Vol. 36, abril 2016, DOI: 10.5380/dma.v36i0.41879

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

O processo de implementação do Projeto Orla em Itapema, – Brasil

The Implementation Process of Projeto Orla in Itapema, Santa Catarina –

Maria Emília Martins da SILVA1*, Eduardo Juan SORIANO-SIERRA2

1 Instituto Federal Catarinense (IFC) – Campus Avançado , Sombrio, SC, Brasil. 2 Núcleo de Estudos do Mar (NEMAR), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil. * E-mail de contato: [email protected]

Artigo recebido em 23 de junho de 2015, versão final aceita em 1 de março de 2016.

RESUMO: A gestão da zona costeira brasileira tem sido cada vez mais valorizada devido às suas características físicas, biológicas e paisagísticas e por apresentar potencialidades para o desenvolvimento socioeconômico das cidades. Contudo, verifica-se ao longo dos anos uma série de conflitos e interesses múltiplos referentes aos bens da União, em especial quanto aos usos da orla marítima. No intuito de disciplinar o uso e a ocupação da orla, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) criaram o Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima (Projeto Orla). Neste contexto, o município de Itapema, litoral norte do Estado de Santa Catarina, iniciou o processo de implementação do Projeto Orla em 2006, com resultados consolidados. O estudo descreve esse processo segundo a atuação da gestão pública municipal. Os métodos adotados na pesquisa estão embasados no paradigma interpretativista, por meio do estudo de caso. Seu aporte principal se desenvolveu por meio da técnica de entrevista semiestruturada com três representantes da gestão pública municipal e um stakeholder da SPU do Estado de Santa Catarina. Os resultados demonstraram que o poder executivo municipal não seguiu todas as diretrizes mandatórias dos órgãos responsáveis pelo Projeto Orla, consideradas fundamentais para fiscalização, manutenção e gestão da orla após as etapas de intervenção, como, por exemplo, a continuidade do Comitê Gestor da Orla. Ainda assim, o município obteve apoio técnico e recursos para obras de revitalização e aquisição de estruturas urbanísticas no espaço da orla, com apreciação positiva da comunidade local. Palavras-chave: gestão ambiental; zona costeira; sustentabilidade; cidades costeiras.

ABSTRACT: The Brazilian coastal zone management has been increasingly appreciated due to physical, biological and landscape features, besides being the birthplace of terrestrial and marine biodiversity and socioeconomic development. However, over the years a series of conflicts and multiple interests to Federal assets were found, in particular related to the use of the seafront. In order to regulate the use and occupation of the seafront, the Ministry of Environment (MMA) and the Department of Heritage Union (SPU) created the Orla Project. In this context, the city of Itapema, located at northern coast of Santa Catarina State, started the process of

Desenvolv. Meio Ambiente, v. 36, p. 315-330, abr. 2016. 315 implementation of the Orla Project in 2006, with some consolidated results. Therefore, this study describes this process from the perspective of public management. The methods used are based on the interpretive paradigm. The main contribution was developed by the technique of semi-structured interviews with three representatives of public management and a SPU stakeholder from the state of Santa Catarina. The results showed that the municipal executive did not follow all the guidelines mandatory for the Orla Project, considered fundamental for monitoring, maintenance and management of the waterfront following the steps of intervention. Still, the city obtained technical support and resources for revitalization works and acquisition of urban structures on the waterfront, with positive appreciation of the local community. Keywords: environmental management; coastal zone; sustainability; coastal cities.

1. Introdução Segundo Brorström (2015), as cidades terão de enfrentar grandes desafios no futuro, tais como o A sustentabilidade tem tido um papel proe- crescimento da urbanização, a exclusão social e as minente nas discussões das organizações públicas alterações climáticas. e privadas nas últimas décadas, com inclusões de Na visão de Nakano (2006), as cidades cos- projetos e ações preventivas e corretivas, cada qual teiras expandem-se vertical e horizontalmente, buscando atender suas necessidades mais urgentes, inclusive em áreas vulneráveis, constituindo ao conjugando-se aos seus padrões de gestão (Claro et longo do tempo espaço de adensamento populacio- al., 2008; Schaltegger, 2011; Starik & Kanashiro, nal e de atração de fluxos povoadores. Tais eventos 2013). O paradigma, cunhado por Maurice Strong exercem forte pressão sobre os recursos naturais, e Ignacy Sachs na década de 1970, tentava buscar proveniente de inúmeras atividades produtivas, soluções para os problemas ambientais e sociais causando impactos permanentes e irreversíveis para gerados pela degradação ambiental e pelo cresci- o ambiente natural e para o bem-estar das comuni- mento populacional, que já apresentava perspec- dades autóctones (Van Vuren et al., 2004; Nakano, tivas quantitativas desastrosas numa esfera global 2006; Moraes, 2007; Cardoso Junior et al., 2012). (Sachs, 2008; Seiffert, 2011). Tem-se observado nos balneários, nas úl- Percebe-se atualmente que as organizações timas décadas, a construção e a ampliação de públicas e privadas estão atentas às necessidades equipamentos turístico-hoteleiros e condomínios da sociedade e às alterações antrópicas ao ambien- de luxo vinculados a uma política imobiliária de te, buscando, sobretudo, a regeneração urbana, crescimento ilimitado, levando as cidades costei- espacial e a reinvenção das cidades, com projetos ras a um consumo excessivo de recursos naturais, de revitalização e reorganização do espaço (Leite as quais não têm condições de suporte (Silva & & Awad, 2012). Frente a esse cenário, toma-se Ferreira, 2011; Cardoso Junior et al., 2012; Silva por reflexão a gestão das cidades costeiras, pois & Soriano-Sierra, 2013; Lima, 2013). Esse ritmo esse espaço territorial constitui o cerne de grande de ocupação desconsidera muitas vezes as necessi- parte da população mundial, a qual supõe uma dades e os desejos da comunidade local, afetando, série de interesses e conflitos sociais, econômicos por sua vez, ambientes significativos de proteção e ambientais para o espaço da orla marítima (Mo- ambiental, como os manguezais, as dunas e sua raes, 2007; Leite & Awad, 2012; Scherer, 2013). vegetação fixadora, as restingas, os recifes de co-

