Universidade Federal de PósARQ-Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo

Rodrigo Althoff Medeiros

A FORMAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE TUBARÃO E A FERROVIA TEREZA CRISTINA

Dissertação de Mestrado

Florianópolis 2006 1

Rodrigo Althoff Medeiros

A FORMAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE TUBARÃO E A FERROVIA TEREZA CRISTINA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Orientador Prof. Dr. Elson Manoel Pereira

Florianópolis 2006 2

Rodrigo Althoff Medeiros

A FORMAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE TUBARÃO E A FERROVIA TEREZA CRISTINA

Esta dissertação foi julgada e aprovada para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis , 26 de setembro de 2006.

______Profa. Dra. Arq. Alina Gonçalves Santiago Coordenadora do Programa

BANCA EXAMINADORA

______Prof. Dr. Eng. Elson Manoel Pereira - Orientador

______Profa. Dra. Arq. Alina Gonçalves Santiago

______Profa. Dra. Arq. Sônia Afonso

______Prof. Dr. Arq. José Waldemar Tabacow 3

Agradeço a Deus por permitir-me ter a mente sã em corpo são e assim poder crescer; a minha esposa Anita e filhos Thales e Sofia pelos momentos furtados e pela possibilidade oferecida de aprender em conjunto; à Arquiteta Sara Medeiros dos Santos e aos acadêmicos Jaqueline Saviato, Kelly Victoreti, Maykon Luiz da Silva, Michella Vicente e Randel Becker pelo apoio e participação, à Ruth Althoff Souza e aos professores do POSARQ pela qualidade dos ensinamentos. 4

RESUMO

A Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, hoje operada pela empresa Ferrovia Tereza Cristina SA., iniciou sua implantação em território catarinense por volta do ano de 1880, com o objetivo principal de transportar carvão da região das Minas para o porto de Imbituba. Além do carvão, a ferrovia passa a transportar mercadorias diversas e pessoas e se constitui na mola propulsora do desenvolvimento de uma série de pequenos núcleos urbanos que surgem ou começam a desenvolver-se sob sua influência. O município de Tubarão, e em especial sua área urbana, é um caso típico da influência da via férrea na formação do espaço-urbano das cidades. Portanto, a pesquisa propõe um estudo de caso do fenômeno na cidade de Tubarão, apontando interferências e obstruções, ampliações e perspectivas futuras, os espaços construídos e não construídos de maneira direta assim como de forma indireta pela ação deste importante agente do mundo capitalista. A análise abrange o período que se inicia com a ocupação territorial na região sul do estado de Santa Catarina em fins do século XVIII e no século XIX, até os tempos contemporâneos em que a atividade ferroviária passa a integrar propostas alternativas de desenvolvimento regional e integração com os transportes rodoviários, marítimos e aeroviários formando um sistema intermodal vital para as cidades do . Palavras-chave: espaço-urbano; ferrovia; cidade de Tubarão.

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ABSTRACT

The Dona Tereza Cristina Railway is run by the company Ferrovia Tereza Cristina S.A., it started its implementation in Santa Catarina territory around the year of 1880, having as the main goal to transport coal , from the mining to the port of Imbituba. Besides coal, the railway has started transporting several goods and people and it is a valuable tool for the development of small urban centers which have started or are about to develop due to its influence. The Tubarão town, in special its urban área, it is a typical example of the railway influence within the urban-space of the cities. Therefore, the proposed research is a case study on this phenomenon in the city of Tubarão, showing all the built or not built space in a direct and indirect way through the action of this important capitalist world agent. The analysis includes the period in which the territorial occupation was initiated in the region until the contemporaneous times, when the railway activity starts integrating alternative regional development proposals and wide road transportation, ship transportation, and aviation integration, forming an intermodal system vital for the southern cities of the Santa Catarina state. Key-words: urban-space; railway, Tubarão city

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SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS...... 09

LISTA DE QUADROS ...... 10

LISTA DE GRÁFICOS ...... 11

LISTA DE FIGURAS ...... 12

LISTA DE ABREVIATURAS...... 17

1 INTRODUÇÃO ...... 18

1.1 Objetivos ...... 22 1.1.1 Objetivos gerais...... 22 1.1.2 Objetivos específicos ...... 22

1.2 Problematização...... 23 1.2.1 Metodologia de pesquisa...... 28

2 FERROVIAS E LOCOMOTIVAS...... 31 2.1 Caracterização do equipamento ...... 31 2.2 Capitalismo, espaço geográfico e ferrovia ...... 34 2.3 História e difusão das ferrovias e locomotivas ...... 36 2.4 Panorâmica das ferrovias...... 42 2.4.1 Dados da utilização em alguns países ...... 42 2.4.2 Quadro ferroviário no Brasil ...... 44 2.4.2.1 Breve Histórico ...... 44 2.4.2.2 Sistema implantado e concessões...... 48 2.4.2.3 Perspectivas e ampliações ...... 50 2.4.3 Quadro ferroviário no estado de Santa Catarina ...... 51 2.4.3.1 Sistema implantado ...... 51 2.4.3.2 Perspectivas e ampliações ...... 52 7

2.4.4 A EFDTC e a Ferrovia Tereza Cristina...... 53

2.4.4.1 A malha completa...... 53

2.4.4.2 Concessões ...... 56

2.4.4.3 Dados contemporâneos: clientes e produtos ...... 57

3 A FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE TUBARÃO: EVOLUÇÃO URBANA E A FERROVIA ...... 58 3.1 Características e dados gerais...... 58 3.1.1 Localização ...... 58 3.1.2 Área rural e área urbana do município de Tubarão...... 59 3.1.3 O Sítio Urbano: aspectos naturais relevantes e a estruturação básica...... 61 3.1.4 Dados Sociais, uso do solo e dados econômicos...... 65 3.2 Periodização da evolução urbana: os cinco períodos...... 67 3.3 Evolução do núcleo urbano de Tubarão ...... 68 3.3.1 Primórdios da ocupação na região de Tubarão: o caminho Lages à Laguna, entreposto comercial e a ocupação do Morro da Igreja - 1º Período: até 1870...... 69 3.3.2 Desmembramento e criação do município - 2º Período: 1870 a 1880 ...... 74 3.3.3 A implantação da ferrovia: um novo marco urbano - 3º Período: 1880 a 1940...... 77 3.3.3.1 As transformações ocorridas de 1880 a 1919: origem do bairro operário ...... 77 3.3.3.2 O poder público investe na ampliação do sistema viário: 1919 a 1940 ...... 83 3.3.4 A afirmação da estrutura urbana a partir da ocupação da margem esquerda até o inicio das erradicações em 1969 - 4º Período: 1940 a 1969 ...... 90 3.4 A acessibilidade contemporânea: descentralização e especialização - 5º Período: a partir de 1969 ...... 101

4 ANÁLISE DO ESPAÇO URBANO DE TUBARÃO E A FERROVIA FTC ...... 107 4.1 A geografia urbana ...... 107 4.2 Agentes do espaço urbano e processos espaciais...... 112 4.3 Encontro de vias de transporte e estruturação do espaço urbano ...... 113 4.4 Setores de crescimento urbano ...... 120 8

4.5 A espacialização social, o Valor da Terra e a FTC ...... 121 4.6 O sistema viário e a ferrovia: cruzamentos e obstruções ...... 125 4.7 Os espaços criados pela ferrovia...... 130 4.8 Áreas remanescentes da erradicação incorporadas ao sistema viário, ou transformadas em praças...... 133 4.9 Áreas invadidas ou com ocupações irregulares...... 135 4.10 Espaços livres com uso de lazer ...... 136

5 PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO E CRESCIMENTO URBANO...... 139 5.1 O projeto turístico: integração social ...... 139 5.2 O projeto cultural: museu ferroviário...... 142 5.3 Erradicações previstas e novas instalações ...... 144 5.3.1 Transferência da Oficina Central...... 144 5.3.2 Novo uso dos galpões da Oficina Central e trilho turístico ...... 146 5.3.3 Prolongamentos da Avenida Marcolino Martins Cabral...... 148 5.4 Ações da Ferrovia Tereza Cristina SA.: gerenciamento modernizado e integração dos sistemas de transporte...... 150 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 153

REFERÊNCIAS...... 159

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Comparativo mundial da matriz de transporte da produção ...... 43 Tabela 2 - Algumas linhas férreas e sua extensão, século XIX...... 45 Tabela 3 - Evolução da população...... 65 Tabela 4 - Empresas existentes no município de Tubarão ...... 67

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Quadro Ferroviário no Brasil ...... 47 Quadro 2 - Quadro das Operadoras no Brasil...... 49 Quadro 3 - Superintendência Regional 5 (SR-5), sediada em Curitiba / PR...... 52 Quadro 4 - Superintendência Regional 6 (SR-6), sediada em Porto Alegre / RS ...... 52 Quadro 5 - Superintendência Regional 9 (SR-9), sediada em Tubarão / SC ...... 52 Quadro 6 – EFDTC e seus trechos ...... 54

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Passageiros e funcionários / ano ...... 56 Gráfico 2 - Mercadoria transportada em milhões de TU...... 57 Gráfico 3 - Evolução de viagens anuais...... 141 Gráfico 4 - Evolução de passageiros anuais ...... 141

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Imagem de satélite da região de Tubarão...... 19 Figura 2 - Mapa: limites do município de Tubarão e seu perímetro urbano, ano 2002...... 24 Figura 3 - EFDTC no ano de 1935, imediações da estação ferroviária ...... 25 Figura 4 - Avenida construída sob o leito da ferrovia ...... 26 Figura 5 - Locomotiva nº 07, produzida na Inglaterra em 1881 ...... 32 Figura 6 - Ferrovia e locomotiva a diesel em ...... 33 Figura 7 - A primeira ferrovia americana ...... 37 Figura 8 - A locomotiva de Trevithick nos arredores de Londres ...... 37 Figura 9 - A Rocket repousa hoje no London Science Museum...... 38 Figura 10 - Primeira viagem da Locomotion...... 38 Figura 11 - Garagem de trens de ST. Pancras, Londres, 1864 – 1868...... 39 Figura 12 - Locomotiva a vapor em Chicago ...... 40 Figura 13 - Estação Ferroviária em Frankfurt...... 40 Figura 14 - Linha Mediterrâneo do TGV, França...... 41 Figura 15 - Linha férrea em Buenos Aires...... 41 Figura 16 - Linha férrea em Buenos Aires...... 41 Figura 17 - Estação da Estrada de Ferro D. Pedro II ...... 44 Figura 18 - Estação da Luz no início do século XX, São Paulo ...... 47 Figura 19 - Mapa: panorama das ferrovias no Brasil...... 48 Figura 20 - Mapa: ferrovias no estado de Santa Catarina - existentes e planejadas ...... 53 Figura 21 - Mapa: ferrovias no sul do estado de Santa Catarina - trechos em operação e trechos erradicados...... 54 Figura 22 - Mapa: ferrovias no sul do estado de Santa Catarina - trechos em operação ...... 55 Figura 23 - Vista panorâmica da cidade...... 58 Figura 24 - Localização do estado de Santa Catarina e Tubarão a partir de imagem de satélite.. 59 Figura 25 - Mapa: limites do município de Tubarão ...... 60 Figura 26 - Mapa: hipsometria...... 61 Figura 27 - Sítio de Tubarão ...... 62 Figura 28 - Estrutura básica e mancha urbana ...... 63 13

Figura 29 - Bairros do município...... 64 Figura 30 - Mapa: uso do solo ...... 66 Figura 31 - Periodização da evolução urbana de Tubarão...... 67 Figura 32 - Os tropeiros a caminho do município de Tubarão ...... 70 Figura 33 - Mapa: Caminho das Tropas...... 71 Figura 34 - Mapa: Evolução da malha urbana - 1° período: até 1870 ...... 73 Figura 35 - Mapa: desmembramento dos municípios...... 74 Figura 36 - Tubarão em 1879, Rua da Igreja e 1º Paço da Câmara Municipal...... 75 Figura 37 - Mapa: Evolução da malha urbana - 2° período: 1870 a 1880 ...... 76 Figura 38 - Construção da ferrovia, Laguna ...... 77 Figura 39 - Construção da Ponte Lagoa Mirim...... 77 Figura 40 - Travessia Lagoa Mirim, Laguna ...... 77 Figura 41 - Mapa elaborado pelos ingleses, traçado inicial da Ferrovia. Em vermelho, município de Tubarão ...... 78 Figura 42 - Traçado da linha férrea na área urbana de Tubarão, produzido na década de 1890 .. 80 Figura 43 - Estação Nossa Senhora da Piedade. Inauguração, 1884 ...... 80 Figura 44 - Trilhos na Rua da Igreja em 1884 ...... 80 Figura 45 - Vista da Oficina Central em instalação, 1906...... 81 Figura 46 - Travessia de balsa no Rio Tubarão e núcleo urbano central...... 82 Figura 47 - Ferrovia, Hospital e Colégio em 1906 ...... 82 Figura 48 - Trem com soldados - 1930...... 84 Figura 49 - Chegada do interventor do Estado, General. Assis Brasil em 1931...... 84 Figura 50 - Chegada do interventor do Estado, General. Assis Brasil em 1931...... 84 Figura 51 - Abertura Rua Anita Garibaldi, 1930 ...... 85 Figura 52 - Iluminação Rua 27 de maio, 1932...... 85 Figura 53 - Pavimentação Rua São José ...... 85 Figura 54 - Abertura Rua Felipe Schmidt, 1932. Rua da Vila dos Engenheiros ...... 85 Figura 55 - Rua Coronel Cabral, Grupo Escolar Hercílio Luz ...... 86 Figura 56 - Rua Conselheiro Mafra ...... 86 Figura 57 - Rua sendo aberta ...... 86 Figura 58 - Rua Vidal Ramos, do Hospital...... 86 14

Figura 59 - Avenida Rodovalho e ferrovia à direita, 1933 ...... 87 Figura 60 - Vista do leito da ferrovia, à direita - 1933 ...... 87 Figura 61 - Inauguração da Ponte Nereu Ramos - 1939...... 88 Figura 62 - Mapa: Evolução da malha urbana - 3° período: 1880 a 1940 ...... 89 Figura 63 - Mapa: malha viária de Tubarão - 1940 ...... 90 Figura 64 - Trens na Estação de Cargas...... 91 Figura 65 - Vista parcial da Estação Piedade - 1940 ...... 91 Figura 66 - Construção CSN...... 92 Figura 67 - Terreno da futura Vila dos Engenheiros ...... 93 Figura 68 - Vila dos Engenheiros concluída...... 93 Figura 69 - Sede administrativa da RFFSA ...... 93 Figura 70 - Vila dos Ferroviários...... 93 Figura 71 - Vila dos Ferroviários e galpões da Henrique Lage ...... 94 Figura 72 - Construção Escola dos Ferroviários...... 94 Figura 73 - Indústria Souza Cruz à esquerda e o aeroporto à direita - época de cheias do rio em 1957 ...... 95 Figura 74 - CSN ...... 95 Figura 75 - Foto aérea da cidade de Tubarão - 1957 ...... 96 Figura 76 - Eletrosul Centrais Elétricas S.A - Subestação Jorge Lacerda B...... 96 Figura 77 - Vista panorâmica da cidade de Tubarão ...... 97 Figura 78 - Locomotiva a Vapor estacionada em frente ao Hospital em 1969...... 98 Figura 79 - Abertura da Avenida Marcolino Martins Cabral, próximo ao hospital...... 98 Figura 80 - Estação Nossa Senhora da Piedade - Terminal Rodoviário ...... 99 Figura 81 - Estação Tubarão, serviços de manutenção...... 99 Figura 82 - Mapa: Evolução da malha urbana - 4° período: 1940 a 1969 ...... 100 Figura 83 - Linha Férrea na enchente de 1974, atualmente leito da SC-440 – localidade km 60 .101 Figura 84 - Foto aérea da cidade de Tubarão - 1978 ...... 102 Figura 85 - Vista panorâmica da cidade de Tubarão ...... 104 Figura 86 - Mapa: Evolução da malha urbana - 4° período: a partir de 1969...... 105 Figura 87 - Foto aérea da cidade de Tubarão - 2006 ...... 106 Figura 88 - Manchas tipológicas do tecido urbano...... 110 15

Figura 89 - Em primeiro plano, bairro Oficinas, sudoeste...... 111 Figura 90 - Em primeiro plano bairro Vila Moema, sudeste ...... 111 Figura 91 - Croqui da expansão - até 1870 ...... 115 Figura 92 - Croqui da expansão entre 1870 a 1880 ...... 116 Figura 93 - Croqui da expansão entre 1880 a 1919 ...... 116 Figura 94 - Croqui da expansão entre 1919 a 1940 ...... 117 Figura 95 - Croqui da expansão entre 1940 a 1969 ...... 117 Figura 96 - Croqui da expansão entre 1969 a 2006 ...... 118 Figura 97 - Croqui: vias regionais ...... 119 Figura 98 - Bairro Oficinas ...... 122 Figura 99 - Bairro Vila Moema com os galpões do Shopping center...... 123 Figura 100 - Mapa: Valor da Terra...... 124 Figura 101 - Cruzamento Avenida Marcolino Martins Cabral...... 126 Figura 102 - Cruzamento no bairro Recife...... 126 Figura 103 - Cruzamento em Oficinas ...... 126 Figura 104 - Residências vistas da Henrique Lage...... 127 Figura 105 - Obstrução em Oficinas ...... 127 Figura 106 - Mapa: cruzamentos e obstruções ...... 128 Figura 107 - Mapa: cruzamentos e obstruções ...... 129 Figura 108 - Ferrovia na Avenida Visconde de Barbacena, sudeste...... 130 Figura 109 -Mapa: espaços criados pela ferrovia...... 132 Figura 110 - Avenida Marcolino Martins Cabral com a Praça 07 de Setembro em primeiro plano ...... 133 Figura 111 - Vista panorâmica SC 440, esquerda ...... 134 Figura 112 - Praça Tereza Cristina, peça de museu ...... 134 Figura 113 - Geometria de formação da Praça 07 de Setembro...... 135 Figura 114 - Praça 07 de Setembro ...... 137 Figura 115 - Mapa: áreas remanescentes da erradicação, espaços livres com uso de lazer e ocupações invadidas ...... 138 Figura 116 - Oficina de consertos de vagões e locomotivas ...... 140 Figura 117 - Translado de transporte rodoviário para o ferroviário...... 142 16

Figura 118 - O Museu Ferroviário, Oficina Henrique Lage...... 143 Figura 119 - Mapa: erradicações previstas...... 145 Figura 120 - Linha Férrea e Oficina Central ...... 146 Figura 121 - Percurso do canteiro central, pista direita...... 147 Figura 122 - Local de obstrução da Avenida...... 147 Figura 123 - Encontro trilhos e Avenida ...... 147 Figura 124 - Prolongamento da Avenida e canteiro central, sudoeste ...... 148 Figura 125 - Vista da Avenida. Nos fundos seu prolongamento obstruído...... 149 Figura 126 - Obras de duplicação da BR-101 ao lado do leito da ferrovia ...... 151 Figura 127 - Obras de duplicação da BR-101 ao lado do leito da ferrovia ...... 151 Figura 128 - Mapa: sistema integrado de transporte ...... 152

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABPF - TB - Associação Brasileira de Preservação Ferroviária - Regional Tubarão AMUREL - Associação dos Municípios da Região de Laguna ANTF - Associação Nacional do Transporte Ferroviário ANTT - Associação Nacional do Transporte Terrestre CSN - Companhia Siderúrgica Nacional EFDTC - Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina FESSC - Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina FTC - Ferrovia Tereza Cristina SA. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística RFFSA - Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima SALV - Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor SANTUR - Santa Catarina Turismo SOCIMED - Sociedade Médica SA. TKU - Tonelada Útil por kilometro rodado TU - Tonelada Útil, unidade de medida equivalente à carga transportada UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina

ESTADOS: AL - Alagoas PE - Pernambuco CE - Ceará PI - Piauí

DF - Distrito Federal PR - Paraná

ES - Espírito Santo RJ - Rio de Janeiro

MG - Minas Gerais RN - Rio Grande do Norte

MS - Mato Grosso do Sul RS - Rio Grande do Sul

MT - Mato Grosso SC - Santa Catarina

PA - Pará SE - Sergipe

PB - Paraíba SP - São Paulo 18

1 INTRODUÇÃO

O nono capítulo de Era das Revoluções intitulado Rumo a um Mundo Industrial, de Eric Hobsbawm (1982), trata do período em que a invenção da locomotiva e grandes obras de engenharia passam a ser um dos principais agentes de transformação da sociedade. Inicia com os dizeres a seguir: De fato, estes são tempos gloriosos para os engenheiros. Nasmyth. (HOBSBAWM, 1982, p. 187).

Devant de tels témoins, o secte progressive, Vantez-nous le pouvoir de la locomotive, Vantez-nous le vapeur et les chemins de fer. Pommier (HOBSBAWM, 1982, p. 187).

O significado da afirmação acima é: “Diante de tais testemunhas, ó seita progressiva, vangloriemo-nos do poder da locomotiva, vangloriemo-nos do vapor e das estradas de ferro.” (HOBSBAWM, 1982, p. 187). Inicia-se a introdução deste estudo com as citações acima pelo fato de focar o primeiro elemento do objeto que se pretende analisar: a ferrovia. O contexto das afirmações de Nasmyth e Pommier reporta à primeira metade do século XIX quando as ferrovias espalharam-se pelas nações do mundo contribuindo para o surgimento de uma nova cidade: a cidade industrial. É exatamente a cidade o segundo elemento do objeto da pesquisa, a partir do cenário surgido e desenhado à época do aparecimento das ferrovias. A visível mudança no estilo de vida dos últimos cinqüenta anos, provocada pelos eletrodomésticos, pela automação, pela difusão dos meios de comunicação com o uso da telefonia móvel, com a popularização do computador e do uso da Internet trouxe alterações radicais nos programas de necessidades, dimensionamento, conteúdo e forma dos espaços que são planejados. Imaginemos então, nos fins do século XIX e durante o século XX, o significado para as cidades mundo afora, em especial as nossas pequenas vilas do terceiro mundo, a implantação de um aparato tecnológico tão marcante como a construção e a implantação de ferrovias. 19

O mundo em que vivemos é formado pelo ambiente natural inalterado e o ambiente construído e alterado pelas ações humanas, impregnadas pela cultura do homem. Estudar o ambiente construído, a formação do espaço urbano no período histórico que se inicia com a implantação da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina - EFDTC - na região sul do estado de Santa Catarina, até os dias atuais quando a ferrovia é operada pela Ferrovia Tereza Cristina SA. é a proposta desta pesquisa. Atentamos desde já que se tratará a linha férrea com o nome de EFDTC ou FTC, deixando claro que o patrimônio total pertence à Rede Ferroviária Federal SA. – RFFSA. A figura 1 mostra a região que compreende parcela dos municípios da Associação dos Municípios da Região de Laguna – AMUREL1 –, inserida parcialmente dentro da bacia hidrográfica do Rio Tubarão que serviu de leito para a implantação da ferrovia.

Figura 1 – Imagem de satélite da região de Tubarão. Fonte: Google Earth (2006).

1 AMUREL - Associação dos Municípios da Região de Laguna, microrregião político-administrativa do estado de Santa Catarina, composta por dezessete municípios e cuja sede administrativa está situada no município de Tubarão. 20

Leite (1982) afirma que em cada momento histórico tem-se uma paisagem, reflexo da relação circunstancial entre o homem e a natureza. Assim, a autora indica o caminho no sentido do estudo das relações entre homem e natureza não só no espaço, mas também o estudo no tempo. Essas relações pressupõem as intervenções que o homem imprime à natureza, fruto do desenvolvimento social – político, econômico, tecnológico – alcançado, que varia no tempo e no espaço. Com o surgimento das ferrovias o espaço urbano passa a ter sua feição amplamente influenciada por elas. Além da estrada de ferro com seu traçado marcante na estrutura urbana, surgem oficinas, galpões, prédios administrativos, vilas de operários e uma infinidade de outros espaços, oriundos das atividades diretas e indiretas ligadas à economia ferroviária que passam a ser determinantes da configuração da cidade. A compreensão do processo de formação espacial de Tubarão está ligada umbilicalmente ao conhecimento das ações empreendidas na construção da ferrovia assim como na manutenção e ampliação de suas atividades. Desde os primeiros anos de sua existência a EFDTC começa a delinear o espaço urbano das cidades e núcleos urbanos pelos quais passa ou muitas vezes ajuda a criar. São espaços de uma cidade capitalista, com características próprias que os distinguem dos espaços até então produzidos. Faz-se necessário então compreender também o que é e como funciona o espaço urbano. Estudar o espaço urbano da cidade leva ao conhecimento da sociedade que nela vive e o sítio onde ela foi implantada, ambos diretamente relacionados com a atividade econômica que ali se desenvolve. Trabalho, povo, lugar, conhecê-los é conhecer a cidade e a função econômica que ela desempenha no contexto regional. Geddes (1994) comenta que o fator econômico é preponderante no estabelecimento da ocupação humana, sendo, portanto o estudo da ferrovia, com as atividades econômicas dela advindas um dos pontos abordados na pesquisa. O estudo da cidade não pode ser feito de maneira isolada, mas, sim, de forma a englobar uma variedade de abordagens que permitam melhor compreendê-la. A cidade que habitamos no passado, hoje e a que habitaremos no futuro tem parte de sua dinâmica influenciada de maneira direta pela sua forma, sua aparência, morfologia dos espaços nela criados e suas localizações. As localizações dos espaços urbanos são importantes na conformação espacial das cidades já que, dentre outras coisas, elas geram os deslocamentos humanos que só são possíveis através da implantação de sistemas viários e de transportes, elementos preponderantes na formação do espaço. 21

Por outro lado, a ferrovia deu origem a bairros residenciais operários além de determinar a localização de outros tantos edifícios. Como espacializaram-se as distintas classes sociais em Tubarão? Ao longo da ferrovia? Ao longo do rio? Que bairros foram gerados a partir da ferrovia? A EFDTC agiu também como meio de contato entre diversos núcleos urbanos, conforme se observou na figura 1, e em alguns casos o único meio seguro de interligação de cidades, caracterizando-a como uma via regional. Verifica-se que o crescimento da cidade ocorre ao longo das diferentes vias e as vias regionais são atrativas do crescimento urbano. Em assim sendo, a pesquisa deve abordar também o poder de atração urbana das vias de transporte regional. A cidade de Tubarão cresceu ao longo Rio Tubarão e de seu vale, e segundo Villaça (1998), “cidades em vales tendem a crescer mais no sentido do vale do que transversalmente a ele”. O município de Tubarão é cortado por um rio que deve ser considerado na análise para que se possa diferenciar a influência deste em relação à ferrovia na formação dos espaços urbanos. Um dos pontos comuns a inúmeras cidades do sul do Brasil atravessadas por ferrovias, no final do século XIX, é que estas se alojaram num fundo de vale, próximo ao centro, dividindo o espaço urbano em duas metades: aquela onde está o centro da cidade e a outra. [...] O conjunto vale-ferrovia funciona então como uma barreira que define – tendo como referência o centro da cidade – o lado de lá (oposto ao centro) e o lado de cá (o lado onde está o centro). [...] Define-se, então, um lado do espaço urbano mais vantajoso que o outro do ponto de vista deste fator fundamental que é a acessibilidade ao centro; em virtude dessa vantagem, o lado em que está o centro tende, inicialmente, a abrigar maior parcela do crescimento urbano do que o lado de lá; as camadas de mais alta renda tendem a se concentrar no lado mais vantajoso. (VILLAÇA, 1998, p. 134). Com as considerações até agora feitas percebe-se a amplitude da análise que o tema exige e que um determinado enfoque conduz a outros aspectos antes despercebidos. Como a ferrovia influenciou as sociedades nas quais inseriu-se, aliado a compreensão do fato que o conhecimento de uma leva ao entendimento da outra, e vice-versa é um dos fios condutores da pesquisa. A formação e o desenvolvimento do núcleo urbano surgido no século XIX, a cidade de Tubarão, ligada de forma direta à implantação de uma ferrovia é o ponto central do estudo que se pretende desenvolver, focando a influência desta na formação do espaço urbano daquela.

