers to destitute characters who live on the outskirts of the cities (slum axis); and the third – Quarto de empregada, A invasão e O abajur lilás – portrays the situation of individuals who, in search for sustenance, are underemployed or engaged in degrading activities in the urban centers (city axis). It also adds that, although using the contribution of various thinkers, the study essentially makes use of the theories of two Brazilian anthropologists: Darcy Ribeiro and Roberto DaMatta. Key-words: Brazilian theater, social space, misery 6 SUMÁRIO 1 SITUANDO A PESQUISA.................................................................................. 9 2 O ESPAÇO DOS MISERÁVEIS NO TEATRO NACIONAL 2.1 Os desvalidos do mundo rural 2.1.1 Auto da Compadecida, Morte e vida severina e Vereda da salvação............. 28 2.1.2 O dilema da terra e os seus peregrinos........................................................ 56 2.2 Os habitantes da favela 2.2.1 Orfeu da Conceição, Pedro Mico e Gimba...................................................... 86 2.2.2 A idealização do morro e o mito da democracia racial.................................. 117 2.3 Os degradados dos centros urbanos 2.3.1 Quarto de empregada, A invasão e O abajur lilás......................................... 140 2.3.2 A casa em ambiente público....................................................................... 159 3 OS DESVALIDOS DO BRASIL NO EXTERIOR 3.1 Orfeu Negro, Gimba e Auto da Compadecida em Portugal e/ou na França....... 182 3.2 A recepção de Morte e vida severina na França e em Portugal......................... 198 4 INTERLIGANDO OS EIXOS ESPACIAIS........................................................... 218 5 REFERÊNCIAS 5.1 Pesquisa no Brasil......................................................................................... 243 5.2 Pesquisa em Portugal..................................................................................... 249 6 ANEXOS – FICHA TÉCNICA E IMAGENS DOS ESPETÁCULOS 6.1 Auto da Compadecida.................................................................................... 252 6.2 Morte e vida severina..................................................................................... 254 6.3 Vereda da salvação........................................................................................ 256 6.4 Orfeu da Conceição........................................................................................ 258 6.5 Pedro Mico..................................................................................................... 260 6.6 Gimba, presidente dos valentes...................................................................... 262 7 6.7 Quarto de empregada.................................................................................... 264 6.8 A invasão....................................................................................................... 265 6.9 O abajur lilás................................................................................................. 267 7 CURRICULUM VITAE...................................................................................... 269 8 1 SITUANDO A PESQUISA O presente capítulo introdutório da tese divide-se em três tópicos. O primeiro pauta-se pela especificação do conceito de miserabilidade abordado, seguido de um esboço, em linhas gerais, do principal referencial teórico da pesquisa. O segundo configura-se como um apanhado histórico das décadas de 1950 e 1960, no que tange ao teatro brasileiro e ocidental. Num terceiro momento, faz-se um levantamento acerca da presença de personagens desvalidas como protagonistas do drama nacional, dado que permite a delimitação de alguns eixos espaciais de análise. O tema do trabalho é a investigação do espaço (social e metafórico) conferido às personagens miseráveis no drama brasileiro de 1950 e 1960. Para tal objetivo, o estudo vale-se, predominantemente, dos apontamentos de dois antropólogos: Darcy Ribeiro e Roberto DaMatta. Antes de explanar aspectos relevantes das teorias propostas pelos pesquisadores brasileiros, todavia, torna-se necessário esclarecer em que sentido a denominação “miserável” aqui é empregada, tendo em vista que a palavra abarca mais de um significado. No Dicionário Aurélio, por exemplo, lê-se como “miserável” aquele que é: 1. Digno de compaixão; 2. Desprezível, abjeto, infame, torpe, vil, mísero; 3. Malvado, perverso, cruel; 4. Próprio de quem é muito pobre; pobre, desgraçado, mísero; 5. Sem valor, mesquinho, escasso, ínfimo, mísero; 6. Avaro (FERREIRA, 1999: 1.344). Importa, para o estudo, a definição
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