A HISTÓRIA E OS ARQUIVOS

Amádio Viador-Gni Diretor do Arquivo Público e Histórico do Município de Tubarão-SC

Quando iniciei a pesquisa da trabalho paciente, dedicado e História de Tubarão, em 1986, não exaustivo da pesquisa de arquivos. sabia por onde começar, por não As publicações referentes haver, no município, um arquivo aos históricos municipais transmiti- histórico. Os poucos documentos ram informações existentes nas existentes estavam dispersos. prefeituras, compiladas por O primeiro passo foi a coleta "historiadores", ou repetiram as destes documentos que resultou na mesmices das escritas anteriormen- criação do Arquivo Público e Histó- te, com escasso fundamento docu- rico do Município de Tubarão, ofi- mental. Do mesmo modo os jor- cializado em 1990. nais. O jornalista não é pesquisa- No entanto, o alicerce de mi- dor, ele busca informações históri- nha pesquisa foi o Arquivo Público cas nas publicações especializadas do Estado de , que, e, se houver erro, é da responsabi- na época, era instalado na Rua lidade do autor. Felipe Schmidt, 119. Naquele arqui- Alguns estoriadores possuí- vo, encontrei preciosas informações am uma imaginação muito fértil, que foram a base do livro "História utilizando uma dedução de fazer de Tubarão, das origens ao século inveja aos filósofos da Escolástica XX", com o qual se corrigiram di- que criaram o método do silogismo versas distorções. como forma de raciocínio. Na medida em que ia mergu- Cito como exemplo, entre lhando na documentação, em busca outros, a história do município de das origens do povoamento do sul Treze de Maio, desmembrado de do Estado, cada vez mais ia perce- Tubarão. A história é contada e bendo que vários historiadores dos ensinada nas escolas, bem como municípios desta região, não havi- retransmitida nas publicações de am pesquisado suas origens nos "históricos" do município, conforme arquivos, ou, quando o fizeram, foi segue: de modo superficial. Escreveram suas histórias com pouca base documental, utilizaram a "lei do menor esforço", afastando-se do

"TREZE DE MAIO"

Com a libertação dos escra- niclpio em foco, grande porção de vos, o Governo reservou, no mu- terras, um "Quadro", para af se

ÁGORA N°19 33 instalarem os negros ex-escravos. núcleo foi dado uma área de 121 Mas aos beneficiários não agradou hectares". o local e abandonaram-no. Após considerações sobre Foram os italianos e filhos outros núcleos, retorna: destes os primeiros colonizadores "O núcleo Presidente Ro- de Treze de Maio ou "Quadro" cha, recentemente criado, é bem como era conhecido. situado, anuncia um próspero futu- As primeiras famílias foram ro, não só pelas terras magníficas os Bonelli e os Formentin que aí se como pelos meios de comunicação estabeleceram nos últimos anos do de que dispõe. Acha-se a f 9 KIK,- século passado. Estava assim metros da estação da estrada de iniciado o povoamento do município ferro "(forma Thereza Christina" na que foi recebendo cada vez mais Vila do Tubarão, e comunica-se imigrantes. com a sede de e com a Em 1926, era elevado á povoação de pela es- categoria de Distrito, que em ho- trada Urussanga ao Lageado". menagem á libertação dos escra- vos e pelo fato de início narrado Registra, também, a produ- passou a se chamar Treze de ção agrícola e a população do dito Maio". núcleo do ano de 1887: (História de Santa Catarina, "Núcleo Presidente Rocha: GRAFIPAR, Vol. IV, 1970) Feijão: 240 litros Milho: 62.400 litros Vejamos os documentos: Gado Vacum: 27 Gado suíno: 2.490 Encontrei no Arquivo Públi- Habitantes: 469" co do Estado de Santa Catarina vários documentos, entre eles, um Com este relato, liquidam- relatório da Comissão de Terras e se as deduções e fantasia: o Nú- Colonização, órgão encarregado cleo Presidente Rocha foi criado pela discriminação e demarcação antes da Abolição da Escravatura. de terras devolutas e também O "Quadro" que tanto confundiu os responsável pela recepção e as- "estoriadores" era simplesmente a sentamento dos imigrantes. O área destinada a servir de sede do relatório datado de 4 de fevereiro mencionado núcleo. Aquele qua- de 1888 abrange toda a ex-colónia dro, que media exatamente 4 lotes de Azambuja e dele extraímos a rurais, foi, em data posterior, sendo infomação sobre a origem do po- ocupado pelos moradores das voamento de Treze de Maio: linhas, de forma desordenada, "Existindo terras devolutas nas porque a comissão não demarcou, emediações de "Lageado" em con- de imediato, os lotes urbanos e dições muito vantajosas para a não fez o traço urbanístico. Os formação de um núcleo, foi des- moradores das linhas apelidaram criminado uma área de 3.586 hec- "Quadro" a sede do núcleo. tares e criado o "Núcleo Presidente A algumas destas linhas fo- Rocha". Para a sede deste novo ram dados os nomes que homena-

