
JAZZ 2 DEZEMBRO 2015 CICLO “ISTO É Jazz?” COMISSÁRIO: PedRO COSTA JOE MORRIS QUARTET © Petr Cancura Factory. Com Mat Maneri a estrear o influência das artes visuais na música, instrumento a que até agora tem dado os outros, Colorfield e Camera, tendo exclusiva atenção, a viola. sido registados por agrupamentos, e Nesse mesmo ano, deu-se o projeto conteúdos musicais, bastante dis- por findo. Não porque tivesse falhado tintos. Mas no que consiste “aquela os seus objetivos (antes pelo contrário: música”, tal como se referiu umas foi um enorme sucesso) ou porque linhas acima? A crítica especializada houvesse algum desentendimento entre detetou agora «sombras de Ornette os membros, mas porque Joe Morris Coleman e abstrações de África, da não aceitou ser identificado com aquele Índia e dos Apalaches». Quanto a isso, que era apenas um dos seus muitos nada de inédito no rumo de Joe Morris. investimentos musicais. Esse fator con- Já antes tal se fazia sentir, e tanto no trariava toda a sua filosofia musical e até quarteto como na restante atividade de vida: não cristalizar, mudar sempre, do músico. O certo é que cada um dos evoluir. Foi precisamente a fama criada cinco discos plasmou essas referências pelo quarteto que o vitimou: os clubes, de formas diversificadas, ora «esti- os festivais e as editoras queriam que as cando e dobrando» os elementos em fórmulas propostas pelo grupo fossem presença «sem nunca os quebrar», que fixadas e repetidas. Todos os quatro foi o que se escreveu sobre You Be Me, Qua 2 de dezembro que nos quatro discos lançados pelo acharam que essa era uma «ideia terrí- dando-lhes uma dimensão swingante 21h30 · Pequeno Auditório Joe Morris Quartet original as fichas vel» e Morris foi perentório: «Uma só (A Cloud of Black Birds), configurando- Duração: 1h · M6 técnicas foram-se modificando até sedi- abordagem, uma estética, uma maneira -os «mais serenamente e com espaços» mentarem no grupo constituído com de organizar a minha música não é (Underthru), expondo a estrutura geral Guitarra Joe Morris Mat Maneri, Chris Lightcap e Gerald suficiente para mim.» (At the Old Office) e «levando a música Viola Mat Maneri Cleaver. E no entanto, eis que o Joe Morris para territórios nunca antes atravessa- Contrabaixo Chris Lightcap Em You Be Me, de 1997, estava lá Quartet está de volta. Os quatro músi- dos» (Balance). Bateria Gerald Cleaver Maneri, ainda em violino, mas os outros cos voltaram a juntar-se para gravar Ao longo destas obras a fórmula eram Nate McBride e Curt Newton, os Balance, publicado este ano. Não para Joe Morris Quartet foi-se, portanto, parceiros de Morris no trio de Symbolic comemorar, reproduzindo, o que fez alterando: tocou ora peças com matriz Mudar, mudar sempre Gesture. Em A Cloud of Black Birds, antes, justificação da generalidade deste no bebop, ora baladas, ora algo de muito do ano seguinte, já surge Lightcap no tipo de “regressos” – e incontáveis são próximo do jazz de câmara, ora impro- O nome Joe Morris Quartet tem surgido contrabaixo, mudando a bateria para os que vão acontecendo –, mas para visações sem cifras nem mote. Muitas no percurso do guitarrista norte-ame- as mãos de Jerome Deupree. Com a tocar aquela música de maneira dife- vezes contrastando até conteúdos mais ricano algumas vezes e com músicos chegada de Cleaver, os quatro músi- rente, avançando mais longe nas suas abstratos com molduras formais explíci- diferentes a intervir, mas é imediata- cos estão finalmente reunidos em implicações ou escolhendo outras tra- tas, integrando influências tão díspares mente conotado com a formação da Underthru, de 1999 (com Maneri a jetórias. Essa foi a condicionante para a quanto os blues rurais de Lightning década de 1990 que contribuiu para o surgir em violino barítono), e no último saída deste álbum e é a que explicará a Hopkins, os impromptus pianísticos de estabelecimento da cena downtown de título desta fase, At the Old Office, de continuação da banda enquanto puder Cecil Taylor ou a elegância da música Nova Iorque – fator curioso, tendo em 2000, por sinal editado pela label que gerir novos desenvolvimentos. erudita contemporânea. Mesmo nos conta que Morris está ligado ao circuito no período representou o “estilo” nas- É assim que Balance chega como o seus hábitos auditivos Morris nunca de Boston. É, de qualquer modo, certo cido na baixa da Big Apple, a Knitting terceiro tomo de uma série que versa a se prendeu a uma só linha: entre as 3 suas preferências estão os Beatles, e contra uma ideia linear de prosse- veio dizer-nos o que é o jazz, assim o me coloco numa posição em que tenho Jimi Hendrix, Johnny Winter, Allman guimento da tradição. E isso, está ele matando, embalsamando e colocando de aprender algo») e com a recuperação Brothers, Miles Davis, Charles Ives, consciente, implica que se desagrade atrás de uma vitrina. Eu não quero ter deste grupo simbólico de uma época o Duke Ellington, Olivier Messiaen, Blind a alguém. «Se não incomodar algumas nada a ver com isso. Não estou à procura que faz é levar o que é certo e o que se Lemon Jefferson. «Procurei sempre pessoas é porque