O Vulcão Dos Capelinhos

O Vulcão Dos Capelinhos

SISMICIDADE ASSOCIADA A FENÓMENOS VULCÂNICOS CASO DE ESTUDO –OVULCÃO DOS CAPELINHOS MATILDE ALMEIDA DA SILVA JOÃO LUÍS GASPAR Silva, M. A. & Gaspar, J. L. (2007), Sismicidade associada a fenómenos vulcânicos. Caso de estudo – O Vulcão dos Capelinhos. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 45-59. Sumário: Desde o povoamento das ilhas, no século XV, verificaram-se na região dos Açores várias erupções vulcânicas, importantes terramotos e diversas crises sísmicas, com grande impacte em termos de vítimas, avultados danos materiais e prejuízos socioeconómicos. No presente trabalho apresenta-se a revisão e reinterpretação dos dados de macrossismicidade relativos à crise sísmica associada à erupção do Vulcão dos Capelinhos. Com base na infor- mação contida em relatórios, notas de imprensa e estudos científicos e utilizando a Escala Macrossísmica Europeia – 1998 (EMS-98), efectuou-se a análise macrossísmica e elaborou-se a carta de intensidades locais referente aos efeitos acumulados da actividade sísmica no período da erupção. Silva, M. A. & Gaspar, J. L. (2007), Seismic activity associated to volcanic events. The Capelinhos Volcano case-study. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 45-59. Summary: Since the settlement of the Azores Islands, during the 15th century, several eruptions, earthquakes and seismic crises have been reported, some of them causing severe damage and a significant number of casualties. This work presents a revision and reinterpretation of macroseismic data from the seismic events associated to the Capelinhos eruption. Available data from unpublished reports, press releases and scientific publications were reanalysed according to European Macroseismic Scale – 1998 (EMS-98) and a map of local intensities, which considers the cumulative effects of the whole seismic crisis, is presented. Matilde Almeida da Silva – Delegação Regional dos Açores do Instituto de Meteorologia. Rua da Mãe de Deus, s/n. 9500-321 Ponta Delgada. [email protected] João Luís Gaspar – Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos. Universidade dos Açores. Edifício do Complexo Científico, 3.º Piso, Ala Sul. 9501-801 Ponta Delgada. Palavras-chave: Erupção dos Capelinhos, Sismicidade, Intensidades, EMS-98. Key-words: Capelinhos eruption, seismicity, Intensities, EMS-98. 46 Boletim do Núcleo Cultural da Horta INTRODUÇÃO O presente trabalho constitui parte da c) integração da informação obtida de dissertação de Mestrado intitulada modo a gerar-se uma carta de inten- Caracterização da sismicidade histó- sidades acumuladas. rica dos Açores com base na reinter- A erupção está documentada cienti- pretação de dados de macrossísmica: ficamente em vários artigos contidos contribuição para a avaliação do em dois volumes das Memórias dos risco sísmico nas ilhas do Grupo Serviços Geológicos de Portugal Central (SILVA, 2006) e nele apresen- (volumes 4 e 9), respectivamente «Le ta-se a revisão e reinterpretação dos volcanisme de l’île de Faial et l’érup- dados de macrossismicidade relativos tion du volcan de Capelinhos» (1959) à crise sísmica ocorrida em simul- e «Le volcanisme de l’île de Faial et tâneo com a erupção dos Capelinhos. l’éruption du volcan de Capelinhos: Para este efeito, definiram-se as deuxième partie» (1962). Outros tra- seguintes fases de trabalho: balhos não incluídos nos volumes a) compilação de todas as referências mencionados também apresentam bibliográficas, bem como a recolha de descrições da erupção ou fazem-lhe notas de imprensa, de modo a permi- breves referências; salientam-se os tir a caracterização da crise sísmica; valiosos trabalhos de Frederico Ma- b) reavaliação dos dados de macros- chado (MACHADO, 1958, 1959 e 1961) sísmica, utilizando a Escala Macros- e as observações de Orlando Ribeiro sísmica Europeia – 1998 (EMS-98) e Raquel Soeiro de Brito (RIBEIRO segundo os princípios definidos por &BRITO, 1957/58). Toda a crise GRÜNTHAL (1998) e adoptados por ficou documentada na imprensa local: SILVEIRA et al. (2003); OT elégrafo e Corr eio da Horta. ESCALA MACROSSÍSMICA EUROPEIA 1998 (EMS-98) Face à evolução nas técnicas de cons- de Utilização, incluindo diagramas e trução, houve necessidade de se pro- exemplos elucidativos para uniformi- ceder a alterações nas escalas ma- zar a interpretação dos utilizadores, crossísmicas utilizadas, tendo surgi- várias considerações e orientações do, após um período experimental, a sobre a interpretação dos factos e o EMS-98. Na edição original da EMS- seu modo de utilização, tais como: -98 são apresentadas, para além da avaliação do grau de intensidade; própria escala que integra um Guia qualidade e incerteza da informação Matilde Almeida da Silva & João Luís Gaspar 47 macrossísmica; quantificação dos di- vos intervalos de vulnerabilidade. Os ferentes efeitos; descrição de danos; edifícios são classificados, em função conceito de vulnerabilidade do edifi- da sua vulnerabilidade em seis clas- cado; efeitos de sítio; registos histó- ses, de A (mais vulneráveis) a F (me- ricos; parâmetros de movimento de nos vulneráveis). Neste trabalho con- solo; efeitos sismo-geológicos (GRÜN- siderou-se que todas as habitações THAL, 1998). existentes à data do evento perten- A EMS-98 inclui uma tabela de vul- ciam à classe de máxima vulnerabi- nerabilidades onde são considerados lidade – classe A. diversos tipos de edifícios e respecti- SUMÁRIO DA ERUPÇÃO A 16 de Setembro de 1957 come- nica continuou, criando um istmo çaram a sentir-se numerosos sismos, que fez a ligação à ilha do Faial «… tremores de terra muito repeti- (CASTELLO-BRANCO et al., 1959). dos … às dezenas … sendo impossível No dia 5 de Outubro «... as nuvens contá-los …» (RIBEIRO &BRITO, de lama devem ter-se elevado a 1957/58) até que no dia 27, às 6h e cerca de um quilómetro de altura e 30m, apareceram os primeiros vapo- os fragmentos sólidos ... alcançaram res à superfície do mar, a 1 km, a NW uma área de dispersão de 1200 m de do farol dos Capelinhos. Registou-se raio ...». As construções da zona um constante tremor que por vezes sofreram os primeiros danos com atingiu uma intensidade de grau IV na destruição de janelas e perfuração de escala MM-31, a que se seguiu uma telhados. A primeira grande queda de erupção (RIBEIRO &BRITO, 1957/58). cinzas ocorreu a 6 de Outubro «... em No segundo dia começaram «... a ser poucas horas um manto negro cobriu projectadas a centenas de metros de toda a extremidade Oeste da ilha altura, nuvens de escórias e cinzas e do Faial ...» até uma distância de 2,5 um grande penacho de fumo visível quilómetros da cratera. À queda de a muitos quilómetro de distância ...» cinzas esteve associada uma preci- (RIBEIRO &BRITO, 1957/58). No dia 1 pitação intensa. Neste contexto, foi de Outubro «... emergem os primeiros decidida a evacuação «... total das contornos do edifício eruptivo ... e no povoações do Norte Pequeno ... e do dia seguinte observa-se uma ilha em Canto ...» (RIBEIRO &BRITO, 1957/ forma de ferradura ...» (RIBEIRO & 58). No dia seguinte a espessura das BRITO, 1957/58). A actividade vulcâ- cinzas era de «... 29 cm ... a 1200 48 Boletim do Núcleo Cultural da Horta metros da cratera e 5 cm a 2500 me- (RIBEIRO &BRITO, 1957/58). As cin- tros ...». A queda de cinzas continuou, zas continuaram a fazer sentir os seus abrangendo, no fim do ano de 1957, efeitos; na zona do Farol e Porto uma área de «... 23,5 km2 com espes- Comprido (FIGURAS 1 a 3) «... a espes- suras que diminuíam de 60 a 5 cm ...». sura da areia atingiu vários metros No dia 24 de Outubro «... uma explo- soterrando casas e abatendo telha- são mais violenta ... projectou cinzas dos» (MACHADO, 1958). e escórias a 1400 metros de altura ...» FIGURA 1 Distribuição das cinzas na parte antiga da ilha do Faial, segundo MACHADO et al. (1959). Matilde Almeida da Silva & João Luís Gaspar 49 FIGURA 2 Depósitos de cinzas – Vulcão dos Capelinhos (foto cedida por Manuel Rodrigues). FIGURA 3 Depósitos de cinzas – Vulcão dos Capelinhos (in CAMPOS et al., 1962). 50 Boletim do Núcleo Cultural da Horta Segundo o relatório apresentado a 15 A 7 de Maio de 1958 «... deu-se uma de Janeiro de 1958 por CAMPOS et al. explosão muito forte, durante a qual (1962), foram afectadas 164 famílias. caíram 25 cm de cinzas ...», que atin- A erupção continuou a sua actividade giram a cidade da Horta «... embora com fases de acalmia alternadas com com pouca intensidade ...» (Telégrafo outras mais explosivas. (O), 1958a). A 13 de Maio de 1958, Durante o período de 11 de Novem- em ligação com uma crise sísmica de bro a 16 de Dezembro verificou-se extrema violência, começou uma fase forte actividade explosiva. A 7 de De- efusiva «... com actividade do tipo zembro a coluna eruptiva atingiu um estromboliano e emissão ... correntes máximo de 1250 metros de altura e de lava ...» que terminou «... a 24 de as cinzas, arrastadas por vento que Outubro de 1958 ...» (MACHADO, soprava de NW, foram espalhadas 1961). até uma distância de 20 quilómetros (CASTELLO-BRANCO et al., 1959). ACTIVIDADE SÍSMICA ASSOCIADA À ERUPÇÃO DOS CAPELINHOS A erupção foi precedida por mais de nar as suas casas «… famílias do sítio 200 abalos sísmicos que ocorreram do Canto, Capelo abandonaram as de 16 a 27 de Setembro com intensi- suas casas …» (Correio da Horta, dades que não ultrapassaram o grau V 1957b). A crise sísmica continuou da escala de Mercalli (CASTELLO- com menor frequência e intensidade, -BRANCO et al., 1959). Os últimos até que a 12 de Maio «… a partir das sismos foram acompanhados de um 18 horas … todas as povoações da tremor vulcânico contínuo, até que nossa ilha, começaram a sentir aba- «… a erupção começou a 27 de Se- los de terra … um contínuo tremor tembro …» (RIBEIRO &BRITO, 1957/ vulcânico …» (Telégrafo (O), 1958b 58), «… cerca das 8 horas … reben- e 1958c) e na noite de 12 para 13 de tou um vulcão submarino …» (Cor- Maio de 1958 ocorreram inúmeros reio da Horta, 1957a). Com o início abalos (FIGURA 4) que provocaram da erupção a intensidade e frequência a destruição das «… povoações da dos sismos baixou «… desde que re- Praia do Norte e Ribeira do Cabo fo- bentou… os abalos sísmicos tem sido ram arrasadas totalmente … Areeiro, de menor frequência …» (Correio da Cruzeiro e Espalhafatos ficaram Horta , 1957a).

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