316 SILVA, M. E. M. da; SORIANO-SERRA, E. J. O processo de implementação do Projeto Orla em Itapema, Santa Catarina – Brasil rais, entre outros considerados de alta fragilidade O Projeto Orla completou quatorze anos de e produtividade biológica (Ministério do Turismo, criação em 2015, envolvendo 17 estados costeiros 2010). Ademais, devido ao aumento da população e aproximadamente 330 municípios defrontantes em períodos sazonais, ao uso excessivo do solo e (Silva, 2013). Contudo, ainda que sua estrutura à alienação ou desobediência aos limites de cons- apresente resultados consistentes, uma metodolo- trução na faixa costeira permitidos por lei, a gestão gia eficiente e o alcance dos objetivos do PNGC, a integrada da zona costeira – aliada à participação da maior problemática situa-se na gestão da orla e na comunidade na atualização do plano diretor – torna- deficiência de ações coordenadas e sistêmicas dos -se necessidade urgente para a gestão sustentável órgãos envolvidos, uma vez que a fiscalização e do território (Francia, 2012; Lanza & Randazzo, manutenção dos projetos de intervenção, especial- 2013; Silva & Soriano-Sierra, 2013), mas que nem mente em nível local, ainda se encontram aquém do sempre se efetiva. esperado (Cardoso Junior et al., 2012; Silva, 2013). No Brasil, o principal instrumento de pla- Na zona costeira do Estado de Santa Catari- nejamento da Política Nacional de Recursos do na, diversos municípios iniciaram o processo de Mar e da Política Nacional de Meio Ambiente implementação do Projeto Orla, em parceria com é o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro a Coordenação Nacional e Estadual (GERCO/SC). (PNGC), instituído pela Lei n. 7.661 de 1988, que Dentre esses, o município de Itapema, localizado no apresenta como um de seus principais objetivos o litoral centro-norte do Estado, aderiu ao processo ordenamento dos usos na zona costeira visando à em 2007, tendo parte de seus resultados consolida- conservação e à proteção dos recursos costeiros dos na implantação do “Parque Linear Calçadão”, e marinhos (Brasil, 1988; Conselho Nacional do no bairro Meia Praia, em dezembro de 2012, sendo Meio Ambiente, 2003). Emanado do PNGC de 1997 considerado de interesse para um estudo de caso co- e do Plano de Ação Federal para a Zona Costeira mo prática replicável para outras cidades costeiras. (PAF-ZC) de 2005, ambos aprovados pela Comis- Justifica-se a eleição pela cidade de Itapema são Interministerial para os Recursos do Mar (Pinto, devido ao seu histórico de crescimento urbano e 2012), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e adensamento territorial, com predominância no a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) insti- bairro Meia Praia, o qual demonstrou situações de tuíram, em 2001, o Projeto de Gestão Integrada da ocupação do solo de forma desordenada e ganancio- Orla Marítima (Projeto Orla). Seu objetivo é imple- sa, notadamente na última década, sob o ponto de mentar uma política nacional que articule as ações vista do imobiliário turístico, como citam os estudos patrimoniais e ambientais, por meio de uma gestão de Silva & Ferreira (2011), Silva & Soriano-Sierra descentralizada entre a União, Estados, Municípios (2013; 2015) e Silva (2013). Em contraponto, após e a sociedade civil organizada, conjugando-se ao o processo de intervenção na orla com obras de planejamento participativo sobre o uso e ocupação ordenamento e revitalização, oriundos do Projeto do espaço costeiro brasileiro (Brasil, 2004). Moraes Orla no trecho da orla do bairro Meia Praia, o & Zamboni (2004) ressaltam que a metodologia do município sofreu transformações socioespaciais Projeto Orla é inovadora e prioriza a conservação significativas, impactando de forma positiva a ci- dos recursos ambientais, sociais e a qualidade paisa- dade, o bairro, seus moradores e visitantes. Entre gística da orla brasileira em suas cidades costeiras. essas alterações, houve a mudança de percepção dos

