PROVA ORGANOLÉPTICA COM CARNES BUBALINAS E BOVINAS DE ANIMAIS CRIADOS NAS PASTAGENS DE VÁRZEAS DA AMAZÔNIA CENTRAL Jörg J. OHLY1 RESUMO—Devido ao domínio do mercado e do consumo pela came bovina, aos hábitos de consumo tradicionais e à qualidade inferior da oferta de carne bubalina (Bubalus bubalis), esta ainda é rejeitada ou pelo menos é considerada de qualidade inferior em muitos países, assim como também no Brasil. Para verificar se há uma clara rejeição a carne bubalina devido a de critérios tais como sabor, aroma, maciez, textura, suculência, cor da gordura, cor da carne e aceitação geral, foi realizada uma prova organoléptica na cidade de Manaus-AM, Brasil. Em um churrasco tradicional foram comparados cortes habituais de carne bubalina e bovina. Os resultados mostraram que ambos os tipos de carne tinham uma qualidade semelhante e que são infundados os preconceitos existentes a respeito da carne bubalina. Palavras-chave: Came bubalina, carne bovina, prova organoléptica, várzea, Amazônia, Brasil Organoleptic Assessment of Water Buffalo Meat and Beef of Animals Raised on Central Amazonian Floodplain Pastures ABSTRACT—Owing to the dominance of the beef market, traditional consumer habits and the often inferior quality of water buffalo (Bubalus bubalis) meat offered, the meat of this species is still rejected in many countries, like it is the case of Brazil, or at least considered as low-grade meat. In order to find out whether or not there is a distinct rejection of water buffalo meat on account of criteria such as taste, flavour, tenderness, texture, juiciness, colour of fat, colour of meat and general acceptability, an organoleptic test was organized in the city of Manaus-AM, Brazil. Traditionally barbecued (churrasco) Brazilian-style cuts of water buffalo meat and beef were compared. The result showed that both types of meat have a comparable quality and that the still existing prejudices in respect of water buffalo meat are unfounded. Keywords: water buffalo meat, beef, organoleptic test, floodplains, Amazonia, Brazil INTRODUÇÃO YADAVA & SINGH, 1974). Deve-se levar em conta, também, os A carne bubalina é considerada, preconceitos, principalmente em países em geral, inferior a carne bovina e tem com uma longa tradição na criação de baixa aceitação em muitos países. Há gado e com o respectivo hábito de várias razões para isso. Em países consumo, como é o caso do Brasil. como a India, Sri Lanka, China, no Ironicamente, no entanto, em estados sudeste asiático e em regiões a leste do como o Pará e o Amazonas parte dos mar Mediterrâneo os búfalos (Bubalus produtos cárneos oferecidos nos bubalis) só são abatidos quando não mercados locais, são declarados como servem mais para a tração, a reprodução carne bovina, quando na realidade, ou a produção de leite, atingindo assim sem o conhecimento do consumidor, é uma idade superior a 10 anos ou mais, de origem bubalina. No estado do tendo portanto a carne uma qualidade Amazonas a cota é estimada em 15 % inferior (MATSUKAWA et ai, 1976; (HUND, 1995; OHLY & HUND, 1 Max-Planck-Institut für Limnologie Postfach 165, 24302 Plön, Alemanha ACTA AMAZONICA 27(1): 33-42. 1997. 1996). O interesse em integrar o bùfalo entre a carne bubalina e a bovina, e o na criação de gado tradicional no consumidor comum quase não nota a Brasil fica cada vez mais claro através diferença. Isso se confirma através de da multiplicidade de trabalhos científicos análises físicas e químicas e provas sobre a criação, reprodução, alimentação e organolépticas realizados em vários saúde dessa espécie nos últimos tempos países do mundo, que comparam (e.g. MÜLLER et al., 1994; búfalos de "tipo rio" (aos quais NASCIMENTO et al., 1979; OHLY, 1986; pertencem as raças reconhecidas MÜNCHOW & PISARZ, 1994; VALE, oficialmente no Brasil Mediterrâneo 1994). Principalmente o trabalho da ou Preto, Murrah e Jafarabadi) e o EMBRAPA-CPATU em Belém e "tipo pântano" (representado no Brasil Santarém no estado do Pará (cf. WBC, pela raça Carabao) com raças das 1994) evidencia a importância dada ao espécies bovinas Bos taurus e Bos indicus bùfalo para o desenvolvimento das (e.g. BORGHESE et al, 1978; FERRARA áreas alagáveis da região oriental da & INFASCELLI, 1994; FRANCISCIS & bacia amazônica. Apesar do bùfalo, o MORAN, 1992; JOHNSON & qual está adaptado a um tipo de vida CHARLES, 1975; MÜLLER et al, 1991; semi-aquático, ser economicamente 1994; ROBERTSON et al, 1982; mais vantajoso do que as raças bovinas ROBERTSON et al, 1986; VALIN et al, de alta produção e também mais 1984; YADAVA& SINGH, 1974). Em vir­ vantajoso do que o gado crioulo (raça tude do alto conteúdo de pigmentos e bovina mixta com um grau de sangue mioglobina a cor da carne é mais zebuíno alto) das regiões alagadas do escura do que a bovina, tendo a Amazonas, o qual está adaptado as gordura branca, com a percentagem de condições climáticas e ao valor gordura intramuscular menor, a nutritivo baixa das pastagens regionais quantidade de gordura separável maior (HUND, 1995; OHLY, 1986; OHLY& e a percentagem de colesterol menor HUND, 