Y an N O Rhan

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YANN ORHAN YANN E 44 Coração selvagem Aos 50 anos, a antiga primeira-dama de França mantém o charme e o poder de sedução, que alia sabiamente à gestão da imagem. Carla Bruni, a manequim, esteve no nosso país nos anos noventa, quando se maravilhou com as casas brancas de Faro, as fartas buganvílias e as praias intocadas do Porto. Mas é a primeira vez que vem a Portugal como cantora TEXTO KATYA DELIMBEUF EM PARIS E 45 YANN ORHAN YANN arla Bruni não para de vapear no seu cigarro ele- do que é costume. Não quer falar de política sob trónico. As câmaras de televisão da entrevista an- circunstância alguma, que garante ser “o assun- terior apagaram-se e a cantora-compositora re- to que menos me interessa no mundo”. Furta-se laxa finalmente. Bruni tem a noção exata da sua a perguntas mais pessoais, resguardando-se atrás imagem. O rosto absorto e o olhar distante acen- do enorme sorriso — o mesmo que usa habilmen- dem-se automaticamente ao som das palavras te para pontuar o fim de um assunto que não lhe “está a gravar”. Os olhos azuis translúcidos ilu- agrada. Quando isso não basta, recorre ao humor, minam-se, o sorriso rasga-se, sedutor. Numa sui- à ironia. Ao sarcasmo. te branca e dourada do luxuoso Hotel Le Meurice, Carla Bruni é uma sedutora. O charme, a voz em Paris, está sentada numa poltrona, pronta a rouca, a forma como tapa ou destapa o olhar com responder — de novo — às perguntas. Estamos a a franja são armas que usa desde sempre — pelo meio da digressão mundial que começou na Gré- menos desde os 19 anos, quando começou a sua cia, em outubro, e que terminará em maio, e a ex- carreira de manequim. Estávamos nos anos 90, no -manequim e ex-primeira-dama de França acusa auge da era das top-models, e “La Bruni” entrava- o cansaço. Teve uma semana difícil a nível pes- -nos casa adentro em todas as revistas de moda soal, com alguns lutos de pessoas próximas, expli- de topo. Duas décadas mais tarde, chegou com ca-nos o agente, Alain Lahana. Mas apesar de se nova roupagem, a de cantora e compositora de manter educada e atenciosa, está menos disponível canções, acompanhada pela guitarra. Em 2002, o C E 46 “É sempre assim com o amor, é muito banal. Antes de Nicolas [Sarkozy], estive noutro nível de compromisso. As palavras são insuficientes para falar destas subtilezas” disco “Quelqu’un m’a dit” revelava um talento que muito. E, de qualquer forma, não tenho mentalida- o mundo desconhecia. Mas esse amor à música, de de festeira.” que a acompanha desde o berço e que chega agora Nos bastidores da vida, a música mantinha-se na forma do sexto disco — o primeiro em inglês, uma presença constante. “Passeava muito com a “French Touch” —, foi sendo ofuscado pelo media- minha guitarra. Tinha uma Baby Taylor pequena, tismo, tanto da sua vida amorosa como da sua re- que viajava comigo.” A composição de canções lação com o Presidente de França Nicolas Sarkozy, também lhe vem da juventude, sempre em francês com quem se casou em 2008. Até 2012, a carreira e em italiano. “Gosto de escrever em italiano, e de musical esteve condicionada por aquilo que podia cantar em italiano...”, partilha. Gosta de poesia e ou não fazer enquanto primeira-dama de França. de literatura. No segundo álbum, “No Promises” Sem obrigações, está livre para se dedicar à (2007), Carla escreveu letras com excertos de po- música por inteiro, como comprova esta digressão emas de William Yeats, Emily Dickinson, ou W. H mundial, que inclui Portugal pela primeira vez — Auden, e em 2008, no terceiro disco, “Comme si de a 25 de janeiro no Coliseu de Lisboa, a 26 no Cen- rien n’était”, adaptou um poema do escritor fran- tro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz, a 27 cês Michel Houellebecq, ‘La Possibilité d’une Ile’, no Coliseu do Porto. Nessa altura, Carla Bruni terá o que lhe valeu a amizade do autor. Enquanto este- oportunidade de descobrir, passados 30 anos, se as ve no Eliseu, escrevia e compunha à noite, depois buganvílias ainda são as mais exuberantes de todo de todos estarem deitados, numa salinha habitada o mundo, se as praias intocadas do Porto mantêm pelos seus instrumentos. o seu estado virgem, se as aldeias do Sul continu- Este quinto disco, o primeiro na língua de Sha- am brancas da cor da cal. Com 50 anos acabados de kespeare, nasce de um desafio do produtor cana- fazer (em dezembro), verá também se o seu olhar diano David Foster. Ao assistir a um concerto de sobre o mundo se alterou. Bruni em Los Angeles, ele confessou-lhe, no fim: “Adoro a tua música, Carla, mas não percebo nada FILHA DE PEIXE do que cantas”. Foi aí que surgiu a ideia de um