Desenvolv. Meio Ambiente, v. 36, p. 315-330, abr. 2016. 317 atores sociais sobre o espaço, os quais descreviam a observação simples do campo de estudo, neste caso, orla marítima como um ambiente inóspito e, atual- a orla do bairro Meia Praia (Gil, 2012); e a pesqui- mente, sentem-se com a autoestima elevada frente sa documental realizada em fontes disponíveis na às transformações urbanas e ambientais ocorridas Prefeitura Municipal de Itapema, Santa Catarina. na orla, considerando-a um ambiente aprazível de convivência social (Silva & Soriano-Sierra, 2013; 2.1. Coleta de dados 2015; Silva, 2013). Cabe ressaltar a relevância do estudo, em A fase de coleta de dados foi conduzida em apresentar um diagnóstico sob a forma de depoi- duas etapas: a primeira realizou-se por meio da mentos sobre o processo de implementação do técnica de entrevista semiestruturada com os re- Projeto Orla em uma cidade costeira e turística, presentantes da gestão pública municipal, sendo o apresentando seus pontos positivos e limitações, a roteiro de entrevista elaborado com perguntas aber- partir da experiência dos protagonistas do processo tas, possibilitando ao entrevistado discorrer sobre o – a gestão pública. assunto proposto. Para a seleção dos participantes, Por conseguinte, o objetivo do estudo foi des- utilizou-se a amostragem não probabilística, cuja crever o processo de implementação do Projeto Orla classificação se baseou na amostragem intencional em Itapema - Santa Catarina, segundo os gestores (Miguel, 1970; Gil, 2012). Desses, três atuavam no públicos municipais, na perspectiva de comparti- poder executivo municipal na gestão 2006-2012 e lhar as experiências obtidas e a sistematização do uma quarta informante atuava como representante processo. do Projeto Orla na SPU, na esfera estadual. Logo, foram entrevistados quatro stakeholders entre 17 e 2. Procedimentos metodológicos 29 de março de 2013, todos participantes diretamen- te do processo de implementação do Projeto Orla O estudo enquadra-se no paradigma inter- em Itapema. Como atributo da técnica de entrevista pretativista que, segundo Leite (2008, p. 100), semiestruturada, foram feitos registros de áudio “[...] possui o poder de analisar os fenômenos com das entrevistas e transcritos para confiabilidade consideração de contexto”. Com relação aos obje- do estudo, além de ter sido adotado o “Termo de tivos, a pesquisa apresenta-se como exploratória e Consentimento Livre e Esclarecido”, visando à descritiva (Gil, 2012), que, neste caso, apresenta-se plena concordância do entrevistado e à garantia como a descrição do processo de implementação do do anonimato. Projeto Orla no município de Itapema (SC). A segunda etapa ateve-se à observação do Nesta investigação, adotou-se o método estudo campo, ou seja, da zona costeira municipal, espe- de caso, pois esse elucida a “descrição e análise de cialmente no trecho da orla do bairro Meia Praia uma simples entidade, fenômeno ou unidade social” e do Parque Linear Calçadão – principal obra de (Merriam, 1998, p. 16; Yin, 2005). Somam-se a este revitalização realizada. O registro das observações a pesquisa bibliográfica realizada em bases de dados foi feito mediante caderno de notas e fotografias e eletrônicas, cujo objetivo foi buscar estudos simi- foram posteriormente cotejadas com os resultados lares e demais publicações inerentes ao assunto; a das entrevistas.

318 SILVA, M. E. M. da; SORIANO-SERRA, E. J. O processo de implementação do Projeto Orla em Itapema, Santa Catarina – Brasil 2.2. Interpretação e análise dos dados municípios limítrofes: Balneário Camboriú ao nor- qualitativos te, ao sul e Camboriú a oeste, latitude 27º05’25”S e longitude 48º36’41”W (Figura 1): A unidade de análise (do caso) para o proble- O município é cortado de norte a sul pela Ro- ma de pesquisa foi a orla do bairro Meia Praia. O dovia Federal BR-101, resultando parcialmente no método adotado para análise dos dados está baseado crescimento demográfico que apresenta nas últimas na “construção da explanação”, que consiste em um décadas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de tipo especial de adequação padrão. Seu objetivo, Geografia e Estatística (IBGE, 2010), sua população segundo Yin (1982), é analisar os dados do estudo fixa é de 45.797 habitantes, embora o número de de caso construindo uma explanação sobre ele. residentes venha crescendo anualmente, com uma Assim, a explanação consistiu sobre o processo de população estimada em 57.089 para o ano de 2015 implementação do Projeto Orla no município de (IBGE, 2015). A população flutuante, considerada Itapema (SC), a partir dos resultados das entrevistas por visitantes temporários, chegou ao ápice na realizadas com os stakeholders. temporada de verão de 2012/2013, com aproxima- damente 600 mil habitantes. 3. Caracterização da área de estudo Itapema, assim como outras cidades litorâne- as, teve no turismo sua fonte geradora de recursos O município de Itapema está localizado no a partir da década de 1970, aumentando conside- litoral centro-norte do Estado de Santa Catarina, a ravelmente a oferta de segundas residências para o 60 km da capital do Estado, Florianópolis, com área aproveitamento do período de férias, assim como territorial de 57,803 km2, apresentando os seguintes foi notável o crescimento do comércio de bens e ser-

FIGURA 1 – Localização geográfica de Itapema no Estado de Santa Catarina. FONTE: Adaptado de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2015).