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1.1 Objetivos

1.1.1 Objetivo geral

Analisar o processo de formação e transformação do espaço urbano de Tubarão a partir da implantação e funcionamento da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, observando seus diferentes traçados e funções ao longo do tempo.

1.1.2 Objetivos específicos

1 - Resgatar informações históricas da ocupação territorial na microrregião de Laguna, da qual Tubarão faz parte. 2 - Analisar espacialmente o processo de implantação da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina. 3 - Analisar o processo de formação do município de Tubarão. 4 - Mapear etapas de uso e ocupação do solo, formação do território urbano municipal, influenciadas pela ampliação da capacidade de mobilidade decorrente da implantação do transporte ferroviário. 5 - Identificar e mapear os espaços urbanos originados a partir da implantação da ferrovia, anotando a evolução do seu uso, decorrentes da erradicação, relocação ou permanência de trechos dela no meio urbano. 6 - Compreender a influência causada pela ferrovia na morfologia e na formação do espaço urbano de Tubarão e identificar novos vetores de desenvolvimento e crescimento da expansão urbana através das novas formas e funções que aquela desenvolve no espaço urbano.

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1.2 Problematização

As ferrovias fazem parte e são resultado da série de transformações ocorridas no modus vivendi a partir do século XIX. Com seu aparecimento, alterações substanciais ocorreram no sistema de vida humana e na qualidade de objetos tecnológicos, possibilitados pela produção cada vez maior de sob a égide do capital e da democracia, permitiu a hegemonia do ocidente e abriu caminho para a formação da aldeia global2. Este fato é atestado na região de Tubarão pela concretização da EFDTC e os novos e distintos espaços urbanos, contexto da análise proposta na dissertação. A preponderância do Ocidente em relação às outras civilizações do mundo se tornou tão grande no curso do século XIX que todas as barreiras contra a penetração ocidental desmoronaram. Os ocidentais tiraram proveito desse poder para espraiar-se sobre todas as regiões habitáveis do globo. E assim, a terra pela primeira vez na história humana, se lançou a uma aventura de cosmopolitismo global. (MCNEILL, 1972).

As observações de McLuhan e McNeill, só foram possíveis quando o homem ampliou sua capacidade de transportar coisas e a si próprio, e a distâncias cada vez maiores e com maior rapidez. As ferrovias foram um exemplo típico do desenvolvimento desta capacidade, não só pelas quantidades e pela velocidade de transporte, como por conseqüência das dimensões do equipamento e das instalações de infra-estrutura por ela exigidas, que por sua vez passavam a criar e a ocupar imensos espaços tanto na área rural como na área urbana. Passaram não só a criar e a ocupar espaços como a influenciar a criação e ocupação de outros tantos.

2 Aldeia global - expressão cunhada na década de 1960, que na visão de McLuhan (1962, apud HOBSBAWM 1995) significa o processo que fez romper fronteiras e transformou o mundo em uma imensa aldeia. 24

Figura 2 - Mapa: limites do município de Tubarão e seu perímetro urbano, ano 2002. Fonte: Associação dos Municípios da Região de Laguna, elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros.

Como a ferrovia influenciou a formação do espaço urbano na cidade de Tubarão – SC, Brasil? Esta é a pergunta de partida, a questão primária que se pretende responder no decurso da pesquisa. Assim, a análise vai ao encontro da compreensão espacial do processo de 25

implantação da ferrovia. A identificação de como uma atuou na formação da outra, como o traçado da via férrea e a edificação de espaços criados por ela ocorreram até os dias atuais, as localizações destes espaços urbanos e como ocorreram a criação de bairros, fazem parte da pesquisa. Nos dias atuais a população de Tubarão questiona a erradicação ou não de trechos da malha ferroviária que ainda se encontram no seio da malha urbana e a forma que esta questão será tratada pode permitir um maior conhecimento do tema. Hoje ainda cerca de 10,5 quilômetros de malha ferroviária cruzam o município. A figura 2 apresenta o município de Tubarão, aponta sua malha urbana e localiza alguns espaços marcantes de seu tecido edificado pela ferrovia. O município de Tubarão emancipou-se politicamente em 1870 e a implantação da ferrovia deu-se a partir de 1880, momento em que a formação de núcleo urbano era ainda incipiente. Como era a ocupação urbana antes da EFDTC instalar-se em Tubarão? Em que cronologia delineou-se o traçado urbano, construíram-se edifícios determinados pela ação direta da FTC? Quais trechos foram erradicados e que espaço resultou? Por que a malha viária não se expandiu inicialmente para os morros? Qual a influência exercida pela edificação da primeira igreja, do hospital ou do centenário Colégio São José no processo de formação e expansão do espaço urbano?

Figura 3 – EFDTC no ano de 1935, imediações da estação ferroviária. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

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As figuras 3 e 4 mostram aspectos de épocas distintas, vistas aproximadamente de um mesmo ângulo, da hoje Avenida Marcolino Martins Cabral, principal via do sistema viário urbano. Vê-se que a avenida no ano de 2006 situa-se no leito da antiga ferrovia, seguindo seu traçado inicial. A influência visível nesta via, de forma tão clara, assim não se apresenta em outros pontos e espaços da cidade, os quais se pretende identificar e analisar.

Figura 4 – Avenida construída sob o leito da ferrovia. Fonte: Prefeitura Municipal de Tubarão.

Após a construção da EFDTC, o crescimento e o desenvolvimento de todos os municípios do sul do estado passaram a receber influência direta das atividades por ela desenvolvidas, permitindo sua integração através do transporte de mercadorias e pessoas. Assim, a pesquisa deve também relacionar espaço municipal e espaço regional, já que a ferrovia atuou como componente importante na formação destes dois tipos de espaços. “Poucas são as famílias na cidade de Tubarão que não tiveram um de seus membros como funcionário da ferrovia ou em atividade a ela ligada indiretamente”, comenta Zumblick (2004). Ela passou a ocupar um espaço físico muito grande, cruzando a área mais densamente ocupada da cidade. No processo das aceleradas transformações provocadas pela velocidade da globalização como produto do desenvolvimento do capitalismo que destrói barreiras e ultrapassa obstáculos, o espaço tem papel fundamental na medida em que cada vez mais entra em troca, como mercadoria, segundo Carlos (1996). O valor da terra, sustentáculo básico do capitalismo, 27

sua valorização ou desvalorização sofreu conseqüência direta da ferrovia e de seu traçado conformador e da possibilidade de desenvolvimento a ela atrelada. É possível, então, supor que a escolha dos sítios e das melhores localizações urbanas pelas distintas classes sociais, em especial pela classe dominante para sua moradia ou desenvolvimento da atividade econômica, foi determinada em parte pelo traçado da via férrea. Outro aspecto importante da questão ocorre na atualidade, com o surgimento de novas atividades e possibilidades de desenvolvimento e crescimento das cidades. O turismo é uma delas. A ampliação da atividade de cidades turísticas, como exemplo Laguna e Imbituba e sua integração com a cidade universitária de Tubarão, através do uso e revitalização da estrada de ferro por si só pode incrementar a atividade econômica e fazer surgir uma outra série de espaços que devem ser considerados. O Brasil é um país novo no qual os sistemas de comunicação e infra-estrutura estão em processo de implantação e onde a sociedade cobra a necessidade de ampliação do transporte ferroviário, não somente pela eficiência do sistema, como também pela saturação das rodovias espalhadas pelo território nacional. Dentre outros investimentos apontados pela mídia, vê-se o plano estratégico do Governo Federal para o setor ferroviário: a inclusão de investimentos do setor privado através das Parcerias Público Privadas; a integração logística dos sistemas modais, propostos também por concessionárias; o início do processo de execução da Transnordestina; o retorno à operação do Trem do Pantanal; o investimento do BNDES na Ferronorte; o investimento nas ferrovias da Vale do Rio Doce de US$ 559 milhões no ano de 2005; os planos ambiciosos da Ferropar e por fim, a diversificação da carga transportada pela Ferrovia Tereza Cristina SA., atual concessionária da EFDTC, que além do carvão começa a transportar cerâmica, leva à suposição de horizontes diferentes da relativa estagnação presenciada nas últimas décadas. Crê-se que se assistirá à construção de ferrovias no Brasil e em havendo ampliação da atividade ferroviária e investimentos que signifiquem aumento da malha, muitos municípios conviverão com seus espaços sendo alterados pela construção dos novos trechos e ou alteração dos existentes. Segundo Santos (1997), até metade do século XIX a cidade seria um produto cultural; hoje a cidade está a caminho de se tornar, no mundo inteiro, um produto técnico. A cultura e nacional ou regional, o técnico é universal. A ferrovia está à frente deste processo. Impõe-se, portanto, a necessidade de conhecimento do tema, para permitir base 28

empírica e teórica ao planejamento do crescimento e do desenvolvimento do meio urbano onde acontecerão as transformações.

1.2.1 Metodologia de pesquisa

Para responder à questão primária da presente dissertação usou-se o método de estudo de caso do município de Tubarão – SC, com abordagem qualitativa, através de procedimentos de pesquisa que consistem na adoção de técnicas teórico - práticas que visam a promover uma análise ampliada e não fragmentada da influência na formação espacial ocasionada pela ferrovia. Usar-se-á técnicas de análise bibliográfica, descritiva documental, relatos pessoais e pesquisa de campo para constatação do fenômeno. Adotou-se técnicas de pesquisa direta apoiada em buscas documentais e bibliográficas com o uso intencional e abundante de imagens que permitam efetuar comparações que afirmem as hipóteses e os questionamentos efetuados. Para tanto foram desenvolvidas as seguintes tarefas: 1 - Pesquisa histórica e fotográfica no arquivo histórico municipal, na Rede Ferroviária Federal SA., identificando detalhes da instalação da ferrovia. 2 - Levantamento de mapas urbanos antigos e levantamentos aerofotogramétricos com identificação do traçado da via ferroviária no município de Tubarão - SC. 3 - Identificação dos pontos de interferência da ferrovia na formação do espaço urbano da cidade de Tubarão com mapeamento e levantamento fotográfico atual. 4 - Identificação de áreas remanescentes da erradicação ou transferência da ferrovia em trechos inseridos no perímetro urbano do município de Tubarão. 5 - Identificação e catalogação, no tecido urbano, dos espaços construídos pela atividade ferroviária. 6 - Levantamento de dados junto a órgãos municipais referentes a planos de desenvolvimento que utilizam à ferrovia como atrativo. Segundo Lakatos (1991), a pesquisa de campo "[...] consiste na observação de fatos e fenômenos tal como ocorrem espontaneamente, na coleta de dados a eles referentes e no registro de variáveis que se presumem relevantes para analisá-los." Estes procedimentos constituem-se de 29

trabalhos a serem executados durante a realização da pesquisa, de relatos pessoais, reconhecimento da área de estudos, consulta a instituições de pesquisa, prefeitura e demais entidades que possam contribuir para o entendimento do objeto de análise. Adotou-se procedimentos teórico-metodológicos que não se restringem a uma única abordagem e na realização do trabalho mais de um método pode ser utilizado concomitantemente a outro, preceitua Lakatos (1991). Destaca-se a utilização de orientações anotadas por Silva e Menezes (2001) que fundamentarão a análise das transformações do espaço influenciadas pela ferrovia. Para tanto, divide-se a pesquisa em três fases: 1 - Fase Descritiva: observação da formação do espaço urbano a partir de uma teoria geral, fazendo registros fotográficos, coletando dados, interagindo com os objetos: a cidade e a ferrovia. 2 - Fase Analítica - Regressiva: análise da realidade e descrição com datação, ou seja, progressiva e temporal da evolução da formação do espaço urbano. 3 - Fase Histórico - Genética: análise das modificações que envolveram as estruturas analisadas. Propõe- se qualificar as transformações e compreender de que modo relacionam-se com as estruturas do conjunto. Para o desenvolvimento da pesquisa os dados coletados provêm de dois tipos de fontes: a) Fontes Primárias: entrevistas com cidadãos com idade que permitam a descrição do crescimento urbano nas primeiras décadas do século XX, arquivo pessoal do Sr. José Warmuth Teixeira, órgãos planejadores do espaço urbano no município de Tubarão – SC, Arquivo Histórico Municipal, AMUREL, arquivos da Rede Ferroviária SA., arquivos da Ferrovia Tereza Cristina SA. além do Depto. de Cartografia do Estado de Santa Catarina. b) Fontes Secundárias: consistem em levantamento e estudos de bibliografias, relatórios, dissertações, planos de ordenamento territoriais, pertinentes ao período e à área de estudo. A estrutura da pesquisa é a seguinte: Este primeiro capítulo introdutório apresenta o tema, identifica o objeto, justifica a pesquisa, delimita-a espacial e temporalmente; aponta os objetivos e os resultados pretendidos pela pesquisa; e por fim a problematização é abordada assim como a metodologia que será desenvolvida durante o trabalho. 30

O segundo capítulo trata da pesquisa da linha férrea. Algumas características das ferrovias e um amplo quadro delas no mundo, no Brasil, em Santa Catarina e na região de Tubarão são apresentados. O terceiro capítulo trata do conhecimento da área urbana analisada: o município de Tubarão, dando especial atenção para aqueles espaços criados ao longo do tempo pela ação da ferrovia. No quarto capítulo analisa-se o espaço urbano de Tubarão relacionado com a ferrovia. São tratadas as características do crescimento da cidade, o sistema viário imbricado ao sistema da via férrea, a espacialização social, o cadastro e a localização dos espaços criados diretamente, construídos e não construídos, pela ferrovia, e por fim o produto resultante da erradicação de trechos. O quinto capítulo anota as perspectivas de desenvolvimento e crescimento urbano de Tubarão que podem resultar de novas direções da expansão urbana, determinados também por uma nova fase de expansão da EFDTC e alterações no seu sistema de produção. Por fim, o sexto capítulo apresenta as considerações finais, comenta as limitações da pesquisa, elenca conclusões e sugere pontos a abordar em pesquisas futuras. É importante frisar que ao longo da pesquisa muitas vezes não separou-se a revisão bibliográfica das análises, acreditando-se que a proximidade da teoria, apresentada pelos estudos de diversos autores, ao objeto empírico enriqueceu o estudo.

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2 FERROVIAS E LOCOMOTIVAS

2.1 Caracterização do equipamento

As ferrovias e as locomotivas são os elementos básicos do sistema de transporte ferroviário: a ferrovia é a via propriamente dita e por onde transita o veículo; a locomotiva é o veículo com força motora que tem a função de mover o conjunto de vagões que desliza sobre os trilhos previamente dispostos. A ferrovia é então um sistema de transporte baseado em trens ou comboios, correndo sobre trilhos de ferro. O sistema é predominante em regiões altamente industrializadas, como a Europa, o extremo leste da Ásia e ainda em locais altamente populosos como a Índia. Porém, em muitos países em desenvolvimento da África e da América Latina, as ferrovias foram preteridas pelas rodovias como transporte predominante. Leopoldo Corrêa Roza apud Branco, Ferreira e outros (2000) afirma que o objetivo de um sistema de transporte é movimentar cargas de um lado para outro em um tempo razoável, a um custo competitivo, com absoluta segurança. Um sistema ferroviário bem administrado atende a estes requisitos, com vantagem econômica, comprovadamente superior a sete ou mais vezes a seu principal concorrente: o sistema rodoviário. As afirmações baseadas em Branco, Ferreira e outros (2000) atestam causas da difusão das ferrovias em todos os países do mundo e em especial explicam o fato de já no século XIX termos tantas ferrovias no Brasil. As locomotivas mais comumente encontradas são movidas a vapor, a diesel, elétricas ou ainda por um sistema misto. A definição do sistema ideal para movimentar o conjunto depende diretamente da relação de custos e disponibilidade da fonte de energia onde o sistema vai operar. Basicamente, as locomotivas pouco diferem teoricamente, porém, aqui deve- se compreender melhor as movidas a vapor já que foram o modelo implantado na EFDTC, pela razão óbvia da abundância da matéria-prima combustível, o carvão mineral, aqui encontrado. A locomotiva a vapor predominou, desde a sua invenção, há cerca de 150 anos, quando foi gradativamente substituída por modelos que apresentam manutenção mais simples e desempenho melhor. Em países onde há muito carvão, como é o caso da China, por exemplo, persiste o uso das locomotivas a vapor. Pela mesma razão, as locomotivas da EFDTC operaram 32

durante mais de 100 anos movidas a vapor gerado pela água aquecida na queima de carvão. Nos motores a vapor há transformação da energia térmica, gerada pelo aquecimento da água, em trabalho que faz mover as rodas do sistema. Numa máquina típica, o vapor flui num cilindro de dupla ação: o fluxo pode ser controlado por uma válvula deslizante. Quando o pistão está em um lado do cilindro, o vapor sob alta pressão é admitido desde o reservatório de vapor. Ao mesmo tempo, o vapor expandido do outro lado do cilindro escapa através da abertura de exaustão. Quando o pistão move para o outro lado, o vapor é dirigido, pela válvula, para o espaço vazio enquanto nova descarga acontece pelo lado contrário. O pistão está conectado a uma biela que produz um movimento rotatório. A admissão, por meio de válvulas de maior ou menor quantidade de vapor ao cilindro, variando também a unidade de tempo, aumenta a potência do motor. A produção final de um movimento circular em volantes ou rodas é o mecanismo padrão em todas as máquinas a vapor.

Figura 5 - Locomotiva nº 07, produzida na Inglaterra em 1881. Fonte: Acervo da Sociedade dos Amigos da Locomotiva e Vapor.

A figura 5 mostra uma locomotiva a vapor típica do período inicial de sua existência, no pátio de manutenção da EFDTC, então Thereza Christina Raylway Company Limited, no ano de 1910. A estrada por onde se move a locomotiva é composta de trilhos de ferro paralelos, dispostos perpendicularmente sobre travessas de madeira ou concreto assentados em lastro de 33

brita. As rodas dos trens se encaixam nos trilhos, mantidos a uma distância específica constante, chamada bitola, segundo Ruthland (1982). A função das travessas é manter os trilhos na mesma bitola, para evitar distâncias irregulares. A bitola padrão possui 1,435 metros e é usada no mundo inteiro e foi elaborada por George Stephenson. Bitolas diferentes são utilizadas em algumas partes do mundo, variando de 381 mm até a bitola de 1,676m, usada em países como Índia, Espanha, Portugal, Argentina, e Chile. Alguns países, entre eles a Austrália e o Brasil possuem diferentes bitolas, fato que não permite a criação de um sistema nacional de transporte ferroviário integrado. Isto significa que as cargas precisam ser transferidas de um trem para o outro, quando linhas de diferentes bitolas se encontram. Portanto, a maioria dos sistemas ferroviários opera em trilhos da mesma largura, afirma Ruthland (1982). O percurso das ferrovias é pontuado por estações, terminais dispostos em locais estratégicos, como concentrações populacionais em cidades, vilas e povoados ou de produção como fazendas, indústrias e portos. A figura 6 mostra a EFDTC, uma locomotiva a diesel, os trilhos de bitola métrica, os trens ou vagões para o transporte de carvão, inserida no tecido urbano do município de Capivari de Baixo, instalada ao lado do sistema rodoviário local.

Figura 6 - Ferrovia e locomotiva a diesel em Capivari de Baixo. Fonte: Arquivo Rodrigo Althoff Medeiros, 2004.

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2.2 Capitalismo, espaço geográfico e ferrovia

A análise do processo da influência da ferrovia na formação do espaço urbano leva à necessidade da compreensão do equipamento desde sua origem. Produto altamente tecnológico para os padrões do século XIX quando surgiu, quase que simultaneamente ao delineamento da cidade capitalista, a ferrovia espalhou-se por todas as nações do mundo, e o entendimento da importância por ela exercido na transformação do mundo e das cidades é objeto da curiosidade e de estudos desde então. O período histórico era de necessidade crescente de energia, com o carvão sendo explorado, a partir das minas da Inglaterra, em todos os rincões possíveis do mundo e da necessidade de transportá-lo. Neste momento concorda-se com Hobsbawn (1982) que afirma que, tecnologicamente, a ferrovia é filha das minas e especialmente das minas de carvão do norte da Inglaterra. Em 1848, somente uma economia estava efetivamente industrializada - a inglesa - e conseqüentemente dominava o mundo. A sua chegada ao Brasil e em especial à região de Tubarão, onde já se tinha notícia da existência de carvão desde 1832, foi questão de tempo. Havia, na década de 1840, aproximadamente 160km de ferrovias em toda a Espanha, Portugal, península Escandinávia, Suíça e toda a península Balcânica, e, excetuando os Estados Unidos, menos do que isto em todos os continentes não europeus juntos. Havia, afinal de contas, somente uma cidade ocidental com mais de um milhão de habitantes, Londres e uma de mais de meio milhão, Paris e excluindo a Grã-Bretanha, somente dezenove cidades européias com mais de 100 mil habitantes, conforme Hobsbawm (1982). Contudo, o que é importante sobre o período que vai de 1789 a 1848 são as mudanças fundamentais que estavam claramente acontecendo. A primeira destas mudanças foi demográfica. A população mundial – e em especial a população do mundo dentro da órbita da revolução dupla – tinha iniciado uma ‘explosão’ sem precedentes, que tem multiplicado seu número no curso dos últimos 150 anos. [...] A segunda maior mudança foi nas comunicações, o que significava fazer estradas. Mas como meio para facilitar as viagens e os transportes, para unir a cidade ao campo, as regiões pobres às ricas, as ferrovias foram admiravelmente eficientes. O crescimento da população deveu muito a elas. [...] A terceira grande mudança foi, naturalmente, no volume do comércio e da emigração. (HOBSBAWM, 1982, p. 188). 35

Neste período do início do século XIX uma nova palavra entrou no vocabulário econômico e político do mundo: o capitalismo, cujos produtos característicos vieram a ser o ferro e o carvão, e seu símbolo mais espetacular, a estrada de ferro, que os combinava. O ferro derramando-se em milhões de toneladas pelo mundo, estradas de ferro cortando continentes, cabos submarinos atravessando o Atlântico, a construção do Canal de Suez, as grandes cidades com arranha-céus formando os novos espaços na cidade industrial, os imensos fluxos migratórios. A feição do mundo construído pelos homens passa a ser totalmente diferente das vistas até então e o período marca a afirmação das engenharias assim como o surgimento do urbanismo como forma de pensar a cidade. A chegada da ferrovia ao sul de Santa Catarina traz, agora de forma muito mais rápida, a Europa e o mundo moderno para o quintal português. A economia industrial descobriu – graças largamente à pressão da busca de lucro da acumulação do capital – o que Marx chamou sua “suprema realização”: a estrada de ferro. Hobsbawm (1977) comenta que parcialmente devido à estrada de ferro, o vapor e o telégrafo que finalmente representaram os meios de comunicação adequados aos meios de produção – o espaço geográfico da economia capitalista poderia repentinamente multiplicar-se, à medida em que a intensidade das transações comerciais aumentasse. O mundo tornou-se parte desta economia. “A criação de um único mundo expandido é talvez a mais importante manifestação do nosso período. O comércio mundial entre 1800 e 1840 não tinha chegado a duplicar. Entre 1850 e 1870, cresceu 260%”, afirma Hobsbawm (1977, p. 54). Na época, o capitalismo industrial tornou-se uma genuína economia mundial e o globo estava transformado, dali em diante, de uma expressão geográfica em uma constante realidade operacional. História, dali em diante, passava a ser história mundial. Além de inegável e triunfante, a tecnologia moderna era extremamente visível. Os maiores e mais potentes motores do século XIX eram os mais visíveis e audíveis de todos. Eram as 100 mil locomotivas que puxavam seus quase 2,75 milhões de carros e vagões, em longas composições, sob bandeiras de fumaça. (HOBSBAWM, 1982, p. 47). Vastas redes de trilhos, correndo por aterros, pontes e viadutos, passando por atalhos, atravessando túneis e montanhas, o conjunto das ferrovias constituía o esforço de construção pública mais importante já empreendido pelo homem. Elas empregavam mais homens que qualquer outro empreendimento industrial. Os trens alcançavam desde o centro das grandes 36

cidades às mais remotas áreas da zona rural, onde não penetrava nenhum outro vestígio da civilização moderna. Concorda-se com Hobsbawm (1982, p. 48) está certo quando afirma que “[...] à época, nas regiões desenvolvidas do ocidente, muito poucos homens, talvez mesmo muito poucas mulheres, cuja mobilidade era mais restrita, deixaram de entrar em contato com a ferrovia em algum momento de suas vidas.”

