O INÍCIO DA LUTA ARMADA EM ANGOLA No dia 15 de Março de 1961, Angola acordou sobressaltada com notícias preocupantes sobre algo de muito grave que ocorria nos distritos de Uíge, Zaire e Cuanza Norte. Os portugueses tomaram, então, conhecimento da existência da UPA (União dos Povos de Angola), movimento independentista que, acoitado no Congo ex-belga e com o apoio de algumas organizações internacionais, cometia naquela região um generalizado massacre. Hordas enlouquecidas, armadas com catanas, assassinavam selvaticamente pessoas de todas as raças, credos e idades, destruíam as estruturas económicas e viárias e incendiavam as fazendas e as povoações daquela tão vasta e rica região, fazendo do Norte de Angola um verdadeiro inferno. Desolação, casas fumegantes, estradas cortadas e cadáveres por todo o lado, era só o que a observação aérea podia detectar. As populações aterrorizadas refugiaram-se nas matas, fugiram para os países vizinhos ou acolheram-se a alguns núcleos de resistência, como Carmona, Negage, Mucaba ou Quimbele, aguardando a chegada de socorros. Por seu lado, as autoridades militares reagiram às atrocidades com as poucas forças armadas disponíveis, que unidades metropolitanas reforçaram, e sustiveram o ímpeto da UPA. A data iria marcar o início de uma longa guerra subversiva que Portugal viveu em Angola, entre 1961 e 1974, que se foi agudizando com a transformação da UPA em FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), o aparecimento, do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e, mais tarde, da UNITA (União Nacional Para a Independência Total de Angola). As catanas, que eram instrumentos de trabalho, foram substituídas por armas automáticas, minas e morteiros e as hordas deram lugar a grupos de guerrilha instruídos que enfrentavam, agora, não populações indefesas mas as FAP (Forças Armadas Portuguesas). As ideias independentistas que norteavam estes movimentos colhiam crescente apoio internacional e Portugal, como não aceitou discutir a independência deste seu território de Além-Mar, que considerava ser uma sua província ultramarina, foi ficando isolado, nomeadamente em relação a países que tradicionalmente eram seus amigos e aliados. O conflito armado assumiu características peculiares por serem três os movimentos em luta e, sobretudo, por nunca se terem aliado. Por este facto, as forças portuguesas combateram em Angola sempre contra três inimigos diferentes, que aliás se guerreavam entre si, e que tinham interesses e estratégias diferentes. Sucedeu mesmo que, no Leste, a partir de 1966, defrontaram simultaneamente os três, colocando-os em dificuldades, e nem mesmo este facto alterou as relações entre eles. Esta falta de unidade explica-se, em grande parte, pela circunstância de se viver, então, a chamada Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois grandes blocos ideológicos, liderados pela URSS e os EUA, que se afrontavam e disputavam a primazia em África. As organizações e os seus dirigentes participavam indirectamente neste afrontamento ao qual não podiam furtar-se sem colocarem em causa os apoios que obtinham de um ou do outro lado. Também os países vizinhos estavam alinhados e só concediam apoios aos movimentos com quem tinham afinidades ideológicas. A UPA iniciara a guerrilha no Norte, mas fê-lo precipitadamente e sem reunir as condições ideais. Devido à crise que então se vivia na República Democrática do Congo (RDC), depois República do Zaire, que obtivera a independência havia pouco tempo, esta precipitação foi um risco que poderia ter sido pago caro. Mas ganhou a corrida ao MPLA e, sendo-lhe favorável a evolução política congolesa, foi-se organizando neste país e aí se manteve até 1974, sempre com o apoio do governo pró-ocidental do general Mobutu. Por sua vez, o MPLA, professando uma ideologia comunista, só pôde instalar-se na República Popular de Congo (RPC) de onde apenas podia levar a guerrilha a Cabinda. Confrontado com a falta de adesão dos povos cabindas, transferiu-se, em 1966, para a Zâmbia e fixou-se na fronteira do Moxico para entrar em Angola, pelo Leste. No Moxico, o MPLA encontrou a UNITA que se adiantara e desenvolvia ali um profundo trabalho de subversão das populações e actuava já com grupos de guerrilha. Ao contrário do que sucedia no Norte, o MPLA movimentava-se, agora, à vontade e reforçava as suas estruturas, enquanto a FNLA, nesta área, como tinha os seus apoios no Zaire, ficou muito limitada. Parecia claro que, sem se unirem, propósito que o MPLA tentou e a FNLA sempre recusou, se tornava difícil a qualquer dos movimentos, por si só, executar uma estratégia global. Em 1966, os movimentos haviam já consolidado as duas áreas de guerrilha, que denominavam de "frentes", às quais as forças militares opunham Zonas de Intervenção. Logo em 1961, havia sido criada a Zona de Intervenção Norte (ZIN), nos distritos de Cabinda, Zaire, Uige, Luanda, Cuanza Norte e Malange e, prevendo-se o que veio a suceder, a Zona de Intervenção Leste (ZIL), abrangendo os da Lunda e do Moxico. Apesar das forças portuguesas terem que se repartir, foi-Ihes