
BOL E TIM DO NÚCL E O CULTURAL DA HORTA VARIAÇÕ E S À RODA DO D E SCOBRIM en TO E DO POVOAM en TO DAS FLOR E S E DO CORVO * PE DRO DA SILVEIRA 1. Como no título, isto é tão só um e as costas ribeirinhas dos continen- apanhado de variações, ou divaga- tes e conjugam o visto com o que foi, ções, no respeitante ao descobrimen- desde a conquista de Ceuta em 1415, to como são os povoamentos, o pri- a expansão portuguesa, os descobri- meiro malogrado, efectivo o segundo, mentos que a ilustram, logo nos salta das Flores e do Corvo. Historiador, à ideia a evidência de que, depois do propriamente, não sou, nem de modo arquipélago da Madeira – a fazer, algum pretendo passar por sê-lo. digamos de estação de ensaio –, eles Além da literatura, o que cultivo é se processam em dois rumos: para a etnografia, em especial o folclore, sul, reconhecendo África para além também a dialectologia. E por isto do Bojador e de [?], e logo visando o é que de vez em quando incursiono caminho para a Índia e [?] o noroeste, pelos campos da História, a dos Aço- apontando à terra dos Bacalhaus, ou res e, em particular, a das Flores e seja a Terra Nova , e a costa continental Corvo. O que se vai seguir é, pois, vizinha ao Canadá e Estados Unidos. outra incursão minha de não histo- Ora, neste rumo de noroeste, que seria riador no campo da História. o menos seguido pelos navegadores Olhando-se para um mapa do Atlân- portugueses, contam-se não só as via- tico, no seu todo ou só a parte do gens a partir dos Açores, da Terceira hemisfério norte, com as suas ilhas e do Faial, numa delas redescobrindo * Em Nota do Editor inserta no volume das Actas do III Colóquio O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX, no decorrer do qual se assinalou a ocorrência dos 500 anos do Descobrimento das Flores e do Corvo, consta este registo: “Pedro da Silveira proferiu a Conferência de Encerramento com o título «Variações em torno do Descobrimento e Povoa- mento das Ilhas das Flores e do Corvo». Pretendendo melhorar o texto apresentado, o confe- rencista reteve-o, mas prometeu o seu envio a tempo de ser incluído nestas Actas. A sua morte não tornou isso possível”. O arquivo da versão original em ficheiro que se julgava perdido, evidenciando, aliás, algumas deficiências e omissões resultantes das dificuldades na sua transcrição, permite nesta oportu- nidade promover a publicação daquele que, provavelmente, terá sido o último texto que Pedro da Silveira apresentou em público, por sinal na sua terra natal. 546 Boletim do Núcleo Cultural da Horta Flores e Corvo, mas também, na Corvo, a pequena ilha, olhá-la de mesma época ou antes, os feitos de longe, lembra de facto uma ave escura parceria com dinamarqueses, a partir que estivesse pousada no mar. Não se da Escandinávia. E digo Escandiná- esqueça, todavia, que nos mapas mais via e não apenas Dinamarca porque, antigos, do Século XIV, como o do no tempo do nosso D. Afonso V e Atlas Mediceu, nem a ilha dos Corvi Cristiano I da Dinamarca, a Noruega Marini, que, aliás, pode corresponder também tinha este por soberano. mais às Flores do que ao Corvo ou E bem pode ser que da colaboração então às duas ilhas. E há ainda a doa- de neutros portugueses às expedições ção do Corvo, em 1453, a D. Afonso, de Dinamarqueses e Noruegueses é Duque de Bragança e Conde de que tenha resultado, por exemplo, a Barcelos, na qual melhor do que o viagem, porventura costa americana Corvo mesmo se entenderá as Flores, abaixo, que, antes de Colombo, João isto ainda conduzindo a dito atrás. Coelho terá feito ao Haiti, dela se Se houve de facto uma doação régia ocupou Ferreira de Serpa num estudo a Diogo de Teive, a carta em que foi que é dos seus melhores mas lamen- feita perdeu-se. O que parece é que o tavelmente mal conhecido. Fora isto, madeirense, tendo as duas ilhas, nada o que sabemos deste navegador – é fez por elas além de porventura lá ir certamente o mesmo João Coelho – ou mandar ir botar alguns gados. No está na obra de Frei Diogo das Cha- fim de 1452 ele já estava na Madeira, gas, seu parente. tendo recebido do rei D. Afonso V, Deixando isto, deveras aliciante, cin- o exclusivo do fabrico de açúcar, jo-me ao que ora propus: o achamento e logo passou a transportar trigo de das Flores e Corvo no Verão de 1452 Lisboa para Ceuta. Estava, tudo o por Diogo de Teive e o seu piloto an- indica, vocacionado sobretudo para daluz Pero Vásquez de la Frontera no os negócios e menos lhe interessavam regresso de uma viagem aos bancos povoamentos. E