Revista-Brasileira-47.Pdf

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Revista Brasileira Fase VII Abril-Maio-Junho 2006 Ano XII N o 47 Esta a glória que fica, eleva, honra e consola. Machado de Assis ACADEMIA BRASILEIRA REVISTA BRASILEIRA DE LETRAS 2006 Diretoria Diretor Presidente: Marcos Vinicios Vilaça João de Scantimburgo Secretário-Geral: Cícero Sandroni Primeira-Secretária: Ana Maria Machado Conselho editorial Segundo-Secretário: José Murilo de Carvalho Carlos Nejar, Arnaldo Niskier, Diretor Tesoureiro: Antonio Carlos Secchin Lêdo Ivo, Alfredo Bosi Membros efetivos Produção editorial e Revisão Affonso Arinos de Mello Franco, Nair Dametto Alberto da Costa e Silva, Alberto Venancio Filho, Alfredo Bosi, Assistente editorial Ana Maria Machado, Antonio Carlos Monique Cordeiro Figueiredo Mendes Secchin, Antonio Olinto, Ariano Suassuna, Arnaldo Niskier, Candido Mendes de Almeida, Projeto gráfico Carlos Heitor Cony, Carlos Nejar, Victor Burton Cícero Sandroni, Domício Proença Filho, Eduardo Portella, Evanildo Cavalcante Editoração eletrônica Bechara, Evaristo de Moraes Filho, Estúdio Castellani Pe. Fernando Bastos de Ávila, Helio Jaguaribe, Ivan Junqueira, Ivo Pitanguy, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS João de Scantimburgo, João Ubaldo Av. Presidente Wilson, 203 – 4o andar Ribeiro, José Murilo de Carvalho, José Rio de Janeiro – RJ – CEP 20030-021 Mindlin, José Sarney, Lêdo Ivo, Lygia Telefones: Geral: (0xx21) 3974-2500 Fagundes Telles, Marco Maciel, Marcos Setor de Publicações: (0xx21) 3974-2525 Vinicios Vilaça, Moacyr Scliar, Murilo Fax: (0xx21) 2220.6695 Melo Filho, Nélida Piñon, Nelson Pereira E-mail: [email protected] dos Santos, Paulo Coelho, Sábato Magaldi, site: http://www.academia.org.br Sergio Paulo Rouanet, Tarcísio Padilha, Zélia Gattai. As colaborações são solicitadas. Sumário Editorial JOÃO DE SCANTIMBURGO Museu do idioma . 5 Posse da Diretoria da ABL – 2006 Discurso de Despedida do Presidente Ivan Junqueira. 7 Discurso do Presidente Marcos Vinicios Vilaça . 12 Membros da ABL no Supremo Tribunal Federal EROS ROBERTO GRAU Discurso . 21 MARCOS VINICIOS VILAÇA Discurso . 40 ALBERTO VENANCIO FILHO O STF e a Academia Brasileira de Letras. 43 CULTO DA IMORTALIDADE 10 anos sem Cyro dos Anjos ANTONIO OLINTO Cyro dos Anjos, ficcionista e memorialista . 71 LÊDO IVO Cyro dos Anjos e o romance . 75 90 anos de José Cândido de Carvalho ANTONIO OLINTO José Cândido de Carvalho, autor de histórias . 79 RICARDO LUÍS VIANNA DE CARVALHO Manuscritos inéditos de um romance . 87 HÉLIO BLOCH José Cândido de Carvalho, frasista. 91 ARNALDO NISKIER José Cândido de Carvalho “invencioneiro e linguarudo” . 99 PROSA ANA MARIA MACHADO Lá e cá: algumas notas sobre a nacionalidade na literatura brasileira. 107 WILSON MARTINS A arte do romance . 127 o TARCÍSIO PADILHA Coronel, Coronéis no 40. aniversário de seu lançamento. 131 FÁBIO LUCAS As ciências humanas segundo Afonso Arinos de Melo Franco . 135 MAURO MÁRCIO DE PAULA ROSA Teatro e tragédia na produção romanesca de Machado de Assis . 145 RICARDO VIEIRA LIMA O nervo do conflito . 189 JOSÉ MÁRIO DA SILVA Das fronteiras à travessia: a poética plural de Lêdo Ivo . 207 MARIA JOÃO CANTINHO Nejar, Carlos ou a Chama viva da palavra . 219 GILBERTO DE MELLO KUJAWSKI Vida pública e vida privada . 227 BENEDICTO FERRI DE BARROS Dois breves estudos sobre a linguagem . 