PAULO CAVALCANTI Elogio da Resistência: Evocação a Paulo Cavalcanti

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Diretor Geral Luiz Carlos Mattos

Diretor de Comunicação Social José Tomaz Filho

Coordenação do Projeto Perfil Parlamentar Século XX Angela Nascimento

Comissão Especial Antonio Corrêa (Consultor) Carlos Bezerra Cavalcanti Manuel Correia de Andrade Marc Jay Hoffnagel Marcus Accioly Mário Márcio de Almeida Santos

Divisão de Arquivo e de Preservação do Patrimônio Histórico do Legislativo Cynthia Maria Freitas Barreto

Pesquisadora Sônia Carvalho

Foto da Capa Álbum da família de Paulo Cavalcanti

Revisão Thema Comunicação

Capa Manuel Pontual de Arruda Falcão Rafael de Paula Rodrigues

Projeto Gráfico e Editoração CEPE – Companhia Editora de Pernambuco

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX

PAULO CAVALCANTI Elogio da Resistência: Evocação a Paulo Cavalcanti

Texto: Nagib Jorge Neto

Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco Recife, 2001

MESA DIRETORA Eudo Magalhães Fernando Lupa Garibaldi Gurgel Romário Dias Geraldo Barbosa Presidente Geraldo Coelho Geraldo Melo Afonso Ferraz Gilberto Marques Paulo 1º Vice-Presidente Gilvan Costa André Campos Guilherme choa 2º Vice Presidente Helio Urquisa Henrique Queiroz João Negromonte Israel Guerra 1° Secretário João Braga Antonio Mariano João de Deus 2º Secretário João Negromonte Manoel Ferreira Jorge Gomes 3° Secretário José Augusto Farias Jorge Gomes José Marcos 4º Secretário José Queiroz

Lula Cabral 14ª LEGISLATURA 1999-2002 Malba Lucena

Afonso Ferraz Manoel Ferreira André Campos Marcantônio Dourado Antônio de Pádua Nelson Pereira Antônio Mariano Orisvaldo Inácio Antônio Moraes Paulo Rubem Augustinho Rufino Pedro Eurico Augusto César Ranilson Ramos Augusto Coutinho Roberto Liberato Beto Gadelha Romário Dias Bruno Araújo Sebastião Rufino Bruno Rodrigues Sérgio Leite Carlos Lapa Sérgio Pinho Alves Diniz Cavalcanti Teresa Duere Elias Lira Ulisses Tenório SUMÁRIO

Perfil Parlamentar Século XX ...... 6 Prefácio ...... 7 Das origens e idéias ...... 9 Em nome do povo ...... 11 Campanhas e confrontos ...... 17 Política, obras e objetivos ...... 32 Das cartas e polêmicas ...... 41 Cronologia da vida e obra ...... 44 Bibliografia e fontes ...... 51 Dados biográficos do autor ...... 52

Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX

A edição Perfil Parlamentar Século XX, pela Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, com apoio dos Diários Associados, é significativa, sobretudo, porque representa o destaque de nomes, da obra e da vida daqueles que, por sua atuação política nesta Casa e fora dela, se sobressaíram no Estado e no País. A Assembléia Legislativa mostra às novas gerações, com esta publicação, a ação parlamentar de alguns de seus mais ilustres deputados ao longo de seus 166 anos. A seleção dos parlamentares representativos do século XX foi realizada pela Academia Pernambucana de Letras, que indicou o acadêmico Mário Márcio de Almeida Santos, o Conselho Estadual de Cultura, representado pelo conselheiro Marcus Accioly, a Fundação , que indicou o professor Manuel Correia de Andrade, a Universidade Federal de Pernambuco, representada pelo professor Marc Jay Hoffnagel, e o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, que se fez presente pelo pesquisador Carlos Bezerra Cavalcanti. Este grupo de notáveis constituiu a Comissão Especial, a qual teve a consultoria do ex-deputado e presidente em exercício da Academia Pernambucana de Letras, Antônio Corrêa de Oliveira. As reuniões que antecederam a divulgação do resultado final definiram os critérios para a seleção: que o parlamentar já tivesse falecido; atuação na Assembléia Legislativa; atuação política e profissional. Os nomes escolhidos foram Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães, Antônio Andrade Lima Filho, Antônio Souto Filho, Carlos de Lima Cavalcanti, Davi Capistrano da Costa, Estácio de Albuquerque Coimbra, Francisco Augusto Pereira da Costa, Francisco Julião Arruda de Paula, Gilberto Osório de Oliveira Andrade, João Cleofas de Oliveira, Joaquim de Arruda Falcão, José Antônio Barreto Guimarães, José Francisco de Melo Cavalcanti, Mário Carneiro do Rego Melo, Nilo Pereira, Nilo de Souza Coelho, Orlando da Cunha Parahym, Oswaldo da Costa Cavalcanti Lima Filho, Paulo de Figueiredo Cavalcanti, Paulo Pessoa Guerra, Ruy de Ayres Bello, Walfredo Paulino de Siqueira. O Parlamento é o espaço democrático onde os cidadãos são representados pelos deputados. Esta publicação é uma homenagem àqueles que tornaram ainda mais importante o Poder Legislativo. Serão publicados três mil exemplares de cada um dos 22 volumes, os quais serão distribuídos, majoritariamente, nas escolas e bibliotecas. A redação destes Perfis está a cargo de jornalistas profissionais, aos quais esta Casa não impôs restrições, confiando-lhes o livre exercício dos seus estilos e características pessoais. Esta coleção interessa a estudantes, a políticos, a pesquisadores e à sociedade de um modo geral, pois nela estão contidas novas informações sobre a História de Pernambuco e do Brasil. A iniciativa da atual Mesa Diretora da Casa de Joaquim Nabuco concretiza a determinação de que vamos deixar uma Assembléia Legislativa que seja motivo de orgulho para a sociedade que nela se vê representada.

Deputado Romário Dias, Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

PREFÁCIO

Foi muito feliz o encontro promovido pela Assembléia Legislativa e o Diario de Pernambuco, entre o jornalista Nagib Jorge Neto e o político e escritor Paulo Cavalcanti, ao tentar revitalizar a memória da Casa de Joaquim Nabuco, publicando o perfil de 22 deputados estaduais que dela participaram. Um dos selecionados seria, naturalmente, Paulo Cavalcanti, deputado que exerceu o seu mandato por duas vezes, de 1947 a 1951, por ter sido convocado, como primeiro suplente, a assumir a vaga do deputado Barros Barreto, e de 1951/54, fazendo oposição ao Governo de Etelvino Lins. Paulo Cavalcanti não era apenas o deputado, o político que foi levado à deputação pelo povo, que se sentia bem representado por ele. Foi, também, o promotor público, o advogado, o crítico literário que estudou a fundo o romancista Eça de Queiroz, e um memoralista. E Nagib Jorge Neto procurou, dentro das dimensões do livro Elogio da Resistência. Evocação de Paulo Cavalcanti, falar sobre as suas múltiplas atividades, a fim de melhor fazer compreender a sua ação e posição como deputado estadual. E ele mostra como aquele homem, nascido de famílias tradicionais – Cavalcanti, pelo lado paterno, e Abreu e Lima, pelo materno –, abandonou os padrões familiares e se dedicou à luta em defesa do povo, vivendo o ambiente da classe média pobre do Recife. Parece até que o sangue materno, que já fora derramado em 1817 e em 1848, estava vitalizado na ação daquele deputado dos anos 40 e 50 do século XX. Era um digno representante dos seus ancestrais, dentre os quais se pode salientar o padre Roma, fuzilado na Bahia, por ser republicano, o general Abreu e Lima, que escreveu o primeiro livro sobre o Socialismo no Brasil, e João Inácio Ribeiro Roma, ferido mortalmente na batalha de Pau Amarelo, em 1849. Sua passagem pela Assembléia foi uma das mais brilhantes, tendo ocorrido no momento em que governavam o Estado Barbosa Lima Sobrinho, Agamenon Magalhães e Etelvino Lins. No primeiro mandato, ele era apenas um suplente, convocado para a vaga do deputado titular, Barros Barreto, que era o secretário da Agricultura do Estado, e não pertencia, ainda, oficialmente, ao Partido Comunista do Brasil. Este partido, que fizera nove deputados, havia sido fechado e seus representantes cassados. Desse modo, Paulo Cavalcanti, não filiado e eleito por outra sigla, deveria se desdobrar para substituir uma equipe de nove figuras. E o fez com muita maestria, enfrentando, de forma enérgica, os grandes da política pernambucana, às vezes de forma agressiva, mas sem descer ao destempero de linguagem e ofensas pessoais. Nagib compreendeu bem isto ao fazer transcrever os debates que travou no plenário com deputados que s e opunham, naquele momento, à idéia de Paulo Cavalcanti, como Osvaldo Lima Filho, que seria, posteriormente, um dos líderes da frente nacionalista na Câmara Federal, como Carlos Rios, como Inácio de Lemos, como Lael Sampaio e outros. Também é interessante a cordialidade que manteve, durante a sua permanência na Assembléia, com o deputado e empresário Constâncio Maranhão, homem profundamente conservador e que esperava conseguir fazer com que Paulo Cavalcanti mudasse as suas posições políticas. Durante esse período, Paulo Cavalcanti centrou as suas atividades no combate às ações policiais, sobretudo contra Nelson Monteiro e o vereador Demócrito Silveira; no enaltecimento de acontecimentos históricos que engradeceram a história do Brasil, particularmente a de Pernambuco, e no apoio à proposta do deputado Mário Melo, da publicação de documentação histórica da maior importância para o Estado. Apesar de oposicionista, Paulo Cavalcanti muito se interessou pelas comemorações do Centenário da Revolução Praieira, na qual se defrontavam duas correntes de historiadores, uma defendendo o sentido social da revolução e outra considerando-a uma simples revolta de “senhores de engenho” liberais contra um novo Governo conservador. O Governo Dutra estava profundamente comprometido com a reação conservadora, e nele se discutiam problemas ligados à manutenção da paz mundial, à defesa da exploração do petróleo, vital para o Brasil, em caráter monopolista ou pelas multinacionais, o posicionamento do Brasil diante da Guerra Fria que se iniciava entre os Estados Unidos e a União Soviética. Paulo Cavalcanti, como engajado no Partido Comunista, a partir da década de 50, participava ativamente de manifestações políticas no Recife e no Rio de Janeiro, então Capital Federal, viajava a congressos e reuniões políticas e culturais no Exterior. E todas estas manifestações repercutiam na Assembléia, onde a maioria apoiava o Partido Social Democrático dos governadores que se sucederam até 1958 e onde a oposição, minoritária, era formada, em parte, por deputados que preferiam ficar em uma linha não muito distante do Palácio do Campo das Princesas. Mas Paulo Cavalcanti, como mostra Nagib Jorge Neto, não esmoreceu. Foi um batalhador sempre presente, sempre disposto a enfrentar adversidades, fiel aos seus ideais. Estas posições levaram os integralistas a impugnar a sua inscrição no Tribunal Regional Eleitoral–TRE para as eleições de 1954, privando a Assembléia de um dos seus mais atuantes deputados. Mas seu ânimo nunca esmoreceu, e ele continuou lutando sempre por um Brasil mais democrático e justo, lutando pela eleição de Pelópidas Silveira e Miguel Arraes para a Prefeitura e pelas eleições de Cid Sampaio, em 1958, e Miguel Arraes de Alencar, em 1962, para o Governo do Estado de Pernambuco. Apesar de seus trabalhos na Assembléia, ele continuou a publicar livros de ensaios, livros de memória e a

