Nova Classe Média E Telenovelas No Brasil1

Nova Classe Média E Telenovelas No Brasil1

De Voyeur a Protagonista: Nova classe média e telenovelas no Brasil1 Wesley Pereira Grijó Universidade Federal do Pampa2, Brasil [email protected] Resumo: A partir do contexto da assistência sistemática dos capítulos das nova classe média como principal obras audiovisuais, a leitura das sinopses consumidora do mercado brasileiro, disponibilizadas pela emissora em sites observa-se como esse fenômeno institucionais e a leitura flutuante como socioeconômico se reflete na produção forma de observar e identificar a presença das telenovelas, produto audiovisual de das classes populares nas tramas. A maior lucratividade no Brasil. Aborda- partir da observação das telenovelas, se a trajetória da presença das classes na atual conjuntura social brasileira, populares nas telenovelas, observando a ficção seriada televisiva acompanha 15 produções das 21 horas da Rede as mudanças socioeconômicas. Globo na década de 2000 até chegar ao Evidentemente, essa relação deve-se atual momento em que protagonizam as mais a uma questão mercadológica tramas de Fina Estampa (2011), Avenida do que pela necessidade real de uma Brasil (2012) e Salve Jorge (2013). Os representação politicamente correta da procedimentos metodológicos são: a sociedade brasileira na ficção. Palavras-chave: Televisão aberta; Telenovela brasileira; Nova Classe Média; Classes populares. 1. Submetido a 15 de Outubro de 2014 e aprovado a 15 de Novembro de 2014. 2. Av. Tiarajú, 810 - Bairro: Ibirapuitã - Alegrete - RS, Brasil. Estudos em Comunicação nº 17 191 -212 Dezembro de 2014 192 Wesley Pereira Grijó Abstract: From the context of the new systematic care of the chapters of middle class as the main consumer of audiovisual works, reading the synopses the Brazilian market, analyzes how provided by the issuer in institutional this socio-economic phenomenon is sites, the initial reading as a way to reflected in the production of Brazilian observe and identify the presence of the telenovelas, audiovisual product popular classes in the plots. From the increased profitability in Brazil. observation of Brazilian telenovelas, the Discusses the trajectory of the presence current Brazilian social environment, the of the popular classes in Brazilian fictional television serial accompanying telenovelas, watching 15 productions socio-economic changes. Of course, of 21 hours of Rede Globo in the 2000s this relationship is due more to a up to the present time they act out the marketing question than the real need plots of Fina Estampa (2011), Avenida for a politically correct representation of Brasil (2012) and Salve Jorge (2013). Brazilian society in fiction. The methodological procedures are: Keywords: Open television; Brazilian telenovela; New Middle Class; Popular classes. A “nova classe média” e a televisão brasileira contemporânea O refletir sobre a representação da classe trabalhadora em programas de Atelevisão no Reino Unido, Morley (2010) critica que, nos últimos anos, a terminologia de classe tem sido excluída da mídia e dos estudos culturais, como forma de responder a acusações de “reducionismo” e “essencialismo” na utilização de categorias sociais nas análises culturais. Já Canclini (2001) considera que as noções de classe e de luta de classes serviram, assim, para pôr em evidência o fato da identidade modificar-se de acordo com as mudanças históricas na forças produtivas e nas relações de produção. Com isso, o “popular” deixou de ser definido como uma série de traços internos ou por um repertório de conteúdos pré-industriais e passou a se caracterizar por sua posição em relação às classes hegemônicas. No atual cenário brasileiro, no qual se discute - e se questiona - a ascensão de uma “nova classe média”, Pochmann (2012) entende que não se trata da De Voyeur a Protagonista: Nova classe média e telenovelas no Brasil 193 emergência de uma nova classe, muito menos de uma classe média. Para o pesquisador, o que ocorreu foi o esvaziamento do debate sobre a natureza e a dinâmica das mudanças econômicas e sociais. Ao criticar a noção hegemônica de “nova classe média” no Brasil, o pesquisador acusa ainda que os monopólios sociais constituídos pelos meios de comunicação e seus “oráculos midiáticos” manipulam o consciente da população em prol de seus próprios desejos mercantis, defendendo o consumismo e negando a estrutura de classe na qual o capitalismo molda a sociedade. A partir dessa discussão ainda sem um consenso sobre a “nova classe média” no cenário socioeconômico do Brasil, este trabalho discute a presença das classes populares3 na telenovelas brasileiras, buscando traçar, em linhas gerais, o processo que levou as temáticas “pertencentes” a esses grupos sociais da posição de coadjuvantes a protagonistas das narrativas. Partimos da assertiva de que esses