2.3 História e difusão das ferrovias e locomotivas

A ferrovia faz parte da relação de equipamentos e produtos que foram ferramenta da promoção da internacionalização do capital, transformando-se em um de seus principais agentes no período inicial do mundo globalizado. Quando se fala em história das ferrovias, tem-se que considerar o contexto histórico de uma das épocas de maior transformação na história da civilização, englobando temas como a revolução industrial3, revolução francesa e por conseqüência o início do processo de globalização. Porém, a revolução industrial e o período que a antecede são determinantes para a configuração do novo mundo. O comércio e as navegações tinham se expandido mais depressa do que a manufatura, que desempenhava um papel secundário em relação às colônias que começaram a tornar-se consumidores importantes. Marx (1984, p. 74) afirma que “[...] as nações repartiram entre si, em longas lutas, o mercado mundial que se abria. Esse período começa com as Leis da Navegação e os monopólios coloniais”. A mais importante dessas alterações, ocorridas em primeiro lugar na Grã-Bretanha, foi a invenção de máquinas que produziam muito mais que o trabalho manual. As primeiras foram as máquinas de fiação e tecelagem, destacando-se a invenção do tear mecânico em 1785 e a máquina a vapor por James Watt, em 1705. Antes mesmo da utilização do vapor para impulsionar os vagões das imensas locomotivas, veículos já faziam transporte sobre trilhos.

3 Revolução industrial - Usa-se a expressão revolução industrial referindo-se às mudanças qualitativas e quantitativas que ocorreram no trabalho e que se deram a partir dos meados do século XVIII. 37

A utilização de guias para as rodas dos carros, com tração animal, vem dos tempos dos romanos, tendo sido encontrados vestígios de sulcos em rocha nas antigas estradas abertas no inicio da era cristã. “Em algumas minas de carvão da Europa do século XVI já havia vagonetes com rodas flangeadas de madeira, deslizando sobre trilhos também de madeira, movimentados por animais.” (BRANCO, FERREIRA et al, 2000, p. 3). A figura 7 ilustra este tipo de transporte no que teria sido a primeira ferrovia americana. Hamilton (1979 apud FRESIMBRA INDUSTRIAL, 1979, p. 33) afirma na tradução para o Brasil que um livro publicado em 1550 tem a ilustração de uma linha de bitola estreita nas minas de carvão da Alsácia e, na Europa Central já havia na época vagões de minério com rodas flangeadas de madeira, correndo sobre Figura 7 - A primeira ferrovia americana. Fonte: Ferrovias & histórias. Geocities. trilhos também de madeira. A idéia das Acesso em: 03 jun. 2005. ferrovias de minério foi da Alemanha para a Inglaterra, e em meados do século XVIII havia cerca de 20 (vinte) linhas desse tipo somente na área de Newcastle. Os trilhos de ferro apareceram em Cumberland em 1738. Este sistema precursor do que viria a ser o transporte sobre trilhos sofreu rápido desenvolvimento. Em 1766 foram fabricados os primeiros trilhos de ferro fundido para linhas nas minas de carvão inglesa. Em 1804, Richard Trevithick fez uma carruagem a vapor andar sobre trilhos, no País de Gales, rebocando dez toneladas, sendo considerada a primeira locomotiva. O invento causou tanta curiosidade que Trevithick montou uma espécie de circo, cobrando ingresso para o Figura 8 - A locomotiva de Trevithick nos arredores de Londres. público apreciar, isso em 1808, conforme Fonte: Arquivo pessoal de Teixeira [1808?], autor não identificado. figura 8. 38

As transformações do estilo de vida exigiam e as possibilidades de lucros imensos fizeram com que os empresários ingleses dessem apoio e se associassem ao engenheiro e antigo operário de minas de carvão de Killingworth, George Stephenson, que apresentou sua primeira locomotiva em 1814, tracionando oito vagões com 30 toneladas: a Blücher. Um dos primeiros exemplares daquele tipo de equipamento ainda se Figura 9 - A Rocket repousa hoje no London Science Museum. encontra intacto em um museu de Londres: Fonte: Ferrovias & histórias. Geocities. Acesso em: 03 jun. 2005. a Rocket, vista na figura 9. A família Stephenson funda em 1823 a primeira fábrica de locomotivas do mundo e constrói a estrada de ferro pioneira.

Figura 10 - Primeira viagem da Locomotion. Fonte: Arquivo pessoal de Teixeira [1839?], autor não identificado.

A data marcante da história das ferrovias foi o dia 27 de setembro de 1825, quando a Locomotion correu, entre Darlington e Stockton, num percurso de 51 km, transportando 600 passageiros e 60 toneladas de cargas. A figura 10 ilustra o momento em que a Locomotion consegue ultrapassar uma carruagem puxada por quatro cavalos, fato inusitado na época. Stephenson construiu, também, a primeira linha para o transporte regular de passageiros, 39

inaugurada no dia 15 de setembro de 1839, entre Liverpool e Manchester. Era um trecho com 63 quilômetros, tendo um grande viaduto e o primeiro túnel ferroviário do mundo. A fábrica Baldwin Locomotive Works, fundada em 1831, iniciou a exportação de locomotivas em 1838. Daí a espalhar-se mundo afora em todos os continentes foi um processo, relativamente, rápido. O transporte ferroviário popularizou-se no mundo. Na França, o primeiro trem circulou entre St. Etienne e Lyon, em 1830. Na Alemanha, a primeira estrada de ferro foi inaugurada em 1835, entre Nurenberg e Fürth. A Bélgica inaugura em 1835 a linha de Bruxelas a Mallines. No mesmo ano, o Canadá inaugurou sua ferrovia ligando La Praierie a St. Jean. Nos Estados Unidos, o primeiro trem para passageiros circulou em 1839, entre Charleston e Hamburgo, na Carolina do Sul. Entre 1850 e 1860, o melhor negócio da América era o de construir e explorar estradas de ferro. A primeira ferrovia da América do Sul foi construída no Peru, em 1849. No Brasil a primeira locomotiva data de 1854 e fazia a ligação entre o porto de Mauá na baía de Guanabara à serra de Petrópolis. Novas descobertas foram introduzidas na produção de locomotivas e já durante a exposição industrial de Berlim, em 1879, uma locomotiva elétrica circulou pela primeira vez, criada por Siemens. A Suíça construiu sua primeira linha eletrificada em 1898, e em 1963 completou a eletrificação de toda a sua malha. Ao se desenvolverem, as estradas de ferro estenderam seus trilhos através dos continentes, vencendo os obstáculos naturais e por vezes a resistência dos homens. Por um determinado período ela se tornou o principal meio de transporte em alguns países e para determinados lugares ainda o é até os dias atuais. Figura 11 - Garagem de trens de ST. Pancras, Londres, 1864 – 1868. O que ocorreu com as cidades Fonte: MULLER, Werner; VOGEL, 1984. a partir das mudanças nos meios de transporte e comunicação é causa e conseqüência deste novo mundo industrial. A figura 11 mostra uma visão parcial da cidade de Londres em transformação, 40

onde o antigo e o novo se contrapõem e a ferrovia com suas imensas estações, pátios de manobra e manutenção, disputa lugar com antigas catedrais. Provavelmente, George Stephenson não imaginasse que seu invento transformar-se-ia num importante veículo para o transporte coletivo em quase todas as grandes cidades do mundo – os trens metropolitanos, popularmente chamados de metrôs. O primeiro serviço de metrô foi inaugurado em Londres, em 1863, com locomotivas a vapor. No mesmo século, surgiram os metrôs de Nova Iorque, Paris, Berlim, e outras capitais européias. As locomotivas e as ferrovias não pararam. Elas continuam progredindo no tempo, incorporando os mais avançados meios tecnológicos no transporte de passageiros e de cargas. Hoje, trens rápidos movidos à eletricidade ou a diesel alcançam grandes velocidades. As figuras 12, 13 e 14 ilustram terminais em outras grandes capitais do mundo.

Figura 12 - Locomotiva a vapor em Chicago. Fonte: FRESIMBRA INDUSTRIAL (1979, p. 182).

Figura 13 - Estação Ferroviária em Frankfurt. Fonte: Comboio. Frankfurt.de. Acesso em: 01 abr. 2005. 41

Figura 14 – Linha Mediterrâneo do TGV – Train à Grande Vitesse, França. Fonte: Linha mediterrâneo do TGV. Arcoweb. Acesso em: 01 set. 2005.

As figuras 15 e 16 mostram a via férrea na cidade de Buenos Aires próximo ao local turístico El Caminito e o trecho turístico conhecido como El Tigre que leva a via férrea ao rio do mesmo nome. Pode-se observar o forte caráter conformador da via.

Figura 15 – Linha férrea em Buenos Aires. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Figura 16 – Linha férrea em Buenos Aires. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros. 42

2.4 Panorâmica das ferrovias

2.4.1 Dados da utilização em alguns países

No histórico e na difusão das ferrovias e locomotivas se pode observar que seu estabelecimento em alguns países, desde os primeiros períodos de sua existência, ocorreu ocupando lugar essencial no desenvolvimento econômico local. Agora, passa-se a relatar alguns detalhes nas maiores economias do planeta onde o transporte ferroviário tem posição de destaque e citar características do sistema onde atua, comparativamente com cada realidade distinta. A geografia, as dimensões do território, o conjunto dos sistemas de transporte atuantes, o tipo de produto transportado, dentre outros, são aspectos que variam e determinam o grau da importância que o sistema ferroviário desempenha. Estatísticas de 1987, por exemplo, conforme Ferrovias no Mundo (2005), mostram que as ferrovias dos Estados Unidos, a maior economia do planeta, transportaram um total de 19 bilhões de passageiros/km e que, na Europa Ocidental, as ferrovias da França, o maior usuário do sistema, transportaram o total de 60 bilhões de passageiros/km, ou seja, três vezes mais. Por outro lado, no Japão, conforme Transportes do Japão (2006), foi transportado um total de 335 bilhões de passageiros/km, quase quinze vezes a mais. O quadro é diferente, porém, no que se refere ao transporte de cargas: no ano em que as ferrovias dos Estados Unidos transportaram 1,4 trilhões Tu/Km, as da Alemanha Ocidental transportaram 59 bilhões, ou vinte e cinco vezes menos, e as ferrovias do Japão, apenas 21 bilhões, ou seja setenta vezes menos. O transporte de cargas por embarcações perfaz 25% do total do transporte de cargas dentro dos Estados Unidos e 19% na Alemanha Ocidental, comparado a 44,9% no Japão. Considerando apenas o transporte por terra, os fretes de caminhões são os que mais se destacam: no Japão, os caminhões transportam onze vezes mais carga do que as ferrovias, bem superiores ao índice de 0,8 nos Estados Unidos e de 2,4 vezes na Alemanha Ocidental. Os números demonstram que transportar cargas ou pessoa também varia de país para país, mas é possível determinar a importância do equipamento no sistema dos processos sociais onde estão instaladas. 43

Hoje, se assiste na Europa, na Ásia e na América do Norte, a um renascimento ferroviário acompanhado de investimentos. O volume de negócios mundial do setor passou de 28 bilhões de Euros em 1997, para 33 bilhões de Euros em 2003. A indústria ferroviária francesa, por exemplo, que está entre as três maiores do mundo, tem um volume de negócios médio de 2,1 bilhões de euros durante 1996 e 2000. Todas as cidades principais da Alemanha possuem amplas redes metroviárias, e ainda é utilizado o trem a vapor, em diversas linhas espalhadas pelo país. A rede ferroviária da Índia é imensa, conforme Ferrovias da Índia (2005). Os trens são o principal meio de transporte desse país com mais de um bilhão de habitantes. Em média, mais de 8.350 trens percorrem cerca de 80.000 quilômetros transportando mais de 12,5 milhões de passageiros diariamente. São transportados mais de 1,3 milhão de toneladas em mercadorias. O sistema conta com 6.867 estações, 7.500 locomotivas, 280.000 vagões de passageiros e carga, e o total de 107.969 quilômetros de trilhos. As Ferrovias da Índia empregam cerca de 1,6 milhões de pessoas - o maior quadro de funcionários de todas as empresas do mundo. A tabela 1 demonstra de forma comparativa, em alguns países de dimensões continentais, os meios de escoamento de sua produção e atesta o potencial de crescimento que a matriz ferroviária tem, em especial no Brasil.

PAISES FERROVIÁRIO% RODOVIÁRIO% HIDROVIÁRIO%

EUA 43 32 25 CANADÁ 46 43 11 RUSSIA 81 08 11 CHINA 37 50 13 AUSTRÁLIA 43 53 04 BRASIL 25 61 14

Tabela 1 - Comparativo mundial da matriz de transporte da produção. Fonte: O GLOBO (2004).

44

2.4.2 Quadro ferroviário no Brasil

2.4.2.1 Breve histórico

A chegada de D. João VI, a abertura dos portos, o incremento do comércio e a necessidade de aproveitar os recursos existentes precipitaram o surgimento das estradas de ferro no Brasil. A Estrada de Ferro Mauá foi a primeira, construída pelo Barão de Mauá entre a Praia da Estrela, na Baía da Guanabara, e a Serra de Petrópolis. A primeira seção, de 14,5 km, foi inaugurada por D. Pedro II, no dia 30 de abril de 1854. David (1985) afirma que a importância da Estrada de Ferro Mauá, que inicialmente denominava-se Imperial Companhia de Navegação e Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis, reside no pioneirismo. A segunda ferrovia inaugurada no Brasil foi a Recife - São Francisco em 1858. No mesmo ano era inaugurada a Estrada de Ferro D. Pedro com a extensão de 48 km, no Rio de Janeiro, cuja estação pode-se ver na figura 17.

Figura 17 - Estação da Estrada de Ferro D. Pedro II. Fonte: MARX (1980). Um dos fatos mais importantes na história do desenvolvimento da ferrovia no Brasil foi a ligação Rio-São Paulo, as duas mais importantes cidades do País, que ocorreu em 1877, quando os trilhos da Estrada de Ferro São Paulo, inaugurada em 1867, unificaram-se com os da E. F. D. Pedro II, conforme David (1985). 45

Em 1889, ao ser proclamada a República, o total de linhas construídas atingia 9.538 km. Neste ano a Estrada de Ferro D. Pedro II transformou-se na Estrada de Ferro Central do Brasil, um dos principais eixos de desenvolvimento de nosso País. Apenas duas décadas após a primeira ferrovia, outras já haviam se instalado em diversas regiões do país e as pioneiras ampliavam-se. A tabela 2 destaca a extensão das principais linhas férreas instaladas.

ESTRADAS DE FERRO EXTENSÃO Estrada de Ferro Dom Pedro II 363,4 km Estrada de Ferro Recife ao São Francisco 124,9 km Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco 123,5 km Estrada de Ferro Santos a Jundiaí 139,6 km Estrada de Ferro de Cantagalo 83,9 km Estrada de Ferro Paulista 44 km Estrada de Ferro Itaúna 70 km Estrada de Ferro Valenciana 25 km Estrada de Ferro Campos a São Sebastião 19,9 km Estrada de Ferro Mauá - a mais antiga 17,5 km

Tabela 2 – Algumas linhas férreas e sua extensão, século XIX. Fonte: PRADO JUNIOR (1971), elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros.

Esta expansão do sistema deve-se às necessidades econômicas e sociais pelas quais o país passava na época, conforme se vê na análise de Prado Junior: As últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX marcaram um dos principais períodos da economia brasileira, voltada para a produção extensiva e em larga escala de matéria-prima e gêneros tropicais destinados à exportação. Para isto concorreram ao mesmo tempo fatores externos e internos. Entre aqueles se encontra o incremento do comércio internacional, fruto de uma ascensão do nível de vida das populações da Europa e EUA, resultado da industrialização e do aperfeiçoamento técnico, tanto material – os sistemas de transporte – como da organização do tráfico mercantil e financeiro. A conjuntura interna tornou-se igualmente favorável quando houve a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, incrementado através da imigração subvencionada. (PRADO JÚNIOR, 1971, p. 207). 46

A infra-estrutura para movimentar, através das grandes distâncias do território brasileiro, os volumes imensos da produção do país destinada à exportação, foi estimulada pelas finanças internacionais. Estradas de ferro, empresas de mineração, linhas de navegação, foram organizadas para atender também aos interesses comerciais estrangeiros. Os investimentos em transportes realizados no Brasil, no fim do Segundo Império, que poderiam ter sido fator de integração do mercado nacional, orientaram-se exclusivamente para a exportação, tornando as ferrovias brasileiras dependentes exclusivamente das exportações e dos preços internacionais dos produtos de exportação brasileiros. (VIEIRA, 1975, p. 24). Ressalta-se que as primeiras ferrovias eram de pequenas extensões, entre um porto e as regiões interioranas produtoras agrícolas e não formavam uma rede integradora. Mesmo assim elas contribuíram expressivamente para o início da formação da infra- estrutura do território nacional, criando novos centros econômicos, ampliando a fronteira agrícola e estabelecendo a comunicação terrestre em parte do país, conforme atesta Lobo: Tais estradas de ferro desempenharam papel importante em nossa economia, a ponto de, em muitas regiões do país em início deste século XX avaliar-se geralmente a importância de uma cidade pelo fato de ser ou não servida pelos trilhos. (LOBO, 1973, p. 130). Até a década de quarenta do século XX, a ferrovia cumpriu a sua função na estrutura de exportação da economia brasileira. Porém, a partir desta época, entrou em processo de estagnação. A falta de sentido econômico nos traçados primitivos, a desarticulação entre os sistemas regionais, o desaparelhamento do parque ferroviário, o baixo rendimento dos trechos de tráfego intenso e a concorrência das rodovias e da aviação comercial, levaram o sistema a uma queda vertiginosa, segundo Galache (1975). As ferrovias exploradas pela União, implantadas por várias empresas concessionárias, ao longo de um século, sem qualquer plano estrutural, com bitolas variando de 0,60 m a 1,60 m, careciam de condições técnicas para realizar um transporte econômico e eficiente. As deficiências do transporte ferroviário chegaram ao seu extremo na década de sessenta, o que determinou a criação, em 1962 , da RFFSA. Contudo, a providência não mostrou efeito algum, pois a Rede havia herdado um campo de trabalho despadronizado, infra-estrutura inadequada, equipamento ineficiente e uma autonomia fictícia, segundo Peixoto e Peixoto (1957).

47

Figura 18 – Estação da Luz no início do século XX, São Paulo. Fonte: Luminotécnica da Estação da Luz. Arcoweb. Acesso em: 03 out. 2005.

A figura 18 permite visualizar uma das mais importantes estações do país nas primeiras décadas do século XX, na cidade de São Paulo, e o quadro demonstra um resumo cronológico das ferrovias brasileiras, conforme Ferrovias do Brasil (2005). 1854 1872 a 1899 1880 Início séc. XX 1904

Dom Pedro II, O transporte de Obras EFDTC Transporte de Inaugurada a concede a café cresce 25 para explorar cargas e pessoas. Estrada de Ferro Visconde de vezes. carvão no sul do Liga produto ao Vitória a Minas, Mauá, direito de Transporte país. mercado e EFVM. construir primeiro gratuito de interioriza trecho. imigrantes. desenvolvimento.

1910 a 1930 1929 Década de 1930 1940 1944

Grandes cidades Quebra da bolsa Crescimento A EFVM é O Plano Nacional surgem em torno de Nova Iorque: consistente do incorporada a de Viação: aposta das estações. golpe na setor com mais de Companhia Vale no transporte exportação de 32 mil Km de do Rio Doce – rodoviário. café e estagnação estradas de ferro. CVRD. setor ferroviário.

1952 1957 1985 1996 1997 a 2006

Getúlio Vargas RFFSA começa a CVRD inaugura a 28,5 mil km de Em operação cria rede nacional funcionar, com a Estrada de Ferro ferrovias linhas de trens, incorporação de Carajás- EFC, privatizadas. privatizadas. controlada pela 22 estradas de sistema União. ferro. multimodal de logística.

Quadro 1 - Quadro Ferroviário no Brasil. Fonte: Associação Nacional de Transporte Ferroviário (2006).

48

2.4.2.2 Sistema implantado e concessões

A partir da privatização da operação dos serviços da malha ferroviária, iniciada no ano de 1997, com patrimônio permanecendo na titularidade da RFFSA, apresenta-se na figura 19 o sistema ferroviário instalado hoje no Brasil, conforme Associação Nacional de Transporte Ferroviário (2006).

Figura 19 - Mapa: panorama das ferrovias no Brasil. Fonte: BRASIL, (2006).

O quadro 2 permite a análise das empresas que operam o sistema nacional, e identifica algumas características das distintas linhas férreas e região de atuação.

