Raízes v.32, n.1, jan-jun / 2012 POLÍTICA E MEIO AMBIENTE: A INCLUSÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA AGEN- DA DE GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS Larissa Carolina Loureiro Villarroel; Fabiano Toni RESUMO O Brasil assumiu metas ambiciosas de conservação a partir da assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica e, na última década, foi responsável pela criação de quase três quartos das novas áreas protegidas no mundo. Apesar do papel histórico do governo federal na criação de Unidades de Conservação (UC), no período citado os governos estaduais assumiram a liderança do processo, em especial o estado do Amazonas. Neste artigo apresentamos alguns resultados da pesquisa em que buscamos entender por que o governo do Amazonas optou por executar uma política intensiva de criação de UCs de uso sustentável a partir do início da década de 2000. Os resultados mostram que a presença de incentivos econômicos e sociais e a conformação de um novo ambiente político-institucional, por meio da plataforma Zona Franca Verde, foram os elementos que levaram à intensificação da agenda de conservação no estado. O discurso ambientalista ajudou o governador eleito em 2002 a se diferenciar de políticos tradicionais e a colocar o estado em uma posição privilegiada para o uso sustentável e a conservação de seus ativos ambientais. Palavras-chave: Amazonas, Unidades de Conservação, Descentralização. POLITICS AND ENVIRONMENT: THE INCLUSION OF CONSERVATION UNITIES INTO THE AMAZONAS STATE GOVERNMENTS AGENDA ABSTRACT Brazil established ambitious conservation goals since the signature of the Convention on Biological Diversity and, in the last decade, created nearly three-quarters of all new protected areas in the world. Despite the federal govern- ment’s historic role in the creation of Conservation Unities, in the period indicated above the state governments have taken the lead, especially those of Amazonas State. In this article we present some results of a research we did to explain why the state government decided to implement an aggressive policy aimed at creating sustainable use protected areas since the beginning of the 2000s. The presence of economic and social incentives and the confor- mation of a new political-institutional environment, through the Zona Franca Verde platform, were the factors that led Amazonas to intensify its conservation agenda. The environmentalist discourse helped the governor elected in 2002 to differentiate himself from traditional politicians and put the state in a privileged position to preserve and sustainably use its environmental assets. Key words: Ethnicity, Habitus, Ontology. Larissa Carolina Loureiro Villarroel. Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília. E-mail: larissa.villarroel@mma. gov.br. Fabiano Toni. Professor Adjunto, Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília Campus Darcy Ribeiro.E-mail: [email protected] Raízes, v.32, n.1, jan-jun / 2012 97 INTRODUÇÃO em 33 UCs federais e 41 estaduais, sendo que estas últimas cobrem 20 milhões de hectares A partir da assinatura da Convenção so- (SDS, 2011). bre Diversidade Biológica (CDB), em 1992, o Os governos estaduais têm um pa- Brasil assumiu maior compromisso com a sua pel fundamental para que o Brasil atinja seus política de conservação e promoção do uso sus- compromissos e metas de conservação e uso tentável de sua biodiversidade. Um dos com- sustentável da biodiversidade. Assim, se faz promissos assumidos foi o estabelecimento da necessário entender como funciona a política meta de proteção de, no mínimo, 10% da área ambiental nas unidades da federação. Nesse de cobertura de cada bioma existente no ter- trabalho, buscamos entender como evoluiu a ritório brasileiro. política de conservação do estado do Amazo- Dados do Balanço 2003-2010 do Gov- nas e quais foram as motivações políticas que erno Federal brasileiro (BRASIL, 2010) e de levaram seu governo a ocupar uma posição tão Jenkkins & Joppa (2009) mostram que a área proeminente na criação de UCs no Brasil entre destinada às unidades de conservação (UCs) no 2003 e 2009. Brasil foi ampliada em 24,7 milhões de hect- O argumento central do trabalho é que, ares no período compreendido entre 2003 e a despeito da liberdade de escolha política con- 2010, tendo o país sido responsável por 74% ferida pela Constituição e pela legislação ambi- do crescimento de área globalmente protegida ental brasileira aos entes estaduais, os espaços desde 2003. de tomada de decisão sobre as políticas ambi- De acordo com Rylands & Brandon entais só são ocupados pelos estados na medida (2005), até a década de 1980, as áreas prote- em que seus governos identificam a possibili- gidas no Brasil eram predominantemente fed- dade de retornos econômicos e políticos. erais. Contudo, a partir da década de 1990, Nesse