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

lutar sempre pelo seu ideal de democracia e de igualdade, dentro da área em que podia atuar. O ano de 1964 foi trágico para Paulo Cavalcanti, como de resto, para toda a população brasileira. Ele foi aposentado compulsoriamente e transformou-se no advogado dos presos políticos, sendo ele próprio preso por 11 vezes durante o período discricionário. Em seguida, com o desmantelamento das forças de esquerda, foi atingido pelas disputas dentro do Partido Comunista, o que o levou a divergências com o próprio Luís Carlos Prestes. Depois, elegeu-se vereador à Câmara Municipal do Recife. Convém salientar, ainda, como o faz Nagib, a sua permanente atuação nos mais diversos setores da política e das letras, sempre a favor dos menos favorecidos na sociedade. Finalmente, o livro que tenho a honra de prefaciar tem o mérito de enfocar não só a ação parlamentar de Paulo Cavalcanti, não o inserir apenas neste setor, mas de passar, a partir desta ação, uma imagem de corpo inteiro daquele que se destacou, sobretudo, como um defensor dos perseguidos, um lutador pelos ideais libertários, tão caros a ele e aos pernambucanos.

Manuel Correia de Andrade

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

DAS ORIGENS E IDÉIAS

ENTRE AURA E VENTO

No início era o tempo, de sussurros e aura de rebelião. Depois vingou o verbo – nas asas do vento, com sopros de agitação. Entre aura e brisa, a crença de sua geração, da juventude, de que o vento era de revolução. No redemoinho, na poeira do tempo, vagos ou precisos relatos alusivos a revoltas e batalhas. Então havia curiosidade, tentação, e crescia o interesse, a perspectiva, de ser parte da época, das idéias e dos combates. Mas o tempo, as idéias, tinham aspectos complexos, confusos. Nas ruas, nos bairros, de repente o céu azul, claro, podia ficar turvo, sombrio. Em meio à calma, ambiente de paz, surgia inesperada a conturbação, a revolta. Distante ou próxima, era real a ocorrência de confrontos, tiroteios, protestos, reflexo das divergências ideológicas, das disputas políticas. A cidade era, então, um campo de sementes de ideais e sonhos. Na semeadura, as cores, as camisas, até batinas. Os semeadores, arautos de sonhos, difundiam o vigor de suas cores – vermelho, verde, pardo –, realce e magia de suas camisas. Encanto, espanto, eram armas de combate, síntese do verbo, da revolução. A juventude, entre arrebatamento e dúvida, buscava também uma camisa, símbolo de engajamento numa causa. A aspiração era clara: mudar o País, o mundo, construir uma nova sociedade. Na Rua dos Prazeres, na Boa Vista, as cores e camisas inquietavam o jovem Paulo Cavalcanti. Ele não tinha noção exata de como transformar o mundo, a vida, mas a certeza de que devia ser parte das idéias e dos sonhos de mudança. No redemoinho da época, na poeira dos debates e conflitos, sua opção era combater o sistema capitalista. Época de confrontos, divergências, largos eram os caminhos de salvação. Entre sonhos, utopias, alienação ou indiferença, os jovens conviviam com as idéias de mudança, as propostas visando a transformações na sociedade. Conservadores, liberais, revolucionários, havia sempre a alternativa de abraçar alguma causa. A diversidade de idéias, a pluralidade de posições, ajudavam a fortalecer a crença de que deviam participar do processo político, da luta ideológica. “Naquele meado da década de 1930, a consciência social nos moços era, principalmente, para um projeto político, em vez de levá-los, como aconteceria mais tarde, pelos caminhos de um inconformismo não raro caótico. Ainda não funcionava a máquina infernal, tremendamente corruptora, do capitalismo contemporâneo. Sem tantas tentações, o jovem não se sentia devorado pela febre de ganhar dinheiro e encarar a vida como uma competição feroz.” 1 Ao fazer a observação, Moacir Werneck de Castro, daquela geração, louva “os moços de hoje que rompem as pressões a que são constantemente submetidos pela ditadura do mercado”. E adianta, sem saudosismo, mas com realismo, que “a essência humana não muda com o tempo, como nos mostra o teatro grego, mas nada é tão difícil quanto viver num vazio de perspectivas como o dos dias atuais”. O tempo de Paulo Cavalcanti, portanto, era rico em saídas, tropeços, angústias, e ele buscava nas ruas, nas igrejas, ouvir as pregações e encontrar a luz do caminho para a transformação. As suas atribulações, incertezas, foram constantes nas décadas de 20/30, quando o Estado convivia com notícias de revoltas, freqüentes agitações de rua no Recife. No centro da crise, o agravamento da situação econômica, social, as injustiças contra os trabalhadores, a violência contra os opositores do regime. Então estava formado o tom épico da jornada que iria marcar sua vida como advogado, promotor, parlamentar, escritor e pensador. Daí nem a camisa vermelha dos comunistas, nem a parda dos fascistas – a luz estava na camisa verde dos integralistas, na doutrina do sigma. Na adesão às idéias, a convicção de que teria uma arma para combater o sistema capitalista, defender a soberania nacional, combater as causas do empobrecimento e da submissão do País a interesses antinacionais.