OPERADORAS ATUAÇÃO CONCESSIONÁRIAS INÍCIO DA MALHA BITOLAS TRAÇÃO PRODUTOS VOLUME SITUAÇÃO QUANTIDADE SERVIÇOS A Estado CONCESSÃO Extensão TRANSPORTADOS TRANSPORTADO Locomotivas e PASSAGEIROS vagões PR, SC, RS, SP, MT, Março de 1997, Madeira, papel celulose, ALL - América MS e Argentina. América Latina Logística Ferrovia Sul bebidas, materiais de Dados de 1999. 584 locomotivas e Latina Logística do Brasil S.A. .Atlântica - FSA. 20.495 km 1,00m Diesel limpeza e higiene, grãos, TU (10³) 16.861 e Atuando 17,5 mil vagões. Em 1999 passa a álcool, adubo, derivados TKU (106) 9.583 ALL de petróleo, farelo de soja 1,00 e Soja, fertilizantes, Brasil Ferrovias SP, MT e MS. Ferronorte, Ferroban, 4.500 km 1,60m e Diesel derivados do petróleo, Desativada Novoeste e ferropar mista açúcar, bauxita e minério de manganês. CFN - Companhia Região norte, liga os 1,00m e calcário, minérios, álcool Dados de 1999. 93 locomotivas e Ferroviária do estados CE, PI, RN, Companhia Ferroviária do 01/01/1998 4.534 km mista Diesel cimento, combustível, TU (10³) 1.717 e Atuando 1.291 vagões. 6 Nordeste PB,PE,AL. Nordeste açúcar, óleo de soja. TKU (10 ) 919 Conecta o interior do Minério de ferro, minério Dados de 1999. Serviço em 22 EFC - Estrada de PA ao principal porto 1,60m e de manganês, ferro-gusa, TU (10³) 47.099 e municípios, atende Ferro Carajás da região Norte, o da Estrada de Ferro Carajás 01/07/1997 892 km mista Diesel veículos, combustível e TKU (106) 40.023 Atuando 100 locomotivas e 450 mil passageiros Ponta da Madeira. soja. 5.353 vagões. / ano. Minério de ferro, EFVM - Estrada Bitola mista calcário, carvão mineral, Dados de 1999. Atende mais de 1 Interliga o Sudeste e Estrada de Ferro Vitória á 01/07/1997 905 km de 1,60 e Diesel - ferro-gusa, aço, coque, TU (10³) 100.014 e Atuando 207 locomotivas e milhão de de ferro Vitória 6 Minas o Centro-Oeste. Minas 1,00m Elétrica farelo de soja, escória, TKU (10 ) 52.669 15,3 mil vagões. passageiros / ano. derivados do petróleo, cimento e celulose. FCA - Ferrovia Derivados de petróleo, Dados de 1999. Transporte nas Centro Atlântica MG,GO,SE,ES,SP,RJ Ferrovia Centro - Atlântica 01/09/1996 8.023 km 1,00 e Diesel - cimento, calcário, farelo TU (10³) 18.288 e Atuando cidades históricas e e DF. S.A. 1,60m Elétrica de soja, trigo e soja. TKU (106) 7.429 turísticas de MG Liga cidades de Soja, milho, farelo, Ferropar Cascavel e 01/03/1997 248 km 1,00m Diesel - fertilizantes, calcário, Atuando 17 locomotivas e Guarupava - PR Elétrica cimento, óleo vegetal e 350 vagões. combustível. FTC - Ferrovia Passa por 12 Ferrovia Tereza Cristina Diesel - Carvão mineral e Dados de 1999. Tereza Cristina municípios do sul S.A. 01/02/1997 164 km 1,00m Elétrica contêineres TU (10³) 2.198 e Atuando catarinense. TKU (106) 166 Produtos siderúrgicos, agrícolas, automotivos, Dados de 1999. MRS - Logística MG, RJ e SP MRS - Logística S.A. 01/12/1996 1,7 mil km mista Diesel químicos e TU (10³) 55.050 e Atuando 430 locomotivas e petroquímicos, TKU (106) 22.212 13 mil vagões. construção civil e contêineres variados. SP e MG interligando Petróleo, adubos, grãos, Dados de 1999. Ferroban FSA S.A.., FCA Ferrovias Bandeirantes S.A 01/01/1999 4.236 km mista Diesel minerais e pellets. TU (10³) 14.736 e Atuando S.A., Novoeste S.A. - Ferroban. TKU (106) 5.014 Ferronorte S.A. SP e MS Derivados do petróleo, Dados de 1999. Novoeste Ferrovia Novoeste S.A. 01/07/1996 1.621 km 1,00 m Diesel minérios de ferro e TU (10³) 2.721 e Atuando manganês, farelo de soja, TKU (106) 5.014 produtos siderúrgicos Liga as regiões Norte Transporta, açúcar, Ferronorte e Centro-Oeste ao Sul 1989 500 km 1,60 m Diesel algodão, álcool, soja Atuando e Sudeste. entre outros. Estrada de Ferro Paraná Soja, farelo, cimento, Dados de 1999. Ferroeste PR e MS Oeste S.A., subconcedeu 04/10/1988 419,9 km 1,00 m Diesel adubo e trigo. TU (10³) 1.020 e Atuando malha para a Ferropar. TKU (106) 232 Quadro 2 - Quadro das Operadoras no Brasil. Fonte: Associação Nacional de Transporte Ferroviário (2006). 50

2.4.2.3 Perspectivas e ampliações

Efetuou-se pesquisa identificando aqueles investimentos que objetivam a ampliação dos volumes transportados e dos negócios na linha concedida, e que são considerados prioritários pela Associação Nacional de Transporte Ferroviário (2006). Da relação consegue-se apontar treze grandes obras, com valor de investimentos de R$ 9,5 bilhões, conforme O Globo (2004). 1 - Tramo Norte do Ferrocanal de São Paulo – Investimento de R$ 200 milhões Construção de trecho ao norte da Região Metropolitana de São Paulo, para eliminar a circulação de trens de carga que trafegam em parte das linhas de trens de passageiros da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM, dando agilidade e segurança para as operações de transporte e para a população limítrofe da ferrovia, sendo indutor para o escoamento da produção agroindustrial do Centro-Oeste e do Estado de São Paulo. 2 - Nova Transnordestina - Investimento de R$ 4.588 bilhões. Construção de 880 km de via férrea, desde Iliseu Martins (PI) passando por Araripina (PE), e a remodelação de 1.180 km de trechos até os portos de Pecém (CE) e Suape (PE), representa a integração logística do país e um redirecionamento estratégico que impulsionará pólos de demanda potencial nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, com grande cunho social para região. 3 - Variante da Serra do Tigre (MG) - Investimento de R$ 1 bilhão. A construção desse projeto proporcionará crescimento de 100% na capacidade de transporte, permitindo ao sistema operar com velocidade de 60 km/h, além de aumento da segurança operacional e desvio do traçado em centros urbanos. 4 - Desvio Guarapuava - Ipiranga (PR) - Investimento de R$ 250 milhões. A construção deste trecho permitirá dobrar a capacidade do transporte de cargas originadas no oeste do Paraná, além de conferir segurança e rapidez à circulação dos trens. 5 - Duplicação do trecho da Serra do Mar (PR) - Investimento de R$ 450 milhões. Obra que permitirá o aumento da produção e maior agilidade ao transporte. 6 - Alto Araguaia Rondonópolis (MT) - Investimento de R$ 500 milhões. Continuidade do projeto de expansão da Ferronorte, o trecho de 236 km consolida a ferrovia como uma importante alternativa logística para a região Centro-Oeste até o porto de Santos. 51

7 - Ampliação da malha de Santa Catarina - Investimento de R$ 2.083 bilhões. O projeto do corredor do litoral de Santa Catarina viabilizará a interligação da malha da FTC com a malha concedida a ALL, possibilitando sua integração com o Sistema Ferroviário Nacional e interligando aos portos de Laguna, Imbituba, Itajaí e São Francisco do Sul. Outro projeto é o corredor do planalto, ligando o oeste ao leste do Estado até o corredor litoral. 8 - Variante Camaçari -Aratu (BA) - Investimento de R$ 55 milhões. 9 - Contorno São Félix - Cachoeira (BA) - Investimento de R$ 77 milhões. 10 - Contorno de Vila Velha (ES) - Investimento de R$ 40 milhões. 11 - Contorno de Curitiba (PR) - Investimento de R$ 150 milhões. 12 - Contornos de Jaraguá do Sul, e São Francisco do Sul (SC) - Investimento de R$ 150 milhões. 13 - Viaduto na área urbana de Criciúma (SC) - Investimento de R$ 18 milhões. Essas obras eliminarão os gargalos físicos e operacionais existentes nas referidas cidades. A construção de contornos permitirá que os trens de carga deixem de circular no perímetro urbano e serão eliminadas invasões na faixa de domínio da ferrovia, assim como o excesso de cruzamentos – passagens em nível – dentro da área urbana. Permitirão maior segurança e rapidez no transporte, além de impactar positivamente a vida das comunidades. Os espaços urbanos criados ao longo do tempo nestes locais onde as ferrovias estão instaladas, fruto da expansão urbana semelhante à ocorrida no município de Tubarão, necessitam de reordenação espacial.

2.4.3 Quadro ferroviário no estado de Santa Catarina

2.4.3.1 Sistema implantado

O sistema ferroviário de Santa Catarina é integrado por trechos de três divisões organizacionais, anterior às privatizações, do Sistema Regional Sul da RFFSA, com dimensões e produtos transportados conforme os quadros 3, 4 e 5.

52

TRECHO – ALL EXTENSÃO (km) PRODUTO TRANSPORTADO Porto União / Marcelino 373,5 Areia e cimento Porto União / Mafra 241,6 Madeira e cimento Mafra / São Francisco do Sul 212,2 Farelo de soja Mafra / Lages 292,8 Combustíveis e fertilizantes

Quadro 3 - Superintendência Regional 5 (SR-5), sediada em Curitiba / PR. Fonte: Ferrovia Tereza Cristina (2006).

TRECHO – ALL EXTENSÃO (km) PRODUTO TRANSPORTADO Lages /divisa com o RS (rio Não disponível Não disponível Pelotas) Quadro 4 - Superintendência Regional 6 (SR-6), sediada em Porto Alegre / RS. Fonte: Ferrovia Tereza Cristina (2006).

TRECHO – FTC EXTENSÃO (km) PRODUTO TRANSPORTADO Região carbonífera / Porto de 164 Carvão mineral e produtos Imbituba cerâmicos Quadro 5 - Superintendência Regional 9 (SR-9), sediada em Tubarão / SC. Fonte: Ferrovia Tereza Cristina (2006).

Segundo dados da Associação Nacional de Transporte Ferroviário (2006), o serviço ferroviário é realizado por duas empresas concessionárias: ALL - América Latina Logística operando, do total de 1201 km de malha 581 km; e FTC - Ferrovia Tereza Cristina SA. operando um total de 164 km de malha.

2.4.3.2 Perspectivas e ampliações

A implantação das ferrovias planejadas não apresenta previsão de datas, porém consta de planos de investimentos e por esta razão deve ser citada. Com o objetivo de ampliar a malha ferroviária, a Secretaria de Infra-estrutura do Estado desenvolveu em 2003 o “Estudo de Viabilidade do Sistema Ferroviário no Estado de Santa Catarina“, que propõe duas novas ferrovias: a Ferrovia Litorânea com extensão de 236 km e a Ferrovia Leste-Oeste com 616 km. 53

O estudo da Ferrovia Litorânea indica um caminho de ligação entre Imbituba a , permite unir as ferrovias ALL e FTC, além de conectar o sistema aos quatro portos catarinenses. Já a Ferrovia Leste-Oeste prevê a ligação entre as cidades de Itajaí e Chapecó, conectando à ALL em Ponte Alta no Planalto Serrano, e em Herval d´Oeste, no Vale do Rio do

Peixe. A figura 20 permite melhor compreender a importância que estas ampliações no sistema irão trazer para o desenvolvimento e crescimento integrado de todo o Estado.

2.4.4 A EFDTC e Ferrovia Tereza Cristina

2.4.4.1 A malha completa

A figura 21 resume o período e o respectivo trecho concluído para operação e o período da erradicação. 54

Figura 21 - Mapa: ferrovias no sul do estado de Santa Catarina - trechos em operação e trechos erradicados. Fonte: Ferrovia Tereza Cristina, elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros.

TRECHOS OPERAÇÃO ERRADICAÇÃO Imbituba / Tubarão, via 1880 1969 centro Tubarão / Lauro Muller 1880 1974 Barbacena / Laguna 1914 1965 Tubarão / Criciúma 1919 _ Criciúma / Urussangua 1925 _ Criciúma / Araranguá 1927 1965 55

Tubarão (novo trecho) / 1969 _ Imbituba Quadro 6 – EFDTC e seus trechos. Fonte: Ferrovia Tereza Cristina. A figura 22 permite visualizar a malha completa operada pela Ferrovia Tereza Cristina SA., a partir de 1º de fevereiro de 1997, contendo 164 km de bitola de 1,00 m, e apresenta os municípios pelos quais ela passa. Ressalta-se que a empresa opera atualmente com 10 (dez) locomotivas a diesel, 449 (quatrocentos e quarenta e nove) vagões, 140 (cento e quarenta) funcionários diretos e possui 80 (oitenta) empregados indiretos.

Figura 22 - Mapa: ferrovias no sul do estado de Santa Catarina - trechos em operação. Fonte: Ferrovia Tereza Cristina, elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. 56

Para efeito de comparação, o gráfico 1 mostra o número de funcionários a partir do ano de 1961, quando a EFDTC era operada pelo Governo Federal através da RFFSA até o ano de 1996; e a partir do ano de 1997, operada de forma privada pela FTC, até o ano de 2006. A primeira conclusão é que o número de funcionários diminuiu radicalmente, resultado das mudanças ocorridas nos sistemas de operacionalização e política do funcionalismo. Com a densificação do bairro operário de Oficinas em Tubarão ocorrendo durante décadas, fruto das atividades diretas e indiretas da EFDTC, agora com a diminuição do número de funcionários se verifica-se um grande número de ex-funcionários desenvolvendo outras atividades. Conforme dados analisados e comparados com o gráfico abaixo, apesar da diminuição do quadro funcional a produtividade aumentou muito, já que os volumes transportados se estabilizaram mesmo após a privatização.

1400

1200

1000 800 funcionários 600 passageiros 400

200

N° DE PESSOAS 0

1 9 2 6 7 8 9 9 9 1 1964 1967 1970 1973 1976 1 1 1985 1988 1991 1994 1997 2000 2003 2006 ANO Gráfico 1 - Passageiros e funcionários / ano. Obs: 1976 a 1979 - Dados não encontrados. Fonte: Relatórios anuais RFFSA e Anuários Estatísticos RFFSA.

2.4.4.2 Concessões

Através do Decreto 24/01/97, publicado no DOU nº 18, de 27/01/97, foi concedida a exploração e desenvolvimento do serviço público de transporte ferroviário de carga na Malha Tereza Cristina, por um período de 30 anos, prorrogável por igual período, para a empresa Ferrovia Tereza Cristina SA. 57

2.4.4.3 Dados contemporâneos: clientes e produtos

A diversificação dos clientes permite identificar que a privatização impulsionou as atividades de transporte na EFDTC, abrindo-lhe perspectivas de investimento e aumento da produtividade. Dentre os clientes que a utilizam como meio de transporte estão alguns que representam o pólo cerâmico de Santa Catarina. Cita-se: Tractebel Energia S/A, Indústria Carbonífera Rio Deserto Ltda., Carbonífera Metropolitana S/A, Carbonífera Criciúma S/A, Carbonífera Belluno Ltda, Carbonífera Catarinense Ltda, Mineração São Domingos Ltda, Coque Catarinense Ltda., Comin e Cia. Ltda, Minageo Ltda, SIECESC - Sindicato da Indústria de Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina, COOPERMINAS - Cooperativa de Extração de Carvão Mineral dos Trabalhadores de Criciúma Ltda, Pisoforte Revestimentos Cerâmicos Ltda., Cecrisa Revestimentos Cerâmicos S/A, Itagres Revestimentos Cerâmicos S/A, Maximiliano Gaidzinski SA Eliane e Moliza Revestimentos Cerâmicos Ltda. O gráfico 2 mostra os volumes transportados do produto principal, carvão. A estabilização do volume de transporte deste produto, mesmo após a privatização do serviço, permite o equilíbrio financeiro da empresa operadora que, juntamente com a busca de novos mercados, vai viabilizar os investimentos pretendidos e previstos.

4 3,5 3 2,5 2 carvão/coque 1,5 1 0,5 0 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Gráfico 2 - Mercadoria transportada em milhões de TU. Fonte: Ferrovia Tereza Cristina. Obs: Em 2006, até 30/06, com estimativa ultrapassar o volume de 2005.

58

3 A FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE TUBARÃO: EVOLUÇÃO URBANA E A FERROVIA

O segundo item focado do estudo é a urbe, a cidade, o município de Tubarão que se passa a caracterizar, e em especial sua área urbana apresentada em vista panorâmica na figura 23. A formação de Tubarão e sua ocupação espacial serão aqui dissertadas, apontando os momentos, datas significativas e por conseqüência o resultado espacial do fato relatado, sempre focando a ação conjunta da ferrovia com seu histórico de implantação no território da pesquisa.

Figura 23 - Vista panorâmica da cidade. Fonte: TUBARÃO (2005). 3.1 Características e dados gerais

3.1.1 Localização

O município está localizado na região homogênea Carbonífera, segundo nomenclatura adotada pelo IBGE, e é sede da AMUREL. Suas coordenadas geográficas são de 28º28’00’’ de latitude sul e 49º00’25’’de longitude oeste, e dista 135 km ao sul da capital do estado de Santa Catarina, Florianópolis. A figura 24 localiza-a espacialmente. 59

Figura 24 – Localização do estado de Santa Catarina e Tubarão a partir de imagem de satélite. Fonte: Google Earth (2006).

3.1.2 Área rural e área urbana do município de Tubarão

Possui área total de 300 km quadrados, sendo 236 km quadrados sua área rural e 64 km quadrados a urbana. Limita-se o norte com o município de e Capivari de Baixo, ao sul com e , a leste com Laguna e a oeste com Pedras Grandes e São Ludgero. A figura 25 mostra estes limites, marca o perímetro urbano e em detalhe, na foto aérea, aponta sua área urbana central objeto focal da pesquisa. Pode-se aqui verificar as vias de ligação regional e a ligação de Tubarão, através do rio, com Laguna e o oceano Atlântico, por onde se deu o início da ocupação na região.

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3.1.3 O Sítio Urbano: aspectos naturais relevantes e a estruturação básica

Uma das mais marcantes características físicas do município é seu relevo plano e de pouca altitude e seu principal acidente geográfico é o Rio Tubarão, dentre outros rios de seu sistema hídrico. Sua linha de escoamento corta o centro urbano com secção média de 115,00 m de largura, profundidade que varia de 2,00m a 10,00m e vazão de 5,2 m³/s, com baixa declividade em relação ao mar, conforme Tubarão (2005).

Figura 26 - Mapa: hipsometria.

Fonte: Associação dos Municípios da Região de Laguna (2005).

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A altitude média na sede do município é de 9,00 m acima do nível do mar e o ponto culminante é o morro do Martinelli, com 540,00 m, situado na área rural. A proximidade com o oceano, a baixa altitude e principalmente a presença de uma grande área plana são aspectos preponderantes na tipificação do sítio urbano: a grande planície de inundação do Rio Tubarão, onde está instalada a área urbana. Na figura 26 consegue-se observar que parte considerável da sede urbana está situada em nível abaixo da cota de inundação de 5,00 metros, conforme definido pela Defesa Civil do Município de Tubarão. Atenta-se para o fato de que a instalação da ferrovia deu-se, por motivos de custos mais baixos e facilidades técnicas, exatamente na área desta planície de inundação e seguiu em direção ao interior, acompanhando a linha do vale do rio, mais plana e com menos obstáculos naturais, como se verifica na figura 27.

Figura 27 – Sítio de Tubarão. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. 63

Estas condições de sítio foram determinantes na estruturação do espaço urbano e, ao apresentar a estrutura básica de Tubarão na figura 28, reforça-se as considerações de Villaça (1998) que definem aspectos conceituais da questão. São considerados elementos dessas estruturas o centro principal, os subcentros de comércio e serviços, os bairros residenciais, ou melhor, os conjuntos de bairros residenciais segundo as classes sociais e as áreas industriais. [...] Essa estrutura está imbricada a outras estruturas territoriais, como os sistemas de transportes e de saneamento. Entretanto, consideramos ser a primeira mais importante, pois inclui, incorpora e subjuga as demais, mais do que o contrário, embora não possa existir sem elas. Essa estrutura territorial mais importante está também articulada a outras, não territoriais, como a econômica, a política e a ideológica. (VILLAÇA, 1998, p. 12).

Figura 28 – Estrutura básica e mancha urbana. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. Acompanhando o conceito clássico de estrutura urbana e seus componentes, aponta- se a área central de Tubarão com atividades de comércio e serviços, as áreas residenciais 64

periféricas e dentro do sistema de transportes vem-se ressaltar o sistema viário com seus eixos de comércio e serviço, que permitem a articulação entre as distintas zonas. Desconsiderando as comunidades rurais, segundo Tubarão (2005), a margem esquerda do rio possui 7 (sete) bairros urbanos e a margem direita, onde iniciou a ocupação espacial, 14 (quatorze) bairros urbanos. A cidade é cruzada pelo rio no sentido oeste-leste, aspecto que a fez crescer inicialmentet neste sentido, acompanhando a direção longitudinal do rio e no mesmo sentido pela ferrovia e pela rodovia BR 101 em sua área urbana. A figura 29 mostra a divisão legal da cidade por bairros.

Figura 29 - Bairros do município. Fonte: TUBARÃO (2005), elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. 65

3.1.4 Dados Sociais, uso do solo e dados econômicos

Como cidade sede da AMUREL, região que possui aproximadamente 380 mil habitantes, Tubarão tem 30% destes. A população do município é de 94.294 habitantes, sendo 74.528 na área urbana e 19.766 na área rural. A tabela 3 mostra a evolução da população considerando até 1991 os habitantes do Distrito de Capivari de Baixo, emancipado e transformado em município.

ANOS URBANA RURAL TOTAL

1940 12.093 14.776 26.869 1950 12.500 17.989 30.498 1960 29.275 16.617 45.892 1970 51.054 15.812 66.876 1980 64.585 10.735 75.320 1991* 83.264 11.798 95.062 2000 69.925 18.545 88.470 2004 73.694 19.544 93.238 2005 (junho) 74.528 19.766 94.294

Tabela 3 - Evolução da população. * Incluído o município de Capivari de Baixo com a população de 14.070 habitantes. Fonte: IBGE /S C Junho / 2005.

Ressalta-se que somente nas décadas de 50 a 70 é que ocorre um aumento substancial da população urbana, pela primeira vez maior que a rural, fato a ser analisado posteriormente. A figura 30, montada com base em dados de Tubarão (1992) acrescidos de informações cadastrais que os atualizam ao ano de 2006, mostra o uso do solo urbano e permite uma melhor compreensão da espacialização das atividades.

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Pelos dados levantados no ano de 1998 em Tubarão (2005), o município possui 25.714 prédios cadastrados e 6.333 unidades territoriais. A principal atividade econômica do município hoje é a prestação de serviços e comércio. É o pólo regional nas áreas da saúde, na educação e no sistema financeiro.

SETOR QUANTIDADE PERCENTUAL Indústria 717 9,6 Comércio 3.094 41,5 Serviços 3.653 48,9 Total 7.464 100,0

Tabela 4 - Empresas existentes no município de Tubarão. Fonte: TUBARÃO (2005).

A tabela 4 aponta números da economia do município com a contribuição de cada setor produtivo, sendo hoje a 13ª cidade em arrecadação de ICMS do estado.

3.2 Periodização da evolução urbana: os cinco períodos

Figura 31 – Periodização da evolução urbana de Tubarão. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. 68

Nos subtítulos que seguem apresenta-se a evolução urbana do município, subdividida em períodos determinados por datas que representam marcos de alterações radicais no sistema sócio–espacial de Tubarão. É claro que as transformações que ocorrem no modus vivendi são graduais, porém, para efeito de análise definiu-se datas precisas relacionadas à implantação espacial de equipamentos resultantes de processo sociais que alteram a organização sócio- espacial, a partir de então. Esta divisão cronológica é possível ser visualizada na figura 31.

3.3 Evolução do núcleo urbano de Tubarão

Já nas primeiras décadas após o descobrimento, a expedição de Martim Afonso de Souza, em 1530, funda a vila de São Vicente, primeiro núcleo da colonização no Brasil. Em 1534, o rei D. João III cria as capitanias hereditárias dividindo, a Colônia em quatorze faixas de terra que se estendiam na direção dos paralelos, do litoral até o limite estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, do qual um dos pontos extremos passa na vila de Laguna, Santa Catarina. Elas são entregues a donatários para exploração das riquezas naturais, promovendo a defesa, a propagação da fé católica, a criação de vilas. Assim surgiram vilas, inicialmente, ao longo de todo o litoral. Em 1549, foi fundada a cidade de Salvador. Em 1567, Rio de Janeiro, para controle da costa sul do Brasil. O controle do toda a costa completou-se no séc. XVII com a fundação de São Luís em 1612 e de Belém em 1616. As capitanias conseguem pequeno desenvolvimento, conseqüência da falta de verbas e desinteresse dos donatários. A autonomia excessiva destes leva o estado português a recorrer e criar um Governo Geral. Este fato exige a transferência de tropas regulares portuguesas para as principais vilas e cidades brasileiras. Como decorrência, ocorre a dinamização da vida urbana e surgimento de uma população permanente e instalação de infra-estrutura em escala até então nunca vista na colônia. As condições de estruturação do espaço urbano transformam-se. A política urbana passa a ocupar lugar de destaque na nova estratégia da colonização. A sede do Governo Geral é transferida de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763, sendo enviados para o Brasil engenheiros e técnicos portugueses com qualificação profissional 69

que participam da demarcação das fronteiras, da implantação da política de urbanização, da definição da regularidade de traçados das ruas e na elaboração de normas de edificações, visando padrões, tipicamente, portugueses. Ao se encerrar o séc. XVIII, a população total do Brasil aproximava-se dos três milhões de habitantes. Eram ao todo dez cidades e cento e dezoito vilas. Essa forma de governo dura até a vinda da família real para o Brasil, em 1808. A ocupação do território, as configurações e construção da paisagem das vilas e futuras cidades estão diretamente ligadas às condições assim contextualizadas. No Estado de Santa Catarina, por condições de sítio natural que permitia a construção de portos seguros, dentre outras causas, São Francisco do Sul, Desterro e Laguna, elevada a categoria de vila em 1714, são os primeiros núcleos que atestam o início da ocupação. A região onde está localizada a cidade de Tubarão dista apenas pouco mais de 20 km de Laguna, ligadas de forma direta pela navegabilidade do rio.

3.3.1 Primórdios da ocupação na região de Tubarão: o caminho Lages à Laguna, entreposto comercial e a ocupação do Morro da Igreja – 1º Período: até 1870.

“Os primeiros habitantes do litoral catarinense que entraram em contacto com os europeus foram os índios da raça Tupi-guarani, conhecidos pelo apelido de Carijós.” (VETTORETTI, 1992, p. 26). Eles abasteciam as embarcações que atracavam nos portos naturais com tudo que tinham à disposição: lenha, água fresca, caça e produtos de sua primitiva agricultura, em troca de colares, pulseiras, espelhos, facões, machados e anzóis. Vettoretti (1992) afirma que já entre 1605 e 1616 chegam à Laguna padres missionários que visitam aldeias de índios, recebidos pelo Cacique Tub-nharô4, o mais destacado chefe indígena que manteve contacto com missionários e atuava em ações com objetivo de aprisionar índios que, na condição de escravos, eram embarcados em Laguna e conduzidos às plantações do sudeste e nordeste. Segundo Vettoretti (1992), em 1676 é fundada Santo Antônio dos Anjos da Laguna

4 Relatos de jesuítas são as fontes de informações sobre a origem do topônimo Tubarão, derivação do nome do cacique TUB-NHARÔ, que significa pai feroz, ou semblante bravio. 70

Com a organização do povoado, construções de casas, armazéns e igrejas, o pequeno núcleo foi elevado a município em 1714, chamado então de Vila, ocupando posição de destaque na estrutura das cidades coloniais. Os interesses econômicos dos paulistas e mineiros permitiram a ligação destes Estados com o Estado do Rio Grande do Sul através do planalto interiorano e o núcleo urbano de Lages e servia como ponto de descanso do caminho que cruzava a serra catarinense na região de Araranguá. Como alternativa para a transposição da serra e muito pelo interesse imediato dos comerciantes de Lages e da Laguna, em 1773 ocorre a abertura do caminho que ligava o planalto catarinense à planície litorânea. O projeto incluía o aproveitamento do Rio Tubarão, até onde fosse navegável. A rota terrestre da estrada finalizava no ancoradouro chamado de Poço Grande do Rio Tubarão, que passou a servir como ponto de abastecimento e entreposto comercial. A localização foi estratégica, pois além de ser parada obrigatória dos tropeiros que iam de Lages à Laguna, passou a ser dos que viajavam de Viamão (RS) a Sorocaba (SP). A figura 32 retrata o momento da travessia do rio.