Desenvolv. Meio Ambiente, v. 36, p. 315-330, abr. 2016. 319 viços para atendimento ao visitante (Nemetz, 2004). à elaboração e atualização do Plano Diretor, que Por isso, o setor de serviços, incluindo o turismo, no período de 2002 a 2013 estava desatualizado, é o segmento econômico com maior incidência de contrariando os princípios do Estatuto da Cidade impostos e geração de emprego e renda. Após este (Lei nº 10.257/2001) (Brasil, 2002). período histórico, o turismo gerou a expansão da Itapema apresenta 14 km de orla marítima construção civil e, por consequência, do setor imo- linear, composta por quatro praias: a praia da Mata biliário, elevando o município à posição de segundo de Camboriú; a praia da ; a praia do Cabeço polo regional no setor, perdendo na microrregião ou Grossa e a praia de Itapema, a qual é dividida da Associação dos Municípios da Foz do Rio Itajaí em Canto da Praia, praia central de Itapema e Meia (AMFRI) apenas para Balneário Camboriú (Do Praia (IBGE, 1991). Silva (2013) explica que Meia Amaral Pereira et al., 2002). Praia é o bairro que possui a melhor infraestrutura Segundo Silva (2013, p. 103), ao longo da de serviços, caracterizando-se pelos equipamentos história houve desigualdades entre as áreas leste e e serviços turísticos que dispõe, como bares, res- oeste da cidade, “onde a região litorânea a leste é taurantes, hotéis, comércio e outros, sendo também mais ocupada, desenvolvida e impactada ambien- o espaço com a maior quantidade de alvarás para talmente que a parte oeste”. Além disso, é notável a construções de edifícios no município. incidência do adensamento populacional nesta faixa Os maiores atrativos turísticos de Meia Praia territorial, devido à proximidade da costa litorânea, são a orla e a praia, com uma extensão de 5 km. motivo principal de visitação ao município, o qual Contudo, como consequência do adensamento propicia o interesse dos veranistas em adquirir populacional, o bairro está passando por um ace- imóveis na orla, fomentando as construções mul- lerado processo de verticalização, com edifícios tifamiliares e os impactos antrópicos na paisagem. de alto padrão e, consequentemente, especulação Este fato acelerou o crescimento demográfico e imobiliária, processo que vem a comprometer a imobiliário do município e, em muitos dos seus qualidade de vida da população local, com altera- espaços, é possível verificar saturação. ções na paisagem e deflorestamento da vegetação O aumento vertiginoso da população flu- de restinga, que tem por função manter o equilíbrio tuante implica em inúmeras problemáticas de morfodinâmico do mar e da terra, impedindo a ordem estrutural urbana, como a ineficiência do invasão das marés (Silva, 2013). sistema de tratamento de esgoto, a capacidade de Com base neste cenário, no intuito de tornar abastecimento de água, intensa produção de lixo, a cidade e o espaço costeiro mais aprazível e orde- poluição estética e sanitária, etc., devido ao nú- nado, com respeito às leis de proteção aos recursos mero expressivo de pessoas alocadas num mesmo costeiros e marinhos, a gestão pública deu início espaço e tempo, além de apontar vulnerabilidade em 2006 ao processo de implementação do Projeto da orla em face de processos naturais, com erosão Orla, obtendo como um dos resultados efetivos a e desmatamentos (Silva, 2013). Vislumbra-se que a implantação do “Parque Linear Calçadão”, cujo saturação urbana, principalmente na faixa costeira, objetivo foi o de revitalizar e humanizar a orla ocorreu sem freio, sem planejamento sustentável marítima, em uma perspectiva sustentável. e sem a participação cidadã que deveria inserir-se

320 SILVA, M. E. M. da; SORIANO-SERRA, E. J. O processo de implementação do Projeto Orla em Itapema, Santa Catarina – Brasil 4. Resultados e discussão Esse cenário instigou a gestão pública muni- cipal a definir soluções para contrapor a realidade Os resultados denotam uma interpretação ora apresentada. Com este propósito, em 2007, o qualitativa sobre a intervenção pública realizada na poder executivo municipal retomou o processo de orla do bairro Meia Praia – Itapema, como resultado implementação do Projeto Orla, concomitantemen- prático do Projeto Orla. te à incumbência de cumprir um Termo de Ajuste A decisão da gestão pública de Itapema em de Conduta (TAC) a fim de resolver os problemas intervir na orla marítima com obras de revitalização e danos ambientais causados e recorrentes na orla teve início no ano de 2006, motivada por diversos municipal por gestões anteriores. impactos ambientais apurados pela Prefeitura Assim, membros do poder executivo apre- Municipal na orla, especialmente no bairro Meia sentaram ao Ministério Público Federal, por meio Praia. Os impactos foram gerados por construções da Procuradoria Pública do Município de Itajaí, o desordenadas, decorrentes da ausência de fiscaliza- Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) suge- ção e intervenções irregulares e desastrosas como, rindo a implantação de um parque linear no formato por exemplo, esgoto a céu aberto, resíduos de “calçadão”, composto de ciclovia e mobiliários construção civil e equipamentos de terraplanagem urbanísticos, que garantisse a acessibilidade e a sobrepostos na praia, cordão de dunas e vegetação valorização das pessoas, numa necessidade urgente praticamente ausentes, altos índices de poluição de organizar o espaço costeiro local. Além disso, estética, sanitária e visual e a privatização da praia buscava-se tornar o turismo uma atividade apra- pelos proprietários de imóveis localizados à beira- zível para a comunidade local, assim como para -mar, como ilustra a Figura 2. os visitantes, e não uma atividade de desordem e degradação ambiental como outrora se apresentava.