com isto se tem que da Terra Nova. Uma viagem esta entre 1452 e 1475, com, de permeio, que pode ter sido ou não pioneira e a doação ao Infante D. Fernando em na qual, a meu ver, mais se destaca o 1460, ele nada faria no sentido da andaluz do que o madeirense Teive. ocupação efectiva, por colonos, das Como se sabe o nome Flores foi dado duas ilhas. Em 1475, João de Teive, à ilha maior porque os navegadores a filho de Diogo, entretanto falecido, avistaram toda ela florida, pois era o vende-os a Fernão Teles de Meneses, tempo de os cubres estarem em flor, fidalgo do Conselho do Rei e Gover- no Verão, até Setembro. Quanto ao nador da casa da princesa sua filha, Pedro da Silveira 547 D. Isabel. E com Fernão Teles é que des da Terra e Frei Diogo das Chagas se entendeu, para as ir povoar, Gui- no Espelho Cristalino, “cinco anos” lherme da Silveira. Do seu conchavo ou “passante de dez anos”, sendo os deve ter havido um documento, um cinco, a meu ver, mais aceitáveis. contrato, mas também se perdeu. No que ambos os cronistas coinci- E agora o caso, como iremos já ver, dem é no local do estabelecimento, o é que se os Teives privilegiaram os Vale da Ribeira da Cruz e, escreveu negócios, como o comércio marítimo, Chagas, “com morada e assento em e no tocante a descobrimentos o que furnas que fez na rocha, que é por igualmente rendesse logo, por seu aquela parte do tufo, a moda de salas e lado o Teles, também empenhado em casas muito grandes”, os quais, acres- descobrimentos, não foi muito além centa, viu “sendo rapaz”. Em seguida deles. Nem ele nem, tendo falecido, a isto, o que determinaria a desis- a sua viúva, D. Maria de Vilhena, em tência do flamengo, escrevendo frei representação do filho ainda menor Diogo que “ele fazia covas na terra, do casal, Rui Teles. Ocasionalmente e depois tornava-as a encher, o que visitados por navegantes viajando ele vendo, disse: tu não te fartes a ti, desde a Terra Nova e não só, para mal me fartarás a mim; e assim a eles elas eram apenas a possibilidade deixou (a ilha, pois), e se veio com de uma aguada e de, abatidas algumas toda a sua gente pelo Caminho das reses, o provimento de carne fresca. Quatro Ribeiras da ilha Terceira, povoar (sic) o Topo da ilha de S. Jorge. Em Frutuoso lê-se que se veio e por 2. Em 1474, ou já 75, quando o lhe faltar o comércio”, mas deixan- mesmo D. Afonso V doou as Foreiras, do-a “semeada”. ou Froreiras (Floreiras), isto é, Flores A respeito das covas que fazia Silvei- e Corvo, a Fernão Teles, Guilherme ra tem-se especulado que procuraria da Silveira estaria em Lisboa. Viera metais, segundo alguns prata. Não de Flandres para o Faial por 1469, vou em absoluto contra, mas quer-me aliciado por posse de Utra com boas parecer é que ele, minando primeiro propostas, mas depressa se desenten- para amansar terra e dispô-la aos cul- deram. E à conta disto é que viera, por tivos – não se esqueça que as Flores se queixar, a Lisboa, aqui se lhe fora é uma ilha pedregosíssima –, viu por oferecendo a possibilidade de ir para seus próprios olhos aquilo que notou as Flores, o que não terá sucedido, é de acerca dos Açores o infante D. Fer- crer, antes de 1476, lá permanecendo, nando e também se lê no Espelho segundo Gaspar Frutuoso nas Sauda- Cristalino. Em suma, o flamengo 548 Boletim do Núcleo Cultural da Horta bem cedo concluiu que o terreno das Vindo-se embora, Guilherme da Sil- Flores era pobre, por lá sujeito a veira foi, talvez não imediatamente, ventos destruidores, e que assim não para as Quatro Ribeiras e logo o tiraria dele lucro que se visse. E há o Topo, aqui se estabelecendo em defi- mais, a que já vou. nitivo como um próspero lavrador. Guilherme da Silveira, com a gente Ignora-se quando morar nesta vila de que levou consigo, muita ou pouca, S. Jorge, mas ainda lá vivia em 1510, homens livres e escravos, ou só da- quando a 12 de Setembro, teste- queles, limitou-se ao Vale da Ribeira munhou o testamento de um Simão da Cruz, segundo parece, o seu colo- Anes, ou Enes. Neste documento, nato. Porquê? O bem melhor local, ali que o padre Azevedo da Cunha reve- tão perto, onde depois nasceria Santa lou, por si anotado no Almanaque Cruz não o atraiu por que razão? S. Jorge para 1929 (Primeiro Ano Podemos pensar que a proximidade de Publicação), das Velas, e que não de um curso perene de água, a Ribeira entrou no seu livro sobre o Concelho da Cruz lhe dita a escolha, mas isto da Calheta, pois se destinaria ao seu não chega.
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