UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Vanessa Dias de Araújo O MUNDO ESTÁ REPLETO DE DEUSES: Sacralização da Natureza e Conservação da Vida Belo Horizonte 2021 Vanessa Dias de Araújo O Mundo está repleto de deuses: Sacralização da Natureza e Conservação da Vida Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito para obtenção do título de Mestre em Geografia. Área de concentração: Organização do Espaço. Linha de Pesquisa: Cultura, Ecologia, Política e Educação Geográfica. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Machado Gontijo. Coorientadora: Virgínia de Lima Palhares. Belo Horizonte 2021 À doce lembrança de Cristina. AGRADECIMENTOS À Mulher Selvagem que vive entre os declives de granito decomposto, por recolher meus ossos. Aos animais, plantas, rios e montanhas que resistem, todos os dias, à sapiência humana. Aos avós livros. Aos passarinhos vadios do meu quintal, pelas conversas, conselhos, cantos e lições filosóficas. Ao Paulo, moço do poema, pela química, a física, a filosofia e por não ter me deixado desistir. Ao meu mestre, amigo e orientador, professor Bernardo, pela sala no final do corredor – isso diz tudo e você sabe. À mestra, amiga e coorientadora, Virgínia, por ter me acolhido desde a primeira vez que me leu. Sem você eu não teria tido coragem! Aos professores da banca avaliadora e Seminário de Dissertação, pela inspiração, pelo apoio e pela magia: Maria Luiza Grossi e Fábio Oliveira. Aos meus pais, Walter e Rosana, por me trazerem ao mundo e me apoiarem sempre. À Valquíria, por ser guerreira no nome e na vida. Aos queridos tios Geraldo, Graça e Lucas pelas conversas, conselhos e inspirações. À professora, amiga e tia Valéria, por sua geoarte e por, em muitos momentos, ser meu lugar geopsíquico. À Brisa e Thais, queridas companheiras, pela doce e fiel amizade. À Amanda, por ter me levado àquela viagem ao velho Chico e por ser minha Amazonas. À Anne, por ser toda-arte e me inspirar a ser também. Ainda cantaremos juntas pelo mundo! À adorável, inteligente, fiel, criativa e bela, Viviane. À Clarice Lispector, por me mostrar como ir ao subterrâneo de mim e da palavra. À Manoel de Barros, por me fazer ver a importância das desimportâncias. À Clarissa P. Estés por escrever Mulheres que Correm com Lobos no ano em que nasci. À Rubem Braga, por me ensinar a escrever na língua dos passarinhos. Às trilhas, pessoas, sons, conversas e sabores da UFMG, meu jardim mágico e secreto durante sete anos - sentirei saudades. Ao CNPq pela bolsa de estudos que me permitiu dedicar e amar essa pesquisa. Mal os frutos da ameixeira apodrecem e caem, novas folhas nascem e prosperam sob o sol ardente do verão. A vida e a morte tal como entendemos – acontecimentos diferentes e antagônicos – não existem para ela. A ameixeira não lamenta os frutos e folhas perdidos, não celebra os novos. Celebra e busca, desesperadamente, a radiação solar, o prazer da fotossíntese, o gosto do açúcar escorrendo floema abaixo. A ameixeira não entende de funerais, tampouco espera ir para outro mundo, um melhor. Ela é daqui, está enraizada ao lugar. É, declaradamente, mundana. Desconhece transcendências e sobrenaturalidades. A ameixeira sabe que é e, ama ser, a ligação entre o céu e terra. Está comprometida. E isso basta e faz bem à sua compreensão da vida. (Diário pessoal. Portugal, outono de 2020) RESUMO O que é isso que vejo no mundo? A violação das pessoas vegetais, animais, minerais e, de ecossistemas inteiros. O que está por trás disso que vejo? E, ainda, posso me atrever a sonhar caminhos de enfrentamento e, talvez, de cura? O texto que tem em mãos parte dessas inquietudes latentes no peito de uma geógrafa com pretensões de lesma e erva rasteira. Ele atravessa e é atravessado pelo tema da Tragédia Ambiental anunciada e em curso - busca, essencialmente, compreendê-la através do diálogo entre geografia, ecologia e espiritualidade. Essa busca central vem de algumas de minhas intuições mais antigas: a de que a dessacralização da Natureza empreendida pelo cristianismo é o cerne da funesta situação ecológica da Terra; e, por sua vez, de que a sacralização da Natureza inspira a conservação da biodiversidade e, por isso, pode ser o caminho de combate ao horror. Esta dissertação não se trata de uma miríade de páginas lotadas de conceitos e raciocínios – é, antes, aventura instintiva, poética, onírica. Não se pretende acadêmica, pelo contrário, é carne viva e respira. Diante de tudo isso - um texto vivo lotado de urgências e, um peito ardente lotado da ânsia em compreender o sofrimento do mundo para, quem sabe, sonhar antídotos - concebi um Método Selvagem que fosse livre de tudo, inclusive de mim e de ti. Composto de três movimentos instintivos - rosnar, farejar e uivar – o método levou a que o texto assumisse as formas animais da onça, do javali e do lobo, para: 1) denunciar, através da arte literária, as múltiplas faces do Monstro do Crescimento que viola e consome a Terra continuamente; 2) rastrear as raízes filosóficas e teológicas da Tragédia a partir da contribuição prática e teórica da