Ilha do Governador: Considerações acerca de seu Processo de Ocupação* Paulo Roberto Russo** presente artigo é a síntese das con- onando uma série de mudanças, principalmente siderações obtidas no decorrer de na morfologia do local. Vale salientar que os pro- praticamente três anos e meio de cessos de transformação da paisagem na Ilha do pesquisa como bolsista do Programa Especial de Governador são reflexos dos que ocorreram e Treinamento da Fundação CAPES (PET/CA- ainda estão em andamento em toda a região com- PES), que mantém um grupo em pleno funcio- preendida pela bacia hidrográfica da Baía de namento no Departamento de Geografia desta Guanabara. Tais processos, muitas vezes de ca- universidade. É fruto não somente de um gran- ráter radical, promovidos por modelos de desen- de esforço pessoal em produzir um trabalho aca- volvimento que sucederam o período da coloni- dêmico-científico de qualidade, mas também zação, inicialmente o agrícola-exportador e em resultado do cumprimento de vários aspectos da seguida o urbano-industrial, todos subordinados filosofia desse Programa relacionados, principal- aos interesses do capital internacional, marcaram mente, ao desenvolvimento de um processo de profundamente tanto o cenário físico quanto o aprendizado coletivo, cujos conhecimentos ge- humano dos 4.600 lan2 da bacia drenante da Baía rados serviram de subsídio para o melhor enten- de Guanabara. dimento dos diversos elementos analisados no Enfim, este trabalho realizou um balanço his- desenrolar da pesquisa. tórico das modificações no meio na Ilha do Go- Este trabalho tem o objetivo de retratar as vernador, tentando sempre relacionar tal ação transformações ocasionadas no meio durante o antrópica sobre o ambiente, com as reais causas processo de ocupação humana e crescimento da que a promoveram, que são as questões sócio- malha urbana em um dado local da região da econômicas. bacia hidrográfica da Baía de Guanabara, em que fosse possível constatar a presença do maior nú- LOCALIZAÇÃO E SITUAÇÃO AD— mero de processos antrópicos modificadores do MINISTRATIVA ambiente ao longo de sua história de ocupação. A Ilha do Governador faz parte de um grupo Desse modo, o referido estudo utilizou como li- de ilhas (aproximadamente 100) da Baía de nha metodológica a análise histórica do proces- Guanabara, das quais é a mais extensa, com área so de ocupação humana do local selecionado, equivalente a cerca de 40 km2. Esta dimensão montando sempre um paralelo com as modifi- atribuída atualmente à Ilha do Governador veio cações sofridas na paisagem. a comprovar a idéia de que mesmo depois da Portanto, foi definida como área de estudo a construção dos aeroportos esta continua a "cres- Ilha do Governador, a única dentro do panora- cer" via aterros, deixando completamente desa- ma da Baía de Guanabara capaz de suportar uma tualizada a dimensão adotada até então por to- grande população, sendo que tal fato vem ocasi- dos os órgãos públicos, estabelecida pelo Proje- * Trabalho de pesquisa desenvolvido no grupo PET/GEO/UERJ (1995-1997). ** Bacharel em Geografia pela UERJ. Mestrando em Geografia na UFRJ. 1N° 2 - Dezembro de 1997 IA to de Estruturação Urbana (PEU) de 1979, rea- geográfico. Suas unidades passaram, a partir de lizado pela Secretaria de Planejamento durante a então, a se integrar sob a forma de bairros do administração do governador Chagas Freitas, município do Rio de Janeiro. como sendo de 33,53 km2. A Ilha do Governador está localizada entre BREVE HISTÓRICO DE SUA OCU— os paralelos de 22°46'13" e 22°50'04" Sul e os PAÇÃO INICIAL meridianos de 43°09'27"e 43°16'17" a Oeste de A história da ocupação da Ilha do Governa- Greenwich. Em termos administrativos, a Ilha dor pelos colonizadores europeus teve início a do Governador compreende a XX Região Ad- partir do seu descobrimento por estes, cujo mé- ministrativa (XX R.A.) do município do Rio de rito está dividido entre os expedicionários por- Janeiro, que, por sua vez, é um dos que com- tugueses André Gonçalves, em 1501, e Nuno põem a Região Metropolitana do Estado do Rio Manuel, que teria chegado à ilha em 1502. de Janeiro. Nesta estão contidos os seguintes No entanto, antes da ilha ser ocupada pelos bairros: Ribeira, Zumbi, Cacuia, Pitangueiras, colonizadores, esta servia de residência para os Praia da Bandeira, Cocotá, Bancários, Fregue- índios Temininós, que a denominavam de Ilha sia, Jardim Guanabara, Jardim Carioca, Tauá, de Maracajá. Moneró, Portuguesa e Galeão. A Ilha do Gover- Em 1555, com a chegada dos franceses ao nador era um bairro do município do Rio de Rio de Janeiro, sob o comando de Villegagnon, Janeiro até a entrada em vigor do Decreto Mu- com a preiensão de fundar a França Antártica, nicipal n23.157, de 23 de junho de 1981, que estes aliaram-se aos índios Tamoios, que haviam fez com que esta deixasse de ser entendida como combatido e vencido os Temininós, expulsan- tal, passando somente à condição de acidente do-os e passando a se fixar na ilha, onde se esta- beleceram em cinco aldeias principais (IPANE- MAPA DE LOCALIZAÇÃO: MA, 1993). Durante o período em que os fran- - ceses permaneceram no Rio de Janeiro, a ilha foi transformada em ponto de luta entre estes e os 2 ' portugueses. a '1 1,.. 