A CAMISA VERDE E O SACERDOTE

Era a opção que parecia mais coerente, pois a es-tratégia integralista difundia teses próximas das idéias socialistas, sem o radicalismo dos comunistas. Era uma versão amena dos ideais nacionalistas, de socialismo, com a pretensão de ser uma doutrina nacional e revolucionária. Na conversão, a força de um jovem padre, um grande tribuno, de fala mansa e aspecto sereno. Exatamente Hélder Câmara, vindo do Ceará, para encantar homens e mulheres com o brilho de suas pregações.2 Antes de tomar posição, em l933, o receio de divergências ligadas à questão da reforma agrária e ao lema “Deus, Pátria e Família”, já que então era um descrente, reflexo de seus conflitos entre a fé e a razão. Mas o

1 Castro, Moacir Werneck de Europa 1935, Ed. Record 2 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto, Como o Caso Foi, Vol. I - Da coluna Preste à Queda de Arraes - Ed. Alfa Omega

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

desencanto com a Revolução de 30, com o catolicismo, não alterava a atração pelas idéias de combate ao capitalismo, às oligarquias, que a Ação Integralista Brasileira pregava como bases de sua doutrina. A pregação integralista, que atraiu muitos jovens, era contundente na condenação ao capitalismo e na exaltação do nacional: “O capital ensaia a sua tirania na forma dos grandes trustes, dos monopólios, dos grupos financeiros”... “Nenhum país, mais do que o Brasil, precisa neste momento de fortes injeções de nacionalismo que constitui hoje em dia a suprema salvação de todos os povos.” 3 A forma da mensagem, sem dúvida, cativava os jovens que sonhavam com uma sociedade fraterna e um país soberano. Com essa convicção, entra no movimento, desfila e toca tambor, mas passa a observar as contradições da doutrina, da prática. Aos poucos, constata , que a caminhada era sinuosa, experimenta o desencanto, que cresce com o rompimento de Álvaro Lins e Gilberto Osório. Daí revela sua decepção a Salatiel Costa, vizinho na Rua dos Prazeres, que elogia seu espírito crítico e assegura que ele jamais seria um fascista. Pede, então, sua desfiliação, é acusado de comunista, expulso do movimento, mas deixa como marca um recurso que iria usar ao longo de sua atuação, ou seja, a carta como arma política.

CONTRADIÇÕES E DESENCANTOS

Na mudança de posição, uma visão clara da doutrina, que Paulo Cavalcanti resume com a análise do escritor Edgar da Mata Machado: “O Fascismo fez um jogo de caricaturas, num baile de máscaras ou numa exibição ilusionista. Saiu a público fantasiado de defensor da ordem contra o terror bolchevista; de protetor do operário contra as opressões do dinheiro; de arauto do nacionalismo contra as pretensões imperialistas; de moralizador dos costumes; de pedagogo da mocidade...”. Como resultado desse jogo, terminou “confundindo-se com suas próprias máscaras”, de forma que nem o sacerdote, nem o seu discípulo da ocasião, ficaram aferrados ao “canto de sereia” do Integralismo. Apesar dos caminhos diversos – no caso de Paulo Cavalcanti, também de Dom Hélder –, do encantamento restou o compromisso com as lutas de libertação, os ideais de liberdade e fraternidade. A linha de pensamento, pois, permaneceu idêntica na opção pelos pobres, próxima nas idéias e propostas para transformar o País. As razões dessa afinidade foram lembradas em 1989, na União Brasileira de Escritores, Secção de Pernambuco, quando Dom Hélder se tornou membro da entidade. Paulo Cavalcanti, de improviso, fixou as motivações da unidade: “Há uma tarefa que nos une por cima de crença e de ideologias: é a formação moral do homem. Precisamos criar as premissas materiais e espirituais da passagem de uma sociedade argentária e imediatista para uma sociedade comunitária e fraterna. Para Dom Hélder, isto é desejo de Deus e de seus ensinamentos. Para nós, marxistas, é tarefa dos homens.” Na condição de ateu, marxista convicto, sentenciava: “Nessa contradição, tanto vale investir na prática política e arregimentar as massas para o asseguramento dos seus direitos essenciais, como vale carregar nos ombros a cruz e os símbolos religiosos, desde que o façamos com a confiança dos obstinados na crença de uma esperança que só poderá ser conquistada pela força da consciência livre. Ou pela fé.” 4 Num tom sereno, conciliador, aborda os motivos da discórdia entre católicos e marxistas, lembrando que a posição de Marx, ao definir a religião como “ópio do povo”, não tem caráter ofensivo ou aviltante para as crenças religiosas: “O que Marx pretendeu sublinhar é que a religião constitui o sonho da espécie humana sofredora, o abrigo por ela construído contra as rudezas – e durezas – da existência. O Homem cria, com o sentimento religioso, o seu porto seguro... E aí entram o sonho, a busca, o ideal de Deus ... que tem de representar um compromisso com a verdade, jamais a busca de um consolo. Porque, do contrário, a religião não passaria, aí sim, de simples paliativo, no narcotráfico das consciências em desalinho.” Ao evocar a religião, a cruz, Paulo deixava claro o testemunho de fé nas crenças, nas liberdades e direitos humanos. Enfim, “um homem confessadamente materialista, mas também confessadamente submisso ao dever de respeitar as crenças alheias” que, como Dom Hélder tinha um desígnio comum: cristãos e não cristãos, todos são soldados das mesmas lutas, caminheiros das mesmas jornadas, marinheiros das mesmas travessias.”

3 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto, Como o Caso Foi, Vol. I. - Ed. Alfa Omega 4 Cavalcanti, Paulo - Homens e Idéias do Meu Tempo - Ed. Nordestal

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

EM NOME DO POVO

PÓS-GUERRA, ELEIÇÕES E CASSAÇÕES

Naquele discurso, a expressão do domínio da palavra e clareza das idéias, reflexo da sua busca de forma e conteúdo. Essa busca marca seu aprendizado como estudante, depois como advogado, jornalista, escritor, político e parlamentar. Daí, no curso de dois mandatos, Paulo Cavalcanti enriquece, no Legislativo, a vivência com a arte da palavra, o debate das idéias, usando como arma o aperfeiçoamento da forma de expor suas posições e convicções. Assim é que, a partir do primeiro mandato (1947/51), demonstra a força de seus argumentos, a veemência de seus protestos. Elegante na forma, denso no conteúdo, marca sua atuação na Assembléia Legislativa com a fluência do discurso, a clareza de raciocínio. De forma objetiva, lúcida, aborda as questões do seu tempo, enfrenta incompreensões, sempre com a preocupação de ser intérprete dos anseios da maioria. Nessa condição, logo tem de se posicionar em defesa das liberdades, clamar pelo respeito aos direitos fundamentais. O País tinha derrubado a ditadura do Estado Novo, havia crescente aspiração de democracia, mas o sonho era perturbado por atos de violência contra os comunistas. Entre eles, o cancelamento do registro do PCB, a cassação de mandatos dos parlamentares eleitos pela legenda, e a constante perseguição aos jornais ligados aos ideais socialistas. Diante dos episódios, assume a posição de porta-voz dos perseguidos, dos que combateram a ditadura e as idéias nazi-fascistas. Era o dever de um parlamentar de esquerda, que ainda não era filiado ao partido, mas se identificava com suas lutas e teses. Daí reage ao golpe para cassar o mandato do deputado Nelson Monteiro, eleito pela legenda do PSD, que foi preso sob pretexto de participar de uma “reunião comunista” na casa do vereador Demócrito Silveira, presidente da Câmara Municipal do Recife.5 O deputado Nelson Monteiro, por sinal, aparece como signatário de vários projetos, requerimentos e indicações de Paulo Cavalcanti durante o exercício do primeiro mandato. É também um defensor constante de propostas e reivindicações ligadas aos interesses da classe trabalhadora, ora sustentando as teses das forças de esquerda, ora corroborando com as intervenções e sugestões de Paulo Cavalcanti. 6 Naquela época agitada, confusa, eram constantes as violações aos princípios democráticos, ao Estado de Direito. A Constituição de 1946 representava um avanço, mas a polícia política mantinha os métodos do Estado Novo, com as velhas práticas de perseguição aos comunistas e simpatizantes. Eram freqüentes, pois, as manobras do aparelho de segurança para forjar fatos, provas, de sorte a incriminar os líderes comunistas e deter o avanço das lutas pelo socialismo.

ARMAÇÕES, MENTIRAS E DESAFIOS

Nesse clima, Paulo Cavalcanti exercia o mandato como primeiro suplente, na vaga de Barros Barreto, convocado por Barbosa Lima Sobrinho para ocupar a Secretaria de Agricultura. Era um homem só na Assembléia Legislativa, que perdera nove deputados com a cassação dos comunistas, golpe ao qual se tentava juntar o impedimento de Nelson Higino da Luz Monteiro. Naquela fase, violando a Constituição de 1946, houve a cassação dos parlamentares eleitos na legenda do PCB. Na Assembléia Legislativa perderam os mandatos os deputados David Capistrano da Costa, Leivas Otero, José Leite Filho, Rui Antunes, Amaro Oliveira, Eleazar Machado, Waldu Cardoso, Etelvino Pinto e Adalgisa Cavalcanti. Na defesa de Nelson Monteiro, Paulo Cavalcanti denuncia a trama montada pela polícia e na tribuna deixa claro que as provas sobre a “reunião comunista” eram uma farsa para justificar sua prisão e impedir o exercício do mandato. Ele prova que as acusações sobre farto material subversivo em poder de Nelson, de foice e martelo e de um mapa de um quartel do Exército na casa de Demócrito, não passavam de provocação grosseira. Com efeito, no material subversivo de Nelson Monteiro havia alguns livros, entre os quais Contos de Natal, de Charles Dickens, jornais de circulação diária, e na granja de Demócrito Silveira, a foice era de um estábulo da granja e o martelo oriundo de um armário da cozinha. O mapa que seria prova de um plano de assalto a uma unidade militar, na verdade era um croquis do Cemitério da Várzea, que estava em poder do vereador para emitir parecer sobre a ampliação do número de covas e sepulturas.7 Diante do desmonte da farsa, Paulo Cavalcanti consegue a aprovação de um pedido de habeas corpus em favor de Nelson Monteiro. Na articulação, a segunda assinatura do pedido foi de Constâncio Maranhão, anticomunista, defensor da tese segundo a qual “devemos almoçar os comunistas, antes que eles nos jantem”. Daí

5 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Ed. Alfa Omega 6 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 7 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Ed. Alfa Omega

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

vinga fácil a aprovação do pedido, cuja divulgação implicou a libertação de Nelson Monteiro, Demócrito Silveira e outros, sendo arquivado o inquérito e desmantelado o plano da polícia política.

