Somália Contributos Para Uma Reflexão À Luz Dos Novos Meios

Somália Contributos Para Uma Reflexão À Luz Dos Novos Meios

REVISTA ACADÉMICA DE LA FEDERACIÓN LATINOAMERICANA DE FACULTADES DE COMUNICACIÓN SOCIAL ISSN: 1995 - 6630 Somália Contributos para uma reflexão à luz dos novos meios Paulo Nuno Vicente [email protected] Paulo Nuno Vicente. É licenciado em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, formado em Jornalismo e Religiões pela Universidade Católica de Lisboa e frequentou o curso de Língua e Cultura Árabe e Islâmica pela Universidade de Lisboa. Concluiu o Summer Institute in Digital Media (Online Journalism) pela Universidade UT Austin - Portugal. Autor de vários weblogs (Chão de Papel, Report on Safety, Synergias) dedicados ao estudo dos media e do jornalismo. Coordenador do loev project, iniciativa de desenvolvimento de comunidades interactivas (em fase de protótipo), apresentado no festival digital Future Places e candidato ao Prémio Zon Criatividade em Multimédia. Resumo Na era do hipertexto, que razões comunicativas levam a que os conflitos contemporâneos no Corno de África não se estabeleçam como um ponto-chave na cultura de proximidade que os media informativos promovem junto do público? O reiterado estado de conflito na Somália – equívoco e prolongado – é um sinal de que a audiência civil para a temática da guerra está a desaparecer? Quais as perspectivas para as comunidades online locais e para a inteligência colectiva na visibilidade e resolução dos conflitos regionais e internacionais? Palavras-chave Corno de África, Somália, Jornalismo Online, Grassroot Communities, Spoilers 1 DIÁLOGOS DE LA COMUNICACIÓN, N°78, ENERO - JULIO 2009 REVISTA ACADÉMICA DE LA FEDERACIÓN LATINOAMERICANA DE FACULTADES DE COMUNICACIÓN SOCIAL ISSN: 1995 - 6630 1. Sobre a Somália 1.1. Colonialismo e Independência O estado de conflito na Somália não é de hoje. Particularmente, o histórico das conflitualidades transfronteiriças e das dissoluções estatais remete-nos para os finais do século XV da era comum, quando o sultanato de Adel, formado nove séculos antes, se desintegra para dar lugar a vários estados. Entre 1875 e 1889, as grandes potências coloniais retalham entre si as principais zonas de influência: o Egipto ocupa cidades na costa somali, a França deita mão ao que haveria de ser o Djibouti, os britânicos anunciam um protectorado sobre a Somalilândia, a Itália faz o mesmo na região central da Somália. De tal forma que, incendiados os ânimos entre os Aliados e o Eixo, já em plena II Guerra Mundial no coração da Europa – respectivamente em 1940 e 1941 – os italianos ocupam a Somalilândia britânica e os britânicos invadem a Somalilândia italiana. Terminado o conflito na Europa, a Somalilândia de influência italiana é rebaptizada para Somália, assumindo o direito à autonomia. Em 1960, as zonas de influência britânica e italiana tornam-se independentes, fundem-se e formam a República Unida da Somália. Aden Abdullah Osman Daar é eleito presidente. A independência é o momento de libertação colonial e, simultaneamente, a caixa de Pandora para a tragédia nacional: desde logo, 1964 e 1977 marcam duas guerras sobre a região de Ogaden, parte da Etiópia, porém de maioria somali e islâmica. Nas eleições presidenciais de 1967, Daar sai derrotado por Abdi Rashid Ali Shermarke. O mandato deste teria um fim violentamente antecipado: Shermarke é assassinado dois anos depois de tomar posse, altura em que Muhammad Siad Barre assume o poder através de um golpe de estado: declara a Somália um estado socialista e nacionaliza sectores-chave da economia. Em 1974, a Somália junta-se à Liga Árabe. Nesse mesmo ano, uma seca severa provoca a fome generalizada junto da população. Um ano depois de terem invadido a região de Odagen, em 1977, as forças somalis são expulsas da Etiópia com o auxílio de conselheiros soviéticos e de militares cubanos. 1.2. Desintegração nacional Em 1981, a oposição à presidência de Barre começa a fazer sentir-se, sobretudo depois dos clãs Mijertyn e Issaq serem afastados do governo, substituídos por membros do clã Marechan, a que pertence o próprio presidente. 2 DIÁLOGOS DE LA COMUNICACIÓN, N°78, ENERO - JULIO 2009 REVISTA ACADÉMICA DE LA FEDERACIÓN LATINOAMERICANA DE FACULTADES DE COMUNICACIÓN SOCIAL ISSN: 1995 - 6630 Só em 1988 chega o acordo de paz com a Etiópia. Porém, três anos depois, em 1991, a guerra civil estala entre clãs rivais: Mohamed Siad barre é afastado e a luta pelo poder instala-se entre os clãs liderados por Mohamed Farah Aideed e Ali Mahdi Mohamed. Os violentos confrontos provocam milhares de vítimas mortais e de feridos. O antigo protectorado britânico da Somalilândia declara unilateralmente a independência. Em 1992, Marines norte-americanos são enviados para Mogadíscio ainda antes de uma força de manutenção de paz das Nações Unidas. A missão seria a de restaurar a ordem e garantir a segurança dos recursos de emergência. Um ano mais tarde dá-se o confronto que o cinema haveria de cristalizar no filme “Black Hawk Down”: rangers do exército norte-americano são mortos depois