1996), há ainda poucas noções (comparando-se animais que tiveram o específicas sobre o bùfalo por parte da mesmo tipo de criação e alimentação). indústria de carne, dos restaurantes e do Fatores determinantes para o consumidor. Nas fazendas das várzeas a lançamento eficaz de novos produtos situação é outra. Embora a cota de de carne no mercado são: aceitação do búfalos na criação de animais de grande produtor, produtividade e rentabilidade porte seja apenas de 4 %, os rebanhos na produção, emprego da carne e dos municípios de Careiro, Parintins e aceitação do consumidor. A entrada da Autazes cresceram de fator 11 até 17 nos carne bubalina no mercado brasileiro anos 1980-1991. Nesse mesmo espaço ocorreu de modo discreto, sob o de tempo a população de búfalos no domínio do mercado de carne bovina. estado do Amazonas aumentou oito Em todos os casos para o brasileiro vezes o seu efetivo populacional (IBGE, "carne" é sinônimo de carne de gado. 1991; OHLY& HUND, 1996). Durante muito tempo as estatísticas Na verdade há pouca diferença oficiais não separavam a carne bubalina e bovina. Ainda hoje isso é impor no mercado. Isso também estaria de comum. Visto que desde o início o acordo com as determinações legais, pois bùfalo foi usado apenas como o bùfalo é uma espécie domesticada já complemento para o boi e não como aceita a nível regional como o boi, a cabra, uma substituição em regiões a ovelha ou o porco. inadequadas para o gado e como uma Há uma série de métodos físicos e espécie de características próprias de químicos reconhecidos que, em regra geral, aproveitamento (carne, leite e tração), servem para avaliar a qualidade da carne tanto produtor como indústria não (BOUTON et ai, 1975; JOKSIMOVIC, estão suficientemente preparados para 1969; JOKSIMOVIC & OGNJANOVIC, as necessidades e particularidades dessa 1977) sendo esses métodos mais espécie, e o consumidor está pouco significativos para a composição e informado sobre esse tipo de carne. utilização industrial da carne. O A rentabilidade da criação de consumidor atua subjetivamente, suas búfalos nas várzeas do estado do preferencias são determinadas pelos Amazonas em comparação direta com órgãos dos sentidos e pelo hábito, a pecuária bovina tradicional foi havendo contudo um receio natural ao comprovada por HUND (1995). O que novo, não costumeiro. ainda falta é aceitação da carne Para por em andamento uma bubalina, como também do leite e de ampla discussão sobre a qualidade da seus derivados. Tanto os fazendeiros, carne bubalina em comparação direta matadouros e açougueiros dizem que, com a bovina foi realizada uma prova em geral, a carne bubalina é de pouco de degustação no Instituto Nacional de rendimento e de difícil venda em Pesquisas da Amazônia (INPA) em comparação com a carne bovina. Não Manaus, Amazonas. Além dos há uma demanda específica no que diz degustadores foram convidados mais respeito a esses produtos, e também de 100 funcionários do instituto e a não poderia haver, pois o consumidor mídia local (imprensa e televisão). Testes é mal informado. Até o presente semelhantes, numa qualidade de exames e momento não foram feitas, no estado demonstrações independentes, mas do Amazonas, campanhas publicitárias também como complemento de análises para a carne bubalina assim como na químicas e físicas, já foram realizados em Austrália, Itália e em menores muitos países. Como por exemplo na Aus­ proporções nos Estados Unidos. Vale trália (CHARLES, 1982; ROBERTSON et salientar, que até então não havia ai, 1982; ROBERTSON et al, 1986), necessidade para isso, pois esses Trinidade e Tobago (WILSON, 1961), produtos puderam ser vendidos como Sri Lanka (MATSUKAWA et al., carne bovina, face a possível 1976), e na Itália (BORGHESE et al, desvalorização imposta indevidamente. 1978). Mas também em estados Mas, devido ao aumento crescente do brasileiros como o Rio Grande do Sul sistema de produção e maior (MÜLLER et ai, 1991; 1994) e o Pará conhecimento, esses derivados deverão se (NASCIMENTO et al, 1978). MATERIAL E MÉTODOS raça Mediterrâneo, que é uma raça de dupla aptidão (carne e leite), entretanto no A carne para o teste organoléptico foi Brasil, tem servido em primeiro lugar para fornecida pelo matadouro estadual a produção de carne (OHLY, 1986). FRIGOMASA de Manaus. Ambos Antes de ser utilizada, a carne de animais a serem testados provinham de ambos animais ficou no frigorifero fazendas de criação localizadas nas durante 24 horas para um processo de regiões alagadas das redondezas de resfriamento (chilling). Na prática isso Manaus, eram do sexo masculino, não quase nunca acontece, contudo o eram castrados, e tinham um peso vivo tratamento têm um efeito significativo de 350 kg bubalino e 250 kg bovino na maciez da carne. Antes do teste respectivamente. O bovino foi criado houve o retalhamento da carne em num pasto artificial (Brachiaria cortes típicos brasileiros como radicans, capim de água/capim de picanha, filé, contra-filé, alcatra, brejo) e enquanto o bubalino em lagarto e costela.
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