COMBATE E REAÇÃO INDIGNADA

Depois dessa vitória, logo veio novo susto com a marca registrada da provocação. As forças no poder, empenhadas em combater os comunistas, engendram outro episódio lamentável no País, perturbando o processo democrático. Na Assembléia Legislativa, ao lado de Nelson Monteiro, Paulo Cavalcanti assume a defesa de Gregório Bezerra, então acusado de incendiar o quartel do 15º. Regimento de Infantaria, em João Pessoa. Naquela fase, além do cancelamento do registro do partido, houve a cassação dos parlamentares eleitos pela legenda. A medida foi adotada pela Câmara dos Deputados, em 11 de janeiro de 1948, quando Gregório Bezerra ocupou a tribuna em nome dos seus companheiros. Não houve protestos – narra Paulo Cavalcanti – e Gregório falou pela última vez naquela Casa do Congresso Nacional. Então defendeu a criação de creches e berçários nas fábricas, a questão da mãe solteira, do menor abandonado, lembrando que não o fazia como médico, fisiologista, higienista ou especialista em alimentação. “Não sou nada disso, Sr. Presidente. Vossa Excelência e a Casa sabem muito bem que não tenho capacidade intelectual, já que minha infância foi também daqueles miseráveis abandonados pela sociedade, por essa sociedade que fala muito em patriotismo, em sentimento cristão, mas que em realidade nada disso possui, como demonstram os seus representantes neste parlamento.” Apesar do vigor da crítica – afirma Paulo – o plenário manteve-se calado, em respeito à sua sinceridade, fidelidade às origens e às idéias políticas. O discurso seguiu sempre crítico, sendo o tempo prorrogado por requerimento de Alcedo Coutinho, que contou com o voto do padre Arruda Câmara, seu adversário político, com quem travou debates marcados por agressividade. A cassação do mandato de Gregório Bezerra, de seus companheiros, não foi bastante para abrandar a histeria anticomunista, desmotivar os arquitetos da perseguição e violência contra as lideranças do partido. Além da perda do mandato, a reação armou contra Gregório Bezerra a acusação de incendiar o quartel de João Pessoa, com o objetivo claro de justificar sua prisão. A notícia – narra Paulo–- foi ouvida por Gregório, no Rio, na Rua Gago Coutinho, com o Repórter Esso informando que o ato terrorista partira dos comunistas, em revanche contra a cassação de mandatos. “Eu estava longe de supor – confessa Gregório – que aquela provocação anticomunista viesse cair em cima de mim”, o que era compreensível em virtude de estar exatamente a uma distância de dois mil quilômetros do local do incêndio.8 A armadilha serviu para justificar a prisão de Gregório, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, sob os protestos do deputado Pedro Pomar. Depois da prisão, em 16 de janeiro, Gregório foi levado para Salvador, em seguida para João Pessoa, onde ficou detido no quartel do 15º. RI. Na unidade, foi interrogado sobre o “hediondo crime terrorista” e posto diante de outros 11 presos, supostamente ligados ao incêndio, entre eles o advogado João Santa Cruz e o médico José Vandregésilo de Araújo, pai do compositor Geraldo Vandré. Dois meses depois – conta Paulo Cavalcanti– foi feita a denúncia contra Gregório Bezerra, baseada no depoimento de Clóvis Régis de Oliveira, que se comprovou ser um mitomaníaco. Em abril, os militares transferem o preso para o Recife, onde cresce a campanha de solidariedade, da qual era um ativista ardoroso. Ao lado dos comunistas, o parlamentar Paulo Cavalcanti faz discursos, protestos, palestras, condenando a farsa e exigindo a liberdade de Gregório Bezerra. A posição no episódio – ousada, combativa – foi a tônica de sua presença na Assembléia Legislativa. “Durante meus dois mandatos de deputado estadual – relata – a defesa das liberdades individuais representou o centro de minha atuação. Raro era o dia em que não denunciava uma violência policial, um espancamento, uma prisão ilegal, um seqüestro, um atentado à livre manifestação do pensamento”.9

TRIBUNO DO PROTESTO E DA CONCÓRDIA

Ao assumir o mandato, Paulo Cavalcanti tinha a noção clara do seu papel no parlamento. Integrante de uma geração de sonhos, ligada aos ideais de revolução, seu compromisso era com as classes pobres, a classe operária, os trabalhadores rurais. A defesa da democracia, das liberdades, constituía parte da missão de libertação dos oprimidos e injustiçados, que julgava vítimas do sistema de exploração do trabalho. Na sua visão de mundo, de sociedade, os ecos do discurso de Cristiano Cordeiro, em 1º. de maio de l933, no Teatro de Santa Isabel, ao lançar a chapa “Trabalhador, Ocupa Teu Posto”, ou “Chapa Proletária”. A rigor, tal como os operários lembrados pelo orador, “não iria discutir jurisprudência com os juristas da burguesia, teologia com os padres, táticas de guerra com os técnicos militares. Mas dizer aos doutores da lei que a

8 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I - Ed. Alfa Omega 9 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I - Ed. Alfa Omega