de as milícias somalis abaterem dois helicópteros que sobrevoavam a capital. Centenas de somalis morrem nos combates. A missão norte-americana termina formalmente em Março de 1994; um ano depois, saem igualmente da Somália as forças de manutenção da paz das Nações Unidas. Em 1996, a Somália entra num novo capítulo de violência: Muhammad Aideed morre e a sucessão cabe ao seu filho Hussein. Dois anos mais tarde, a região de Puntland declara a autonomia. Em 2000, os líderes dos clãs reúnem-se no Djibouti e elegem Abdulkassim Salat Hassan como novo presidente da Somália. Em Outubro desse ano é anunciado o novo governo – liderado por Ali Khalif Gelayadh – o primeiro desde 1991. Porém, a instabilidade ameaça regressar: em Abril do ano seguinte, forças somalis apoiadas pela Etiópia anunciam a intenção de formar, dentro de seis meses, um governo nacional que sirva de oposição à actual administração. 1.3. Avanço islamista O tempo avançaria até Agosto de 2004. Pela décima quarta vez desde 1991 um novo governo de transição é apontado. Abdullahi Yusuf, senhor da guerra e aliado de longa data da Etiópia, torna-se no presidente interino da Somália e faz de Baidoa a sua base. Nesse ano, os astros provocariam um gigantesco dano ao país, com os efeitos do Tsunami asiático a atingirem a costa somali e a ilha de Hafun: são reportadas centenas de vítimas mortais, milhares de pessoas ficam sem ter onde viver. No campo político, o primeiro-ministro Ali Mohammed Ghedi sobrevive a uma tentativa de assassinato. Entre Março e Maio de 2006, de novo em Mogadíscio, combates entre milícias rivais provocam uma nova vaga de vítimas. Em Junho de 2006, a União dos Tribunais Islâmicos (UIC, na sigla anglo-saxónica) toma o controlo da capital somali, Mogadíscio, e avançam para sul na tentativa de conquistarem território. A 20 de Julho, uma 3 DIÁLOGOS DE LA COMUNICACIÓN, N°78, ENERO - JULIO 2009 REVISTA ACADÉMICA DE LA FEDERACIÓN LATINOAMERICANA DE FACULTADES DE COMUNICACIÓN SOCIAL ISSN: 1995 - 6630 coluna de camiões e carros blindados etíopes entra em território somali. A Etiópia admite apenas estar a fornecer treino militar como forma de apoio ao governo interino de Abdullahi Yusuf. Um dia depois, a liderança somali do Tribunal islâmico decreta uma “guerra santa” contra os etíopes que entraram na Somália. A 18 de Setembro, é divulgado que o Presidente Abdullahi Yusuf acaba de sobreviver a uma tentativa de assassinato: fica registado como o primeiro ataque com recurso a bombistas suicidas. Passado pouco mais de um mês, Meles Zenawi, primeiro-ministro da Etiópia, anuncia que o país está “tecnicamente em guerra” contra os Tribunais Islâmicos. Como resposta, a UIC alega que forças etíopes bombardeiam a cidade de Bandiradley, no Norte, monta uma emboscada a uma coluna militar etíope nas proximidades de Baidoa e anuncia que terão morrido 20 combatentes inimigos nessa operação. As Nações Unidas apresentam novos dados: como fuga à seca e à fome, à imposição impiedosa da lei islâmica e à possibilidade de um novo conflito, entre Janeiro e Outubro de 2006, cerca de 35 mil somalis refugiaram-se no vizinho Quénia. A 30 de Novembro, o Parlamento etíope aprova uma resolução que autoriza o Governo de Zenawi a tomar todas as medidas necessárias contra uma “invasão da UIC”. O último mês de 2006 fica marcado por um ultimato: os Tribunais Islâmicos dão às tropas etíopes uma semana para abandonarem o país, caso contrário será lançado um “ataque de peso”. A 24 de Dezembro, o Governo etíope admite pela primeira vez que tem militares a combater na Somália. O executivo diz tratar-se de uma operação de “auto-defesa” contra as milícias islâmicas. No dia seguinte, a aviação etíope bombardeia o aeroporto de Mogadíscio e, passados três dias, forças governamentais somalis apoiadas pela Etiópia capturam a capital. A 23 de Janeiro de 2007, Mogadíscio assiste à cerimónia que assinala o início da retirada etíope. É anunciada como um processo a três fases. Nesse dia são vistos 200 militares a abandonarem o seu último bastião, a cidade costeira de Kismayo. Pela primeira vez desde 2004, o Presidente Abdulahhi Yusuf entra em Mogadíscio. 1.4. Contra-terrorismo e Pirataria Já em Janeiro de 2007, os Estados Unidos lançam uma série de ataques aéreos no sul da Somália. A ofensiva é justificada com o combate lançado a figuras-chave da al-Qaeda: esta intervenção norte- americana, a primeira desde 1993, é apoiada pelo Presidente Yusuf. O ataque provoca um número indeterminado de vítimas civis. O governo interino impõe por três meses o estado de emergência. Em Fevereiro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas autoriza o envio para a Somália de uma missão de meio ano composta por militares da União Africana. Essa força aterra em Mogadíscio um mês 4 DIÁLOGOS DE LA COMUNICACIÓN, N°78, ENERO - JULIO 2009 REVISTA ACADÉMICA DE LA FEDERACIÓN LATINOAMERICANA DE FACULTADES DE COMUNICACIÓN SOCIAL ISSN: 1995 - 6630 depois, em pleno momento de confronto entre insurgentes e forças governamentais apoiadas por tropas etíopes.

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