Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Centro de Artes, Humanidades e Letras Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas A Guerra tem rosto de mulher: as Caretas do Mingau! Narrativas da Independência da Bahia em Saubara Vanessa Pereira de Almeida Cachoeira 2017 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Centro de Artes, Humanidades e Letras Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas A Guerra tem rosto de mulher: as Caretas do Mingau! Narrativas da Independência da Bahia em Saubara Vanessa Pereira de Almeida Dissertação de Mestrado apresentada ao Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, como requisito para a obtenção do título de mestra. Orientadora: Profª. Dra. Rosy de Oliveira (UFRB) Coorientador: Prof. Dr. Emanuel Luís Roque Soares (UFRB) Banca: Profª. Dra. Alyxandra Gomes (UNEB) Profª. Dra. Jurema Machado (UFRB) Cachoeira 2017 DEDICATÓRIA Aos úteros ancestrais, que se configuram em rotas de transmissão e me fazem carregar, hereditariamente, as impressões que não permitem que eu esqueça porque aqui estou. As memórias que moram aqui dentro, sussurram e gritam ao mesmo tempo. É um misto de dor e amor... AGRADECIMENTOS Adupè em Yorubá significa gratidão. Para além da palavra fixa, os yorubás compreendem a gratidão como sentimento. Concluir esta Dissertação de Mestrado foi maravilhoso e muito doloroso. Neste espaço, de agradecimento, me permito materializar em escrita o sentimento que existe aqui dentro e eternizar minha gratidão à todas as pessoas que me ajudaram nesse processo, e agradecer especialmente, às forças intangíveis que me presenteiam com seus sons, cheiros, sonhos e amor. Ao senhor dos caminhos, que me levou a viver uma experiência andarilha quando me mudei para Saubara, Laroyê! À Oxum, senhora de mim, sagrado que habita meu ser, aquela de quem sou um breve pulsar do seu coração divino. Ao Caboclo Boiadeiro, por guiar essa filha nas trilhas das letras e da vida. Agradeço à toda minha família biológica, avós, mãe, tios/as, irmãos/ãs e minha irmã de alma Rafaela. Essa família que se faz porto, que se faz vida, que se faz amor. À meu avô, seu Manoel, patrocinador desta caminhada acadêmica e às minhas ancestrais femininas vó Bete, mãe Nei e tia Dilma, materialização do amor em minha existência. À todos/as da minha família de santo, especialmente meu Bàbálorisà Agenor de Santana e meu irmão Thalles Aroní, o manto sagrado de Oxalá em minha vida. À Kolin Menezes por ser os braços fortes de Xangô. À Aneilson Ribeiro, Henrique Barbosa e Wellington Santos, pela amizade sincera e sabedoria dos filhos de Ogum. À Fernando Ícaro por ser o brilho por debaixo das palhas, iluminando as ideias. À João Pereira pela parceria no olhar atento de suas lentes e dos risos espontâneos. À Samyra Nunes e Luan Ribeiro pela calorosa alegria dos dias. À Cristina Ferreira pelo acolhimento em seu coração. À Tatiane Lopes, por ser o coração de Oxóssi em minha vida. À Anatildes Santana, Ricardo Silva, Crispiniano Rebouças por adoçar com suas águas doces os dias difíceis. À Rebeca Souza e Maria Conceição pelas brisas suaves num dos momentos mais difíceis na minha vida. À família Silva pelo apoio. À Aldenira pelas conversas centradas e discernimento dos/as filhas de Xangô. Às amigas Luciana de Castro, a minha poesia com cheiro de mar. À Alice Barreto, o sonho de Oxum em minha vida. Alessandra Souza pelo apoio e carinho. À comunidade saubarense, em especial às mulheres das Caretas do Mingau, a representação da vida, do existir. Nem mensuro o quão aprendi com elas. Gratidão eterna. À Bel Saubara, Rosildo Rosário, Jarbas Farias, Helly Guiomar e Maria Cristina e Judite Barros. À Ana e Sharise pela grandiosa contribuição. Quero agradecer ao (todos/as que trabalham para manter) Mestrado Profissional em História da África da Diáspora e dos Povos Indigenas, pela possibilidade da experiência de compartilhar saberes com professora Rita Dias e o professor Cláudio Orlando, a materialização do sentimento de que é possível. À turma de 2015, especialmente Frederico, Edilon, Zezão, Isaías e Flávia por terem sido meu riso, meu delírio mais lúcido nesse tempo de curso. À Claudia Correia pela intermediação burocrática em tempos difíceis. Quero agradecer às professoras Alyxandra Gomes e Jurema Machado pela compreensão e tempo dedicado para a avaliação desta dissertação. Agradeço especialmente à minha orientadora, a professora Rosy de Oliveira pela paciência, compreensão e a crença em meu trabalho, quando eu mesma já nem tinha esperança de poder concretizar. Resumo Através da História Oral e das noções de Performance Cultural e de Patrimônio Imaterial este trabalho foi se constituindo como terreno fértil para conferir o agenciamento das dimensões interdisciplinar, interseccional e intersetorial que, em conexão, ampliam os debates que: a) questionam os modelos de produções de saberes fundamentados