FIGURA 2 – Orla do bairro Meia Praia anterior ao Parque Linear Calçadão. FONTE: Revista Parque Calçadão (2011).

Desenvolv. Meio Ambiente, v. 36, p. 315-330, abr. 2016. 321 No mesmo ano, o município requereu junto Como preveem os requisitos legais para a à GRPU, em Santa Catarina, a cessão de uso de descentralização da orla e a inserção do município área de domínio da União – como prevê o Decreto no Projeto Orla, várias foram as etapas que o poder Federal n. 3.725, de 10 de janeiro de 2001, que executivo municipal necessitou cumprir. Dentre regulamenta a Lei n. 9.636, de 15 de maio de 1998, essas, esteve o Plano de Gestão Integrada da Orla com área de 70.792,93 m2, perfazendo um perímetro (PGI). Seu conteúdo versa sobre a promoção da total de 7.525,75 m, localizada no bairro Meia Praia, gestão sustentável da orla do município por meio com a finalidade de implantação do Parque Linear, de intervenções gradativas, devendo explicitar, prevendo construção de ciclovia e passeio público, entre outras ações, o cronograma definido para as implantação de áreas arborizadas, equipamentos de obras na orla, sua base legal e as ações definidas lazer e quiosques (Brasil, 2001; Ministério Público para cada trecho da orla. Segundo o MMA e a SPU, Federal, 2007; Silva, 2013) (Figura 3): esse documento está previsto como atribuição espe- O contrato de cessão de urso permite a ex- cífica da Coordenação Municipal do Projeto Orla, ploração da orla para reorganização do espaço sendo também obrigatório para a continuidade do costeiro municipal, cujo objetivo é a atuação processo (Brasil, 2005). descentralizada, incluindo a recuperação da vege- Para a construção do PGI, foram realizadas tação, assim como é requisito obrigatório para dar várias ações, ou seja, etapas a serem cumpridas para prosseguimento ao processo de implementação do a implementação do Projeto Orla. A primeira delas Projeto Orla, garantindo a celebração de convênios, foi o Seminário de Mobilização do Projeto Orla para inclusive o de cooperação técnica com a SPU, por conhecimento e apreciação da comunidade local, meio da GRPU, como parte dos procedimentos realizado em 22 e 23 de junho de 2007, além da rea- para a descentralização da gestão da orla (Brasil, lização de oficinas e levantamentos técnicos de toda 2005; Silva, 2013). a orla do município a fim de estimar perspectivas

FIGURA 3 – Ciclofaixa e estabelecimento de alimentação no Parque Linear Calçadão. FONTE: Os Autores, 2013.