Figura 32 - Os tropeiros a caminho do município de Tubarão. Fonte: ZUMBLICK (1987). Conforme Vettoretti (1997), 05 de agosto de 1774 é o marco inicial do futuro núcleo de comércio, com a aprovação do requerimento de duas sesmarias em torno daquele ancoradouro e com a construção do porto fluvial. A localização fica no atual bairro São João, margem direita do Rio Tubarão, com registro oficial do mais antigo estabelecimento comercial de secos e molhados no ano 1822. 71

Figura 33 - Mapa Caminho das Tropas. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. 72

A figura 33 mostra o mapa do projeto, contendo o traçado original do caminho de ligação entre as duas cidades. No ano 1832 a primeira capela católica é construída, no ponto mais alto da cidade, sendo um fator marcante na fixação da população naquele que passa a chamar-se “Morro da Igreja”, conforme Zumblick (1974). Em abril de 1833, a Câmara de Vereadores da Laguna traça os limites da base territorial de seus distritos, classificando o Quinto Distrito do Município da Laguna, com nome de Poço Grande do Rio Tubarão. Em 07 de maio de 1836 é criada a Freguesia Nossa Senhora da Piedade do Tubarão na condição de paróquia e em 1837 a primeira escola municipal está em funcionamento. Com base nas informações coletadas e na identificação de suas localizações construiu-se a figura 34 que demonstra, sob forma de mancha, esta ocupação espacial no 1º período.

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3.3.2 Desmembramento e criação do município – 2º Período: 1870 a 1880.

Em 27 de Maio de 1870 é sancionada a lei 635 que desmembra de Laguna as Freguesias de Tubarão e de Araranguá. É formando o município denominado Tubarão, do qual se originam outros muitos municípios da AMUREL, conforme se vê na figura 35.

Figura 35 - Mapa: desmembramento dos municípios.

Fonte: Associação dos Municípios da Região de Laguna (2005), elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros.

A organização política deu-se em 1871 com a instalação da Câmara de Vereadores, Poder Executivo da época. A casa situava-se na Rua da Igreja, hoje Rua Coronel Collaço. 75

A comarca foi criada em 1875 e instalada em 1876. Cadastros do Arquivo Histórico Municipal atestam a existência de um curtume com máquina a vapor localizado nas imediações do morro da Igreja e atual Paço Municipal, três fábricas de cerveja, possuindo vinte e três negociantes. Zumblick (1974) comenta que também havia casas de comércio localizadas na Rua do Comércio e imediações, onde também se instalou um porto, hoje Ruas Lauro Müller e Marechal Deodoro. A figura 36 permite visualizar a Rua da Igreja e o local do primeiro Paço Municipal, Câmara de Vereadores, e a figura 37 mostra espacialmente a configuração deste período.

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Figura 36 - Tubarão em 1879, Rua da igreja e 1° Paço da Câmara Municipal. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

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3.3.3 A implantação da Ferrovia: um novo marco urbano – 3º Período: 1880 a 1940.

3.3.3.1 As transformações ocorridas de 1880 a 1919: origem do bairro operário

O final da escravidão determinou um novo estilo de vida para a população brasileira. Um período de transformações inicia-se com a imigração para a região sul de Santa Catarina de famílias italianas e alemãs e com a construção da EFDTC em 1880. O empresário Visconde de Barbacena requereu o direito de exploração do minério, concedido por Dom Pedro II, que exigia a construção da ferrovia, único meio de transporte eficiente para conduzir grandes tonelagens até o porto. Junto a investidores ingleses, o Visconde de Barbacena funda a empresa The Coal Mining Company, com a finalidade de extrair carvão e a empresa Thereza Christina Raylway Co. Ld., destinada à construção e exploração da Ferrovia. As figuras 38, 39 e 40 mostram uma etapa das obras próximas a região do porto de Laguna, assim como a ponte que passou a ser, além do rio, a nova alternativa de ligação entre os núcleos urbanos do interior.

Figura 39 – Construção da ponte Lagoa Mirim.

Figura 38 – Construção da ferrovia, Laguna. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. F onte: Arquivo Histórico Municipal.

Figura 40 – Travessia Lagoa Mirim, Laguna. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. 78

James Perry & Cia., a construtora inglesa responsável pela obra, contratou mão-de- obra entre os colonos locais, na maioria italianos imigrantes. O número de operários era grande, como atesta carta escrita pelo primeiro superintendente: “Sou informado de que 600 homens trabalharam no mês de abril próximo passado, no trabalho de movimento de terras.” (TEIXEIRA, 2004, p. 15). A figura 41 mostra o mapa original do traçado feito pela empresa inglesa.

Figura 41 - Mapa elaborado pelos ingleses, traçado inicial da Ferrovia. Em vermelho o município de Tubarão. Fonte: TEIXEIRA (2004).

Desde este período inicial já surgem registros que permitem concluir que apesar de trazer crescimento e desenvolvimento, a construção da ferrovia também trazia problemas: eles aconteciam principalmente na formação do espaço urbano e no delineamento da nova paisagem, fortemente, influenciada pela passagem da ferrovia e condicionando outras estruturas da cidade. A sua construção, no aterro do leito da estrada no centro da cidade provocou vários embaraços, para a Câmara de Vereadores. O aterro estancava as águas da chuva, as quais, estagnadas, provocavam miasmas insuportáveis. [...] A mais constante violação que se debateu na Câmara, apontava as arbitrariedades dos 79

construtores que” empurravam “a estrada municipal sobre as margens do Rio no trecho Tubarão / Lauro Müller. (VETTORETTI, 1992). Construída com a finalidade de transportar o carvão de Minas5, descoberto 50 anos antes por tropeiros, para o porto de Imbituba onde foram instalados a sede e os galpões das oficinas, a estrada de ferro é inaugurada em 1º de setembro de 1884 com uma extensão de projeto com 116.700 m. Sua presença significa desde o início prosperidade e geração de riquezas. A figura 42 mostra o traçado da implantação da ferrovia no núcleo de Tubarão, e as figuras 43 e 44 ilustram momentâneos da instalação dos trilhos em Tubarão e a primeira estação de passageiros, denominada Estação Nossa Senhora da Piedade. Uma grande enchente ocorre no Rio Tubarão no ano de 1887, destrói muitas obras de arte, pontilhões e mesmo trechos da estrada de ferro fazendo com que mesmo antes de gerar lucro, mais verbas fossem destinadas a sua construção. Zumblik (2004) relata que foi “[...] nesta cheia que o rio mudou de leito, abandonando o sinuoso trajeto que passa pela comunidade rural da Madre e Morrinhos, local de nascimento de Anita Garibaldi e atualmente conhecido como Rio Seco, e toma o leito do Rio das Conchas como novo caminho para o mar.” Como a expectativa da qualidade, da quantidade e facilidade de extração do carvão foi frustrada, a ferrovia passa a transportar produtos coloniais e a empreender esforços para a descoberta de novas jazidas. Transporta, então, mercadorias das colônias de Pedras Grandes, transformada na época em centro distribuidor do sul do Estado, onde eram intermediados os produtos das colônias de Azambuja, , Orleans, Pindotiba e Nova Veneza para o porto de Laguna, o grande empório atacadista. “Vagões de carga [...] carregados com mercadorias do local a serem exportadas: madeiras, maquinário, tecidos, uvas e vinhos, grãos, cereais e muitos outros produtos”, afirma Teixeira (2005, p. 56). Havia também a estação de Braço do Norte, localizada à margem direita do Rio Tubarão, por onde se dava saída aos produtos agrícolas de Braço do Norte, São Ludgero e região e entrada de manufaturados e suprimentos. A partir de 1895 inicia-se a fundação das principais escolas de Tubarão, e o Colégio São José, a apenas 100 metros da ferrovia, é o marco na educação da região. A chegada do trem trazendo três religiosas responsáveis pela implantação inicial do Colégio é motivo de festa pela sociedade, conforme jornais da época.

5 Minas - Posteriormente emancipou-se transformando-se no município de Lauro Müller. 80

Figura 42 – Traçado da linha férrea na área urbana de Tubarão, produzido na década de 1890. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Figura 43 - Estação Nossa Senhora da Piedade, 1884. Figura 44 – Trilhos na Rua da Igreja em 1884. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. 81

No ano de 1898 é criada a Biblioteca Pública e Arquivo Público, e associações recreativas começam a aparecer nos espaços da cidade com a inauguração do Clube 07 de Julho em 1899, assim como o Clube 29 em junho de 1931, ambos com suas sedes à margem da ferrovia. Em 1902 o Governo Republicano encampou a estrada de ferro e em 1906, baseada na posição estratégica da cidade como ponto geométrico mediano da linha férrea, a sede da ferrovia é transferida para Tubarão. Zumblick (1974) afirma que por esta razão é gerado um grande número de empregos diretos e indiretos, ocorrendo ampliação e surgimentos de novas atividades econômicas. A localização dos funcionários próxima à Oficina Central, conforme mostra a figura 45 deu origem ao bairro operário de Oficinas, sendo vetor da expansão da cidade na direção de seu quadrante sudoeste durante as próximas seis décadas, e hoje ainda o mais populoso do município. A instalação das oficinas, centro operacional, e da sede, centro administrativo, foram vitais para o crescimento e o desenvolvimento de Tubarão já que a colônia de Pedras Grandes, localizada 20 km rio acima, centralizava o comércio do interior onde mais recursos financeiros circulavam, ameaçando a provável hegemonia política e econômica que os tubaronenses pretendiam.

Figura 45 – Vista da Oficina Central em instalação, 1906. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Ainda no ano de 1906 é inaugurado o Hospital Nossa Senhora da Conceição, a pouco mais de 50 metros da ferrovia. Nesta época ainda não havia ocupação urbana na margem esquerda do rio, sendo a ligação com a área de plantio feita através de balsas e barcos pela 82

inexistência de ponte ligando as margens. A figura 46 mostra uma vista do pequeno núcleo urbano exatamente no local onde, posteriormente, será construída a ligação entre as margens, e a figura 47 permite visualizar a ferrovia, o Hospital Nossa Senhora da Conceição e o Colégio São José.

Igreja

Figura 46 - Travessia de balsa no Rio Tubarão e núcleo urbano central. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Colégio São José Hospital

Ferrovia

Figura 47 – Ferrovia, Hospital e Colégio em 1906. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Faz-se necessário atentar para a escolha das localizações destes equipamentos nestes momentos de gênese da cidade. Apoia-se o estudo nos comentários de Villaça: [...] que quanto mais as camadas mais altas se concentram em determinada região da cidade, mais elas procuram trazer para essa mesma região importantes equipamentos 83

urbanos. Quanto mais o conseguem, mais vantajosa essa região se torna para aquelas camadas e mais difícil se torna, para elas, abandonar essa direção de crescimento. (VILLAÇA, 1998, p. 321). A construção da capela no Morro da Igreja e da Oficina Central no quadrante sudoeste foram determinantes nos próximos passos de definição da espacialização das atividades. As classes mais altas e detentoras do poder local, apesar de diminutas, instalaram-se nas proximidades da Igreja e do Poder Executivo, então já consideradas centro do núcleo urbano, e próximo a elas definiram a localização da construção do Colégio, do Hospital e do Clube Social, deixando para os operários a distante localização das oficinas. Estes aspectos locacionais são determinantes e irreversíveis, como se verá, para o futuro do crescimento da mancha urbana, já que “[...] são as burguesias que escolhem a localização e direção de crescimento de seus bairros. Os promotores são os agentes das opções dessas classes. As classes de mais alta renda escolhem a direção de crescimento, em função dos atrativos [...]”, conforme Villaça (1971). A estação de passageiros de Tubarão, pela forte caráter de centralidade que exerceu, foi testemunha de todos os acontecimentos importantes da região e juntamente com a Estação de Cargas localizada mais ao sudoeste e a Oficina Central, mais ao sudoeste ainda em relação ao centro, induzem o crescimento da cidade na direção deste seu quadrante. O ramal da Laguna, até o interior da cidade, numa extensão de 1.396 metros, é construído entre os anos de 1910 a 1914, segundo Neu (2003). Em 1915, surgiu a empresa Torrefação e Moagem de Café Castro, cujo moderno torrador foi fundido nas oficinas da EFDTC. “Foi a primeira fábrica do gênero no sul do estado.” (VETTORETTI, 1992, p. 141). Após a descoberta de jazidas mais ao sul, é construído e aberto ao tráfego o trecho Tubarão-Criciúma, partindo da Oficina Central. Este fato, conforme se pode verificar na figura 62, é definitivo para a delimitação do bairro operário de Oficinas que festejou a abertura da linha em 1919.

3.3.3.2 O poder público investe na ampliação do sistema viário: 1919 a 1940

O início desta fase é marcado pela construção de uma grande escola estadual no centro da cidade: Grupo Escolar Hercílio Luz, em 1919, nas proximidades da Igreja. 84

Passados dezoito anos administrados pelo governo, logo após a 1ª Guerra Mundial, com a necessidade crescente de demanda internacional devido à crise no sistema produtivo europeu, em 1920, a ferrovia é arrendada. A produção de carvão e o aumento do transporte de mercadorias ficam viáveis e muito mais eficientes com a administração privada. O principal arrendatário foi o empresário, armador e minerador Henrique Lage, também titular da Cia. Docas de Imbituba, e o único a completar o círculo mineração, transporte terrestre, transporte marítimo, concluindo a rota até os pólos consumidores. O arrendamento terminou em 1940, período politicamente conturbado da 2ª Guerra mundial e da ditadura Vargas no Brasil. Na revolução de 1930 a cidade de Tubarão, já a época o centro político regional, e a própria ferrovia transformam-se no centro dos acontecimentos. As figuras 48, 49 e 50 mostram um trem de soldados sendo desembarcados na Rua da Igreja e uma recepção ao interventor do Estado, a época chefe do poder executivo estadual.

Figura 48 - Trem com soldados - 1930. Figura 49 - Chegada do interventor do Estado, General Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Assis Brasil em 1931. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Figura 50 - Chegada do interventor do Estado, General Assis Brasil em 1931. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. 85

A importância da cidade dentro do contexto sócio – político - econômico do Estado força o poder executivo municipal, como agente produtor do espaço urbano, a centrar esforços e recursos públicos em obras e benfeitorias na área central. Tubarão passa por um período de grandes obras viárias e ampliação das pequenas redes de infra-estrutura como o aumento do sistema de iluminação pública, abertura de ruas e pavimentação conforme atestam as figuras 51, 52, 53 e 54.

Figura 51 - Abertura Rua Anita Garibaldi, 1930. Figura 52 - Iluminação Rua 27 de maio, 1932. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Figura 54 - Abertura Rua Felipe Schmidt, 1932. Figura 53 - Pavimentação Rua São José. Rua da Vila dos Engenheiros. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

A figura 55 mostra a Rua Coronel Cabral, de acesso ao Grupo Escolar Hercílio Luz parcialmente aberta e pavimentada. A figura 56 mostra a Rua Conselheiro Mafra, de ligação entre a Igreja e a Rua Vidal Ramos, do Hospital. 86

Figura 55 - Rua Coronel Cabral, Grupo Escolar Figura 56 - Rua Conselheiro Mafra. Hercílio Luz. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. As figuras 57 e 58 mostram a abertura da Rua Vidal Ramos, do Hospital, no trecho que a liga com a Rua Conselheiro Mafra e a figura 59 mostra a Avenida Rodovalho sendo aberta com aterro nivelando-a com o leito da ferrovia, vista a direita, quase em frente ao Hospital.

Figura 57 - Rua Vidal Ramos sendo aberta. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Figura 58 - Rua Vidal Ramos, do Hospital. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. 87

Figura 59 – Avenida Rodovalho e ferrovia à direita, 1933. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Cabe comentar a respeito da influência e do papel exercido pelo Estado na configuração da cidade. O controle que o Estado exerce sobre os processos sociais dá-se através de: [...] três mecanismos: o primeiro é a localização de seus aparelhos que seguem os percursos territoriais das camadas de mais alta renda, da mesma maneira que o comércio e os serviços privados. Suas localizações se comportam exatamente como se estivessem sujeitas às leis do mercado; segundo mecanismo é a produção da infra-estrutura [...] e finalmente, o através da legislação urbanística. Esta, é sabido, é feita pela e para as burguesias. (VILLAÇA, 1998, p. 336 e 338).

Figura 60 - Vista do leito da ferrovia, à direita, - 1933. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. A ferrovia transporta toda variedade de produtos. A figura 60 mostra o movimento de madeira para construção cívil e fabricação de dormentes para ampliação e manutenção da estrada de ferro. Vê-se também a Rua do Comércio, à esquerda, hoje Rua Marechal Deodoro, já 88

totalmente aberta. A movimentação de cargas, que causa certo desconforto, afastava a instalação de residências das proximidades da Estação permitindo que a área não fosse adensada. Mas mesmo com atividades de serviços ligadas, indiretamente, à atividade da ferrovia, este setor da cidade se ampliava. Em 1935 a Rua Princesa Isabel é aberta e nomeada pelo decreto 0031/1935, segundo Tubarão (2006). No ano de 1938, a Rua Augusto Severo, Rua Osvaldo Cruz, Rua Rui Barbosa, dentre outras, são abertas. No final da década de 30 a população na sede do município era de aproximadamente 6.000 habitantes com seiscentas casas e a margem esquerda do rio ainda não era povoada. No ano de 1939 é inaugurada a Ponte Nereu Ramos, marco inicil da ocupação da margem esquerda do rio: é transposta a barreira rio-ferrovia. A barreira rio-ferrovia representava o principal obstáculo para o crescimento da margem esquerda do rio e sua transposição permite a ocupação deste setor norte da cidade, além do aumento do contato e da integração econômica com os municípios do interior da região da AMUREL. A figura 61 atesta a importância da obra, cuja inauguração contou com a presença do Governador do Estado.

Figura 61 - Inauguração da Ponte Nereu Ramos - 1939. Fonte: Fonte: Arquivo Histórico Municipal. A figura 62 dá noção da mancha urbana da cidade neste período, e a figura 63 atesta a análise efetuada. 89

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Figura 63 - Mapa: malha viária de Tubarão - 1940. Fonte: Rede Ferroviária Federal S.A.

3.3.4 A afirmação da estrutura urbana a partir da ocupação da margem esquerda até o início das erradicações em 1969 – 4º Período: 1940 a 1969.

A década de 40 é marcada pelo processo de industrialização do país, com investimentos públicos do Governo Federal em áreas estratégicas como a produção de aço. A produção do carvão intensifica-se e a figura 64 mostra a movimentação de transporte à época, e a

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figura 65 permite ver a Estação Nossa Senhora da Piedade em seu novo edifício.

Figura 64 – Trens na Estação de Cargas. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Figura 65 - Vista parcial da Estação Piedade – 1940. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

É criada em 1942 a Companhia Siderúrgica Nacional - CSN e sua extensão, o Setor de Santa Catarina ligando o beneficiamento de carvão à exportação. A figura 66 permite ver as obras de sua estrutura. Em 1943 a ligação entre o bairro de Oficinas e o centro da cidade que até então se dava pelas margens do trilho ou pela beira rio, Rua do Comércio, passa a ter como opção a Rua Altamiro Guimarães, Tubarão (2006). 92

Em 1945 instala-se no então bairro de Capivari a CSN ao lado da via férrea onde o trabalho com ao carvão é efetuado. A CSN imprime nova dimensão a economia de Tubarão, mobilizando a região carbonífera, criando empregos com salários elevados, atraindo moradores de outros municípios distritos e Estados, despertando também o interesse de investidores de todas as áreas produtivas. Como resultado desta mobilização, o comércio desenvolve-se e a expansão da cidade acelera-se.

Figura 66 – Construção CSN. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

A necessidade de água abundante foi o fator decisivo para a localização da CSN próximo da margem do Rio Tubarão, com o aproveitamento da junção do Rio Capivari. O outro motivo locacional foi que os dois principais troncos da EFDTC, Criciúma e Lauro Müller, juntavam-se em Tubarão. O Setor de Santa Catarina criou três departamentos: 1 - Energia - Usina Termoelétrica de Capivari 2 - Carvão – Mineradoras de Siderópolis e Próspera. 3 - Beneficiamento – Lavador do Capivari com a função de seleção do carvão. No bairro de Capivari instalaram-se as moradias dos operários para estas atividades, alguns prédios administrativos, galpões para manutenção e serviços gerais. Na área central, próximo ao hospital, ao colégio e aos poderes constituídos, em local de excelente visão e em área livre das cheias do rio foi construída a Vila dos Engenheiros: um conjunto de cinco residências para os altos funcionários da CSN. 93

As figuras 67 e 68 permitem visualizar a construção da Vila e a ocupação do morro.

\ Figura 67 – Terreno da futura Vila dos Engenheiros. Figura 68 - Vila dos Engenheiros concluída. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Indústrias importantes surgem neste período, como a Cerâmica Pozza, em 1946, no bairro São José, a Jucil no centro, a Botega Materiais Elétricos e a Luminar Comércio e Indústria Ltda., no bairro Oficinas, dentre outras. No ano de 1948 os Irmãos Althoff inauguram na Rua São Manoel, próximo a ferrovia, uma casa de cinema e shows com lotação de 1.200 pessoas, então a maior do Estado, que passa a atrair público de toda as cidades vizinhas. A margem esquerda do rio recebe infra-estrutura com a abertura da Rua José Acácio Moreira no ano de 1949, ligando o centro ao Ginásio Coração de Jesus (atual Colégio Dehon) recém inaugurado e a Rua Expedicionário José Pedro Coelho em 1950. Além destas grandes obras e do Prédio Sede da RFFSA, vista na figura 69, a atividade ferroviária incrementada exige a edificação de residências para seus operários no bairro Oficinas, onde se instala a Vila dos Ferroviários no ano de 1951 apontada na figura 70, afirmando a tendência e as características tipológicas desta parte do tecido urbano.

Figura 69 - Sede administrativa da RFFSA. Figura 70 - Vila dos Ferroviários. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. 94

Na figura 71 vê-se nos fundos da Vila dos Ferroviários os primeiros galpões da oficina Henrique Lage, forte indutor da expansão urbana do bairro Oficinas.

Figura 71 – Vila dos Ferroviários e galpões da Henrique Lage. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

A qualificação da mão-de-obra operária, assim como a educação dos filhos da classe alta passa a ser prioridade. É construída uma escola para ferroviários e o Colégio Dehon, datado de 1947, já está em atividade. A figura 72 mostra uma visão dos dois edifícios, em margens opostas do rio.

Figura 72 – Construção Escola dos Ferroviários. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Em 1951 é inaugurado o Aeroporto Anita Garibaldi, a 300 metros da ferrovia, em frente à área onde se instala a Indústria de Cigarros Souza Cruz no ano de 1955, conforme se vê na figura 73. A década de 50 foi de transformações e investimentos que permitiram um grande desenvolvimento social e econômico e a população

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urbana aumentou mais de 100%. Este aumento significativo da população só é possível, espacialmente falando, com o aumento proporcional da malha urbana e suas funções componentes.

Figura 73 - Indústria Souza Cruz à esquerda e o aeroporto à direita - época de cheias do rio em 1957. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Em março de 1957 com a criação da Rede Ferroviária Federal SA. são encampadas as Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina e suas atividades. A CSN amplia suas atividades conforme figura 74.

Figura 74 – CSN – Companhia Siderurgica Nacional. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Ainda no ano de 1957 é aberta a Avenida Patrício Lima e a Avenida Getúlio Vargas, ambas na margem esquerda do rio. Conforme se pode ver na figura 75, que serve de base para a análise da expansão urbana deste período, o quadrante sudoeste ainda é o que mais cresce. 96

Figura 75 - Foto aérea da cidade de Tubarão – 1957. Fonte: SANTA CATARINA.

A década de 60 é marcada pela construção das primeiras unidades do Complexo Termoelétrico Jorge Lacerda, gerando energia elétrica, a partir da queima do carvão, e que se instala ao lado da EFDTC e nas proximidades das instalações da CSN. A figura 76 permite a visualização da usina, vetor da aceleração do desenvolvimento regional e responsável pelo fortalecimento econômico do hoje município de Capivari de Baixo.

Figura 76 - Eletrosul Centrais Elétricas S.A - Subestação Jorge Lacerda B. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros. 97

Em 1965 é fundada a AMUREL e em 1967 é criada a FESSC - Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina, que se instala nas dependências do Colégio Dehon. A FESSC atua como indutora do crescimento urbano da margem esquerda na direção do quadrante noroeste e do bairro Morrotes, assim como o Colégio já vinha atuando. Finaliza-se este período ressaltando o fato de mais importância para a nova estruturação do espaço urbano de Tubarão: a erradicação de trechos da ferrovia que passam a modificar os sistemas funcionais da cidade. A figura 77 permite visualizar o trem cruzando a área central da cidade, o galpão da Oficina Central assim como o tecido urbano. A retirada dos trilhos da área urbana no ano de 1969 que durante mais de meio século foi símbolo de acesso ao progresso, há tempos é reclamada pela população, finalmente acontece. O seu leito foi transformado na Avenida Marcolino Martins Cabral, principal via do sistema viário urbano e na Praça 7 de Setembro.