em paradigmas excludentes; b) questionam as variadas formas de dominação/opressão – principalmente no contexto pós-colonial – em termos de raça/etnia, classe e gênero; c) discutem propostas de políticas públicas e medidas de salvaguarda de símbolos importantes para uma comunidade, no sentido de garantir a liberdade de produzir sua própria existência. Aqui, a guerra tem rosto de mulher, o brincar é assombro, as Caretas oferecem mingau e Saubara transforma-se num portal anímico e a escrita é entendida como uma possibilidade de vida, uma narrativa pela qual se forma um modo de existir. Palavras-chave: Caretas do Mingau, Independência da Bahia, Saubara, Brincar, Patrimônio Imaterial. Lista de Siglas IPAC – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional UCSal – Universidade Católica do Salvador UFRB – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Lista de Figuras Figura 1 – O desfile dos mascarados acontece nos domingos do mês de julho. Foto: Bel Saubara, Saubara, 2017. Figura 2 – Caretas do Mingau nas ruas de Saubara. Este dia a TV Bahia estava fazendo uma reportagem sobre elas. Foto: João Pereira, Saubara, 2015. Figura 3 – Mapa de Saubara. Retirado do Catálogo Saubara em Movimento produzido pelo Ponto de Cultura, sede da Chegança. Figura 4 – Panos brancos e chapéus de palha são elementos constitutivos das Caretas do Mingau. Foto: João Pereira, Saubara, 2005. Figura 5 – Caretas do Mingau em frente à casa da Cabocla, entoando sambas e executando danças. Foto: Secretaria de Cultura do Estado da Bahia Figura 6 – O carro enfeitado da Cabocla Brígida. Foto: Secretaria de Cultura do Estado da Bahia Sumário DO CANÔNE EXCLUDENTE À ESCRITA SUBVERSIVA: AS CARETAS DO MINGAU E O TEXTO HISTÓRICO CAPÍTULO 1 AS CARETAS COMO ENCRUZILHADA: ESPAÇO DO MEDO E ENCANTAMENTO 1.1 – “Era como se fosse alma”: o espaço do medo 1.2 – “Quando eu cheguei já encontrei o mundo...eu quero é brincar! ”: o espaço do encantamento CAPÍTULO 2 VOZES DO SUL: UMA POTÊNCIA CHAMADA SAUBARA 2.1 – “O coração do Recôncavo”: mapeando a cidade 2.2 –“Se o Dois de julho morrer, o que será de nós? ”: memória e identidade 2.3 – Engrossando o mingau: os heróis da guerra são mulheres! CAPÍTULO 3 AS CARETAS DO MINGAU E O UNIVERSO IMATERIAL: CELEBRAR, EXISTIR E SALVAGUARDAR 3.1 – A vitória incorporada: o mingau, a madrugada e o movimento 3.2 – Herança Intangível: práticas incorporadas e salvaguarda da liberdade DO CANÔNE EXCLUDENTE À ESCRITA SUBVERSIVA: AS CARETAS DO MINGAU E O TEXTO HISTÓRICO Este trabalho é um composto de experimentações. Um agenciamento de trajetórias, narrativas e literaturas. Dessa maneira, procurei alinhar a trajetória de professora com a vontade de produzir conhecimento sobre a novidade que me saltava aos olhos: as Caretas do Mingau. Me coloquei a ouvir, muito mais do que falar, me permitir sentir as impressões que chegaram aos meus olhos, ao ver na alta madrugada do dia 2 de julho de 2013, panos brancos em movimentos aleatórios, como assombrações nas ruas desertas de Saubara. O assombro não parava por aí. Para meu espanto, os “panos brancos” ofereciam mingau, e era aos berros. Todo os anos, há aproximadamente 100 anos, no mês de julho, na madrugada do dia 1º para o dia 2, mulheres negras, de variadas idades, religiosidades e profissões, saem em algumas ruas do munícipio de Saubara trajadas com grandes panos brancos – em sua maioria são rendas – e chapéu de palha, segurando panelas de alumínio contendo mingaus de milho, carimã e tapioca, sacudindo chocalhos e gritando: “Olha o mingau! Olha o mingau”, com voz anasalada. As Caretas do Mingau são mulheres cuja atuação delas nos embates pela independência da Bahia foi de suma importância, segundo a escritora saubarense Judite de Santana Barros (2006). Digo que esta pesquisa começou muito antes do início deste mestrado, tendo seu ápice em 2013, quando fui morar em Saubara e onde começaram as relações profissionais e pessoais com as pessoas dessa cidade, sobretudo, com as brincantes das Caretas do Mingau. A mudança de moradia para o município de Saubara, se transformara em variadas experiências para a composição deste trabalho. No ano de 2013, eu estava fazendo pesquisas sobre a manipulação de ervas para a prática da cura em Terreiros de Candomblé. Este fora o objeto de pesquisa do meu trabalho de conclusão de curso, na UCSal - Universidade Católica do Salvador, na graduação em Licenciatura e Bacharelado em História. Na trajetória das pesquisas sobre ervas e suas manipulações, tratei de conversar com algumas pessoas da cidade e conheci dona Maria da Cruz, conhecida também como dona Maria da Folha1. Dona Maria passou a ser chamada de Dona Maria das Folhas devido à sua atuação como feirante. De acordo com Barros (2006), dona Maria vendia folhas e hortaliças dias de quarta e sábado na rua da Praça em Saubara (Ibid., p.50).
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