sentido, o estado do Amazonas houve forte expansão das áreas protegidas priorizou a política de criação de UCs a par- estaduais, sobretudo, após o processo de de- tir da posse do governador Eduardo Braga, em scentralização das competências políticas e 2003. Essa nova prioridade na agenda políti- econômicas, apoiado pela Constituição Federal ca do estado tem origem na necessidade de o de 1988. Mais de 60% da área total de UCs então candidato a governador buscar um dis- criadas entre 2003 e 2009 correspondem a UCs curso que o diferenciasse do grupo político estaduais. Devido a essa intensificação da par- até então hegemônico no estado, e ao qual ele ticipação dos estados na política de conserva- mesmo pertenceu. A nova agenda socioambien- ção, em 2009, aproximadamente 50% da área tal permitiu também ao candidato se aproximar total de UCs no Brasil correspondiam a UCs de grupos sociais marginalizados do processo estaduais (TONI, 2011). político, particularmente as populações tradi- Os estados do Pará e do Amazonas foram cionais do interior do estado. Já como gover- responsáveis pela criação de 90% (em área) des- nador, as políticas ambientais lhe conferiram sas novas UCs. O Amazonas atualmente possui projeção em âmbito nacional e internacional e o maior sistema de unidades de conservação do ajudaram o estado a alcançar uma posição priv- país, com 37,6 milhões de hectares protegidos, ilegiada para receber benefícios dos mecanismo 98 de pagamentos por serviços ambientais que se 1995 a 2010, com foco nas trajetórias políticas desenham em escala global e nacional. dos governadores. A terceira parte descreve a Para alcançar os objetivos propostos história recente da política ambiental do Ama- deste trabalho, foram realizadas 13 entrevistas zonas, desde sua institucionalização, em 1978, semiestruturadas com funcionários e ex-fun- até 2010. Na parte quatro analisamos a cria- cionários do governo do estado do Amazonas, ção do Programa de Criação e Implementação agentes políticos estaduais e lideranças de pop- de UCs Estaduais no Amazonas, bem como o ulações tradicionais. funcionamento do seu arranjo organizacional As fontes secundárias utilizadas foram no período de 2003 a 2010. Discutimos ainda relatórios publicados por organizações não o processo de amadurecimento da agenda de governamentais que acompanham as ações criação de UCs no estado, no período de 2003 executadas pelo Estado brasileiro na área de a 2010, a partir da combinação de fatores de proteção e gestão da biodiversidade; relatórios ordem econômica, ambiental, política e social. produzidos pelo Governo Federal e pela Secre- Nas considerações finais, identificamos alguns taria de Desenvolvimento Sustentável do estado desafios que ainda existem para a continuidade do Amazonas (SDS), bem como de seus órgãos da agenda de criação e implementação de UCs agregados, tais como o Instituto de Proteção estaduais no Amazonas para os próximos anos Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam), o e as lições aprendidas a partir da experiência Centro Estadual de Unidades de Conservação amazonense. do Amazonas (CEUC) e o Centro Estadual de Mudanças Climáticas do Amazonas (CECLI- MA). 1. PROCESSO POLÍTICO NO AMAZONAS As bases de dados do Cadastro Nacio- nal de Unidades de Conservação do Ministério Autores como Lima Jr. (1983) e Main- do Meio Ambiente (CNUC/MMA), do Serviço waring (1991) afirmam que as estruturas Florestal Brasileiro (SBF) do Instituto Socio- político-partidárias não podem ser explica- ambiental (ISA), do Instituto do Homem e do das ou compreendidas simplesmente à luz de Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), da uma análise programática dos partidos, pois Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do apresentam vínculos precários de fidelidade Amazonas (SDS) e do CEUC forneceram infor- partidária entre os políticos estaduais (MAIN- mações sobre a situação das UCs no Brasil e no WARING, 1991). Portanto, é necessário anal- estado do Amazonas. isar a trajetória pessoal dos governadores1 para O trabalho se divide em cinco partes, compreender seu comportamento político. incluindo esta introdução. Na segunda parte, É recorrente, na literatura sobre o siste- apresentamos um breve panorama do processo ma político brasileiro (FERREIRA, 2005; FER- político-eleitoral do Amazonas, no período de REIRA REIS, 1950; MELO, 1998; SOUZA; 1. A despeito da fragilidade dos programas partidários, Carvalho et al. (2005) encontraram altos níveis de correlação entre o par- tido dos prefeitos de municípios brasileiros e a existência de conselhos municipais de meio ambiente. 99 1998), a percepção de que o Amazonas é um entismo e o trabalhismo. Defendia ser possível dos estados brasileiros que, mesmo após a volta desenvolver o Amazonas por meio da reforma das eleições diretas
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