Ferrovia e Trem

Figura 77 - Vista panorâmica da cidade de Tubarão. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

A figura 78 mostra uma das últimas viagens do trem, na imagem transportando carvão, pelo centro da cidade exatamente em frente ao Hospital, e a figura 79 mostra o início das obras de melhorias para abertura da referida Avenida. 98

Figura 78 - Locomotiva a Vapor estacionada em frente ao Hospital em 1969. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Figura 79 - Abertura da Avenida Marcolino Martins Cabral, próximo ao hospital. Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

A Estação Nossa Senhora da Piedade é adaptada para servir de terminal rodoviário, ilustrado pela figura 80. O novo percurso da via férrea instala-se na área rural, em local pouco habitado à época, porém não muito afastado da área central, sendo outro fator complicador da expansão urbana no quadrante sudeste do município. Lá é edificada a Estação Tubarão, apontada na figura 81 e é aberta a Avenida Visconde de Barbacena, paralela e limítrofe à área de domínio da ferrovia. 99

Figura 80 - Estação Nossa Senhora da Piedade - Terminal Rodoviário. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Figura 81 - Estação Tubarão, serviços de manutenção. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Tubarão está consolidado como pólo regional em diversos setores de atividades. Na figura 82 vê-se o crescimento dos espaços urbanos criados pela expansão da malha de ocupação. Ressalta-se que entre os anos de 60 a 70 novamente a população urbana aumenta aproximadamente 100%, resultado do acelerado processo de desenvolvimento. Como se vê, o processo de centralidade urbana em Tubarão manteve a lógica desde seus primeiros momentos, e o centro inicial durante este período afirmou-se como centro principal, já que nos demais bairros da cidade pequenos núcleos de comércio e serviços, ao longo das vias de trânsito principal que davam acesso ao centro, naturalmente se instalaram. Reforça-se a idéia com os argumentos de Villaça (1998, p. 237) que afirma que “[...] toda aglomeração sócio espacial humana - da taba indígena à metrópole contemporânea, passando pelas cidades medievais e as pré-colombianas - desenvolve um, e apenas um, centro principal.” 100

101

3.4 A acessibilidade contemporânea: descentralização e especialização – 5º Período: a partir

de 1969.

Fato importante para todos os setores da atividade humana, e em especial para a formação do espaço urbano da cidade objeto do estudo, foi a construção da Br-101. Ela é hoje um dos principais fatores indutores do crescimento e desenvolvimento de Tubarão e não se pode diminuir sua relevância, porém, não sendo foco desta dissertação, apenas é comentada superficialmente. A conclusão das obras ocorreu em 1971 e o seu traçado passando no limite norte da malha urbana central de Tubarão na época, atrai o crescimento nesta direção, aumentando a densidade nesta área da cidade, condicionando a instalação de uma série de pequenas indústrias e outras atividades de serviços tanto no bairro como em especial ao longo da rodovia. A acessibilidade é ponto forte e característico de Tubarão. Ressalta-se que o traçado da BR 101 dá-se quase que paralelo ao traçado da ferrovia em todo o trecho desta, fortalecendo a argumentação dos custos mais baixos na construção em terrenos planos, apesar de pantanosos. A pavimentação asfáltica d

e toda a Rodovia Estadual SC 438 que liga Tubarão aos demais municípios da AMUREL assim como a região ao planalto catarinense via Serra do Rio do Rastro cria e fortalece este outro eixo de expansão urbana, facilmente detectável.

Figura 83 – Linha Férrea na enchente de 1974, atualmente leito da SC-440 – localidade km 60. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. 102

Uma grande enchente do rio, com periodicidade centenária de grandes proporções, ocorre no ano de 1974 deixando sua bacia natural de inundação sob as águas: exatamente onde se instalou a malha urbana. Com dimensões catastróficas, ela reduz radicalmente durante toda a década de 70 o crescimento do município. O trecho da ferrovia Tubarão - Lauro Müller foi parcialmente destruído, figura 83, sendo desativado porque não oferecia mais interesse econômico que motivasse investimentos na reconstrução. A Rodovia SC 440 com pavimentação de pedra e também asfáltica passa a ser a única ligação de Tubarão com Pedras Grandes e outros municípios.

Figura 84 - Foto aérea da cidade de Tubarão – 1978. Fonte: SANTA CATARINA. 103

Este período também é marcado pela construção de mais três pontes na área urbana: uma no centro da cidade, outra a sudeste-nordeste próximo ao bairro de Capivari e finalmente uma terceira a sudoeste-noroeste. Os processos espaciais ficam facilitados pelo aumento substancial da acessibilidade e integração entre os distintos bairros da cidade. A figura 84 atesta e comprova a tendência de espraiamento da mancha urbana e as novas possibilidades de acessibilidade permitidas pelas pontes. Ressalta-se que nos locais da malha viária onde as pontes foram construídas já havia uma tendência, e elas afirmaram e fortaleceram o vetor de crescimento, de transformação da via em sistema viário principal com corredor de serviços e comércio, formando pequenos subcentros de bairro. A FESSC é transformada em universidade - UNISUL, que além de ser propulsora do crescimento e do desenvolvimento urbano a partir de 1989, passa a representar a nova e principal identidade de Tubarão como cidade com função econômica de prestação de serviços educacionais de alta qualidade. Com a abertura de cursos superiores na área de Direito, Engenharia Civil e Arquitetura, Odontologia e Medicina, permite também o desenvolvimento e especialização dos serviços intrínsecos a estas áreas, em especial na área da saúde na região do Hospital. Com a transformação da Fundação em Universidade o número de alunos aumenta rapidamente. Hoje são mais de 12 mil somente no Campus de Tubarão, sendo a grande maioria originária de outros municípios. Este aumento da população transitória gerou um rápido crescimento urbano dos bairros Morrotes e Dehon. Em 1993 é o Edifício do Fórum da Comarca de Tubarão que se transfere do centro da cidade para o bairro Vila Moema e Aeroporto, sendo um novo vetor de crescimento naquela parte leste da cidade. A edificação de prédios para abrigar o incremento das atividades da cidade pólo regional são testemunhas da expansão da cidade ainda no sentido norte com a construção do Centro de Apoio Integral à Criança, no bairro de Humaitá. A transformação do hospital em Hospital Universitário condiciona a localização do crescimento do setor da saúde e permite o surgimento de outro grande hospital particular, SOCIMED, na direção sudeste da cidade, assim como diversas clínicas. Em 1º de janeiro de 1997 o comando da EFDTC passa para a empresa FTC. Inicia-se a construção de novas instalações para a Oficina Central a ser transferida para a Oficina Henrique 104

Lage, atual oficina com o objetivo de desobstruir o sistema viário e permitir o prolongamento da Avenida Marcolino Martins Cabral, já alojada no leito antigo da ferrovia. No ano 2000 é transferido o terminal rodoviário, que funcionou desde 1969 na antiga Estação Nossa Senhora da Piedade, para uma localização mais próxima à BR 101, na margem esquerda do rio, no quadrante norte da cidade. A mudança além de diminuir o trânsito do transporte coletivo no sistema viário central, obriga a abertura da Avenida Padre Geraldo Spetmann inserindo um grande vazio urbano à malha de ocupação central. A figura 85 permite compreender esta nova estruturação do espaço urbano e demonstra a expansão ocorrida nas últimas três décadas. O ano de 2006 é marcado pela construção do primeiro shopping center, instalado numa área de 4,5 hectares no local onde havia a Indústria de Cigarros Souza Cruz, deslocando o eixo comercial da área central para o bairro Aeroporto, quadrante sudeste da cidade. Como se vê, após definir o Figura 85 - Vista panorâmica da cidade de Tubarão. Morro da Igreja como local preferencial para Fonte: Prefeitura Municipal de Tubarão. sua instalação, as classes mais altas expandiram-se sempre em direção ao quadrante sudeste, englobando os bairros Vila Moema e Aeroporto e para esta região foram os equipamentos mais atrativos da cidade. É citando Villaça (1998, p. 319) que diz que “[...] são os escritórios e lojas – depois os shopping centers – que crescem na direção dos bairros residenciais de mais alta renda, e não o contrário [...]”, que se comprova tal tendência em Tubarão. A figura 86 permite a visualização do sistema urbano atual e aponta a localização do futuro Parque Urbano de Lazer do Aeroporto, projeto sendo executado na área do antigo Aeroporto Municipal Anita Garibaldi, importante equipamento público gerador de tráfego e expansão urbana. Também se ressalta uma das mais profundas transformações estruturais das cidades brasileiras – a chamada decadência de seus centros – e que se pode observar em menor escala na cidade objeto da pesquisa. A decadência está ligada ao abandono dos centros pelas camadas de alta renda e esse abandono foi provocado principalmente pela nova mobilidade territorial, 105

propiciada pela difusão do automóvel, transformando em locais especializados em comércio e serviços, e habitação de padrão médio com forte característica vertical, conforme figura 87. Essa difusão e a dita decadência têm então início na década de 1960, mas realmente se consolidam na de 1970. Desse ponto de vista, os anos 70 seriam o marco a ser adotado em uma periodização da história intra-urbana da maior parte das metrópoles e mesmo das cidades médias do Brasil. (VILLAÇA, 1998, p. 34 e 35).

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4 ANÁLISE DO ESPAÇO URBANO DE TUBARÃO E A FERROVIA FTC

4.1 A Geografia urbana

Figura 87 - Foto aérea da cidade de Tubarão – 2006. Fonte: Prefeitura Municipal de Tubarão. 107

São diversos os processos e distintas as forças responsáveis pela urbanização e crescimento das cidades, ocorrendo simultaneamente e com intensidade variável, condicionados pelo contexto da realidade local e extralocal. Delinear o crescimento e o desenvolvimento urbano futuro mais provável requer análise que permita o aumento do conhecimento dos processos já ocorridos. Até aqui se apontou momentos da evolução da cidade em que a influência que exerceu a ferrovia na cidade de Tubarão ficou evidenciada. Neste momento de crescimento do nosso país, onde o governo federal, responsável e grande investidor na infra-estrutura viária, e as empresas concessionárias destes serviços sinalizam para a ampliação das suas redes operacionais, é relevante a análise da geografia urbana de Tubarão sob a influência da ferrovia. A obra de Taylor (1949, apud CLARK 1985), classifica sítios urbanos e faz uma análise acerca de mais de duzentas cidades do mundo, em temos de situação, relevo e clima. Ele discutiu sítios de cidades numa ordem baseada, essencialmente, na importância variável da topografia local. Decide-se utilizar suas análises pelo fato de Tubarão ter em seu sítio de implantação elementos de relevo, como os morros próximos ao ancoradouro inicial, o rio cortando área urbana, a baixa altitude e principalmente a presença de uma grande área de planície inundável. As classificações de Taylor agrupam as cidades em: cidades em morros; corredores montanhosos; desfiladeiros; planalto; portos; enseadas de rios e estuários; rios; cachoeiras; meandros; [...] ilhas; e lagos. Todos esses casos são controlados primariamente pela topografia de seus sítios e concorda-se com Taylor quando se vê que a cidade de estudo cresceu inicialmente no sentido longitudinal ao rio assim como ao longo de vias de transporte, conforme se vê na figura 87. Apesar da influência da natureza do sítio na formação do espaço urbano de Tubarão, o grau com que ela influenciou não foi e nem poderia ser total. Como se viu, a ferrovia apontou, desde os momentos em que começou a se delinear espacialmente Tubarão, direções e graus de intensidade de sua expansão até os dias atuais, como é o caso da Avenida Visconde de Barbacena dentre outros. Em Tubarão, a ferrovia foi um dos fatores a provocar o assentamento linear e paralelo a ela própria assim como, longitudinalmente ao rio. Se num primeiro momento, após a construção da igreja no morro mais alto e visível da planície inundável do rio, a ocupação do espaço ocorreu próxima a ela, num segundo momento o Poço Grande e o caminho paralelo às margens ligando-o à igreja foram os fatores de 108

atração do crescimento. Mas nesta época o núcleo ainda era diminuto, e a vinda da ferrovia não só afirmou a tendência como direcionou a expansão neste sentido longitudinal. Clark (1985, p. 25) afirma que “[...] todos os estudos de morfologia urbana procuravam classificar e diferenciar as cidades em termos de seu plano viário, aparência das edificações e função ou uso do solo.” A EFDTC teve e tem elevado grau de participação no traçado urbano, no processo de espacialização social e no resultando do crescimento urbano do núcleo em que se instalou. A geografia plana escolhida para alojar a ferrovia, mesmo que em perigosa área da planície inundável foi determinante para a localização das demais atividades humanas, em detrimento da escolha da localização no relevo seguro dos morros e das regiões mais altas. Quando observada do alto, as maiores cidades têm uma forma claramente discernível. A geografia física impõe caracteristicamente, um padrão básico através da distribuição e configuração dos aspectos do relevo, rios, praias e linhas da costa. Em cima desse embasamento, um grupo de altos edifícios identifica o distrito central de negócios, e a largura das estradas e o alinhamento de canais e ferrovias demarcam as principais vias arteriais, enquanto a concentração de fábricas, lojas e habitações apontam para a existência de áreas industrial, comercial e residencial, segundo Clark (1985). Os comentários de Clark são mais visíveis em grandes centros urbanos, mas podem ser aplicados neste caso. Perdendo a escala da ampla visão, a cidade adquire uma identidade íntima e personalizada, com detalhes que a diferenciam e caracterizam. A Vila dos Ferroviários, naquela localização específica, os edifícios administrativos, as oficinas de manutenção, as praças que originaram o principal e mais populoso bairro da cidade com assentamentos de mais de 10 mil pessoas, a articulação entre as distintas atividades ocorrendo na Avenida Marcolino Martins Cabral, antigo traçado da ferrovia, são característicos do tecido urbano local. Estes espaços urbanos e a via férrea propriamente dita fazem parte da percepção central dos habitantes do município. Lynch (1997, p. 227) acentuou que as imagens individuais combinam-se e superpõem-se para oferecer uma imagem pública da cidade, sendo a ferrovia um forte componente da composição dos espaços urbanos e da formação da imagem da cidade objeto da pesquisa. 109

Aqui a imagem deve ser reforçada e marcada por elementos de mapas mentais ligados à ação da ferrovia: os caminhos da via férrea e das ruas que ocuparam seu local quando da erradicação de determinados trechos; as bordas ou margens; o bairro Oficinas e a Vila dos Ferroviários; e marcos locais do edifício sede, oficinas e outros. Se o crescimento urbano, entendido aqui como o processo de aceleração do assentamento de pessoas em um determinado território, ocorreu concomitantemente à implantação, instalação e ampliação da via férrea, sendo ela vetor de direção e expansão é verdadeira a hipótese de sua influência direta naquela sociedade, na paisagem e no seu traçado urbano. Tubarão tem seu crescimento e os benefícios usufruídos pela reunião, produção e custos da distribuição obtidos pela concentração de pessoas, fortemente determinados pela localização do sítio ao longo de rotas de distribuição de produtos. A geografia do sítio urbano é causa das possibilidades que permitiram a grande capacidade de mobilidade de pessoas por caminhos de terra ou asfalto, de ferro ou na água. É possível concordar com Clark ao verificar os diversos núcleos urbanos originados com e pela EFDTC, em especial o núcleo urbano de Tubarão. Embora as cidades continuassem a crescer em tamanho, foi em extensão de área que a expansão foi mais dramática. Por exemplo, entre 1919 e 1936, a grande Londres aumentou de população de seis para oito milhões, mas em área expandiu cinco vezes. A expansão externa da cidade foi facilitada, e na verdade encorajada, pelo desenvolvimento das redes de transporte público. (CLARK, 1985, p. 80). A intensidade da influência exercida pelas condições naturais do sítio de instalação do núcleo urbano, acrescido da concretização espacial dos conjuntos de processos sociais interagentes determinam, como resultado, a geografia urbana. A geografia urbana é, pois, também a espacialização das atividades que formam o seu tecido. A existência de padrões sociais e residenciais similares sugere que a estrutura urbana está determinada por um número de princípios gerais de uso do solo e localização condicionados pela EFDTC na formatação dos espaços de Tubarão. O item 6.5 trata da espacialização social e do valor da terra urbana e reforça a argumentação. Estes padrões e princípios de espacialização são determinados pela segregação 110

sócio espacial, no processo de escolha das localizações. A segregação produz uma determinada geografia, produzida pela classe dominante, e por meio da qual essa classe exerce sua dominação.

Figura 88 – Manchas tipológicas do tecido urbano. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. Pode-se observar na Figura 88, a área central do tecido, a qual apresenta características de verticalização e uso preponderante de comércio e serviço; a área do bairro Vila Moema e a região do antigo Aeroporto com tipologia predominante de uso residencial de alto padrão, com alternância de edificações verticais e horizontais; a área da universidade com tipologia vertical e horizontal residencial de uso transitório com padrão médio; e as demais áreas periféricas com tipologia horizontal residencial de padrão popular. As figuras 89 e 90 ilustram o tecido urbano e suas características mais marcantes. 111

Figura 89 –Em primeiro plano, bairro Oficinas, sudoeste. Fonte: Amadio Vitoretti.

Figura 90 – Em primeiro plano bairro Vila Moema, sudeste. Fonte: Prefeitura Municipal de Tubarão. A identificação e explicação destes padrões e processos internos que modelam Tubarão podem apontar vetores de desenvolvimento futuro, sendo, além disso, úteis no processo do planejamento necessário às cidades e aos estudos urbanos. 4.2 Agentes do espaço urbano e processos espaciais

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A análise do espaço urbano da cidade sob a influência da ferrovia aponta a necessidade de busca de base teórica que trate, essencialmente, da formação do espaço. Spirn (1995) afirma que a natureza construída e não construída é o ponto de partida de toda a compreensão conceitual dos espaços urbanos. Vista do espaço, a Terra é um mundo-jardim, um planeta de vida, uma esfera de verdes e azuis envoltas em uma atmosfera úmida. À noite, as luzes das cidades brilham ao longe, formando constelações tão distintas e variadas como as do firmamento além, [...] quando surge um novo dia, [...] as cidades são um mosaico cinza, permeado por gavinhas e pontos verdes, com largos rios e grandes parques dentro delas. (SPIRN, 1995, p. 19). Vista de perto, as cidades e suas peculiaridades apresentam relações de sistemas e intersistemas semelhantes que são elementos da análise dos que se propõem à tarefa de dissecar a cidade: o espaço urbano, o espaço intra-urbano6. Cita-se o conceito de espaço urbano de Corrêa (1989), no qual se embasa este estudo: Eis o que é o espaço urbano: fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais. (CORRÊA, 1989, p. 9) O espaço urbano capitalista é produto social de agentes que o produzem e o consomem, e estes agentes apresentam necessidades e interesses muitas vezes antagônicos. Corrêa (1989) afirma que estes agentes são os seguintes: os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais; os proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o Estado; os grupos sociais excluídos. Neste caso a ferrovia é considerada um grande proprietário dos meios de produção. O estado é representado pelo poder central, primeiramente imperial e depois pelo governo federal, concedente da exploração da atividade tanto de extração do carvão como de seu transporte na linha férrea. O governo do município de Tubarão é produtor direto do espaço urbano e cria os espaços na medida em que promove a expansão da infra-estrutura. Ressalta-se que o poder executivo municipal investiu recursos públicos na ampliação do sistema viário, por exemplo, pressionado pelos grupos dominantes, muitas vezes representados pelos

6 Espaço intra-urbano: Villaça utiliza este termo, sinônimo de espaço urbano, apenas para salientar a diferença entre o espaço urbano e o espaço extra-urbano que é o espaço regional. 113

dirigentes da ferrovia e seus altos funcionários. A ferrovia, assim como a erradicação de seus trechos, também é a materialização do poder dominante e de seus interesses imediatos. Dentro da cidade, no espaço urbano que se definiu, os agentes produtores e consumidores relacionam-se com objetivos muitas vezes conflitantes, mas de qualquer forma o resultado destes contínuos processos sociais dá-se na criação de funções e formas espaciais, que são a materialização das atividades necessárias para a existência da própria comunidade, e sua distribuição no espaço constitui a própria organização do meio urbano. A conjunção dos processos sociais com as formas espaciais resultantes podem chamar-se de processos espaciais, que são responsáveis imediatos pelas localizações e relocalizações das atividades e da população, da organização espacial desigual e mutável das cidades em geral, afirma Corrêa (1989), e de Tubarão em particular. Algumas inovações tecnológicas são mais indutoras dos processos espaciais que outras, porém todas têm importância na determinação do modo de vida das comunidades. A escrita, a bússola, o relógio, o telefone, o telefone celular, o rádio, a televisão, uma infinidade de aparatos tecnológicos influenciam nossa vida. O exemplo mais clássico e visível de todas as descobertas foi a invenção da roda e sua utilização no dia-a-dia da Antigüidade. Centrando apenas nos meios de transporte como forte determinante dos processos espaciais tem-se a roda, a carroça, o carro de guerra, a canoa, o navio, o automóvel, o trem, o avião e fica clara a intensidade e a freqüência por eles imputadas às civilizações. Os sistemas de transporte individual ou coletivo e seus correspondentes estruturais: a rua, a avenida, o estacionamento, a estação ferroviária, o porto ou o aeroporto, todos sem exceção, são indutores da forma e do conteúdo das cidades, e seu uso foi difundido frente às necessidades de produção de riqueza pelos homens, através das classes dominantes e das dominadas, desde o Visconde ao imigrante.

4.3 Encontro de Vias de transporte e estruturação do espaço urbano

A estruturação do espaço regional é determinada pelo deslocamento das informações, da energia, do capital constante e das mercadorias em geral, inclusive a mercadoria força de trabalho. O espaço intra-urbano, ao contrário, é estruturado, fundamentalmente, pelas condições 114

de deslocamento do ser humano, segundo Villaça (1998). Em Tubarão as condições de deslocamentos de pessoas foram facilitadas e possibilitadas pela ferrovia desde seus momentos iniciais. Como via regional, a ferrovia também estruturou o espaço regional com o deslocamento das mercadorias. Villaça afirma que “[...] quando se diz que uma via provoca o crescimento ou desenvolvimento urbano nesta ou naquela direção, está se referindo ao arranjo espacial do crescimento, não a sua causa primeira.” É claro que uma via, por si só, não provoca nem crescimento nem desenvolvimento urbano: apenas o induz. Também se verificou que a função principal da EFDTC foi o transporte regional de mercadorias, e até os anos de 1970 ela atuava também no transporte de pessoas. Nossas ferrovias foram construídas para atender a uma demanda regional de transportes. Não foram construídas para o transporte urbano de passageiros. [...] As vias regionais de transportes constituem o mais poderoso elemento na atração da expansão urbana. (VILLAÇA, 1998, p. 81). Villaça ainda cita o exemplo da expansão do Rio de Janeiro na direção oeste durante o século XIX. A partir da instalação da família Real no bairro de São Cristóvão, a expansão foi concretizada nesta direção, apesar das dificuldades do sítio, pois grande parte da cidade havia crescido sobre pântanos por onde a ferrovia foi construída. O poder das vias de transportes em direcionar a expansão urbana predominou embora as características físicas do terreno não lhe fossem favoráveis. É provável ser esta uma das causas de Tubarão não ter se expandido para o vale do rio, em direção ao interior e aos morros e sim expandir-se ao logo do trecho principal da EFDTC e, posteriormente, ao longo do ramal Tubarão-Criciúma, na área de planície. Suas análises comprovam a hipótese de que, embora as vias regionais não tenham sido construídas para oferecer transporte intra-urbano, acabam oferecendo esse tipo de transporte, e aquelas vias regionalmente, mais importantes, como a EFDTC e a Rodovia SC 440 implantada em seu leito em direção a Pedras Grandes, assim como, a Rodovia SC438, passam a ser mais importante do ponto de vista intra-urbano e acabam atraindo maior expansão urbana ao longo do seu traçado. Parece haver íntima relação entre as vias regionais de transporte e o crescimento físico das cidades. As ferrovias provocam crescimento descontínuo e fortemente nucleado, em que o núcleo ou pólo 115

se desenvolve junto às estações. As rodovias provocam um crescimento mais rarefeito e descontinuo e menos nucleado que as ferrovias. Isso se deve às diferenças de acessibilidade oferecidas pelos dois tipos de via. Na ferrovia, a acessibilidade só se concretiza nas estações; na rodovia, pode se concretizar em qualquer ponto. (VILLAÇA, 1998, p. 69). Nas figuras que seguem, pode verificar-se a expansão urbana que ocorreu em Tubarão em distintos períodos de sua história, influenciada pelas vias de transportes, além de outros fatores. A figura 91 mostra os primeiros anos do núcleo urbano até a criação do município em 1870. A partir da ocupação do Morro da Igreja, do Poço Grande e do Poço Fundo os aglomerados crescem ao longo do caminho que os liga na direção paralela à margem do rio e o Poço Grande também se amplia em direção ao Morro do Caeté, afastando-se das cheias do rio.

Figura 91 – Croqui da expansão - até 1870. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros.

Na figura 92, que vai até o período do início das obras da construção da ferrovia, no ano de 1880, verifica-se o aumento da ocupação no Morro da Igreja, a expansão do caminho da beira-rio, o surgimento da Rua do Comércio, permanecendo os mesmos vetores de atração da fase anterior. 116

A figura 93, englobando o período de 1880 a 1919, mostra a ferrovia já implantada com seu traçado delineador do espaço e a instalação da Oficina Central, sendo os novos e determinantes vetores do sentido da expansão, que passam a ocorrer, longitudinalmente, ao rio, definindo o sentido oeste-leste como o principal da malha urbana.

Figura 92 - Croqui da expansão entre 1870 a 1880. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros.

Figura 93 - Croqui da expansão entre 1880 a 1919. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. 117

A figura 94 analisa o período em que o ramal de Tubarão-Criciúma é construído, entre os anos de 1919 a 1940, fazendo crescer a região do bairro operário e afastando definitivamente o crescimento urbano da direção das áreas mais altas do Morro do Caeté. O núcleo central densifica-se e inicia a ocupação da margem esquerda nas imediações do porto da Rua da Igreja e Rua do Comércio com a transposição da barreira rio-ferrovia.

Figura 94 - Croqui da expansão entre 1919 a 1940. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros.