ál- Apesar de só ter assumido publicamente a faceta de bum de covers, depois de a cantora ter explicado cantora em 2002, a música existe na vida de Bruni que não conseguia escrever letras em inglês por desde sempre. A mãe, pianista, e o pai, composi- causa da métrica. O resultado é um disco eclético, tor de ópera, traziam as notas e as harmonias para de bom gosto, com versões inesperadas de clássi- dentro de casa. Em Turim, onde ela, a irmã Valeria cos como ‘Perfect Day’, de Lou Reed, ‘The Winner e o irmão Gino passaram a infância, o som do piano Takes it All’, dos Abba (que escolheu para cantar à era a permanente música de fundo. “Tivemos todos guitarra, no final da entrevista), ou o surpreendente aulas, mas eu fui sempre mais autodidata”, conta. ‘Highway to Hell’, dos AC/DC. “A minha irmã era melhor no solfejo, eu aprendia Da digressão mundial, conta que o melhor é es- de ouvido. Cada um tocava do seu lado, mas houve tar no palco. O medo de enfrentar o público, com- NA DEFENSIVA Seja pela sua passagem pela sempre muita música em casa.” bate-o com “um chá ou uma cerveja” antes dos política como primeira-dama de França entre A turbulência provocada pelas Brigadas Verme- espetáculos ou com “conversa fiada com os músi- 2008 e 2012, ou pelo envolvimento do marido lhas em Itália, nos anos 70, com raptos e assassíni- cos”... Em Portugal tem muitos amigos e “uma pes- em processos judiciais, Carla não aborda os, levaram a família Bruni-Tedeschi, industriais soa muito próxima da família” (Fernanda Silva, uma qualquer tema de política. Afirma que é um que mantinham uma vida desafogada, a temer pela algarvia que acompanhou as irmãs Bruni-Tedeschi assunto que não lhe desperta qualquer interesse. estabilidade e a mudar de país. França foi o destino a vida toda e que as continua a ajudar). “É um país Não tem saudades do Eliseu eleito. Carla tinha sete anos e afiança não ter senti- lindo. Gravei há anos um anúncio publicitário nu- do qualquer alteração. “Em Paris, continuámos na mas praias intocadas no norte do país, de dunas, um escola italiana...” A avó, francesa, vivia com eles. sítio incrível. Fui várias vezes a Lisboa, onde tenho A vida correu de forma leve, até que, aos 19 anos, recordações de uma cidade linda com comida óti- Carla decidiu arriscar e inscreveu-se numa agên- ma e pessoas muito amáveis. Também trabalhei no cia de manequins. “Rapidamente comecei a traba- Porto. Lembro-me de ver buganvílias como nunca lhar.” O resto é conhecido. Foram mais de dez anos tornei a ver em sítio algum, e de um rio que se atirava de viagens, capas de revistas, desfiles para estilistas ao mar. Estive ainda, num verão, ao pé de Faro. Re- de topo, amizades com fotógrafos de renome, que cordo-me de uma aldeia muito branca... Tenho mui- faziam ou desfaziam carreiras. Bruni assegura so- tas lembranças, apesar de conhecer mal o país...” bre o lado B do mundo da moda: “Nunca tive uma Em final de janeiro, quando Carla Bruni vier a vida louca, nem era muito de ir a festas. Trabalhava Portugal, trará com ela Christian, o guarda-costas E 47 “Há anos que tudo isso (a história do verdadeiro pai biológico de Bruni) era sabido. Acredito que o segredo e as mentiras são mais tóxicas do que aquilo que é tornado público. A verdade não me incomoda”, garante. Maurizio Remmert chegaria do Brasil no dia seguinte ERIC J. GUILLEMAIN J. ERIC LITERATURA Amante de poesia, a mãe, Marisa Borini, publicou as suas “Memóri- Após a morte de Alberto Tedeschi, Carla conhe- escreveu letras de músicas com excertos as — Minhas caras filhas, vou contar-vos” com a ceu o pai biológico, que vive no Brasil. Não foi es- de William Yeats, Emily Dickinson, autorização das filhas, Carla e Valeria (esta última tranho?, perguntámos. “Pelo contrário, foi muito W. H Auden e até do francês Michel atriz e realizadora). Em 306 páginas, a obra passa bom. O meu pai tinha acabado de morrer, e outro Houellebecq, de quem ficou amiga em revista toda a existência desta mulher singu- pai apareceu-me. Não é algo que aconteça a muita lar e emancipada — da vida de pianista e de atriz à gente.” Encontrou um pouco dela neste “novo pai” narração do encontro com o pai das filhas, Alberto, — “Carácter” essencialmente, afirma. Hoje, Mau- com quem manteve uma relação de cumplicidade rizio Remmert faz parte da vida de Carla. “Chega que a segue para todo o lado há dez anos, desde a vida toda e a quem revelou a verdadeira pater- amanhã (20 de dezembro) do Brasil, para passar que foi destacado para proteger a primeira-dama nidade de Carla, fruto de um affair com outro ho- uns dias connosco” (e celebrar o aniversário de de França.

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