Padrões De Investimentos Estatais Em Infra-Estrutura Viária

Padrões De Investimentos Estatais Em Infra-Estrutura Viária

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 15(1) 2001 PADRÕES DE INVESTIMENTOS ESTATAIS EM INFRA-ESTRUTURA VIÁRIA EDUARDO CESAR MARQUES Cientista Político, Pesquisador da Fapesp no Cebrap RENATA MIRANDOLA BICHIR Bolsista da Fapesp no Cebrap Resumo: Este artigo apresenta os resultados preliminares de uma pesquisa em andamento sobre os investi- mentos realizados pela Prefeitura de São Paulo em infra-estrutura urbana, por meio de sua Secretaria de Vias Públicas, entre 1978 e 1998. A partir de um extenso levantamento de informações primárias acerca desse período, abrangendo todos os contratos assinados pela secretaria com empreiteiras, investigou-se a distribui- ção dos investimentos e suas características ao longo das administrações municipais, assim como os padrões de vitória das principais empreiteiras beneficiadas por essa política. Palavras-chave: investimento público; infra-estrutura viária; políticas públicas. presente texto traz os primeiros resultados de uma taria de Vias Públicas – SVP, pertencente à administra- pesquisa em andamento sobre políticas públicas ção direta; no Rio de Janeiro, a responsável é a Compa- O e intermediação de interesses em São Paulo. Ana- nhia Estadual de Águas e Esgotos – Cedae, organizada lisou-se a política de investimentos da Secretaria de Vias como empresa pública. As diferenças de estrutura e esta- Públicas da Prefeitura Municipal de São Paulo, do final tuto jurídico têm como conseqüência, muito provavelmen- da década de 70 até o ano de 1998. A pesquisa toma como te, a constituição de graus diversos de autonomia decisória base um amplo levantamento de dados sobre os contratos das agências com relação aos ambientes políticos mais am- assinados entre a secretaria e empresas privadas para a plos nos quais operam, assim como padrões de carreira e implementação de obras e serviços de engenharia. Como insulamento burocrático muito distintos. fonte desses dados, foram colhidas informações sobre A Secretaria de Vias Públicas é uma das mais im- contratações da prefeitura publicadas no Diário Oficial portantes unidades administrativas da prefeitura do Município de São Paulo, tendo sido pesquisados to- paulistana. Sua relevância se expressa, em primeiro dos os extratos de contratos da secretaria, dia a dia, entre lugar, por sua histórica influência na estruturação do 1978 e 1999. A partir do material coletado, a pesquisa espaço paulistano (e ainda presente, nos dias atuais), analisou as dimensões de espaço, poder e intermediação como será discutido rapidamente na primeira seção. da política de infra-estrutura na cidade de São Paulo. Além disso, as intervenções da secretaria apresentam A investigação representa, até certo ponto, uma conti- grande importância política, chegando a consumir 13% nuação de pesquisa similar sobre políticas de infra-estru- do orçamento municipal, em média, no período estuda- tura de saneamento no Rio de Janeiro consubstanciada em do. Essa proporção alcançou 27% do gasto total da Pre- Marques (2000). Considerando que se trata de duas polí- feitura em 1993, o que correspondeu a mais de 2,5 bi- ticas altamente espacializadas, executadas diretamente por lhões de reais (em valores de dezembro de 1999). Essa empreiteiras de obras públicas e inseridas em comunida- importância se mede também pela centralidade de suas des de engenheiros das duas mais importantes cidades atividades nos projetos políticos de boa parte dos pre- brasileiras, são inúmeros os possíveis pontos de contato. feitos do período estudado, tanto pela realização de A comparação se apresenta ainda mais rica quando se obras de enorme visibilidade, quanto pelo porte eleva- considera que os órgãos estatais responsáveis pelas polí- do dos valores contratados, que, como tem sido farta- ticas são bastante distintos: em São Paulo tem-se a Secre- mente documentado pela imprensa, significam impor- 60 PADRÕES DE INVESTIMENTOS ESTATAIS EM INFRA-ESTRUTURA VIÁRIA tante moeda de negociação com financiadores de cam- tudos sobre a estrutura urbana paulistana e, em 1930, pu- panha e esquemas de corrupção. blicou o seu Plano de Avenidas, que incluía uma proposta A pesquisa tem indicado, na verdade, que a secretaria para o sistema viário que viria a influenciar as principais constitui um dos mais importantes nós do funcionamento intervenções que estruturaram a cidade nas décadas pos- da política paulistana, ou ao menos do grupo político que teriores. A diretoria existiu até 1936, quando foi transfor- controlou a prefeitura paulistana pela maior parte do pe- mada em Departamento de Obras e Serviços Municipais ríodo.1 Os resultados aqui apresentados abrangem a dinâ- pelo Ato no 1.146/36. mica temporal da política e suas características em cada Vale dizer que a organização territorial da cidade de São administração municipal, além das relações entre os in- Paulo ocorreu, por um lado, pela ação atomizada de em- vestimentos e o ciclo eleitoral, as finanças municipais e preendedores privados, e, por outro, pela realização de obras os repasses orçamentários para a secretaria.2 públicas, especialmente