Cantigas Medievais Galego -Portuguesas: Corpus Integral Profano, 2 Vols. Lisboa

Cantigas Medievais Galego -Portuguesas: Corpus Integral Profano, 2 Vols. Lisboa

Recensións 179 LOPES, GRAÇA VIDEIRA (ed. coord.) (2016): Cantigas medievais galego -portuguesas: corpus integral profano, 2 vols. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal / Instituto de Estudos Medie- vais / Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, 644 + 655 pp. Os dois alentados volumes de Cantigas medievais galego-portuguesas, edição coordenada por Graça Videira Lopes, constituem o ponto de chegada de um trabalho cujos resultados vêm beneficiar tanto aqueles que se dedicam profis- sionalmente às investigações em torno da lírica trovadoresca quanto o público mais amplo, porventura interessado nes- se conjunto de produções culturais. Re- correndo a uma síntese grosseira, basta lembrar que o conhecimento das canti- gas é condição indispensável para uma compreensão plena da obra de Camões, por exemplo; não obstante, a lírica ga- lego-portuguesa influenciaria de modo patente também produções literárias mais tardias – como o neotrobadorismo galego, já no âmbito da vanguarda, ou as obras de poetas modernistas brasileiros como Manuel Bandeira e Mário de Andra- de, que chegaram a compor suas próprias “cantigas”. O nome de Graça Videira Lopes é bas- tante familiar aos medievalistas contem- porâneos. Professora no Departamento © 2018 Estudos de lingüística galega 10, 159-183 180 Recensións de Estudos Portugueses, na área de Li- fonte disponível na rede para estudos em teratura Portuguesa, da Universidade torno da produção lírica medieval penin- Nova de Lisboa, Graça Lopes é membro sular. Essa edição eletrônica das cantigas do Instituto de Estudos Medievais, em oferece diversos recursos complementa- cujo âmbito coordenou o projeto Littera, res: notas explicativas, notas de leitura, voltado à “edição, atualização e preser- elementos antroponímicos e toponími- vação do património literário medieval cos, além da transcrição de notas mar- português”1 - do qual voltarei a tratar ginais; sínteses biográficas dos autores, mais adiante; foi coordenadora do Centro com importantes referências às questões de Estudos Galegos, nascido de um con- que permanecem, atualmente, objeto de vênio entre a Consellería de Educación e controvérsia; indicações de versões musi- Ordenación Universitaria da Xunta de Ga- cais das cantigas, com arquivos sonoros; licia e a Universidade Nova de Lisboa; e já reproduções digitais das fontes manus- atuou, como leitora e professora convi- critas - oferecendo, ainda, a possibilida- dada, em universidades dos Estados Uni- de de se folhear cada um dos cancionei- dos, Espanha e França. No que tange aos ros -, entre outros recursos. livros de que foi autora ou coordenado- Fornecer todos esses materiais com- ra, são de especial interesse para medie- plementares na edição impressa impli- valistas a versão em livro de sua tese de caria em custos de produção que a tor- doutorado, A sátira nos cancioneiros me- nariam economicamente inexequível, dievais galego-portugueses (1995), obra motivo pelo qual os dois volumes trazem de referência para o estudo do corpus apenas os textos das cantigas e alguns satírico trovadoresco; o imprescindível valiosos anexos - a saber: duas Canti- volume reunindo as Cantigas de Escárnio gas de Santa Maria, de Afonso X; textos e Maldizer dos trovadores e jograis gale- de cantigas espúrias; o rol de trovadores go-portugueses (2002), que traz valiosas cuja obra se perdeu por lacunas nos can- anotações; e as coletâneas de artigos Do cioneiros, mas de cuja existência temos canto à escrita: novas questões em torno da notícia devido à inclusão de seus nomes Lírica Galego-Portuguesa. Nos cem anos do no Índice de Colocci; o texto da fragmen- Pergaminho Vindel (2016), que coordenou tária Arte de trovar constante do Cancio- junto de Manuel Pedro Ferreira; e Canti- neiro da Biblioteca Nacional; e as melodias gas trovadorescas: da Idade Média aos nos- originais e os contrafacta, ou seja, as me- sos dias, que coordenou junto de Manuel lodias occitânicas e francesas utilizadas Masini (2015). por autores de composições galego-por- O trabalho de investigação que resul- tuguesas. Importa ressaltar, contudo, que tou na obra em dois volumes de que trata assim se preservam a utilidade e a impor- esta recensão foi desenvolvido no âmbi- tância da edição impressa. to do já mencionado projeto Littera, que Com efeito, Cantigas medievais ga- desde 2011 disponibiliza, em linha, todo lego-portuguesas vem responder a uma o acervo de cantigas medievais profanas demanda que já se estendia desde mea- compostas pelos trovadores e jograis ga- dos do século XIX, quando foram resga- lego-portugueses. Hospedado pela Fa- tados os cancioneiros que preservaram a culdade de Ciências Sociais e Humanas produção lírica dos trovadores e jograis da Universidade Nova de