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

questão social não é uma simples questão de polícia; aos padres, que os problemas da fome e do desemprego não se resolvem com rezas; e aos militares, que as metralhadoras podem, por instantes, dissolver as massas em desespero, mas não lhes aniquilam o ânimo de lutar pelo direito à vida e à liberdade”. A concepção de parlamento, de atuação, também refletia a vivência na Rua dos Prazeres, as inquietações e buscas da juventude. Naquele período, foi marcante a vida modesta, as atribulações do pai, a situação difícil da família, as injustiças que observou no Sertão. A isto se juntou a decepção com o integralismo, a convivência com Salatiel Costa, Alcedo Coutinho, que ajudaram na sua formação política. Por essa trilha, além da primazia das liberdades, o deputado Paulo Cavalcanti traça uma espécie de mapa dos problemas econômicos e sociais do Estado. É um mapa de denúncia da pobreza, da aflição, das injustas relações de trabalho, e também de linhas voltadas para condenar a exploração do ser humano. Na sua forma, no conteúdo, a crítica contundente aos atos do Governo Barbosa Lima Sobrinho, por questões políticas ou alianças com integrantes de velhas oligarquias10. Nesse combate, junto com Nelson Monteiro, veio uma manobra das forças contrárias a Barbosa Lima que terminaram por afastar Barros Barreto da Secretaria de Agricultura. Ele reassumiu o seu mandato na Assembléia, protestando contra a manobra para afastar o suplente, com um “violento discurso contra os planos reacionários dos inimigos dos propósitos democráticos de Barbosa Lima Sobrinho”. Daí o partido deu tarefas para Nelson Higino, que tirou várias licenças, até renunciar e assegurar o exercício do mandato do suplente Paulo Cavalcanti. 11 Na atividade parlamentar, pois, a idéia de vasto, de infinito. A plenitude democrática ainda era um sonho, mas as certezas alimentavam o ideal de recuperação de todas as auroras. Aurora dos trabalhadores, dos servidores públicos, da classe média, dos agricultores e dos industriais, que motivava seus projetos, requerimentos, voltados para a correção de distorções e efetivas transformações no processo de desenvolvimento. Na busca da aurora, o confronto freqüente com a polícia política do Governo do Estado e da União. A base da discórdia era a repressão da polícia do Estado, do Governo Federal, aos jornais da esquerda e aos movimentos sociais. Em Pernambuco, a Secretaria de Segurança, comandada por João Roma, mantinha de pé as táticas do Estado Novo, aguçando os conflitos políticos e ideológicos. Os fatos da época, os relatos, comprovam que Paulo Cavalcanti tinha o dever de questionar e acusar o Governo do Estado por ações violentas. Exemplo disso são as constantes invasões ao jornal Folha do Povo, as prisões de trabalhadores e lideranças ligadas aos comunistas, sob pretexto de combater uma organização ilegal ou defender os poderes constituídos. As perseguições, violências, eram motivo de suas críticas e protestos: “Sr. Presidente, Srs. Deputados – Não se passa um dia sem que, desta Casa, tenha o orador de acentuar, de salientar, o ambiente policialesco que predomina em Pernambuco. O sr. governador do Estado pode ser magistrado eqüidistante das lutas políticas apenas para uso externo. O governador Barbosa Lima Sobrinho tem sido em Pernambuco, com relação aos trabalhadores, um governo despótico, sanguinário e intolerante”. Nesse tom, Paulo Cavalcanti reage às prisões sem formalidade legal, invasões de lares, espancamentos, sevícias, exigências de atestados de ideologia política, que se agravam em Pernambuco porque o “Sr. Barbosa Lima Sobrinho quer cumprir em nosso Estado portarias secretas do Ministério da Justiça que nem na Capital da República são postas em execução”.12 Tais críticas foram feitas num período eleitoral, mas as suas razões vinham desde os primeiros momentos da gestão de Barbosa Lima. Ecos das medidas contra os jornais da imprensa popular, das tramas para cassar mandatos, das prisões e ameaças aos comunistas e simpatizantes. As arbitrariedades eram oriundas da Secreta-ria da Segurança, que reeditava os esquemas de repres-são da ditadura do Estado Novo. Na reação a Governo, Paulo Cavalcanti acentua: “Não permitem a polícia do Sr. Barbosa Lima e ele próprio, que um jornal da classe operária, que a voz da classe operária seja ouvida, porque é desígnio dele apenas cortejar as classes dominantes e ter cartaz de bom moço perante as rodas aristocráticas do País. Esse tem sido um mero fantoche das autoridades federais, cumprindo todas as manobras contra os princípios democráticos”.13 Nas intervenções, em discursos e requerimentos, Paulo Cavalcanti tem na Assembléia o respaldo de Nelson Monteiro, que renunciou, de Luís de França, e mais esparsamente de Mário Melo, Nilo Pereira, Diocleciano Pereira Lima, Carlos Rios, Augusto Novaes, Oswaldo Lima Filho, Santa Cruz Valadares, Fernando Lacerda, Moury Fernandes e Andrade Lima Filho. Tais parlamentares eram os seus interlocutores mais constantes, ora divergindo de suas posições, ora reforçando suas críticas. Além destes, aparecem Padre Públio Calado, Constâncio Maranhão, Fernando Lacerda, Heráclio do Rego, Alves de Sá, Elpídio Branco, Lael Sampaio e Nilo Coelho.14 A atuação de Paulo Cavalcanti, ao longo de dois mandatos, foi marcada por críticas ao Governo, aos gru- pos políticos no poder, tendo como inspiração a defesa das liberdades democráticas, do desenvolvimento e da justiça social. Quando havia coincidência de idéias, de objetivos, então se estabelecia uma aliança, expectativa de

10 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 11 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I - Ed. Alfa Omega 12 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 13 Assembléia Legislativa – Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 14 Assembléia Legislativa – Discurso e Requerimentos

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que as propostas, as medidas, tivessem reflexos no avanço dos ideais de mudança que defendia. Nesse sentido é evidente a preocupação de ser justo, de não se deixar dominar pelas paixões políticas e ideológicas. No caso de Barbosa Lima Sobrinho, Paulo Cavalcanti registra, nas suas memórias, as atitudes do governador punindo policiais arbitrários e reagindo aos grupos militares que tentavam calar a oposição. Na tribuna do Legislativo, enaltece a decisão do governador de vetar um projeto de Lei da Assembléia Legislativa e assim reajustar, em bases realísticas, a tributação sobre as propriedades do Estado. “A medida do governador – assegura – possibilita, dentro de um critério de absoluta justiça e eqüidade, a salvação da nossa economia, assegurando o desenvolvimento das finanças de Pernambuco. Desta Casa, tenho ouvido, calado, as críticas ao veto governamental... e observado a coincidência de que partem, invariavelmente, de parlamentares ligados aos grandes proprietários do Estado”.15 “Não estamos a pregar daqui – prossegue – a expropriação da propriedade privada. Não aceitamos, dentro de nossa realidade, a extinção absoluta das terras particulares. Quem está, verdadeiramente, extinguindo a propriedade privada, sobretudo a pequena e média, não somos nós, os socialistas. Pelo contrário, é a própria classe dominante que incorpora a seus feudos extensões e mais extensões de terras, para reduzi-las a uma imobilidade antieconômica e impatriótica”. No campo político, ideológico, Paulo Cavalcanti também destaca, em suas memórias, a reação do governador Barbosa Lima Sobrinho ao ser hostilizado numa solenidade alusiva ao episódio da “intentona comunista”. Wandenkolk Wanderley, orador da cerimônia, e o comandante da Base Aérea acusavam o governador de ser cúmplice dos comunistas, da “caterva vermelha”. Antes do término da cerimônia – recorda Paulo Cavalcanti – Barbosa Lima Sobrinho tomou o microfone do locutor e anunciou: “Agora quem vai falar é o governador do Estado”. Então, defendeu os princípios da autonomia do Estado, as lutas dos pernambucanos pela preservação da soberania, lembrando os tempos de Manoel Borba que, premido pelo Governo Federal, pronunciou a frase histórica: “Pernambuco não se deixará humilhar”.16 O episódio motiva um requerimento de Paulo Cavalcanti, na Assembléia Legislativa, pedindo que o Poder Legislativo manifestasse estranheza diante da interferência dos comandos militares nos assuntos internos do Estado. A decisão do Legislativo foi encaminhada ao ministro da Justiça, aos ministros militares, aos presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal. Daí cresce a irritação dos comandos, há ameaças de atentado e o governador manda a polícia proteger seu lar e sua vida.

DEBATES, DESAFIOS E CONFLITOS

Combativo, coerente, Paulo Cavalcanti faz duras observações sobre o crescimento da mortalidade infantil em Pernambuco, o aumento dos casos de tuberculose, considerando os fatos uma calamidade no Governo Barbosa Lima Sobrinho. Mas ele observa que “esses problemas que atingem diretamente as massas populares não se originam desse ou daquele governante.” “Eles nascem – assegura – da política de uma classe, de um grupo de beneficiados pela fortuna, que dispondo das máquinas e de grandes infiltrações nos três poderes, dominam a coletividade e difundem seus tentáculos, levando a miséria e o luto aos lares do povo e, sobretudo, da classe operária. É a política da burguesia, interessada em manter a estrutura econômica do Brasil nas bases ainda semifeudais.” “É a política – prossegue – dos barracões e dos salários rurais não pagos em dinheiro. É a política das relações de trabalho onde o assalariado agrícola não recebe, ao fim de uma semana de labuta, a não ser em vale do barracão, muitas vezes transformado em moedas cunhadas nas próprias usinas, à semelhança do que ocorreu nos castelos feudais, como é o caso da Usina Cucaú, no princípio da administração do deputado Armando de Queiroz Monteiro.” Ao enfocar a situação na zona canavieira, Paulo Cavalcanti traça o quadro dramático das condições de vida da população pobre do Interior, que completa com dados e críticas sobre a política que gera os mocambos e as favelas do Recife. É um testemunho que avança no tempo e denuncia as mazelas de um sistema econômico que se perpetua com ganhos ilícitos, concentração da renda e exclusão social. “Há usinas, Sr. Presidente, que ainda hoje pagam o trabalho com vales em papel de seda, principalmente nas épocas de chuva, a fim de que os trabalhadores não possam ao fim da jornada apresentar esses vales, porque as chuvas e a impossibilidade de guardá-los em lugar seguro dificultam o ressarcimento do trabalho”. A manobra perversa, pois, consagrava o sumiço do “dinheiro” e a sonegação do pagamento do trabalho. “São essas – denuncia – as condições de vida vigorante no Interior do Estado, em usinas e fazendas, a poucas horas do Recife. São essas as condições dos camponeses que passam fome e sofrem na própria pele as

15 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 16 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Ed. Alfa Omega.