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Figura 95 – Croqui da expansão entre 1940 a 1969. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. A figura 95 mostra a região do bairro operário delimitado espacialmente pela barreira da ferrovia oeste-leste e norte-sul e com ocupação intensa. O quadrante leste da cidade se amplia a partir do Morro da Igreja e do Hospital ao longo da ferrovia, onde se alocam as moradias das classes mais altas. A região da margem esquerda cresce e as vias de transporte que ligam aos demais municípios densificam-se. O período inicia em 1940 com a chegada da CSN à região e vai até o ano de 1970.

Figura 96 - Croqui da expansão entre 1969 a 2006. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. 119

Finalmente a figura 96 mostra a expansão atual da malha urbana a partir dos eixos de transporte rodoviários da SC 440, SC 438 e BR 101, que se inicia no ano de 1970 com o início das obras da rodovia federal. A partir de fins da década de 90 os equipamentos de saúde, dentre outros produzidos pela burguesia são elementos da atração da expansão urbana nos bairros de localização das camadas mais altas. A figura 97 esquematiza a importância da posição estratégica de Tubarão como encontro de vias de transporte. Se sua história urbana iniciou-se pelo transporte de mercadorias através da navegabilidade do rio, nos dias atuais o sistema de vias rodoviárias regionais representadas pela SC 438, SC 440 e BR 101 acrescida da ocupação da área do antigo transporte aeroviário só vêm completar e afirmar a tendência da influência das vias de transporte em geral na formação do espaço urbano de Tubarão.

Figura 97 - Croqui: vias regionais. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros. 120

4.4 Setores de crescimento urbano

Cita-se Villaça (1998) que afirma serem duas as forças fundamentais que revelam a estrutura básica do meio urbano e em última instância, marcam o seu arranjo: primeiro, é a localização das vias regionais de transportes e das indústrias e atividades de serviços junto a elas e em segundo lugar a localização dos bairros residenciais, que é determinada pelas camadas de alta renda. Pode-se ver que na cidade objeto da pesquisa a localização das vias de transporte, desde as fases iniciais de pequeno núcleo com a instalação da ferrovia atraindo o crescimento no quadrante sudeste e em direção a Pedras Grandes até os dias de hoje onde a influência das rodovias é notória. Assim como, a localização preferencial das camadas de alta renda atraíram e condicionaram a forma e o conteúdo da expansão urbana, por exemplo, com equipamentos de serviços mais aparelhados nas proximidades do centro, no Morro da Igreja, e com a implantação de bairro operário afastado do centro das decisões. Além das áreas industriais, as grandes áreas comerciais e de serviços desenvolvem-se segundo longas radiais. Essas formações lineares mostram o papel decisivo que a acessibilidade ao centro e o transporte do ser humano desempenham na estruturação intra-urbana, conforme se vê em Tubarão. Aqui, os eixos comerciais dos bairros têm também valor de terra diferenciado e mais elevado. Os interesses da burguesia locais a respeito do espaço local constituem o principal elemento intra-urbano da estrutura espacial [...] os demais componentes fundamentais dessa estrutura – o centro principal, os bairros residenciais e os subcentros – formar-se-ão interagindo com os elementos anteriores, mas sendo, em última instância, por eles determinados. (VILLAÇA, 1998, p. 134). Villaça (1998) também verifica os diferentes crescimentos da cidade em setores de círculo, ao longo das diferentes vias, e aponta o deslocamento das burguesias segundo setores de círculo e não círculos concêntricos decorrente de suas diminutas dimensões e do enorme desequilíbrio entre as classes sociais. A essência do sentido radial – portanto dos setores – é a necessidade de manter o acesso ao centro da cidade. A constatação da estruturação espacial 121

básica traz à mente um processo urbano bastante conhecido: o de que os bairros residenciais de alta renda deslocam-se sempre na mesma direção.

4.5 A espacialização social, o Valor da Terra e a FTC

Os produtos específicos resultantes da produção do espaço intra-urbano não são apenas os objetos urbanos em si: as praças, as ruas ou os edifícios. São também suas localizações, já que elas são criadas e determinadas pelos processos espaciais e são resultantes de escolhas. A produção dos objetos urbanos só pode ser entendida e explicada se forem consideradas suas localizações relativas. Utiliza-se a expressão “Produção do Espaço”, segundo Villaça (1971), exatamente porque ele é fruto de trabalho social e tem um custo de produção coletivo, e este custo tem variação no espaço urbano. A base física do espaço urbano é a terra, mas o que ela vale é conseqüência de sua localização. A terra urbana é matéria natural trabalhada, como um automóvel ou um aparelho de telefone. “Nas últimas décadas generalizaram-se as expressões “Ambiente Construído” [...] e “Produção Social do Espaço” referindo-se a espaço urbano. O aparecimento dessas expressões visa veicular justamente a idéia de que o espaço urbano é produzido, não é dom gratuito da natureza; é fruto de trabalho social.” (VILLAÇA, 1998 p. 73). Considerar a terra urbana não produzida, só porque sua base material não o é, é o mesmo que reduzir um produto à sua matéria-prima, como se a água, por exemplo, tivesse o mesmo valor quando está em um córrego ou nas torneiras das residências. A terra urbana só interessa como “terra-localização”, cita Villaça (1998, p. 5), ou seja, “[...] enquanto meio de acesso a todo o sistema urbano, a toda a cidade. A acessibilidade é o valor de uso mais importante para a terra urbana, embora toda e qualquer terra o tenha em maior ou menor grau.” Pessoas com as mesmas características sócio econômicas, a mesma formação cultural, até o mesmo salário, têm valor diferente na divisão dos estratos sociais segundo o lugar em que vivem. Milton Santos (1981) revela a riqueza da localização e a importância da acessibilidade. Cada homem vale pelo lugar onde está; o seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade definida por parâmetros de tempo, freqüência, preço de deslocamento, independentes de sua própria condição. Logo, a 122

espacialização social, ou as escolhas das classes mais altas pela sua localização pressupõem investimento social na produção daquele espaço o que resulta em valor de terra distinto em cada parcela da cidade. Estas constatações indicam mais uma vez a segregação social dentro do espaço urbano. “[...] Uma das características mais marcantes das metrópoles [...]” em geral, e das brasileiras em particular, “[...] é a segregação espacial dos bairros residenciais das distintas classes sociais, criando-se sítios sociais muito particulares. [...]”, afirma Villaça (1998, p. 141). A implantação da ferrovia determinou a localização de uma série de espaços e conjunto de espaços que formam e caracterizam o tecido urbano de Tubarão. Estes espaços diferenciam cada parcela da cidade. Cita-se Clark (1985) que comenta que na “[...] estrutura interna das cidades modernas um dos traços característicos é o seu alto nível de diferenciação interna. Os conjuntos de zonas, comunidades ou bairros são freqüentemente distinguíveis em termos de aparência física, composição da população e aspectos relacionados com as características e problemas sociais, que se repetem de uma para outra.” O bairro operário Oficinas, caracteristicamente de classe B e C possui a tipologia de residência de um pavimento, muitas construídas em madeira, com população de nível sócio- econômico médio; já o bairro Vila Moema ou Aeroporto são constituídos de residências de alto padrão, contendo um ou dois pavimentos e com população de empresários e profissionais liberais com padrão sócio-econômico elevado, conforme Tubarão (1992) e apontado nas figuras 98 e 99.

Figura 98 - Bairro Oficinas. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros. 123

Shopping Center

Figura 99 – Bairro Vila Moema com os galpões do Shopping center. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Baseado em Tubarão (2005), Planta Genérica de Valores – PGV, fornecida pela Secretaria Municipal de Finanças, montou-se a figura 100 em que se observa o valor da terra urbana para efeitos de cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, e do Imposto para Transferência de Bens Imóveis – ITBI. Além das áreas mais periféricas ao centro e dotadas de menos infra-estrutura, como determinam os critérios de avaliação da própria PGV, que tem valor menor e diferenciado, as áreas de corredores de serviços e comércio vicinal existentes em todos os bairros da cidade apresentam o valor da terra urbana maior e também diferenciado.

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Conclui-se, ao analisar a figura 100 que o crescimento do setor do bairro da classe alta, Vila Moema e Aeroporto, apesar de dotado dos mesmos benefícios de equipamentos e infra-estrutura urbana existentes em outras localizações, apresentam o valor da terra urbana bem mais elevado que o bairro Oficinas ou Revoredo por questões de acessibilidade, proximidade ao centro, concentração de equipamentos urbanos localizados pela classe dominante assim como a própria localização desta classe. “Deve-se também registrar que a escolha e a apropriação de sítios de melhores atributos naturais por parte das classes dominantes, atendidos os requisitos de acessibilidade ao centro, parece ser um fenômeno universal. As camadas de alta renda não têm preferência por sítios altos ou baixos, mas sim pelos melhores, segundo os valores sociais e as condições de segurança, salubridade e beleza, no contexto de cada situação histórica. Assim, as qualidades de um sítio podem se manifestar em terrenos altos, mas também o contrário pode ocorrer. (VILLAÇA, 1998, p. 198) Como se vê no período em que os espaços e as escolhas pelas diferentes classes sociais para sua localização foram diretamente determinadas, dentre outras causas, pela implantação da ferrovia, pode-se afirmar com segurança a forte influência direta da ferrovia no valor do patrimônio edificado dos cidadãos de Tubarão.

4.6 O sistema viário e a Ferrovia: cruzamentos e obstruções

O que se viu até aqui são manifestações ocorridas no espaço urbano, e se as viu de forma geral e conceitual. Passa-se agora a apontar manifestações e interferências pontuais e concretas, que ocorrem na atual realidade do espaço e nos processos sociais cotidianos. É a vida do dia-a-dia da comunidade, e estas interferências afirmam toda aquela influência que até aqui se quer comprovar. A amplitude e a abrangência da pesquisa não permitem identificar todas as interferências ao longo do tempo de existência da ferrovia, mas é possível imaginar não ser pequena a quantidade de itens de uma relação cadastral histórica completa. 126

Em toda a malha operada hoje pela FTC há duzentas e trinta e seis passagens em nível, incluindo ativas e passivas também de Tubarão, conforme Ferrovia Tereza Cristina (2006). As figuras 101, 102 e 103 mostram exemplos da interferência causada por estes cruzamentos urbanos, devidamente localizados na figura 106.

Figura 101 – Cruzamento Avenida Marcolino Martins Cabral. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Figura 102 – Cruzamento no bairro Recife. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Figura 103 – Cruzamento em Oficinas. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros. 127

Com a extensão da malha em Tubarão de 10,5 km, a FTC opera um total de 14 (quatorze) passagens em nível em vias do sistema viário principal e secundário. Opera um total de 64 (sessenta e quatro) obstruções no prolongamento do sistema viário, e destas obstruções 42 (quarenta e duas) ocorrem no trecho construído em 1969, conforme se vê em detalhe na figura 104 e 105, mostrando o pátio da oficina Henrique Lage extremando com um conjunto de residências e os muros das oficinas impedindo o prolongamento de vias transversais.

Figura 104 – Residências vistas da Henrique Lage. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Figura 105 – Obstrução em Oficinas. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

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Comentou-se que quando da erradicação do trecho que passava pelo centro da cidade em 1969, a transferência ocorreu para a área rural, numa localização não muito afastada da malha urbana, inclusive estrangulando a expansão urbana no quadrante sudeste. Ocorreu uma natural expansão nesta direção como se pode observar, fruto da expansão das atividades das classes mais altas e da atração exercida por elas nesta direção, fazendo com que a maioria das novas interferências ocorra exatamente neste trecho onde a ferrovia está ladeada pela Avenida Visconde de Barbacena, vista na figura 108.

Avenida Visconde de Barbacena Ferrovia

Figura 108 – Ferrovia na Avenida Visconde de Barbacena, sudeste. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Ressalta-se que as vias onde ocorrem as passagens em nível devem ser aquelas que são ou tendem a fazer parte do sistema viário como principal e passam a atrair maior expansão urbana ao seu longo. Por outro lado, as vias obstruídas restringem-se ao trânsito local.

4.7 Os espaços criados pela ferrovia

Pode-se, inicialmente, dividir os espaços que constituem a cidade em dois grandes grupos: espaços construídos e espaços livres de construção, que são aqueles elementos que definem a estrutura da configuração primária e essencial das cidades, segundo Pesci (1977). 131

Baseando-se em Pesci (1977 e 1999), efetua-se o levantamento destes dois tipos de espaços inseridos na área urbana. Inicialmente, observou-se todas as edificações construídas pela atividade da EFDTC, ao longo do tempo, e citam-se as principais, ainda componentes do espaço urbano e preservadas: Prédio Sede, Estação Nossa

Senhora da Piedade, Oficina Central, Oficina Henrique Lage, Estação Tubarão, Vila dos Ferroviários, Sindicato dos

Ferroviários. Também se observou grandes áreas não edificadas, e citam-se as principais: Campo do Ferroviário,

Praça Raul Zabot, Área Livre da Vila.

A EFDTC além de atuar com a função de articulação dos espaços através do deslocamento de pessoas e mercadorias, criou e fez criar uma série de espaços, os quais estão registrados e localizados na figura 109. Para efeito de organização das informações coletadas, fez-se uma divisão destes espaços baseados nos seguintes critérios: patrimônio ativo, com titularidade da ferrovia e ainda em uso pela atividade; patrimônio inativo, com titularidade da ferrovia e sem uso afim; patrimônio com titularidade de terceiros, criado pela atividade ferroviária e atualmente sem uso afim. Além do objetivo primeiro de definir a relação patrimonial, também se pretende chamar atenção que passados os tempos em que a atividade ferroviária foi protagonista da função econômica e produtora do espaço urbano, ocorre uma relativa estagnação na criação de novas áreas. Hoje, o que realmente ocorre é uma adaptação em algumas áreas criadas anteriormente, onde são edificados novos prédios necessários à nova realidade organizacional e de mercado ou onde são edificados novos prédios necessários pela pressão da comunidade para erradicação e transferência de setores, como ocorre com as instalações da Oficina Central.

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4.8 Áreas remanescentes da erradicação incorporadas ao sistema viário, ou transformadas em praças

O trecho que atravessava a área urbana central de Tubarão e foi erradicado em 1969, foi incorporado pelo sistema viário e transformado na Avenida Marcolino Martins Cabral, conforme se vê na figura 110.

Figura 110 –Avenida Marcolino Martins Cabral com a Praça 07 de Setembro em primeiro plano. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

O trecho que ligava Tubarão ao município de Lauro Müller, razão primeira da construção da ferrovia, foi transformado na Rodovia Estadual SC 440, figura 111. A via à esquerda é a Rodovia SC 440 e a via à direita, próxima ao rio, é a antiga estrada municipal. Aponta-se a Praça 07 de Setembro, principal praça do centro urbano, a Praça Tereza Cristina, espécie de museu ao ar livre com exposição permanente da “Maria Fumaça”, vista na figura 112 e a Praça do Triângulo. Através da figura 115 pode-se observar a localização das mesmas.

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Via Municipal SC-440

Figura 111 - Vista panorâmica SC 440, esquerda. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Figura 112 - Praça Tereza Cristina, peça de museu. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

A figura 113 permite compreender a origem do espaço que possibilitou a criação da Praça 07 de Setembro. O traçado da ferrovia dividia aquela área em dois setores: um deles era ocupado por uma pequena área verde limitada em ângulo agudo pela via férrea e o outro por uma estreita rua delimitada em ângulo agudo pela mesma. Com a erradicação do trecho central da 135

EFDTC, foi possível então construir as duas pistas da Avenida Marcolino Martins Cabral com geometria linear assim como preservar o setor restante, transformado na Praça 07 de Setembro, com desenho retangular e limitado por ruas em todas as suas extremas.

Figura 113 – Geometria de formação da Praça 07 de Setembro. Fonte: SANTA CATARINA.

4.9 Áreas invadidas ou com ocupações irregulares

Muitas áreas foram invadidas ou ocupadas irregularmente nos períodos de diminuição das atividades na EFDTC ou por permissão temporária que se transformou em permanente, sendo a maioria delas na faixa de domínio amparada pela legislação federal. Estas ocupações 136

descaracterizam e deterioram os espaços já que ocorrem de maneira irregular, sem qualquer forma de respeito à legislação do uso e ocupação do solo urbano e sem previsão de infra-estrutura adequada. Por outro lado, mostram igualmente que por inexistência de políticas públicas, direcionadas as classes populares, o Estado tolera certas ocupações. Em geral causam transtornos à segurança do trânsito e aos próprios ocupantes irregulares. A figura 115 aponta estas áreas.

4.10 Espaços livres com uso de lazer

Criou-se este subtítulo devido à importância que possuem as áreas livres com uso de lazer na atualidade, sem desqualificar outros espaços. Assim, faz-se necessário alguns conceitos a respeito deste tipo específico de espaço. Espaços livres de construção são todos aqueles espaços livres que não possuem construção para atividades humanas. Aparentemente não possuem matéria, não tem volumetria, mas impregnam e envolvem todos os edifícios construídos pelo homem, têm consistência material com delimitações claras, visíveis e funções específicas, indispensáveis para a vida urbana. Pode-se dividi-los em: privados e públicos.

1 - Privados: São os clubes associativos, parques, jardins, reservas

verdes, área livres de edificações nos lotes, quintais, terrenos baldios.

Constituem importante elemento morfológico do ambiente urbano.

2 - Públicos: São as ruas, praças, bosques, jardins, áreas de circulação

em geral, parques, áreas-verdes produto de parcelamentos do solo, hortos

florestais, áreas de preservação. (MACEDO, 1995).

É indispensável para os ambientes construídos a existência dos não construídos.

Somente há cheios, quando há vazios. Assim compõe-se a gênese da morfologia urbana. 137

Todos os espaços dentro da cidade têm importância e função especial. A função e os valores que as áreas e os espaços livres desempenham no meio urbano, podem ser agrupados em três conjuntos: valores visuais ou paisagísticos, valores recreativos e valores ambientais.

Cada área por si só, pode conter ou cumprir uma ou mais funções conservando os valores acima citados. As funções imbricam-se. Uma praça de vizinhança, como exemplo, é, sobretudo, uma área de recreação, mas pode vir a ser também um importante elo de um sistema que assegure boas condições ambientais ao meio urbano. (BATALINI, 1990).

A figura 114 atesta a importância do espaço de lazer propiciado pela Praça 07 de

Setembro, inserida no centro da cidade, e que compõe o tecido urbano carente de áreas livres.

Figura 114 - Praça 07 de Setembro. Fonte: Prefeitura Municipal de Tubarão.

138

Na figura 115 pode-se observar as áreas livres e de uso de lazer produzidas pela atividade da EFDTC, e concluir que devido ao local de inserção na malha urbana, características físicas, quantidade e apropriação pela comunidade, tais áreas livres tornaram-se indispensáveis à saúde dos processos espaciais de Tubarão.

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5 PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO E CRESCIMENTO URBANO

Compreender a formação do espaço urbano e os processos sociais presentes no crescimento e o desenvolvimento da cidade de Tubarão desde seu aparecimento com o pequeno núcleo urbano possibilita vislumbrar a expansão urbana futura. Os processos sociais e as formas espaciais resultantes que irão interagir não se conseguem determinar com precisão. Porém, ações atuais e perspectivas apontadas por agentes da produção do espaço urbano, e dentre estes agentes está a Ferrovia Tereza Cristina SA., permitem identificar ou pelo menos supor quais vetores de crescimento e com qual intensidade irão atuar na cidade que de maneira incessante e inexorável, modifica-se constantemente. Rybczynski (1995) comenta da importância em entender como nossas cidades ficaram do jeito que são e afirma que a nossa reputação em construir cidades é conseqüência da nossa inabilidade para prever as forças tecnológicas e sociais que vieram pressionar nossa situação urbana: o automóvel, o avião, as comunicações eletrônicas. Não há uma precisão perfeita, claro, mas deve-se encarar o futuro urbano com moderação e com uma mistura dos fracassos e sucessos do passado para que à posteridade fique uma cidade melhor. Dentro do contexto de perspectivas e possibilidades, relata-se algumas ações que se crê propulsionarão vetores de processos que hão de induzir e direcionar o crescimento e o desenvolvimento do espaço urbano de Tubarão.

5.1 O projeto turístico: integração social

“No Brasil, o turismo como fenômeno social inicia-se a partir de 1920 com o surgimento dos primeiros grandes hotéis no Rio de Janeiro”. (ACERENZA, 1984). Acompanhando a tendência mundial na busca de alternativas para o desenvolvimento o Brasil passa a colocar-se como oferta deste novo tipo de produto. Cazes (1996) comenta que o turismo internacional teve um crescimento espetacular de 25 milhões de chegadas em 1950 para 528 milhões em 1994, com previsão de 937 milhões para 2010, sendo estes números o fiel reflexo da irreprimível escalada da mobilidade dos 141

indivíduos. No Brasil e em Santa Catarina não poderia ser diferente, ocorrendo incremento da atividade a cada novo ano. Na região sul de Santa Catarina o passeio do Trem Turístico surge como nova opção. É visível a força da atividade turística, em especial nas regiões costeiras. Nelas o roteiro turístico, a infra-estrutura e a superestrutura aliam-se ao atrativo turístico da paisagem à beira mar e das praias. O estado de Santa Catarina está inserido neste perfil. Segundo a SANTUR, o número de turistas no ano de 2002 foi de 2.159.000 viajantes sendo 34,97% provenientes do Rio Grande do Sul, e dos estrangeiros, 84% provêm da Argentina e Uruguai. A grande maioria deles utiliza a BR 101 como acesso, passando pela região sul do estado e pelos municípios atendidos pela EFDTC. Ocorre ainda em determinados pontos da BR 101 o contato visual com a ferrovia, ampliando sua possibilidade de uso devido à demanda potencial. Acresce- se desta forma a possibilidade de uso integrado da ferrovia com atividades e potenciais já instalados: o atrativo de observação de baleias em Imbituba; o turismo histórico e cultural propiciado pela colonização com variedade étnica no município de Urussanga; a mina modelo de carvão em Criciúma; os sítios arqueológicos abundantes na região; todos esses municípios com origem no município de Tubarão, transformam a EFDTC na principal matéria-prima deste novo produto turístico. Outro fator importante a ser ressaltado está na necessidade de oferta de novas opções de lazer aos próprios catarinenses e aos habitantes da região onde a ferrovia está implantada, assim como, nova alternativa de atividade econômica e geração de riqueza. Aproveitando a demanda reprimida a ABPF e a SALV, através de parcerias e convênios Figura 116 - Oficina de consertos de vagões e locomotivas. Fonte: Acervo da Sociedade dos Amigos da Locomotiva e viabilizaram recursos públicos e privados e Vapor, 2002. recuperam locomotivas a vapor e vagões de passageiros para oferta de passeios turísticos, conforme se vê na figura 116. Apesar de ser um equipamento considerado ultrapassado a recuperação física das locomotivas a vapor e ferrovias permite a reciclagem de seu uso. 142

Em fins do ano de 1998 ocorre o primeiro passeio turístico de locomotiva. A utilização da ferrovia apenas com o transporte do carvão passa a incluir outros horizontes com a possibilidade de seu uso para o lazer. A partir de então as viagens do trem turístico não cessaram. Dados da Sociedade dos Amigos da Locomotiva e Vapor (2000) relatam que 20% deste público pertencem à própria região e os 80% restantes provém de outros municípios, de outros estados ou países da América do Sul, ocorrendo também a visita de excursões de europeus e americanos. O gráfico 3 e o gráfico 4 atestam o potencial de crescimento de viagens e de passageiros e os dados coletados apontam para o aumento da integração das comunidades da região através da atividade

70 60 60 46 50 40 35 28 30 23 20 10 5 NÚMERO DE VIAGENS 0 1998 1999 2000 2001 2002 Projeção 2003 ANO Gráfico 3 - Evolução de viagens anuais. Fonte: Sociedade dos Amigos da Locomotiva e Vapor.

20000 18000 18000 16000 13200 14000 12000 10500 10000 8000 5600 6000 4600 4000

2000 1000 0 NÚMERO DE PASSAGEIROS 1998 1999 2000 2001 2002 Projeção 2003 ANO Gráfico 4 - Evolução de passageiros anuais. Fonte: Sociedade dos Amigos da Locomotiva e Vapor.

Sendo o espaço urbano também objeto da pesquisa, embasa-se em Carlos (1996) que afirma que o espaço tem papel fundamental na medida em que cada vez mais entra em troca, 143

como mercadoria, e citando Cazes (1996), cada vez mais o espaço é produzido por novos setores de atividades econômicas como o do turismo e deste modo, praias, montanhas e campos entram no circuito de troca, apropriados, privativamente, como áreas de lazer para quem pode fazer uso delas. O novo uso da ferrovia pressupõe novas formas de apropriação de espaço. Cruz (2000) afirma que a atividade deixa de ser uma usuária passiva dos territórios para tornar-se um agente condicionador de seu reordenamento. A figura 117 mostra um instantâneo interessante de integração entre diferentes tipos de transporte coletivo com uso do trem turístico, apesar da ineficiência de sistemas de transporte inter-modal no Brasil.

Figura 117 - Translado de transporte rodoviário para o ferroviário. Fonte: Sociedade dos Amigos da Locomotiva e Vapor (2002).

5.2 O projeto cultural: museu ferroviário

Em diversos países do mundo há consciência da importância de investimentos para implantação de museus ferroviários que, em geral fazem parte integrante do complexo turístico disponível no local. Cidades como Kioto, Madrid, Santiago, Munique e Detroit, dentre muitas outras, possuem bem equipados museus ferroviários, integrantes do roteiro turístico local. No Brasil existem alguns museus ferroviários, porém têm funcionamento intermitente. Os meios de sustento e apoio, por parte de diversas instituições governamentais e 144

concessionárias dos serviços de transporte, também é deficiente. Destacam-se o Museu do Engenho de Dentro (RJ), em Campinas (SP) e o Museu Ferroviário de Fortaleza (CE). O Museu Ferroviário de Tubarão, aberto para visitação no ano de 2000, tem localização privilegiada, fato que permite a visitação daqueles que utilizam veículos rodoviários assim como para aqueles que utilizam o próprio trem turístico, conforme figura 118. A contigüidade com a linha tronco permite o uso da estratégia de se ter um museu ferroviário interativo, onde o próprio museu é o ponto de partida do trem.