Ecologia Profunda e do Ecofeminismo; e, 3) identificar as relações entre sacralização da Natureza e conservação da biodiversidade. Essa aventura poético-instintiva culminou em uma experiência geográfica dolorosa, claustrofóbica e, ao mesmo tempo, absolutamente necessária, ao passo que revelou os filamentos ocultos que ligam a Tragédia Ambiental à filosofia, à ciência moderna, ao utilitarismo capitalista e, essencialmente, à teologia cristã. Mas o fim do caminho, que na verdade é sempre início de outro, desvelou um horizonte infinito de possibilidades para a relação Homo sapiens-Natureza – todas elas atreladas à recuperação do nosso vínculo sagrado com a Terra. Essa recuperação inclui uma transformação profunda dos valores, crenças e normas que regem o comportamento ambiental no ocidente: substituir o antropocentrismo pelo biocentrismo, o domínio pela integração, o utilitarismo pela celebração, mas, principalmente, o patriarcado de Deus pelo matriarcado da Terra. Estamos todos entrelaçados pelo antigo e permanente laço biosférico e essa é nossa única verdade. Somos terrenos. Urge despertarmos para nossa ancestralidade telúrica e retomarmos nosso lugar na Teia da Vida – e as culturas humanas que defendem a Terra como nosso único e sagrado lar podem nos apontar o caminho. Palavras-chave: Sagrado, Terra, Ancestralidade, Biodiversidade, Conservação, Espiritualidade, Ecofeminismo. RESUMEN ¿Qué es esto que veo en el mundo? La violación de personas, plantas, animales, minerales y ecosistemas enteros. ¿Qué hay detrás de esto que veo? Y, sin embargo, ¿puedo atreverme a soñar formas de afrontarlo y, tal vez, de curar? El texto que tiene en la mano parte de estas preocupaciones latentes en el pecho de un geógrafo con pretensiones de babosa y hierba rastrera. Atraviesa y es atravesado por el tema de la Tragedia Ambiental anunciada y en curso - busca, esencialmente, comprenderlo a través del diálogo entre geografía, ecología y espiritualidad. Esta búsqueda central proviene de algunas de mis intuiciones más antiguas: que la profanación de la naturaleza emprendida por el cristianismo está en el corazón de la terrible situación ecológica de la tierra; y, a su vez, que la sacralización de la Naturaleza inspira la conservación de la biodiversidad y, por tanto, puede ser la forma de combatir el horror. Esta disertación no es una miríada de páginas llenas de conceptos y razonamientos, es más bien una aventura instintiva, poética y onírica. No se pretende que sea académico, al contrario, es carne cruda y respira. Ante todo esto: un texto vivo lleno de urgencias y, un pecho ardiente lleno del afán por comprender el sufrimiento del mundo para que, quizás, para soñar antídotos, concibiera un Método Salvaje que estaría libre de todo, incluyéndome a mí y a ti. Compuesto por tres movimientos instintivos - gruñir, olfatear y aullar - el método llevó al texto a asumir las formas animales del jaguar, jabalí y lobo para: 1) denunciar, a través del arte literario, las múltiples caras del Monstruo del Crecimiento, que viola y consume la Tierra continuamente; 2) rastrear las raíces filosóficas y teológicas de la Tragedia a partir de la contribución práctica y teórica de la Ecología Profunda y el Ecofeminismo; y, 3) identificar la relación entre el carácter sagrado de la naturaleza y la conservación de la biodiversidad. Esta aventura poético-instintiva culminó en una experiencia geográfica dolorosa, claustrofóbica y, al mismo tiempo, absolutamente necesaria, al tiempo que reveló los hilos ocultos que vinculan la Tragedia Ambiental con la filosofía, la ciencia moderna, el utilitarismo capitalista y, esencialmente, la teología. Cristiano. Pero el final del camino, que de hecho es siempre el comienzo de otro, reveló un horizonte infinito de posibilidades para la relación Homo sapiens-Naturaleza, todas ellas ligadas a la recuperación de nuestro vínculo sagrado con la Tierra. Esta recuperación incluye una transformación profunda de los valores, creencias y normas que rigen el comportamiento ambiental en Occidente: sustitución del antropocentrismo por el biocentrismo, el dominio por la integración, el utilitarismo por la celebración, pero, sobre todo, el patriarcado de Dios por el matriarcado de la Tierra. Todos estamos entrelazados por el antiguo y permanente vínculo biosférico, y esa es nuestra única verdad. Somos terrenales. Existe una necesidad urgente de despertar a nuestra ascendencia telúrica y retomar nuestro lugar en la Red de la Vida, y las culturas humanas que defienden la Tierra como nuestro único y sagrado Hogar pueden señalar el camino. Palabras-clave: Sagrado, Tierra, Ancestralidad, Biodiversidad, Conservación, Espiritualidad, Ecofeminismo. SOBRE A CAPA Um dia deitada sobre a relva em uma de minhas tentativas de enxergar do ponto de vista do chão, vi duas vidas minúsculas escalando um galho de quase quinze centímetros. Dois insetos de menos de um centímetro, carapaças, patas e antenas.
Details
-
File Typepdf
-
Upload Time-
-
Content LanguagesEnglish
-
Upload UserAnonymous/Not logged-in
-
File Pages207 Page
-
File Size-