322 SILVA, M. E. M. da; SORIANO-SERRA, E. J. O processo de implementação do Projeto Orla em Itapema, Santa Catarina – Brasil futuras desejadas, e ainda a constituição do Comitê Viana et al. (2012, p. 359) expõem que a Gestor da Orla, que consiste em “um núcleo de arti- gestão participativa: culação e deliberação em nível local, especialmente junto aos diferentes atores e à sociedade. [...], cuja É fundamental em um processo dessa natureza, uma vez responsabilidade é apoiar as decisões e fiscalizá-las que favorece consenso entre conflitos, diálogo institucio- nal, transparência legal e justificativa técnica e científica durante e após o processo de intervenção na orla” num espaço de discussão aberto para a sociedade, além (Brasil, 2005, p. 17). de dar voz à comunidade que vive o dia a dia do local. Houve também a participação cidadã, por meio de audiência pública, tendo por objetivo apre- A gestão participativa é considerada vital para sentar os estudos realizados e ouvir a comunidade a implementação de projetos e ações que atingem sobre a melhor forma de revitalização da orla do o coração de uma cidade como, por exemplo, sua “trecho Meia Praia”, sendo o primeiro local a ser orla marítima. Sobre esse aspecto, Cardoso Junior contemplado pelo projeto devido às suas caracte- et al. (2012) relatam que no processo de intervenção rísticas socioeconômicas e de relevância para o do Projeto Orla na Praia da Tartaruga, em Búzios turismo. Políticas públicas, a exemplo do Projeto (RJ), verificou-se que a participação e o aval da Orla, possuem em comum a exigência da participa- população envolvida no processo promoveram ção cidadã na implementação de seus instrumentos maior aceitação e atuação nas decisões de inter- e nos processos de tomada de decisão (Viana et venção locais. al., 2012). Scherer (2013, p. 8) complementa, ao Contudo, mesmo seguindo as orientações afirmar que o Projeto Orla é o “único instrumento dos técnicos da GRPU/SC, algumas das etapas do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro supracitadas não tiveram efetividade e continuida- que realmente determina qual o grau e como se dá de, a exemplo do Comitê Gestor da Orla, que não a participação popular no processo de gestão”. foi implementado por ato normativo municipal e, Na audiência realizada em 22 de agosto de por isso, o grupo inicialmente constituído ficou 2008, participaram aproximadamente 650 pessoas desarticulado e tornou-se inoperante no processo. (Silva, 2013). Após a apresentação das alternativas De acordo com representantes do bairro Centro de para a revitalização da orla, contempladas em: a) Itapema, “o Comitê Gestor da Orla estava bem reestruturação sem intervenção na forma original; dinâmico, muito atuante, as cobranças estavam b) avenida beira-mar com pista de rolamento; e, c) sendo muito altas e, talvez por isso, não houvesse parque linear segundo a proposta do EIA-RIMA, vontade política para ajudar”1. foram propostas duas formas de votação, sendo uma Portanto, para o município de Itapema, a me- por aclamação e outra por sufrágio secreto. Das todologia do Projeto Orla foi parcialmente adotada 650 pessoas presentes, 96% votaram, por sufrágio para sua implementação. Segundo a instrutora do secreto, pela terceira alternativa – Parque Calçadão, Projeto Orla – representante da GRPU – e o técnico enquanto que, por aclamação, a terceira alternativa da Fundação Ambiental Área Costeira de Itapema foi aclamada por unanimidade, manifestando a deci- (FAACI), os passos para a efetivação do projeto são são da sociedade e também do projeto EIA-RIMA. descritos a seguir, com algumas carências:

1 Entrevistas concedidas em março de 2013.

Desenvolv. Meio Ambiente, v. 36, p. 315-330, abr. 2016. 323 Contrato formalizado de cessão de uso de área da O Parque Linear Calçadão (PLC) foi um dos União; visitas técnicas a campo; elaboração do dossiê resultados consolidados do processo de imple- de documentos do município; oficinas de capacitação para os instrutores locais; realização de audiência mentação do Projeto Orla em Itapema, sendo ele pública para definição da forma de intervenção na orla. projetado segundo a percepção e conhecimento das pessoas que participaram das reuniões de trabalho, Além disso, a legislação federal correspondente ao representantes do IBAMA, da FATMA, da GRPU e assunto foi lida e estudada pelos técnicos e demais membros do Comitê Gestor da Orla (no município – da empresa responsável pelo EIA-RIMA. A equipe, grupo de trabalho), assim como a legislação municipal. durante seu desenvolvimento, definiu diretrizes espe- Entretanto, ficou pendente o Plano de Gestão Integrada cíficas quanto a geometria, circulação, equipamentos (PGI), pois ele não foi concluído na sua totalidade e, e paginação de passeio, com o seguinte programa de também, o Comitê Gestor da Orla. Logo, não foram adotados todos os fundamentos e orientações do Pro- necessidades: ciclovia com sinalização para pedes- jeto Orla. Faltaram coisas a fazer. (grifo dos autores)2 tres e ciclistas; calçadão construído com pavers ao invés de asfalto; paisagismo em torno dos edifícios Verifica-se, de forma evidente, que muitas das multifamiliares e comerciais; faixa de arborização; ações não efetivadas pelo Projeto Orla nas cidades recuperação da vegetação de restinga com telas de costeiras são recorrentes, como debatido no II Se- proteção e replantio de árvores nativas; instalação minário Nacional para Avaliação do Projeto Orla de equipamentos de lazer e recreação; postos salva- em 2008 - Salvador (BA) (Cardoso Junior et al., -vidas; drenagem pluvial; implantação de mobiliário 2012). A esse respeito, Cardoso Junior et al. (2012, urbano ecológico; decks de madeira para acesso à p. 14) citam alguns deles, que vêm confirmar as praia com rampas para portadores de necessidades mesmas problemáticas observadas em Itapema: físicas; e iluminação fotovoltaica em toda a faixa a) a população não tem conhecimento dos PGI’s, da orla (Silva, 2013), como demonstra a Figura 4. b) descontinuidade na implementação do Projeto Parte do processo de implementação do Pro- Orla nos municípios, c) a maioria dos PGI’s não jeto Orla e implantação do Parque Linear Calçadão teve suas ações implementadas, d) falta de recursos para o bairro Meia Praia em Itapema foi realizado financeiros específicos para a implementação das em um período de seis anos. Havia intenção do ações previstas nos PGI’s, entre outras. Gestor Público Municipal em dar continuidade ao Oliveira e Nicolodi (2012) elucidam que o Projeto Orla nas demais extensões de orla do mu- Projeto Orla ainda apresenta problemas específicos, nicípio, entretanto, a equipe pertencente à gestão como os apontados neste estudo, principalmente na 2006-2012 encerrou suas atividades ao final do implementação das ações definidas pelos Planos de ano de 2012, em função da conclusão do mandato. Gestão. Contudo, segundo os autores, ele pode ser Na atual gestão, não se tem conhecimento sobre o considerado uma ação governamental bem-sucedi- prosseguimento do processo, mesmo com a reto- da para a gestão sustentável da orla, pois “trata-se de mada de diálogo por parte da GRPU nos anos de um projeto consolidado, com metodologia validada 2013 e 2014. Este fato confirma novamente um dos e amplamente aplicada ao longo de seus dez anos problemas da gestão pública local, como expõem de existência” (Oliveira & Nicolodi, 2012, p. 97). Cardoso Junior et al. (2012).