personagens estiveram presentes nas tramas ao longo da trajetória da produção de telenovelas no Brasil, contudo, passaram a ter maior destaque, frequência e participação a partir do momento em que a “nova classe média” passou a ser vista como importante segmento consumidor pelas organizações econômicas e almejada pelo mercado publicitário. Assim, abordamos a trajetória da presença das classes populares nas telenovelas, a partir da observação de 15 produções das 21 horas da Rede Globo na década de 2000 até chegar ao atual momento em que protagonizam as tramas Fina Estampa (2011), Avenida Brasil (2012) e Salve Jorge (2013). Nossas observações são alicerçadas, principalmente, na assistência sistemática dos capítulos dessas obras audiovisuais, na leitura das sinopses disponibilizadas pela emissora em sites institucionais, nas quais realizamos a leitura flutuante como forma de observar e identificar a presença das classes populares nas tramas. Nesta discussão, buscamos pensar a relação entre telenovelas brasileiras e a classes populares, refletindo sobre essa problemática a partir das narrativas do produto audiovisual, suas tramas e seus personagens; mas também assimilando as contribuições de outros trabalhos que se propuseram a pensar a questão no 3. Para fins de análise, nas narrativas das telenovelas consideramos os personagens e os núcleos dramáticos ligados às classes populares como pertencentes ao que se denomina de “nova classe média” brasileira. 194 Wesley Pereira Grijó nível da recepção (LOPES et al., 2002; RONSINI; ALMEIDA, 2011) e no nível da produção (DE SOUZA, 2004; SIFUENTES et al.; 2013). O contexto midiático ao qual lançamos nossas observações emerge de um processo socioeconômico posterior à implantação do Plano Real4. Com isso, aparece a chamada “nova classe média” que aglutina, atualmente, o principal segmento de consumidor do Brasil. Essa classe consumidora passou a ser o principal alvo das empresas, que a cada dia “adaptam” produtos a um suposto padrão de gosto e condições financeiras dessa categoria. Esse cenário começou a se delinear há cerca de dez anos, com o aumento na renda per capita dos brasileiros, possibilitando o ingresso de milhões de pessoas à classe média do país. Neri (2010) aponta que essa ascensão social criou um segmento responsável por 46% do poder de comprar dos brasileiros. Em termos mais específicos, esse autor indica que uma família é definida como pertencente à classe média quando tem renda mensal abaixo de R$ 4.854 e acima de R$ 1.126, com isso houve um alargamento da faixa de famílias pertencentes à classe média, equivalente em aproximadamente 50% da população brasileira. Ao criticar essa classificação, Pochmann et al (2006) pondera que o estrato com renda mais baixa não necessariamente integra o modo de viver da classe média, e não cumpre critérios como emprego estável, educação, habitação, poupança, facilidade de consumo. Ou seja, essa definição de “nova classe média” ainda não é totalmente bem definida, sendo até mesmo questionada sua real existência. Dados oficiais quantitativos indicam ainda que a “nova classe média” não deseja o estilo de vida das elites como outrora se pensou e prefere produtos que valorizam a sua origem5. Essa informação de contexto se refletiu progressivamente na grade de programação das televisões abertas brasileiras, visto que focam suas atrações a um público consumidor potencial para as empresas patrocinadoras. Ou seja, dentro dessa questão há a pressão do mercado publicitário que prefere investir em programas com maior número de telespectadores e, consequentemente, possíveis consumidores para as empresas 4. Plano Real foi um programa brasileiro com o objetivo de estabilização econômica, iniciado oficialmente em 27 de fevereiro de 1994 com a publicação da Medida Provisória nº 434 no Diário Oficial da União e determinou o lançamento de uma nova moeda, o Real. 5. http://www.sae.gov.br/novaclassemedia/?page_id=58. Acesso em 15/05/2014. De Voyeur a Protagonista: Nova classe média e telenovelas no Brasil 195 contratantes6. Se formos pensar pela perspectiva de Thompson (2002), esse atual contexto brasileiro sobre o qual lançamos nossas reflexões tem relação também com a mercantilização das formas simbólicas, no sentido de que os objetos produzidos pelas instituições da mídia passam por um processo de valorização econômica. Em decorrência desse cenário, houve o aumento de atrações que tentam atrair esse segmento da população para a audiência televisiva. No início desta década, somente na Rede Globo, maior emissora aberta no Brasil, surgiram produtos com grande repercussão sob o cenário da “nova classe média”, como: o programa de auditório Esquenta (2011 a 2013); seriados como Subúrbia (2012), Tapas e Beijos (2011 a 2013) e Pé na Cova (2013); e telenovelas como Fina

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