não conduz a lado de um fim nem de uma definição, mas conhece para desfechos imprevisíveis. coisas que me mantivessem interessado nenhum», sustenta. Ora, é o facto de da fronteira perpétua. Já não chamo ao O que não é o mesmo que romper com e me surpreendessem. Descobrir a acreditar nesta visão expansiva da que faço “jazz” porque não quero ver o passado para começar de novo, e isso música para cordas de África colou tudo criatividade que leva o guitarrista e, a minha música definida e parada no significa que este concerto, não se espe- na minha cabeça», teve já ocasião de em ocasiões, contrabaixista, a fazer tempo. Prefiro chamar-lhe música livre. rando igual ao que se ouve no CD lan- comentar. questão de nunca se repetir. Morris tem Não me interessa saber se o jazz sobre- çado em 2015, será uma sua consequên- Tudo isso vem passando pelo crivo a consciência de que dispensar temas vive ou não. Para mim, Louis Armstrong cia. Numa articulação de causa e efeito dos três processos que, como anun- e estruturas, como é prática da música era um músico livre, Charlie Parker era por vezes o efeito não o é propriamente, ciou no livro Perpetual Frontier: The totalmente improvisada, pode ser uma um músico livre, Anthony Braxton é um mas uma explicação da causa. E o que se Properties of Free Music, caracterizam via demasiado estreita quanto a parâme- músico livre. O Parker não quer saber explica neste caso? Que há muito ainda a criação de música livre: síntese, inter- tros inventivos. Daí a sua opção, regra se tocamos como ele ou não, pois está por fazer, justificando que a música pretação e invenção. «Síntese dos mate- geral, por cruzar elementos livres e morto. De resto, se estivesse vivo não deixe de andar aos círculos, querendo riais existentes, interpretação destes elementos estruturados em plurais com- tenho dúvidas de que exigiria que não abocanhar a sua própria cauda. e de novos materiais deles derivados binatórias, de modo a que se suportem o copiassem: “Deixem-me sossegado, e, finalmente, invenção de criações mutuamente. façam a vossa própria música.”» Rui Eduardo Paes inéditas que possam depois também Mas porque fala Joe Morris em free Morris reage, pois, muito mal à Ensaísta, crítico de música, ser sintetizadas e interpretadas.» O seu music e não em free jazz, dado que o seu pressão que se faz sentir nos meios do editor da revista online jazz.pt conceito de “fronteira perpétua” é trabalho se insere no legado jazzístico jazz para «finalizar um estilo» e mantê- essencial para compreender o modo de das associações de composição e espon- -lo incólume até ao último suspiro do estar na música de Joe Morris: contra o taneidade? Afinal, ele já o admitira com seu autor, que era o que se pretendia propósito de «duplicar o que já existe», toda a clareza: «Adotei esse modelo para o Joe Morris Quartet. «Essa é uma defende que se deve continuamente e tento lidar com as influências dos armadilha terrível. A arte consiste em levar esse património para «um nível grandes músicos de jazz, procurando mudança e evolução. Trabalhei durante mais elevado de inventividade». Dá exprimi-las com a minha voz. A maneira muito tempo para ter um determinado mesmo um exemplo: «A livre-impro- de tocar que eu tenho é uma versão estilo, mas quando este começou a ser visação europeia tem uma metodolo- sincera do significado desse género reconhecido senti a necessidade de me gia própria, e nesse aspeto faz o que musical, mas em vez de estudar os virar para outra coisa. Disseram-me que também fez Ornette Coleman. Com estilos dos guitarristas de jazz, estudei era aquilo que o público queria, mas isso outros parâmetros e outros materiais, as estéticas dos mais originais entre eles não me preocupa – sou músico, não um pelo que a construção é diferente, e desenvolvi a minha própria perceção comerciante. Tenho menos concertos, com resultados também diferentes. do que me sugeriam.» vendo menos discos e já não andam A intenção, o princípio criativo, esses Por uma questão evolutiva… «Penso todos a jurar que sou o melhor guitar- são semelhantes.» que o jazz, enquanto indústria, rista do mundo, mas a minha música Uma música livre, para Morris, enquanto metodologia patenteada, melhorou», desabafou. é aquela que não aceita seguir um está feito. O jazz tem um código: “Isso Em suma, Morris preferiu a incer- caminho previamente determinado, não é jazz; o jazz é isto.” Chegámos ao teza (essa «muito poderosa ferramenta rebelando-se contra todas as ortodoxias ponto em que alguém, Wynton Marsalis, operativa») e o desconhecido («porque 4 5 Joe Morris Chris Lightcap Próximo espetáculo guitarra contrabaixo Hoke’s Bluff © Action Hero Nascido em New Haven, Connecticut, Natural de Latrobe, na Pensilvânia, e e um autodidata da guitarra, do banjo com formação realizada no Williams Hoke’s Bluff e do contrabaixo, Joe Morris é o mais College, onde teve como mestres significativo guitarrista conotado com Milt Hinton, Cameron Brown e Bill o free jazz desde a morte de Sonny Dixon, Chris Lightcap tem-se movido Slap Talk Sharrock.
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