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penalidades aplicadas às barbas das autoridades policiais. Tenho experiência, como promotor público do Estado, com seis anos de trabalho, do que se passa principalmente na zona canavieira.”17 “Espancamentos, sevícias, barbáries e assassinatos de trabalhadores rurais – adianta – com a cumplicidade dos delegados de polícia que se submetem, em troca de minguadas recompensas, a todo esse ambiente de terror... Ambiente que predomina no interior das casas grandes, das senzalas ainda existentes, nos canaviais que refletem as condições de vida da época da escravidão.” “Se esse é o ambiente de trabalho do Interior do Estado, – acrescenta – não menos gritante e revoltante é o ambiente que existe na capital, onde os próprios departamentos do Governo, através de cifras oficiais, demonstram até que ponto de exploração e de miséria está sujeita a classe operária, sobretudo a da indústria têxtil... Há no Recife, Sr. Presidente, cerca de 100 mil casas de residência, 45 mil são mocambos de barro e palha.”18 Diante das intervenções de Luís de França – criticando o Governo – , de Alves de Sá – elogiando Agamenon Magalhães, a erradicação de mocambos – Paulo Cavalcanti aprofunda sua análise do problema. Então, condena a violência contra os donos de casebres, vítimas da crise social, do êxodo provocado pela exploração e fome no campo: “Nessas casas populares há médios funcionários, guardas civis, comerciários, industriários e, numa porcentagem ridícula, famílias egressas da lama, vindas dos mocambos... Mas essas famílias não moram na lama pelo prazer de morar na lama. Acontece que a classe operária que habita esses mocambos percebe uma remuneração ridícula, não pode alugar casas de alvenaria e procura dar uma solução prática para ficar nas cercanias das fábricas, das oficinas, dos locais de trabalho, para evitar o pagamento de ônibus e o preço dos bondes.”19 “O que resolve o problema dos mocambos – assegura – é o aumento do salário, os meios para a solução dos seus problemas, particularmente da habitação, pois ele (o morador do mocambo), por iniciativa própria, mesmo analfabeto, mesmo ignorante, há de mudar-se da lama e habitar num local mais higiênico.” A radiografia feita na época, os dados da situação, mostram a fluência do discurso, o poder dos argumentos, a agilidade do raciocínio no curso do debate. No aspecto mais geral, a capacidade de não perder a perspectiva de convencer. Tais elementos estão presentes noutro debate, com o deputado Oswaldo Lima Filho:20 “O Sr. Paulo Cavalcanti – Sr. Presidente, Srs. deputados, ninguém pode levar a sério os arroubos do deputado Oswaldo Lima Filho. O Sr. Oswaldo Lima Filho - Só não leva a sério os insensíveis morais. O Sr. Paulo Cavalcanti - Porque com essa mesma veemência o deputado Oswaldo Lima Filho atacava o ex-governador Agamenon Magalhães chamando-o, como fez, de ladrão nesta Casa. O Sr. Oswaldo Lima - É mentira. O Sr. Paulo Cavalcanti - De indivíduo de péssimo caráter. O Sr. Oswaldo Lima - De péssimo caráter político. O Sr. Paulo Cavalcanti - V. Exa. dizia um grande valor político, embora um indivíduo de péssimo caráter. O Sr. Oswaldo Lima - Caráter político como todos nós conhecemos. O Sr. Paulo Cavalcanti - De forma que não se pode levar a sério as críticas do deputado Oswaldo Lima que se extrema quando acusa ou quando defende pessoas e coisas. O Sr. Oswaldo Lima - Os insensíveis morais nunca levam nada a sério. O Sr. Paulo Cavalcanti - Porque foi o mesmo deputado Oswaldo Lima Filho que depois de tantas criticas ao Sr. Agamenon Magalhães nesta casa apresentou um projeto propondo a construção de uma estátua ao Sr. Agamenon Magalhães. Ora, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é preciso que o deputado Oswaldo Lima saiba, e nisto é que está o seu engano cego, que a reportagem da Folha do Povo apenas deu forma precisa às informações de seus amigos, da onça ou do peito, não nos interessa. O Sr. Oswaldo Lima - Pode ser amigo de V. Exa., não tenho desses amigos. O Sr. Paulo Cavalcanti - É bom que V. Exa. diga isso. O Sr. Oswaldo Lima - V. Exa. não tem a coragem de declinar seus nomes. V. Exas. publicam qualquer porcaria. O Sr. Paulo Cavalcanti - De forma, Sr. Presidente, pelo que se sabe ali, pelo que se vê no noticiário, há poucos minutos dados por mim, foram os próprios amigos do deputado Oswaldo Lima Filho que forneceram todos os elementos que ali se encontram. O Sr. Oswaldo Lima - Elementos, não. Há injúria dos que vivem assalariados pelo governo comunista, pelo Komintern. O Sr. Paulo Cavalcanti - Eu desculpo tudo isso de V. Exa. pois não há equilíbrio em V. Exa. no momento.

17 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 18 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 19 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 20 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos.

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O Sr. Oswaldo Lima - V. Exa. podia pensar em equilíbrio em relação ao que o Partido Comunista vem cometendo. O Sr. Paulo Cavalcanti - Se fosse eu atacado pela Folha do Povo minha indignação seria igual à de V. Exa. Mas resta saber se os fatos ali denunciados são verdadeiros, se é verdade que a Bahia vai ser defendida gratuitamente e Pernambuco vai gastar 2 mil e 500 contos para reacender uma demanda entre dois Estados irmãos... O Sr. Oswaldo Lima - O que é que a denúncia comprova? O Sr. Paulo Cavalcanti - Que vão se esbanjar cerca de 2 mil e 500 cruzeiros. O Sr. Oswaldo Lima - V. Exa. não provou que a Assembléia deu o crédito, o qual ainda não foi solicitado. Ainda assim era preciso ter-se em mente que o crédito aberto não nasceu de conjuntura política... como fez de maneira infame esse pasquim que é a Folha do Povo, mantida pelo Kominform, interessado em provocar lutas no Brasil. O Sr. Paulo Cavalcanti - V. Exa. fala em dinheiro do Kominform mas é bom lembrar que a Folha do Povo já recebeu dinheiro até através de V. Exa. O Sr. Oswaldo Lima - É mentira deslavada dessas que V. Exa. tem feito aqui e já recebeu castigo corporal e físico quando injuriou a família dos Lundgren. O Sr. Paulo Cavalcanti - Como V. Exa. poderia ter sido agredido por cinco capangas. O Sr. Oswaldo Lima - Sou um homem que defendo a minha honra, não como V. Exa. faz, com interesse de degradar a sociedade, os homens de bem, porque V. Exas. querem é quanto pior melhor, quanto mais o Brasil se degradar melhor para V. Exa. estabelecer o regime de terror, de tirania, de ódio e polícia política. O Sr. Paulo Cavalcanti - Mas como dizia, Sr. Presidente, não levo em conta a crítica do deputado Oswaldo Lima que não tem equilíbrio no momento que aparteia... Para ele o Sr. Agamenon Magalhães era um homem de péssimo caráter e depois pede uma estátua para o Sr. Agamenon. Preciso discutir com S. Exa. no momento em que estiver calmo e puder debater problemas sérios com relação à vida parlamentar de Pernambuco e do Brasil. O Sr. Oswaldo Lima - Não é minha dissidência política com o Sr. Agamenon Magalhães que dá maior ou menor... qualidade de figura histórica, de político. É o conceito que dele fazem todas as classes, inclusive o Parlamento Nacional, que mandou representantes para assistir ao seu sepultamento. O Sr. Paulo Cavalcanti - Aqui, Sr. Presidente, cinjo-me a esses fatos relacionados com o deputado Oswaldo Lima Filho. O Sr. Oswaldo Lima - V. Exa. faria melhor explicando à Câmara o que fizeram os comunistas, principalmente V. Exa., do dinheiro que receberam do Sr. Agamenon Magalhães e do Sr. João Cleofas, comprometendo-se a apoiar a candidatura de ambos. O Sr. Paulo Cavalcanti - Como é que os líderes das classes conservadoras dão dinheiro ao Partido Comunista? O Sr. Oswaldo Lima - V. Exa. foi quem recebeu. O Sr. Paulo Cavalcanti - V. Exa. está completamente enganado. O Sr. Oswaldo Lima - V. Exa. devia explicar ao parlamento as negociatas e trocas de votos do Partido Comunista com o dinheiro do povo. O Sr. Paulo Cavalcanti - Se nós fôssemos propensos a negociatas estaríamos com a candidatura do Sr. Etelvino Lins”. Ao final do debate, que revela as divergências políticas e alianças no Estado, Paulo Cavalcanti sustenta que a candidatura de Etelvino Lins está apoiada pelo que há de mais reacionário em Pernambuco, os grandes proprietários de terra, os usineiros. Não faz novos comentários sobre os aliados e financiadores do Partido, que, na época, era acusado de acordos com setores das elites, baseados em compromissos de avanços.21 Então volta a questionar a posição de Oswaldo Lima no episódio da demanda e reafirma a suspeita de que, na questão sobre a Comarca do São Francisco, o Estado da Bahia teria defensores gratuitos, enquanto Pernambuco seria levado a arcar com despesas da ordem de 2 mil e 500 cruzeiros. Mas ele adianta que só o tempo poderia provar a comprovação cabal da denúncia da Folha do Povo.