239 VAMIREH CHACON Gilberto Freyre hispânico . 249 VERA HÜSEMANN O menino e o papagaio (conto) . 265 POESIA ALESSIO BRANDOLINI Poesie della terra . 271 GUARDADOS DA MEMÓRIA CÉLIO DEBES Uma ferrovia assassinada . 301 Editorial Museu do idioma João de Scantimburgo ão Paulo – Foi inaugurado, na reformada Estação da Luz, S marco do nosso desenvolvimento em parceria com a Inglater- ra, o Museu da Língua Portuguesa, obra louvabilíssima do operoso governador Geraldo Alckmin. O Museu é um florão que se acrescenta à língua, vigoroso sistema de comunicação que os portugueses, descobridores e civilizadores do Brasil nos deram, juntamente com outras instituições como o Di- reito, as Ordenações, a Santa Casa, a representação popular nas Câ- maras, a segurança com as Forças Armadas e a soberania, primeiro com a Casa de Aviz e depois com as sucessoras, até à Independência. Olavo Bilac, grande poeta parnasiano, criou inadvertidamente uma certa mágoa no Brasil de seu tempo, quando publicou o formo- so soneto “Língua Portuguesa” – Última flor do Lácio, inculta e bela,in- sistindo na hermética língua com que fomos contemplados para nos comunicar a grandiosa obra de criação de um Império voltado para a realeza de Cristo, como cantou Camões. A Língua Portuguesa, segundo a última edição do Aurélio, tem 435.000 vocábulos, e é menos rica do que o espanhol, o francês, so- 5 João de Scantimburgo bretudo o inglês, e outras línguas faladas no mundo. Mas é suficientemente rica para expressar as nuances do pensamento, inclusive do pensamento filosó- fico, o mais complexo, que nunca foi o nosso forte intelectual. A Língua Portuguesa é dotada de certa versatilidade, que permite aos estu- diosos das altas especulações dizer tudo o que pensam e ser compreendidos perfeitamente bem, como nos demais idiomas. E interessante notar que as variações regionais estão apenas no sotaque. Há, evidentemente, variações vocabulares, mas todos se entendem muito bem, como acentuou o grande Gilberto Freyre. 6 Cyro dos Anjos, 1906-1994. Bico-de-pena de Luís Jardim. Cyro dos Anjos ficcionista e memorialista Antonio Olinto omo escritor, criou Cyro dos Anjos um escrínio próprio Mesa-redonda dentro da literatura brasileira. Lírico, esculpindo o R de Ri- 10 Anos sem Cyro C dos Anjos, soleta numa palmeira imperial, era também zombeteiro – uma pala- realizada em 29 vra que não se usa tanto hoje – mas zombeteiro de leve. As paixões se de julho de sucedem em seu romance: Fabíola, Diva, Elza, idas ao cinema – a pa- 2004. lavra então usada era cinematógrafo. Família grande, irmãos e irmãs. O mano Artur tocava flauta na or- questra do lugar. Acima de tudo as raparigas em flor, não muito dife- rentes das que Proust vira muito longe, numa cidade chamada Paris. O mundo era feito de um permanente ritual. Havia o que devia ser fei- to e o que não devia ser feito. Talvez igual ao que era outro aglomera- do de gente. Surgira uma guerra na Europa, mas o mundo mineiro tinha uma realidade própria. Santana do Rio Verde, cidade real que se torna fictícia, ou vice-versa. Parecida com uma Caaratinga ou uma Teófilo Otoni, todo aquele chão da classe média mineira, diferente da região de Urucuía, onde Guimarães Rosa ergueria o seu mundo. 