2 Entrevistas concedidas em junho de 2013.

324 SILVA, M. E. M. da; SORIANO-SERRA, E. J. O processo de implementação do Projeto Orla em Itapema, Santa Catarina – Brasil FIGURA 4 – Parque Linear Calçadão no bairro Meia Praia. FONTE: Os Autores (2013).

O que se percebe visivelmente é ausência público, não houve previsão orçamentária para a de manutenção dos equipamentos instalados e manutenção dos equipamentos e demais mobiliários insegurança no Parque Linear Calçadão, já que urbanísticos instalados no calçadão, culminando, não há policiamento permanente no local e nenhum em partes, no descontentamento da população local. tipo de fiscalização do ambiente. Contudo, ao final Portz et al. (2011), ao investigarem ferramen- do ano de 2014, o poder executivo municipal im- tas de gestão ambiental para a zona costeira do plantou quiosques para salva-vidas com banheiros Estado do Rio Grande do Sul, evidenciaram que até para uso dos veranistas e demais frequentadores o ano de 2011 nenhum município havia assinado do calçadão. o convênio com o MMA e a SPU para adesão ao Um exemplo do processo de implementação Projeto Orla. Ainda segundo suas considerações, o do Projeto Orla com algumas limitações significati- poder público municipal ainda não conseguiu co- vas de ordem política é o município de Búzios (RJ), locar em prática os instrumentos de gestão, princi- citados por Cardoso Junior et al. (2012). Segundo palmente por falta de recursos, além da contratação os autores, as ações do poder público municipal são de fiscais necessários para controlar as atividades, exclusivamente de remediação e não preventivas no o que demonstra que muitos Estados ainda estão tocante ao gerenciamento costeiro, reduzindo seu engatinhando na gestão integrada da zona costeira. caráter de planejamento. O processo de implementação do Projeto Orla Sobre este aspecto, Oliveira & Nicolodi em Itapema, ainda que apresente problemas de (2012), ao estudar várias cidades costeiras que estão gestão com sobreposição de competências, gerou em processo de implementação, destacam as princi- contentamento por parte dos moradores e visitantes, pais dificuldades enfrentadas para a implementação como confirmaram os resultados das pesquisas de dos PGI’s, como a carência de recursos humanos e percepção ambiental de Silva & Soriano-Sierra falta de disponibilidade de recursos financeiros nos (2013; 2015). Além disso, em maio do ano de 2009, municípios. No caso de Itapema, segundo o gestor o então Parque Linear Calçadão foi destaque na-

Desenvolv. Meio Ambiente, v. 36, p. 315-330, abr. 2016. 325 cional em Planejamento Urbanístico e Paisagístico Dentre as questões que incutiram a pesquisa, pelo Instituto Ambiental Biosfera, com o apoio buscou-se conhecer a trajetória e o processo legal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do de implementação do Projeto Orla no município Governo Federal. Em fevereiro de 2011, a cidade de Itapema (SC). Ao comparar os depoimentos dos foi eleita pelo Grupo RBS como a segunda melhor stakeholders com os manuais de orientação para a infraestrutura turística entre as praias do Estado de implementação do Projeto Orla em conjunto à sua Santa Catarina e a melhor do litoral norte, perdendo base legal, verificou-se falhas de ordem técnica e apenas para Jurerê Internacional, em Florianópolis gerencial por parte do executivo municipal. Em Ita- (SC) (Prefeitura Municipal de Itapema, 2012, citado pema, o Projeto Orla não se efetivou inteiramente, por Silva, 2013). segundo as diretrizes do MMA e SPU. Um exemplo Finalmente, o Parque Linear Calçadão, como refere-se à não efetivação do Plano de Gestão Inte- resultado prático do Projeto Orla em Itapema, pode grada da Orla (PGI), o qual não foi legitimado pela ser considerado um exemplo de benchmarking em comunidade local, sendo considerado obrigatório relação ao seu projeto urbanístico e de recuperação para adesão ao projeto. Além disso, verificou-se no ambiental, como efeito do processo de intervenção próprio documento (PGI) a ausência de detalhamen- e de participação da comunidade nas decisões de to do diagnóstico paisagístico da orla – essencial reorganização da orla. para projetar as ações presentes e futuras para o planejamento da orla municipal. 5. Considerações finais Outra atribuição recomendada pela Coorde- nação Nacional e Estadual do Projeto Orla, e que Tem-se verificado, ao longo dos anos, uma também não se efetivou, foi o Comitê Gestor da expansão do espaço urbano sem planejamento, Orla, que visa à fiscalização dos projetos de inter- muitas vezes caótico, com excessivas edificações, venção. Em Itapema, ele foi instituído nos anos loteamentos em áreas de proteção permanente e de 2007-2008, mas também não foi concretizado terras da União, sem que haja atuação ostensiva legalmente por ato normativo municipal (Silva, dos órgãos de fiscalização ambiental e patrimonial. 2013). Portanto, compreende-se que tanto o PGI co- As teorias sobre gestão da sustentabilidade e cida- mo o Comitê Gestor da Orla, além de constituírem des sustentáveis apontam que as cidades devem etapas mandatórias para a celebração do convênio valorizar sua comunidade e seu espaço físico, não de cooperação técnica com a SPU/GRPU, como deixando se perder os vínculos de sociabilidade, parte dos procedimentos de descentralização da orla assim como não colocar em risco a manutenção (Brasil, 2005), são formados por pessoas-chave que dos ecossistemas existentes e a sua biodiversidade. têm conhecimento, comprometimento e envolvi- No contexto da trama urbana, o Projeto Orla mento com as ações previstas para o planejamento insere-se como um instrumento de planejamento da e a manutenção das estruturas a serem construídas orla marítima, que inclui um amálgama de conflitos no espaço da orla, devendo, inclusive, participar e interesses, pois a zona costeira contribui substan- ativamente das decisões do Plano Diretor Munici- cialmente para a manutenção da biodiversidade e pal, o que de fato não ocorreu. se torna, com o passar dos anos, chamariz para Mesmo com as exigências não cumpridas, o investidores sobre este espaço na atualidade. município celebrou o convênio, recebeu as orienta-