viárias e de drenagem, direcionadas tão somente a solucionar, no curto prazo, os problemas viá- A SECRETARIA DE VIAS PÚBLICAS rios e de circulação rodoviária, apesar da existência de pro- E O MUNICÍPIO postas mais abrangentes. A realização direta de interven- ções viárias, portanto, representou a forma predominante A Secretaria de Vias Públicas é talvez o mais importan- de organização territorial, destacando importantes figuras te órgão estatal do Município de São Paulo. Apesar disso, de técnico-políticos3 realizadores como Silva Freire e Prestes nunca foi objeto de estudos sistemáticos como organiza- Maia. Esse processo colocou o Departamento de Obras – ção do Estado. As únicas pesquisas sobre a secretaria ana- e posteriormente a secretaria – no centro das atividades lisam-na sob o ponto de vista da obra urbanística de alguns estruturadoras do espaço paulistano. dos seus mais importantes dirigentes, principalmente Pres- No caso de Prestes Maia, mais destacado personagem tes Maia e Victor da Silva Freire, ou a partir das ações da da história do setor de obras públicas paulista, a influência Diretoria de Obras, sua antecessora no organograma da prolongou-se por muitos anos. Embora tenha se envolvido prefeitura (Simões Jr., 1991; Leme, 1991 e 1999). Na rea- com o lado perdedor da Revolução de 1930 e tenha se afas- lidade, a ausência de análises políticas sobre esse impor- tado das atividades públicas por um breve período, voltou tante órgão paulistano reflete dois processos convergentes ao centro da política e da gestão territorial paulistana em internos às comunidades acadêmicas brasileiras: a escas- 1938, quando assumiu a cadeira de prefeito, por indicação sez de estudos empiricamente embasados de ciência políti- do interventor Adhemar de Barros. Prestes Maia permane- ca sobre as ações estatais, especialmente locais, e o peque- ceu como prefeito de Barros até 1941 e foi novamente in- no conhecimento da dinâmica do poder na secretaria trazido dicado pelo novo interventor, Fernando da Silva Costa. Em pelos trabalhos de estudos urbanos que a têm enfocado, pre- 1945 Maia deixou o Departamento de Obras, que, ao final ocupados com outras questões e dinâmicas. A pesquisa que do mesmo ano, foi transformado em Secretaria de Obras e serve de base a este artigo pretende contribuir para preen- Serviços pelo Decreto-Lei no 333/45. cher tal lacuna. A estrutura do novo órgão passou a incorporar, a partir A secretaria tem sua origem mais remota na Diretoria de 1947, com o Decreto-Lei no 431/47, os departamentos de Obras da prefeitura da capital. A história desta unida- de obras públicas, serviços municipais, cadastro munici- de administrativa está ligada de forma indissolúvel às ati- pal,4 manutenção de prédios públicos e serviço funerário, vidades de Victor da Silva Freire, chefe e diretor da Se- além das comissões orientadoras do “Plano da Cidade” e ção de Obras Públicas por mais de 20 anos, desde 1898, de “Estética”. quando o conselheiro Antônio Prado tornou-se o primei- Durante a década de 50, Maia atuou por meio de seu ro prefeito paulistano. Em 1926, Freire deixou o setor escritório de projetos, além de se lançar a cargos eletivos público, mas continuou seu trabalho em urbanismo atuando pela UDN, sendo seguidamente derrotado em 1950 e 1954 como professor da Escola Politécnica (Simões Jr., 1991; para o governo do Estado. Em 1957, Jânio Quadros, pri- Leme, 1999). O período de influência de Freire foi suce- meiro prefeito eleito desde o retorno dos pleitos diretos dido, na história institucional do órgão, pela presença de para a prefeitura (instituído pela Lei no 1.720/52), apoiou Francisco Prestes Maia, ingressado na Diretoria de Obras Maia para a prefeitura da capital, mas este foi novamente Públicas em 1918. Entre 1924 e 1926, Prestes Maia, em derrotado, dessa vez por Adhemar de Barros. Em 1961, associação com Ulhôa Cintra, elaborou uma série de es- com o apoio do governador Carvalho Pinto e do presi- 61 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 15(1) 2001 dente recentemente eleito (e que ainda não havia renuncia- transparência, pois não necessita de aprovação de seu or- do) Jânio Quadros, Prestes Maia elegeu-se para a prefei- çamento anual ou balanço pela Câmara Municipal, entre tura, onde permaneceu até 1965.5 outras vantagens. A empresa está formalmente vinculada Em 1966, o prefeito seguinte a Prestes Maia – José ao gabinete do secretário de vias públicas, embora tenha Vicente Faria Lima – criou as administrações regionais respondido, na prática, diretamente aos prefeitos durante por meio da Lei no 6.882/66. Essas instâncias tornaram-se grande parte do período estudado. Os únicos momentos de fundamental importância para o funcionamento da ad- de subordinação da empresa à secretaria dizem respeito ministração pública e para a dinâmica do processo políti- às épocas de acúmulo, pelo secretário, do cargo de presi- co paulistano até os dias de hoje. Naquele mesmo momen- dente da Emurb, o que aconteceu entre 1993 e 1998, com to, a secretaria foi dividida em duas: de Serviços Municipais Reynaldo de Barros, secretário e Paulo Maluf e Celso Pitta, e de Obras.

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