Figura 118 - O Museu Ferroviário, Oficina Henrique Lage. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

O museu ferroviário de Tubarão “possui o mais importante acervo de memória ferroviária do País”, segundo José Warmuth Teixeira, presidente da ABPF - TB e estudioso do assunto, composto de peças de valor histórico imenso e documentos resgatados e reunidos que permitem uma ampla visão panorâmica da história da EFDTC. O mais valioso patrimônio do museu na verdade são as próprias locomotivas a vapor: são vinte e três ao todo, com onze modelos diferentes, americanas, tchecas, alemãs e inglesas fabricadas a partir de l912, várias delas já em condições de operação e outras em recuperação. O equipamento funciona então exatamente nos moldes de como circulavam há mais de um século, com seus vagões de madeira tracionados por locomotivas a vapor. O material humano disposto a tornar realidade a manutenção do equipamento e o crescimento da atividade são os voluntários da SALV e da ABPF. A renda auferida com a operação do trem de turismo é revertida para o museu, contribuindo inclusive com sua viabilidade. A afirmação desta nova função econômica propiciada pela ferrovia demonstra a capacidade que o equipamento tem de flexibilidade e 145

adequação às necessidades mutáveis das populações. É bem provável, e o que nesta pesquisa procurou-se demonstrar, é que o espaço urbano de Tubarão ainda deve continuar sendo formado por processos sociais e formas espaciais que tenham na EFDTC ação de agente produtor, a despeito das novas formas de tecnologia de transporte de cargas e pessoas.

5.3 Erradicações previstas e novas instalações

O processo de transformação das instalações e trechos da ferrovia dentro da área urbana assim como erradicações ocorre de forma gradual, na medida em que o crescimento da cidade se acelera. O prolongamento de vias rodoviárias e a eliminação parcial de trechos da EFDTC ou sua manutenção passam a ser a dicotomia das decisões a tomar.

5.3.1 Transferência da Oficina Central

A retirada dos trilhos do trecho central da área urbana no ano de 1969 foi apenas parcial, já que foi necessário ser mantido o acesso dos trens à Oficina Central, assim como sua própria localização não podia ser alterada. Desta forma, a EDFTC continuou a interferir no sistema viário rodoviário do município, dificultando o trânsito da população e impedindo o crescimento urbano neste setor da cidade. Movimentos políticos solicitam desde então a transferência da Oficina Central e retirada dos trilhos no trecho entre ela e a oficina Henrique Lage, fato que começou a ser efetivado no ano 2002 com elaboração do respectivo projeto. As novas instalações da Oficina Central estão sendo construídas com recursos do Ministério dos Transportes, que entende que o aumento da capacidade de transporte da FTC vai interferir ainda mais no sistema viário urbano de Tubarão. As obras e a transferência ocorrem dentro do pátio da oficina Henrique Lage, com previsão de conclusão para o ano de 2007. Na verdade o pátio atual de manutenção e o bicicletário é que impedem o prolongamento do sistema viário, sendo possível manter funcionando os edifícios, logicamente, dando-lhes novo uso e nova função ao espaço urbano desta parcela da cidade. A figura 119 mostra a situação exposta.

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5.3.2 Novo uso dos galpões da Oficina Central e trilho turístico

Os processos espaciais, que são produto dos processos sociais e de suas formas espaciais resultantes, têm um claro exemplo na articulação da sociedade civil organizada de Tubarão, conforme noticia diversas vezes a imprensa local, a respeito da finalidade e novo uso a ser dado aos Galpões da Oficina Central. Construídos no ano de1906, reestruturados e reformados e ampliados, estão em ótimo estado de conservação permitindo a discussão de diversas alternativas de uso público e readequação de função a este importante espaço edificado, com elevado valor histórico: centro cultural de multiuso, teatros, condomínio empresarial, oficinas de arte, são opções colocadas à análise. A possibilidade técnica da não retirada dos trilhos entre a oficina Henrique Lage e a central, cuja permanência potencializa o trem turístico, é avaliada. No caso, a Oficina Central e seus serviços de manutenção serão transferidos, o sistema viário prolongado, e os trilhos permanecem no canteiro central da Avenida Marcolino Martins Cabral para uso turístico eventual, conforme se pode ver nas figuras 120, 121. As figuras 122 e 123 mostram o local onde a Avenida Marcolino Martins Cabral é interrompida pelos trilhos e onde as obras de prolongamento irão ter início.

Figura 120 – Linha Férrea e Oficina Central. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

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Figura 121 – Percurso do canteiro central, pista direita. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Figura 122 – Local de obstrução da Avenida. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

Figura 123 – Encontro trilhos e Avenida. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

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Outra vez se exemplifica a intensidade e o grau de interferência da EFDTC na produção e uso dos espaços urbanos de Tubarão. Ressalta-se a capacidade de adaptação a novos usos dos equipamentos produzidos ao longo do tempo pela atividade ferroviária, continuando sua participação de forma ampla nos processos espaciais da cidade. A figura 124 aponta em vista aérea panorâmica as possibilidades aqui verificadas

Figura 124 – Prolongamento da Avenida e canteiro central, sudoeste. Fonte: Prefeitura Municipal de Tubarão, elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros.

5.3.3 Prolongamentos da Avenida Marcolino Martins Cabral

Aberta para o uso do sistema viário municipal a partir da erradicação do trecho central da ferrovia, a Avenida Marcolino Martins Cabral é a principal via da cidade. Com largura 150

máxima de 21,00 metros, atravessa a área urbana no sentido longitudinal oeste-leste, paralela ao rio e permite a ligação de vários bairros com a área central. Desde quando foi possibilitado seu uso para o trânsito de veículos automotores, esta avenida permaneceu obstruída em ambas as extremidades. Na sua extremidade sudoeste, com a transferência da Oficina Central, será possibilitado seu prolongamento até a via principal denominada Rua Silvio Cargnin, permitindo que cumpra por completo sua função estrutural dentro do sistema viário da cidade. A figura 125, na sua parte superior, permite verificar a importância que este prolongamento exercerá na acessibilidade da população. Na outra extremidade sudeste o prolongamento da Avenida Marcolino Martins Cabral já se encontra desobstruído desde a enchente do ano de 1974, quando a ponte da via férrea que fazia a travessia do Rio Tubarão foi destruída e seu traçado alterado. Conforme Tubarão (1992) e relatos da Secretaria Municipal de Planejamento, as obras que permitem a trafegabilidade rodoviária neste trecho já se iniciaram. Ela será ligada à Rodovia Municipal Aggeu Medeiros, cujo trajeto liga os municípios de Tubarão e Laguna, com percurso paralelo ao rio, possibilitando o acesso à região litorânea das praias do Farol de Santa Marta, afirmando-se então, também, como via de corredor turístico.

Ponto de obstrução

Figura 125 – Vista da Avenida. Nos fundos seu prolongamento obstruído. Fonte: Prefeitura Municipal de Tubarão.

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5.4 Ações da Ferrovia Tereza Cristina SA.: gerenciamento modernizado e integração dos sistemas de transporte

Produtividade, eficiência, segurança, agilidade, custo são palavras-chave no mercado competitivo do mundo globalizado. A FTC desde que passou a operar o sistema da EFDTC através de concessão alterou seu modo de gerenciamento e a forma de encarar a atividade, considerada: “Um negócio moderno, lucrativo, com grandes possibilidades de expansão e retorno social”, nas palavras de seu Presidente Sr. Benoni Schmitz Filho. Para poder atuar com força no mercado, diversas medidas agressivas de gerenciamento foram adotadas e a atualização com adequação às tecnologias atuais foram implementadas com objetivo de ampliar clientes e tornar o transporte cada vez mais eficiente. Conforme Ferrovia Tereza Cristina (2006), novas tecnologias garantem a segurança operacional, entre elas o Sistema de Gerenciamento Ferroviário que atua em conjunto com o sistema de monitoramento via satélite, permitindo obtenção de informações e estatísticas, como o volume e tipo de carga de cada vagão, quantidade de viagens realizadas, o trecho em que se encontra, pátio e linha que ocupa e a que cliente pertence. Essas informações potencializaram o controle e a segurança das operações e também são disponibilizadas em tempo real para os clientes que utilizam a ferrovia. Outra ação inovadora foi a aplicação do Sistema de Gestão Corporativa, que visa à organização interna. Com ferramentas específicas da área, focam a gestão da qualidade da organização, planejando e controlando a melhoria contínua de seus processos com o objetivo de melhor atender os clientes. Novos investimentos são previstos, dentre eles a construção de um terminal ferroviário junto ao porto de Imbituba e a adequação de terminais de carregamento e descarga prevêem crescimento de sua capacidade de transporte, e por conseqüência interação com o espaço urbano e seus processos espaciais conseqüentes. Por outro lado, há uma série de projetos de grande porte, já em execução e de âmbito externo ao gerenciamento da FTC, mas que influenciam e vão atuar de forma direta nos resultados da atividade do transporte ferroviário. Primeiramente, cita-se, em conjunto com outras empresas transportadoras, a construção de um terminal intermodal, a ser instalado dentro da área do projeto Cidade dos Transportes, no município de Criciúma. Em segundo lugar, salienta-se a 152

implantação já em estágio adiantado do Aeroporto Regional Humberto Ghizzo Bortolluzi, no município de Jaguaruna, construído com capacidade para atingir o objetivo principal de transportar passageiros e cargas em grandes quantidades. E finalmente, o processo de duplicação do trecho sul da BR 101 com as obras evoluindo em ritmo acelerado, conforme figuras 126 e 127. A figura permite observar a construção da rodovia exatamente ao lado do leito da EFDTC traçado em 1880, em terreno plano e com poucos obstáculos.

Ferrovia BR-101

Figura 126 – Obras de duplicação da BR-101 ao lado do leito da ferrovia. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

BR-101 Ferrovia

Figura 127 – Obras de duplicação da BR 101 ao lado do leito da ferrovia. Fonte: Acervo Rodrigo Althoff Medeiros.

As três obras passam a integrar o sistema intermodal porto-rodovia-ferrovia-aeroporto e permitem antever o incremento que será possível à atividade na EFDTC com o sistema funcionado na sua totalidade, conforme se pode ver na figura 128. Finalmente, a busca da FTC a integração à malha ferroviária nacional, através do projeto Ferrovia Litorânea, cujos estudos estão sendo desenvolvidos em conjunto com a 153

Secretaria de Estado de Infra-estrutura e Ministério dos Transportes, prevê a ampliação da linha férrea catarinense, de Imbituba a Araquari, com 236 quilômetros de extensão, interligando os quatro portos do estado: Laguna, Imbituba, Itajaí e São Francisco do Sul. Com a ampliação da malha, a Ferrovia Tereza Cristina poderá transportar uma série de produtos, proporcionando novos corredores de transporte e a logística adequada para o escoamento da produção industrial catarinense. O espaço urbano de Tubarão sem dúvida se reordenará sob a influência das alterações futuras no sistema.

Figura 128 - Mapa: sistema integrado de transporte. Fonte: Elaborado por Rodrigo Althoff Medeiros.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme se viu nesta dissertação de pesquisa, a atividade ferroviária está ligada de maneira direta ao desenvolvimento sócio – político – econômico e ao crescimento espacial das cidades da região sul do estado de Santa Catarina. Desde os primeiros anos de sua implantação a ferrovia influenciou espacialmente na formação dos núcleos urbanos pelos quais passava e no município de Tubarão, em especial na sua área urbana, ela foi determinante das condições das expansões urbanas ocorridas. Assim sendo, o fio condutor da pesquisa teve como meta determinar como a ferrovia influenciou a formação do espaço urbano na cidade de Tubarão. Analisar o processo de formação e transformação do espaço urbano de Tubarão a partir da implantação e funcionamento da EFDTC, observando seus diferentes traçados e funções ao longo do tempo foi o objetivo proposto, o qual delineou as ações efetivadas no processo de coleta de dados nas fontes primárias e secundárias. A estrutura da pesquisa, subdividindo o enfoque do objeto em sub-temas que permitissem uma maior amplitude de análise, permitiu também atingir objetivos específicos. A medida que o trabalho evoluiu, as especificidades dos capítulos imbrincaram-se de tal forma que se concluiu estar correto o caminho adotado da subdivisão. Desta forma, o capítulo introdutório contribuiu com a apresentação do tema da pesquisa e o contexto no qual está inserido. Ali ficou identificado o objeto a ser focado e analisado. Desde o momento inicial encontrou-se dificuldade na delimitação da pesquisa, já que não foi encontrada a produção de algum relatório que servisse de subsídio para tal. A justificativa da pesquisa, sua delimitação espacial e temporal e a decisão de adoção de determinados conceitos foram importantes no sentido de direcionar as análises posteriores. Os resultados pretendidos só foram alcançados com a definição criteriosa da metodologia de pesquisa, na qual se elencou tarefas a serem desenvolvidas e as fases de divisão da pesquisa. A apresentação da problematização envolveu comentários sobre o contexto das transformações resultantes da revolução industrial e da mudança no sistema político mundial que levaram ao processo de globalização que hoje vivemos, e que possibilitou a implantação da EFDTC no sul do estado de Santa Catarina. Os questionamentos quanto a formação do espaço urbano desde o surgimento do de Tubarão e a implantação da ferrovia são abordados de maneira a direcionar o andamento da 155

pesquisa, permitindo também explicitar interrogações possíveis quanto ao crescimento e desenvolvimento futuro da atividade ferroviária inserida no meio urbano. O segundo capítulo teve como resultado a ampla visão da dimensão do sistema ferroviário e sua relativa importância no mundo contemporâneo. Caracterizou-se o equipamento ferrovia e o sistema do qual faz parte assim como o contexto histórico inicial de implantação e difusão no mundo. As diferenças do sistema implantado variam conforme o país analisado, seu sistema sócio - econômico, a topografia, relevo e as dimensões territoriais assim como o perfil técnico do equipamento utilizado dentre outras muitas variáveis. Esta parte do texto necessita ser aprimorada, sugestão desde já feita a futuros trabalhos, sendo essencial a identificação mais precisa das variáveis a considerar. O quadro ferroviário no Brasil e em Santa Catarina é amplo e se faz necessário racionalizar a pesquisa em futuros trabalhos. Quanto às perspectivas e ampliações do sistema e suas possibilidades de interferência nos novos espaços urbanos, em especial na região e na cidade analisada, a pesquisa possibilitou uma visão panorâmica ampla da realidade e deve ser atualizada a medida que os planos evoluam, sejam revisados e iniciem sua implantação efetiva. No terceiro capítulo obteve-se como resultado um conhecimento aprofundado da realidade, através da dissecação do município de Tubarão. A pesquisa permitiu relacionar de forma direta a ferrovia e o espaço urbano, analisar espacialmente o processo de implantação da EFDTC com a análise do processo de formação do município. Aqui o resgate de informações históricas da ocupação territorial na região de Laguna, em especial do município de Tubarão, que se apresentavam dispersas, foram reunidas e possibilitaram a base necessária para aspectos conclusivos do trabalho. Ressalta-se que a pesquisa ficou limitada ao nível de aprofundamento possível, ficando a sugestão da possibilidade de ampliação da coleta de dados e seu mapeamento em uma periodização feita com amplitudes menores que permitam uma reconstrução da formação do espaço urbano ainda mais detalhada. A existência, ainda preservada no Departamento de Cartografia do Estado de Santa Catarina e nos arquivos da RFFSA e da FTC, de mapas originais tanto da ferrovia como do sistema da malha urbana de Tubarão, as fotografias arquivadas em armários do Arquivo Histórico Municipal e os relatos testemunhais de personalidades que vivenciaram o período analisado exigem urgência de trabalhos científicos que os analisem mais profundamente. 156

O quarto capítulo forneceu como resultado a base teórica e conceitual da pesquisa, em meio a conclusões específicas da influência da ferrovia na formação do espaço urbano. A geografia urbana apresentada, os agentes da produção do espaço urbano e seus processos sociais são analisados dentro do contexto da cidade e da região na qual está inserida. A abordagem de aspectos relacionados com as vias de transporte regional e a estruturação do espaço urbano de Tubarão, com uma análise descritiva e genética – construtiva forneceu material que se sugere embasem pesquisas mais aprofundadas, posto que a dissertação se apresenta com limitações e necessita detalhamento. Essas limitações são relativas ao levantamento, identificação espacial e mapeamento de outros espaços que tenham importância significativa na formação dos espaços urbanos de Tubarão originados a partir da implantação da ferrovia. Porém, ressalta-se que até o momento ainda não havia sido efetuada uma reconstituição precisa, com mapeamento, da expansão urbana de Tubarão, e a análise aqui efetuada permite a ampliação dos estudos a partir dela. Quanto a espacialização social e o conseqüente valor da terra urbana influenciados pela ação da ferrovia, salienta-se também o ineditismo abordado na pesquisa, a qual está limitada pelas informações cadastrais parciais fornecidas pela prefeitura local, que necessitam de pesquisa de campo mais aprofundada e com entrevistas de parcela representativa da população. O subtítulo que aponta os cruzamentos e as obstruções fornece um levantamento preciso da situação, porém carece de uma análise mais aprofundada de cada caso específico para determinação do grau relativo da influência exercida. A análise dos espaços criados pela ferrovia teve um levantamento de dados criterioso, mas deixa falhas em relação aos edifícios que não mais existem e a titularidade atual dos espaços. As áreas invadidas ou com ocupação irregular foram devidamente identificadas e mapeadas, restando também um levantamento qualitativo e quantitativo mais aprofundado. Este capítulo também se possibilitou a análise da morfologia e paisagem urbanas em distintos momentos do desenvolvimento sócio-político-econômico, com mapeamento das distintas etapas de ocupação do solo, formação do território, influenciadas pela ampliação da capacidade de mobilidade. O quinto capítulo apresenta como resultado as perspectivas de desenvolvimento e crescimento urbano possíveis, sob a influência da atividade ferroviária e em especial da EFDTC. Cita-se como ponto forte a utilização turística da ferrovia, viável e em curso. Aqui os dados, ainda indisponíveis no ano de 2006, devem ser atualizados para o ano em curso e uma futura pesquisa deve considerar outras variáveis do sistema turístico regional e sua integração como 157

sistema ferroviário. O museu ferroviário, ainda em processo de instalação e solidificação é um item que justifica a ampliação de estudos já que pode atuar como forte equipamento de integração entre as comunidades regionais e na geração de recursos. As erradicações previstas e novas instalações estão em curso e abordar o assunto nesta pesquisa tem importância na medida em que permite o conhecimento das alternativas possíveis de melhor e mais eficaz uso dos espaços que terão sua função alterada no futuro. Assim, o novo uso dos galpões da Oficina Central necessita de ampliação de estudos que apontem as possibilidades concretas de apropriação pela sociedade do grande potencial estruturador que eles fornecem. A permanência dos trilhos no canteiro central do prolongamento da Avenida Marcolino Martins Cabral é um projeto que deve ser analisado mais profundamente e tem na sua viabilidade técnica e econômica um forte indicador da possibilidade de sucesso como espaço urbano, e equipamento tecnológico, readequado às novas necessidades de uso da sociedade contemporânea. Finalmente, a integração intermodal dos sistemas de transportes com a ampliação e integração da malha ferroviária catarinense, a duplicação da BR 101, a construção do aeroporto regional de cargas e os novos investimentos previstos para os portos do Estado é assunto que também não poderia deixar de ser englobado na pesquisa uma vez que é através destas possibilidades que as ferrovias e locomotivas e o espaço urbano continuarão sendo condicionantes e condicionados sociais. Este tópico deve ser constantemente reanalizado já que os projetos atuais podem sofrer alterações que modifiquem as possibilidades relatadas nesta pesquisa. Anotam-se aqui algumas conclusões diretas que a pesquisa permite elencar. Primeiramente afirmar que a Ferrovia Tereza Cristina, influenciou e foi determinante na formação e na conformação espacial da cidade de Tubarão; a geografia urbana de Tubarão foi amplamente condicionada pela ferrovia, a qual foi determinante na espacialização social e na tipologia de seu tecido urbano; a estruturação do espaço urbano, desde os primórdios da fundação do município foi influenciada pela ação direta e indireta da ferrovia; a EFDTC deu origem ao bairro operário de Oficinas, ainda atualmente o mais populoso e maior em dimensões territoriais; o traçado urbano, apesar das condições do sítio onde a cidade está instalada, e os vetores da expansão nos distintos momentos de desenvolvimento e crescimento urbano foram fortemente condicionados pela via férrea; os cruzamentos e obstruções que a ferrovia impõe ao meio urbano acabam por direcionar os sentidos de crescimento da malha urbana; a localização dos edifícios, dos espaços construídos e dos espaços não construídos pela EFDTC e sua relação com os demais 158

sistemas atuantes no meio urbano foram determinantes da configuração espacial de Tubarão; a ferrovia foi condicionada e condicionou a afirmação do centro principal da cidade, de seus bairros e dos equipamentos de maior atração da expansão da malha urbana; a função econômica do município, dentro do contexto regional, foi direcionada pela implantação e funcionamento da ferrovia de seus serviços indiretos; a FTC continuará atuando como propulsora do crescimento e do desenvolvimento urbano de Tubarão, assim com dos demais municípios da região sul de estado de Santa Catarina, e influenciará os espaços urbanos existentes e os que serão criados. Há ainda dois aspectos a comentar quando se encerra as considerações finais desta dissertação. Em primeiro lugar ressalta-se que o acesso às fontes de pesquisa, em especial as fontes primarias de pesquisa permitiu descobrir a existência de grande quantidade de material disponível e inexplorado. À medida que o cronograma de trabalho evoluía, e por conseqüência as análises se aprofundavam, a quantidade de material efetivamente utilizado também aumentava passando a sensação que a pesquisa poderia ampliar-se cada vez mais. Mas, em assim sendo, se cairia na armadilha de se perder o foco, mesmo que as novas abordagens fossem aparentemente de grande interesse. Em segundo lugar, anotar que apesar desta quantidade de material ainda inexplorado, a quantidade e a qualidade daqueles selecionados foram de suma importância para se atingir os objetivos propostos e responder às questões enunciadas com relativa precisão. A pesquisa permitiu analisar e por vezes identificar ações e interferências causadas pela implantação de sistema de transporte integrador regional, com suas transformações, adequações no tempo e tendências futuras - na evolução do espaço urbano da cidade. Assim crê-se que foi possível compreender espacialmente o processo de implantação da ferrovia e o processo de formação do município; resgatar informações históricas da ocupação territorial na região do município e analisar o espaço urbano, em distintos momentos do desenvolvimento sócio-politico- econômico; mapear etapas de uso e ocupação do solo a partir do inicio da ocupação do território; mapear os espaços construídos e não construídos originados a partir da implantação da ferrovia. O estudo no tempo e no espaço, ancorados nos conceitos de espaço urbano, nas teorias de localização, possibilita compreender a cronologia de formação do espaço urbano da cidade de Tubarão e a identificação dos espaços construídos e livres de construção pela ação direta e indireta da ferrovia. A identificação dos trechos erradicados e dos espaços resultantes da erradicação com seus novos usos, se por um lado demonstra a capacidade de adequação à necessidades contemporâneas, por outro permite vislumbrar as perspectivas de expansão futura. 159

Se a ocupação inicial do Morro da Igreja e a igreja propriamente dita, o ancoradouro que transformou-se em entreposto comercial, a ferrovia e sua estrutura administrativa e operacional direta, o Colégio São José e o Hospital, a Vila do Engenheiros, a Câmara de Vereadores, a Vila dos Ferroviários, a Estação Piedade e a estação de cargas, o Cinema Vitória dentre outros espaços, foram elementos do espaço urbano de Tubarão que influenciaram as localizações das demais atividades, além de serem causa e conseqüência destas locações durante aproximadamente um século, os tempos atuais apontam novos rumos e direções resultantes dos novos usos e costumes. Atualmente as rodovias regionais são os vetores principais do crescimento e do desenvolvimento urbano de Tubarão em todos os seus quadrantes tanto quanto as atividades advindas das localizações e dos próprios edifícios do novo FORUM, do Hospital SOCIMED, do Farol Shopping e do Parque Urbano o são no quadrante Sudeste da cidade onde está situada a classe mais alta daquela sociedade. Os objetivos elencados e propostos foram alcançados em grande parte, ficando a possibilidade da continuação possível e necessária da ampliação dos estudos frente a riqueza do material disponível à pesquisas, assim como a quantidade de antigos núcleos urbanos, hoje formando dezesseis importantes cidades, necessitarem ter suas histórias urbanas esmiuçadas. Pesquisas futuras podem também identificar a relação entre os terminais urbanos e seus bairros em distintas cidades do mundo, ampliando o estudo para a escala do pedestre, para a escala do edifício em relação à ferrovia ampliando assim a abordagem desta dissertação que se restringiu mais a escala do automóvel. Sugere-se ainda que pesquisas futuras ampliem a delimitação desta dissertação, englobando a área rural, e esmiúcem de forma mais profunda e em períodos mais curtos a evolução da malha urbana de Tubarão. Também é possível sugerir a ampliação da pesquisa para outros municípios atendidos pela ferrovia. Pesquisas futuras podem melhorar a abordagem técnica do equipamento ferroviário e por fim, ampliar a análise do sistema implantado no Estado de Santa Catarina.

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