Lisboa, o sítio peninsulares. Cito apenas algumas das Cantigas medievais galego-portuguesas edições desde então preparadas. Em constitui, atualmente, a mais importante 1878, Teófilo Braga publicou sua edição crítica do Cancioneiro da Vaticana, com 1 http://cantigas.fcsh.unl.pt/apresentacao.asp [10/02/18] um glossário e um texto introdutório © 2018 Estudos de lingüística galega 10, 159-183 Recensións 181 (Braga 1878). Em 1904, após um árduo formações a respeito de seu gênero, de trabalho que se estendeu por quase três recursos formais nela presentes e, quan- décadas, Carolina Michaëlis de Vasconce- do é o caso, da rubrica explicativa presen- llos publicou uma notável edição crítica e te nos cancioneiros. comentada do Cancioneiro da Ajuda, que Para além de encerrar uma minucio- seria complementada por um “Glossário” sa apresentação e uma exposição dos publicado em 1922 na Revista Lusitana critérios empregados pela equipe res- (Vasconcelos 1904; 1922). Entre 1926 e ponsável pelos dois volumes de Canti- 1932, José Joaquim Nunes daria à estam- gas medievais galego-portuguesas, o lon- pa suas importantíssimas edições das go texto introdutório se preocupa em cantigas de amigo (Nunes 1926-1928) e oferecer elementos fundamentais para das cantigas de amor (Nunes 1932). Ma- uma compreensão em profundidade da nuel Rodrigues Lapa seria responsável produção trovadoresca; essa síntese, ela- por uma incontornável edição das canti- borada com notável competência, faz- gas de escárnio e maldizer (Lapa 1965). Já se útil mesmo para estudiosos da lírica na última década do século XX, o então galego-portuguesa, que ali encontrarão denominado Centro de Investigacións reunidas informações essenciais - e me Lingüísticas e Literarias Ramón Piñeiro, parece não menos valiosa para docen- atual Centro Ramón Piñeiro para a In- tes, devido ao didatismo e à clareza do vestigación en Humanidades, publicou texto. os dois volumes de Lírica Profana Gale- A seção “Sobre as cantigas” começa go-Portuguesa, notável trabalho coorde- abordando os manuscritos. Resgata-se nado por Mercedes Brea (1996) que en- ali a referência, no testamento do conde carou o desafio de publicar, pela primeira D. Pedro de Barcelos - trovador, filho de vez, o conjunto de toda a produção lírica D. Dinis -, a um certo “livro de cantigas” trovadoresca profana; para tanto, os res- legado ao rei Afonso XI de Castela, seu so- ponsáveis optaram pelo uso das edições brinho; todavia, este falecera dias antes, que consideravam mais confiáveis da motivo pelo qual se aventa a possibilida- obra de cada um dos trovadores e jograis de de que o códice não tenha saído de galego-portugueses, recolhendo desse Portugal. Mencionam-se, então, os três modo as muitas edições monográficas cancioneiros que sobreviveram até os dedicadas à obra de autores particulares. nossos dias: o Cancioneiro da Ajuda, com- Mais recentes edições, de escopo mais posto no final do século XIII ou início do amplo, que demandam menção são o já século XIV - manuscrito rico, valioso tam- referido volume dedicado às cantigas de bém pelas iluminuras, mas que permane- escárnio e maldizer editado por Graça Vi- ceria incompleto, apresentando 310 com- deira Lopes (2002) e a edição de cantigas posições, quase todas cantigas de amor; de amigo por Rip Cohen (2003). o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, mais Por conseguinte, não dispúnhamos completo, anteriormente denominado ainda de uma edição que abarcasse in- Cancioneiro Colocci-Brancuti, atualmen- tegralmente o corpus profano da lírica te conservado na Biblioteca Nacional de trovadoresca galego-portuguesa, edi- Portugal; e o Cancioneiro da Vaticana, tando-o a partir de critérios unificados- hoje preservado na Biblioteca Apostólica sendo precisamente essa a tarefa a que se Vaticana - estes dois últimos, manuscri- dedicou a equipe coordenada por Graça tos copiados na Itália no início do século Videira Lopes, para tanto recorrendo a XVI. Além destes, dispomos ainda do Per- uma leitura direta dos manuscritos. Cada gaminho Vindel e do Pergaminho Sharrer, uma das cantigas é apresentada com in- assim nomeados em reconhecimento a © 2018 Estudos de lingüística galega 10, 159-183 182 Recensións seus descobridores; fontes valiosas por Por tudo o que já foi mencionado incluírem notações musicais, respectiva- ao longo desta recensão, penso que a mente de cantigas de Martim Codax e de edição de Cantigas medievais galego-por- D. Dinis, ausentes dos cancioneiros ante- tuguesas coordenada por Graça Videira riormente referidos. Lopes constitui uma obra de excelência, Em “Os autores”, o texto introdutório efetivamente indispensável para pesqui- trata resumidamente daqueles que, inse- sadores da lírica trovadoresca e demais ridos no dinâmico ambiente cultural das interessados. Finalmente, e já à guisa de cortes régias e senhoriais peninsulares, conclusão,

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