21 Assembléia Legislativa - Doc. citado

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CAMPANHAS E CONFRONTOS

SONHOS DE UM CAVALGADO

A questão política, institucional, era o fator básico, decisivo, das causas da crise econômica e social. A estrutura do sistema, das instituições, na prática, consagravam a eternidade dos problemas do Estado, do País, impedindo a marcha das transformações. As elites políticas, econômicas, eram, portanto, responsáveis pelo quadro de pobreza e injustiça, que não podia ser vencido com medidas assistenciais, de alcance limitado. Mas, tal como no amor, a paixão política também tem momentos aparentemente menores, passageiros, que se firmam com a devoção, o arrebatamento. Assim, é parte da busca de alterar o tempo, atingir a eternidade, que é “um jogo ou uma cansada esperança”. Até porque, como observa Jorge Luis Borges, “viver é perder tempo: nada podemos recuperar ou guardar a não ser sob a forma de eternidade”. Então o “passado está em seu presente, assim como o futuro... e cada coisa é todas as coisas”, na imagem móvel da eternidade.22 Na ação política, pois, as coisas se sucedem de forma veloz, ganhando dimensão momentos de protesto, reflexão, apelo, por vezes como expressão de um tempo, do seu sentido eterno. É o caso de requerimentos, indicações, projetos de Paulo Cavalcanti na Assembléia Legislativa, nos quais assume, de forma clara, sua condição de defensor das causas e aflições do povo. Assim, nos pronunciamentos em plenário, nas entidades da sociedade civil, suas proposições estão marcadas pela preocupação de preservar a liberdade, promover o desenvolvimento e assegurar os princípios do direito e da justiça. É um testemunho, também, da inquietação de um líder dos cavalgados, dos que não eram parte da elite do Estado e sofriam as conseqüências das concepções e práticas dos detentores do poder. Em verdade, Paulo Cavalcanti não era integrante ou aliado dessas forças. A alusão irônica às elites do poder “Em Pernambuco, quem não é Cavalcanti, é Cavalgado”, seguramente não incluíam Paulo Cavalcanti, sempre distante e crítico de suas idéias. Embora fosse da família, oriundo do grupo de dominação, era do segmento adversário dessa elite, por força da visão lúcida do processo social. Daí a postura veemente na defesa dos operários, dos camponeses, dos servidores públicos, das vítimas de prisões ilegais e agressões físicas. Ou as reivindicações ligadas à liberdade de imprensa, ao setor cultural, à questão salarial dos servidores, ao crescimento do setor produtivo, inclusive a agroindústria do açúcar. Nessa linha, defendia ou questionava medidas do Poder Legislativo, apoiando projetos, programas, ou combatendo propostas e decisões que julgava antiéticas e prejudiciais ao erário. Na busca de manter as tradições e os objetivos da instituição, Paulo Cavalcanti tem sempre a preocupação de ser crítico dos atos da Assembléia. Então, reage às tentativas de favorecimento, de alterar preceitos e regras sem observância do Regimento, da Constituição, pois os atos de justiça tinham de ser revestidos de legalidade e de constitucionalide. As divergências eram inevitáveis e geravam atritos e incompreensões. Daí a postura contrária ao aumento do quadro de servidores da Assembléia, proposta que não atendia, segundo argumenta, às necessidades da instituição e tampouco às exigências da imagem positiva que devia ter no Estado. Então, critica a elevação, pois já é de todos conhecida a “situação da Secretaria da Casa, com uma porção de servidores, dos quais cinco ou seis emprestam realmente a eficiência do seu esforço”.23 Coerente com os princípios de austeridade, de justiça, diverge da Mesa Diretora e questiona a suspensão do servidor Luiz Gaioso, punido por criticar, em artigo num jornal, alguns parlamentares. Ele sustenta que, no caso, não houve crime funcional, mas o exercício de um direito democrático, da liberdade de opinião, de pensamento. Acrescenta que a medida é um absurdo jurídico, sob protestos dos deputados Oswaldo Lima Filho e Nilo Coelho, e apoio de Augusto Novais, Lael Sampaio e Diocleciano Pereira Lima, que observa: “A Mesa pensa que está no tempo da Inquisição”. 24 Noutra reação de crítica ao Poder, Paulo Cavalcanti propõe a revogação da Lei 445, de janeiro de 1949, assegurando que atenta contra a autonomia dos Municípios e os próprios fundamentos do regime federativo. Então, evoca a Constituição de 1891, também a de 1934, a Carta de 1937, a Constituição de 1946, para defender o princípio do “controle da constitucionalidade das leis”. Ele sustenta a prevalência da autonomia municipal, que não podia ser prejudicada pela Lei de Organização dos Municípios, cujo artigo 51 e incisos ferem dispositivos constitucionais.25 Além de se bater por aspectos legais, constitucionais, Paulo Cavalcanti exerce o mandato com a determinação de zelar pela transparência dos atos do Poder e do conjunto dos seus integrantes. Aí, tem de travar uma batalha com parlamentares que tentavam usar a representação em proveito próprio, sendo ameaçado de cassação, por falta de decoro, acusação que rebate no estilo “a defesa acusa”.

22 Borges, Jorge Luís - História da Eternidade, Ed. Globo. 23 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 24 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 25 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos.

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A sessão foi tumultuada, com dois deputados ameaçando agredi-lo, um sacando um revólver e seguindo em sua direção “sendo obstado por Constâncio Maranhão, exímio em desapartar brigas na Assembléia, fazendo valer seu corpanzil e as suas tradições de brabeza.” No meio do incidente – relata – “o Presidente Torres Galvão abandonou a sessão, quase todos correram do plenário... Eu é que fiz apelos, estendendo ao deputado Torres Galvão, para que reassumisse a Presidência. Era uma inversão de iniciativa.”26 Ao final de sua oração, Paulo Cavalcanti aborta o plano de cassação do seu mandato e continua no sonho de combatente, de questionador da ordem econômica e social, fazendo do mandato a tribuna dos homens de pensamento, à frente do seu tempo, e também dos sem voz, excluídos. Assim, avança na luta por concessão de abono, melhorias salariais, condições de trabalho, vantagens para servidores da Assembléia, portuários, profissionais da saúde, funcionários públicos, de autarquias, auxílios para grevistas, realização de congressos e campanhas de interesse público. Nas propostas para atender tais questões emergenciais – típicas de um Estado de estrutura injusta –, a evocação de sua infância, juventude, na Rua dos Prazeres, na Boa Vista. Ali foi constante a convivência com a situação de descaso do Estado com o servidor público, o trabalhador, espoliados no seu trabalho, discriminados como agentes de geração da riqueza. Ou que eram vítimas de perseguições, punições, ferindo direitos e aspirações de melhoria salarial, condições de trabalho e de vida. “Foi ali, na Rua dos Prazeres, – conta – das brincadeiras de criança às aventuras de rapaz, dos primeiros copos de cerveja, das anedotas de putaria, que forjei a minha personalidade e ganhei os melhores sentimentos de humanismo, amando o povo, em todas as categorias e em todas as cores.”27 Esse amor, claro, era forte com relação ao pai, João d’Albuqueque Uchôa Cavalcanti, do clã dos Cavalcanti, enquanto a mãe, Olga Figueredo, descendia do padre Roma, dos Ribeiro Roma. Mas a origem nobre, ilustre, não livrou o pai das aflições próprias de um modesto servidor público, da Recebedoria, sempre atormentado por contas a pagar, morando em casa alugada, sem condições de ter casa própria. No curso dos anos, com família numerosa, sem reconhecimento, foi punido por cumprir o dever funcional, depois de enfrentar o poder de Delmiro Gouveia. Daí, ficou abatido, terminou com mania de perseguição, resmungando, reclamando da sorte. “Antes de terminar a vida - lembra - teve a satisfação de me ver eleito deputado com nome nos jornais, fazendo discursos, comprazendo-se, decerto, com as minhas iniciativas em favor do funcionalismo público, através de requerimentos e projetos de lei. Eu apresentava essas proposições pensando nele, na sede de justiça que sua condição de velho servidor havia despertado em mim, perseguido, preterido pelos apaniguados da época.” “Só muito tarde me dei conta - confessa - que o drama de meu pai, lancinante, advinha do acúmulo de causas sociais. Sua doença não era orgânica, de si mesma. Vinha de fora, da sociedade, da ordem estabelecida, que fustigava os homens no íntimo dos melhores sentimentos, levando-os, como a meu pai, àquela obcecante procura de uma fonte de justiça inatingível, que eles, desgraçadamente, não encontravam na vida. Por culpa de todos nós.”28 Ao constatar as causas do desespero e dos anseios de justiça do pai, Paulo Cavalcanti não podia imaginar que o DOPS, na sua ânsia de dados, de provas, registrava: “O pai é descendente de senhores de engenhos do Cabo (Região Metropolitana do Recife), sendo um livre-pensador em matéria de religião. Não influiu nem conteve as inclinações dos filhos. A mãe, viva, aparentemente católica, sem inclinação política”. O documento, sem data, anexado ao dossiê, é seguido de outro em que se diz que Cavalcanti rejeitou o convite para ser Procurador Fiscal do Estado de Pernambuco, na primeira metade da década de 40, “por ser de esquerda e não colaborar com o Estado Novo”.29