ÁGORA N° 19 34 A algumas destas linhas fo- consta no relatório. Na realidade ram dados os nomes que homena- eles receberam os lotes rurais já geavam aos que demarcaram e demarcados pela Comissão, da criaram o núcleo: mesma forma que fizeram outros colonos. "Núcleo Presidente Rocha", Confundiu-se a tradição ao Dr. Francisco José da Rocha, oral, que Giovanni Bonelli e Luigi Presidente da Província de Santa Formentim iniciaram, em 1892, a Catarina. construção da pequenina capela, "Linha Fausto", ao Enge- na sede do Núcleo, auxiliados por nheiro Alberto Fausto de Souza outros colonos. Era coberta de Júnior, Inspetor Especial de Terras palha e nela se utilizou muitas e Colonização. "ripas" de palmito, amarradas com "Linha Paiva", ao Engenhei- cipós, devido à escassez de pre- ro Ajudante Arthur Ferreira de gos. Paiva. Não foram só os italianos e tinha Mesquita", ao Agri- seus descendentes os povoadores mensor Antônio Lopes Mesquita. de Treze de Maio. Os de origem açoriana participaram desde o Além do mais, o memorial início conforme consta na relação de descriminação e demarcação de dos títulos definitivos de suas pro- terras devolutas na área em torno priedades. Esta "mistura" de euro- do Ribeirão Coruja e Rio Caipora peus e nacionais ocorreu por exi- foi assinado em 6 de maio de gência do Governo Provincial, a 1885, pelo Engenheiro Reginaldo partir de 1886, a fim de evitar inci- Cândido da Silva. Os memoriais dentes desagradáveis como os estão no Arquivo Público do Esta- acontecidos em e Urus- do de Santa Catarina. sanga, regiões povoadas por ele- Na documentação pesqui- mentos de uma só etnia. Por isso, sada não encontrei nenhuma refe- se exigiu que a instalação dos rência sobre o porquê da denomi- imigrantes se fizesse junto com nação "Núcleo Presidente Rocha" outras raças, de preferência com ter sido substituída pelo topônimo aos nacionais, que, até então, não "Núcleo Treze de Maio", bem como haviam usufruído dos benefícios e nenhuma citação oficial a respeito facilidades na aquisição de terras do nome "Quadro", referindo-se que eram concedidas aos estran- àquele núcleo, parte integrante da geiros. ex-colônia de Azambuja. Conclui-se que a criação do Mas o que mais intriga é Núcleo Treze de Maio (ex- que, no Mapa Geral da ex-colônia Presidente Rocha) não está ligada de Azambuja, assinado em 12 de à escravidão ou a ex-escravos por dezembro de 1887, consta "Núcleo ter acontecido antes da abolição. Treze de Maio" e não mais Mesmo que .posteriormente à sua "Presidente Rocha". fundação alguém tenha trocado a As famílias citadas no denominação original para home- "histórico" como fundadores não nagear a "Lei Áurea" foi um ato

AGORA N° 19 35 aleatório sem fundamento no pro- ao árduo e silencioso trabalho de cesso histórico. pesquisar em fontes documentais Não havia escravos naquele escreve uma história capenga. lugar e, ainda hoje, é muito raro O historiador, ao publicar encontrar seus descendentes na- seu livro, elabora um documento quela área. Não consta, na Comis- idóneo que é o resumo de toda a são de Terra e Colonização, qual- sua pesquisa. Desta forma, as quer doação de Terras a ex- escolas poderão retransmitir infor- escravos. Muito menos qualquer mações corretas aos seus alunos. indício de formação de quilombo, O historiador e o Arquivo caminham juntos. Quem não se dá

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