possível concentrar no Leste meios importantes que, todavia, não foram suficientes para evitar a expansão da subversão. A opinião pública portuguesa, na segunda metade da década de 60, foi-se mentalizando para as dificuldades crescentes na Guiné e até para um eventual desaire militar neste território mas, em relação a Angola, enraizou a ideia de que a situação militar era muito favorável - e era-o, de facto, até 1966. A generalidade dos portugueses e mesmo uma grande maioria dos militares só tarde se foi apercebendo do perigo que representava o MPLA instalado na Zâmbia com a exclusividade das ajudas deste país. E apenas despertou para a realidade quando começaram a chegar notícias, cada vez mais preocupantes, das baixas em combate no Leste e do aparecimento dos grupos guerrilheiros, cada vez mais no interior de Angola. Fortemente instalada na Zâmbia, tendo o apoio directo de uma população que transferiu, com o apoio da OUA, da região de Brazzaville (Cf. Iko Carreira, em "O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto") e com bases perto da fronteira, onde o armamento chegava em grande quantidade, a ameaça era real. Se o MPLA continuasse no mesmo ritmo, a situação militar em Angola tornar-se-ia muito problemática com enorme impacto em Portugal Continental e com reflexos incalculáveis nas lutas que as FAP travavam na Guiné e em Moçambique. Em 1970, os comandos militares responderam ao MPLA com igual conversão estratégica e, nos primeiros anos da década de 70, acrescentaram uma nova fase à luta que se travava no Leste, que ficou assim definida: - De 1966 a 1970, o MPLA expandiu-se profundamente no território do Leste e a UNITA afirmou-se como um movimento muito aguerrido com capacidade para o acompanhar, em profundidade, ainda que limitadamente. Criou-se, então, uma situação militar muito difícil porquanto o MPLA chegou a atravessar o rio Cuanza para oeste, ameaçando o distrito do Bié. No entanto, as FAP, sem grandes alterações estratégicas e apenas com o balanceamento de meios conseguiram suster o avanço da guerrilha. - Em 1970, o Comandante-Chefe das Forças Armadas de Angola tomou grandes decisões estratégicas e transferiu o esforço principal do Norte para o Leste. - De 1971 a 1974, as FAP iniciaram uma verdadeira contra-ofensiva, em termos de guerra subversiva, e foram capazes, numa posição claramente vencedora, de remeter os três movimentos para além fronteiras, completamente desorganizados, obrigando-os a ter que reformular a sua estratégia. (...) A MANOBRA DE CONTRA-SUBVERSÃO O comandante da ZML presidia ainda e orientava um CECS (Conselho Especial de Contra Subversão), na directa dependência do Conselho Provincial de Contra- Subversão. Nele se apreciava e deliberava sobre os procedimentos gerais e prioridades a adoptar no conjunto dos quatro distritos e em cada um deles, por forma a assegurar-se a indispensável coordenação no âmbito da Informação, Contra-Subversão e Segurança. De harmonia com a doutrina, o general decidiu que a manobra de contra-subversão implicaria uma sistematização e um esforço muito grande e simultâneo nas acções de obtenção de informações e de contra-informação, nas manobras de acção psicológica, sobre a população, sobre o terreno e, obviamente, na manobra militar. Cada uma destas actividades e manobras-chave foram objecto de uma atenção especial com programas de acção bem definidos, faseados e controlados o que tornou sustentada e integrada cada uma dessas manobras tomadas isoladamente. (...) A CONQUISTA DA ADESÃO DAS POPULAÇÕES Na directiva de Contra-subversão do comandante da ZML referia-se que a manobra sobre a população, incluída nas suas competências, assentaria em dois pontos: o seu ajustamento à manobra militar e a satisfação das necessidades primárias da população, recorrendo a processos elementares que tivessem impacto directo e imediato. Definiram-se prioridades do ponto de vista geográfico, para cumprimento do primeiro ponto e, para as necessidades, o critério recaiu nas várias áreas: alimentação, abastecimento de água, saúde, educação (45% da população da ZML tinha menos de 15 anos e o número de crianças escolarizadas não chegava a 10% das crianças em idade escolar), segurança e ocupação administrativa. Estas últimas prioridades tinham em vista: numa primeira fase, a resolução dos problemas primários e imediatos das populações; numa segunda fase, provocar um desenvolvimento sócio-económico que permitisse às populações obterem bens para comercializar, participando progressivamente numa economia de mercado e, numa terceira fase, a integração das áreas seleccionadas em planos de desenvolvimento. Para cada um dos sectores indicados fixaram-se metas a atingir na primeira fase. A manobra sobre a população foi integrada no Plano de Desenvolvimento do Leste, elaborado com os Serviços do Governo Geral e os Governos dos Distritos e nascido numa reunião efectuada em Luanda, em 11 de Julho de 1971, sob a presidência do Ministro do Ultramar, na qual se fixou a orientação do esforço da Administração no Leste.
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