01 »MET No ano de 1567, com a vitória dos portugueses 11 sobre os franceses e seus aliAdos Tamoios, a ilha EWA 1 .3 DE passou a ser ocupada pelos primeiros, sendo que GUANABARA em 1570, passou a se chamar Ilha do Governador, IQ_ ao em referência a Salvador Corrêa de Sá, donatário 11. de metade da ilha e primeiro governador da Capi- tania de São Sebastião do Rio de Janeiro. o 55. Até o final do século XVI, a Ilha do Gover- nador esteve integrada, com seus sete engenhos, .,‘"Al A. s kn, ICICIEN na cultura de cana e produção de açúcar, que G1 dominou com vigor todo o Rio de Janeiro. A - 23' produção de açúcar destinado à exportação foi a e e e G, OCEANO ATLANTICO primeira atividade econômica de importância da Ilha do Governador, sendo cultivados também 13 20' 10' 10' 5. 4,3* outros gêneros agrícolas, com o objetivo de man- ter a subsistência da então pequena população Fonte: Adaptação da carta Baía de Guanabara da Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil - ju1/73. insulana. N° 2 - Dezembro de 1997 IA' Em 1710, a Ilha do Governador tornou-se ao continente, cuja construção foi realizada pela sede da Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, Diretoria de Engenharia do Ministério da Aero- tendo sido instaladas diversas igrejas basica- náutica, como uma iniciativa do prefeito do en- mente ao longo das áreas próximas ao litoral tão Distrito Federal, Ângelo Mendes de Moraes das porções Leste e Central, pontos onde sur- e do Ministro da Aeronáutica, Armano Trom- giram os núcleos iniciais das primeiras locali- powsk, tendo sido inaugurada em janeiro de dades. 1949. Com o passar dos anos, a Ilha do Governa- Anos após a inauguração da primeira ponte, dor fora dividida em seis grandes fazendas, co- esta se tornou extremamente congestionada por meçando, portanto, a ser povoada tanto para o veículos, o que demonstra a movimentação que desenvolvimento da lavoura quanto por ser um veio a ocorrer na Ilha do Governador, fato este recanto atraente e bucólico. que motivou as autoridades públicas a constru- írem uma nova ponte, em meados da década de A QUESTÃO DA COMUNICAÇÃO 1980, justamente com a intenção de aliviar o DA ILHA DO GOVERNADOR intenso tráfego. COM O CONTINENTE Com o término da construção da Linha Dentre os marcos de grande importância Vermelha na década de 1990, os moradores no desenvolvimento da Ilha do Governador da ilha passaram a ter uma via de acesso mais está a construção da ponte de atracação do rápida ao centro da cidade e, posteriormente, Jardim Guanabara, cujas obras iniciaram-se no a outros pontos, como o município de Duque ano de 1922. Com esta pronta, começou a de Caxias. Apesar dessa via ter reduzido signi- entrar em funcionamento o transporte regu- ficativamente o tempo de deslocamento de boa lar de pessoas e mercadorias, através de barcas parte dos moradores, em determinados mo- que faziam inicialmente o percurso entre a ilha mentos esta se apresenta com retenções devi- e o continente. Outro aspecto que também do ao intenso fluxo, mostrando, assim, às au- beneficiou a população da Ilha do Governa- toridades, que talvez seja necessário repensar dor antes de meados do século XX se refere ao os esquemas de circulação do trânsito para a fato de que a Companhia de Melhoramentos ilha. inaugurou a linha de bondes ligando os bair- Vale salientar que o transporte através de bar- ros desde a Ribeira (neste local também foi cas ainda existe na Ilha do Governador. Porém, construída uma ponte de atracação de barcas, mesmo existindo urna rota para o centro da ci- que passou a ser a de maior importância da dade, estas são subtilizadas em favorecimento das ilha, estando, até hoje, em funcionamento) até linhas de ônibus, sendo este fato conseqüência o Cocotá, que em 1935 foi estendida até a área de um mau atendimento deste serviço, de res- do Bananal (nordeste do bairro da Freguesia), ponsabilidade do poder público estadual, expres- facilitando assim o acesso dos moradores atra- so principalmente pela escassez de embarcações vés daquele que era, até então, o único meio e a irregularidade dos horários, não inspirando de comunicação, em termos de transporte, confiança na população insulana. Tal situação para fora da ilha.. demonstra uma certa ligação do poder públi- Foi a partir da metade deste século que a Ilha co com o capital privado, pois até o presente do Governador adquiriu um progresso popula- momento, não se verifica nenhuma intenção cional e urbano de forma até imprevisível, sen- real de melhorar este serviço, deixando a po- do que o marco deste crescimento da população pulação dependente essencialmente das linhas foi a inauguração da primeira ponte que a ligou de ônibus.