326 SILVA, M. E. M. da; SORIANO-SERRA, E. J. O processo de implementação do Projeto Orla em Itapema, Santa Catarina – Brasil ções e recursos das esferas federal e estadual para a renciamento do Projeto Orla nas esferas estadual implantação do Parque Linear Calçadão que, após e municipal na condução de fases do projeto, os concluído, mostrou-se aprazível à comunidade local benefícios sociais e ambientais para o espaço praial e aos visitantes, sendo considerada uma obra de in- e para a população, assim como a importância do tervenção pública sustentável, como demonstram os Projeto Orla como uma política nacional construída resultados das pesquisas de Silva & Soriano-Sierra de forma compartilhada com outros entes federados (2013; 2015) e as premiações obtidas. e com a sociedade civil. O Projeto Orla aborda uma série de diretrizes Outro ponto importante a destacar no desen- norteadoras para a descentralização da orla, preco- volvimento da pesquisa foi a limitação de publi- nizando princípios sustentáveis, cabendo aos Esta- cações científicas que descrevessem o diagnóstico dos e Municípios seguir suas orientações, prevendo, do processo de implementação do Projeto Orla em por exemplo, revitalização do espaço, manutenção cidades costeiras do Brasil, o que valida a realiza- de suas características físicas e biológicas e uma ção dessa investigação. Por fim, percebeu-se, na gestão ambiental eficiente. pesquisa bibliográfica realizada em bases de dados, No estudo de caso realizado em Itapema, no poucos estudos descritivos relatando diagnósticos, tocante ao cumprimento das diretrizes do Projeto sendo que, em sua maioria, os resultados não são Orla, verificou-se a necessidade de instituir ins- sistematizados e completos, a partir de uma pers- trumentos de avaliação e verificação das obras pectiva abrangente e setorial. executadas pelo poder executivo municipal, pelos Sugere-se, como aprofundamento da pesquisa, munícipes e sociedade civil organizada, além de analisar outras cidades costeiras que tenham im- prever dotação orçamentária para a manutenção das plementado parte ou todo o Projeto Orla em suas estruturas instaladas. Além disso, indica-se como extensões de orla, a fim de proceder a comparações fundamental a validação dos projetos por parte da e verificar as principais limitações e oportunidades comunidade e stakeholders, com o apontamento geradas em relação à gestão sustentável da orla de problemas existentes e originados, e a indicação marítima, culminando em novos estudos e gerando de sugestões de melhorias – papel este concernente conhecimento científico para melhorar e atualizar também ao Comitê Gestor da Orla. Tais sugestões as diretrizes do Projeto Orla e outros instrumentos vão ao encontro das limitações encontradas nos da gestão costeira. Além disso, recomenda-se sis- estudos de Cardoso Junior et al. (2012) sobre o tematizar, compartilhar e aplicar o conhecimento processo de implementação do Projeto Orla em gerado em relação à implementação do Projeto Búzios (RJ). Orla num processo de benchmarking, de modo que Finalmente, os objetivos do estudo foram al- outras cidades com realidades semelhantes possam cançados, na perspectiva de conhecer as etapas que se espelhar neste estudo de caso (Itapema), assim um município necessita ao implementar o Projeto como em outras experiências, aproveitando os Orla, mas que nem sempre todos os procedimentos pontos positivos destacados e evitando os negativos técnicos são concretizados. No estudo, ficaram já comprovados. evidentes as limitações da equipe técnica e de ge-

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