71 Antonio Olinto Palpitava em todos esses lugares uma paixão pela vida, que se exprimia numa busca incessante de atividades, que incluíam o contato com os mendigos e os meninos, que se tornavam amigos deles, pois eram eles os meninos em Santana e tinham a tarefa de dar a esmola e presidir a distribuição da farinha. Formavam aqui os mendigos uma classe definida. O sábado era o dia consagrado à pobreza, e os pobres desfilavam diante dos meninos para receber o seu de comer. Criança gosta de doce, e o romancista e memorialista lambia os beiços con- templando as maravilhas e a doçura luso-afro-brasileira, a partir dos seus no- mes e estilos, sua carga de ternura, lirismo e raça. Os doces tinham nomes as- sim: beijos-de-freira, suspiros, papos-de-anjo, melindre, baba-de-moça, arru- fada, esquecidos, galhofas, espera-marido. Todo esse mundo que a memória grava e melhora aparece na ficção de Cyro dos Anjos. Com Belmiro já moran- do em Belo Horizonte e mergulhado não só na luta pelo trabalho, mas tam- bém no trabalho de ver e amar as moças. Note-se que há invenção do nome de sua nova capital, e quando Cyro e Belmiro lá chegam a cidade saía da infância. Note-se que belo nome para ela descobriram. Já nos acostumamos com isto – Belo Horizonte – como sendo uma cidade, uma capital. Nem sempre nos lem- bramos que se trata de um nome de gosto mineiro, no orgulho de um horizon- te que é, antes de tudo, belo. Tanto na ficção como nos livros de memória de Cyro dos Anjos, vemos uma juventude que ali começa a aparecer: San Tiago Dantas, Gustavo Capane- ma, Juscelino Kubitschek, Pedro Nava, Carlos Drummond de Andrade, Abgar Renault, Francisco Campos. Indo em férias à sua cidade natal, depara com a exaltação provocada por soldados que iam para o Norte, no encalço dos rebel- des da Coluna Prestes. Com o lançamento do seu romance O Amanuense Belmiro, entrava Minas Gerais de corpo inteiro na ficção brasileira do século XX. É uma narrativa na primeira pessoa, como se fosse livro de memórias, no estilo que flui em ritmo natural, as palavras parecendo sair mais do leitor do que do romancista, na busca de um tempo que fugia, quando o personagem sofre porque não mais encontra a gameleira solitária, que derrubaram para nada. A fazenda, o rio, o 72 Cyro dos Anjos ficcionista e memorialista buritizal, a própria montanha deixava de existir. A lagoa foi drenada e conver- tida em pasto. Como se pode suprimir uma lagoa? Como se pode cortar uma árvore? É como se destruíssemos algo humano, vivo, premente. É necessário tomar uma decisão e não voltar aos lugares antigos, de coisas que não estão no espaço. As coisas estão é no tempo. As coisas moram no tem- po, e o tempo está dentro de nós. Como se vê, quem sai no encalço do passado reconhece que pode recuperar o que se foi. Toda a técnica narrativa de Cyro dos Anjos está nessa feliz sujei- ção ao tempo, nesse amor ao tempo, desde que saibamos aceitar a possibilida- de, quase a certeza de que podemos vencer o real. Fui encontrar numa revista de Belo Horizonte, A Gaiaca, edição de março de 1958, a fonte da tranqüila aceitação de Cyro dos Anjos perante as possíveis violências da realidade. Há nesse número de A Gaiaca um poema de Lêdo Ivo em homenagem a Lorca, um ensaio de Zora Seljan sobre teatro e folk-lore,um poema de minha autoria a Rocco de Nascimento e, entre outras matérias, um artigo de Cyro dos Anjos chamado “Arte, necessidade biológica”.

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