COISAS DA AFLIÇÃO COTIDIANA

No curso do mandato, Paulo Cavalcanti faz a ponte, a ligação, entre a sua experiência de vida e a sua visão de sociedade, fruto do conhecimento, da reflexão, sobre as causas das desigualdades sociais. Há operários em greve na Fábrica de Papel de Jaboatão, lutando por aumento de salários, também em protesto contra a demissão de um companheiro. Então cabe um projeto de lei abrindo crédito especial de 30 mil cruzeiros para atender a situação de extrema necessidade em que se encontram. De igual modo, os servidores das autarquias não gozam dos mesmos direitos, vantagens e obrigações dos servidores públicos em geral e cabe ao Legislativo assegurar tais benefícios. É um projeto de lei ao qual se segue outro que fixa em 25 anos o tempo de serviço para aposentadoria, a pedido, dos guardas-civis e dos inspetores de veículos do Estado, independente de exame médico.30 Na justificativa, há referência a veto do Governador, no qual se reconhece que os mesmos estão, pela natureza do serviço, expostos a perigo constante, mas se nega o benefício sob pretexto de ser “um benefício

26 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. 1 - Editora Alfa Omega 27 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. 1 - Editora Alfa Omega 28 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. 1 - Editora Alfa Omega 29 Maciel, Ayrton - DOPS - Dossiê Paulo Cavalcanti. 30 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Projetos.

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isolado.” Daí Paulo Cavalcanti volta a insistir na sua aprovação, bem como propõe noutro projeto, sem êxito, uma gratificação de 30% para os funcionários dos hospitais de doenças infecto-contagiosas. Nesse campo, pede um crédito especial de 30 mil cruzeiros para a Clínica de Câncer adquirir radium. No esforço para corrigir distorções, cuida de conceder gratificação aos soldados da Polícia Militar que prestam serviço na Delegacia de Trânsito, de forma a reconhecer os seus serviços e incentivar maior dedicação no desempenho das funções. Essa idéia de reconhecimento também motiva o projeto que concede gratificação aos servidores públicos da Assembléia, aos policiais e aos jornalistas credenciados na Casa. Noutro projeto, estende aos cabos e aos soldados da Polícia Militar os benefícios da Lei de nº. 38, de dezembro de 1947, pois, no gozo dos benefícios estão todos os servidores públicos. A exceção se verifica apenas com relação aos cabos e aos soldados da Força Policial, pois os sargentos, aspirantes, suboficiais e oficiais da Polícia Militar foram equiparados aos funcionários públicos (Lei 186, de 26 de novembro de 1936).31 Ele critica a tentativa de isolar de certas regalias os “cabos e soldados da polícia, sob pretexto de que não se enquadram na classe dos funcionários” e lembra que os favores da Lei 38 foram estendidos aos extranumerários e aos funcionários das autarquias. Daí sustenta que os cabos e os soldados têm, após dez anos, de serviço, as mesmas garantias de estabilidade, peculiares aos funcionários públicos. A par disso, o Regulamento Geral da PM prevê que, nos casos omissos, o Comandante Geral poderá recorrer à legislação que vigorar no Exército, de forma que o regime de gratificações adicionais deve abranger, como no Exército, os inferiores da Força Militar estadual. Nessa busca de assegurar direitos, defende o pagamento de adicionais por tempo de serviço aos membros das Forças Armadas, ameaçados por um projeto de lei do deputado Tarso Dutra, do Rio Grande do Sul. No requerimento, condena a tentativa de supressão daqueles benefícios, em cujo gozo já se encontram os militares das Forças Armadas, e questiona o argumento do parlamentar, alegando que o Governo negou os adicionais ao funcionalismo público civil.32 Daí sustenta que as alegações não passam de simples manobras para prejudicar os membros das Forças Armadas Nacionais e evoca a posição do ministro da Guerra, general Estillac Leal, na Comissão de Serviço Público da Câmara Federal. O ministro esclareceu que “a concessão dos adicionais aos militares não foi medida caracterizada pela temporiedade condicional; foi prescrição que não levou em conta nem o que viesse ocorrer com os demais servidores do poder público federal, nem o que ocorre com os dois outros poderes públicos.” De resto, considera a medida antipática e lesiva aos interesses das classes militares e pede que a Assembléia se manifeste contra o projeto Tarso Dutra. Nessa postura de garantia dos direitos, dos interesses sociais, Paulo Cavalcanti apresenta projeto de lei para desapropriar as terras da Granja Monte Alegre, no Município de Jaboatão. A proposta conta com a adesão dos deputados Moury Fernandes, Fernando Lacerda, Santa Cruz Valadares, Edmar Fernandes, Vieira de Menezes, Antônio Luiz Filho e Alfredo Leite, sensibilizados com a situação de pequenos e médios agricultores.33 No requerimento, fica evidente que a “Granja Monte Alegre”, incorporada ao patrimônio de um estabelecimento bancário, era essencial à sobrevivência de 150 camponeses, ameaçados de despejo pela instituição. Os camponeses e suas famílias, num total de 800 pessoas, ali estavam há mais de quinze anos, fazendo da propriedade um sítio próspero, produzindo hortaliças, frutas, e contribuindo com o abastecimento da população. Paulo Cavalcanti relata que os camponeses estavam sendo vítimas de pressões, ameaças, com vigias armados de rifles e tentativa de usar a polícia para expulsar todos. Adianta que a instituição, visando lotear a propriedade, oferecia indenizações irrisórias, tais como pagar um mil cruzeiros por quadras que valem dez, de sorte que a desapropriação era a forma correta de evitar o desaparecimento da “Granja Monte Alegre”, que consi-dera um crime contra os camponeses e a economia do Estado. 34 Os projetos, requerimentos, também contemplam a concessão de auxílios, pensões, a familiares de servidores do Estado, policiais feridos e impossibilita-dos de trabalhar, jornalistas, viúvas de ex-combatentes, trabalhadores em greve na indústria têxtil e no setor elétrico. Há propostas também beneficiando viúvas de servidores do Executivo e do Judiciário, com argumentos sobre as razões e condições em que se encontram com a perda do chefe da família. Dentro de uma lógica de crença na organização popular, Paulo Cavalcanti atua para fortalecer as entidades, propondo a abertura de crédito especial para Encontros e Congressos. Entre os eventos, estão os Congresso Nacionais dos Jornalistas, Congressos dos Jornalistas do Interior, dos Servidores Públicos, e o Congresso do Leste e Nordeste em Defesa do Petróleo.35 As preocupações do parlamentar se estendem a órgãos como a Casa do Radialista, para a qual pede uma abertura de crédito especial, a Cooperativa dos Rodoviários Limitada e a Caixa Beneficente dos Funcionários do Serviço do Algodão. Ele propõe para ambas a isenção do imposto de vendas e consignações, enquanto defende a

31 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Projetos. 32 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Requerimentos. 33 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Projetos. 34 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Projetos. 35 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Projetos.

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autorização de um empréstimo para a Cooperativa Central dos Produtores de Caroá, visando beneficiar os seus associados. Nas ações voltadas para o setor cultural, Paulo Cavalcanti pede uma subvenção para o artista Luís Soares, pintor residente no Rio de Janeiro. Ele justifica a medida argumentando que o artista, com seus quadros, difundiu no Sul do País a grandeza cultural do Estado, rica de motivos regionais, e que estava enfermo, sem condições de com sua arte prover os meios para garantir a subsistência.36 A defesa da cultura também é objeto de um requerimento visando mobilizar a representação de Pernambuco, no Congresso Nacional, para incluir verbas no Orçamento da União destinadas à restauração e à conservação dos monumentos históricos do Estado. Na proposição, esclarece que o Forte do Buraco, a Cruz do Patrão, a Igreja de Santo Amaro das Salinas, o Cemitério dos Ingleses, os Fortes do Orange, em Itamaracá, do Queijo, em Olinda, os de Nazaré da Mata e do Cabo estavam sob ameaça de desaparecimento. Tal ameaça pairava, também, sobre os documentos relativos à Revolução Praieira, objeto de um projeto do deputado Mário Melo, abrindo um crédito especial para assegurar a preservação dos manuscritos originais. A medida conta com emendas aditivas de Paulo Cavalcanti, uma veemente defesa, pois “o projeto do deputado Mário Melo tem como fim primordial reeditar, republicar, recompor, esse manancial de informações sobre a Revolução de 1848”.37 “O Sr. Paulo Cavalcanti - Nesta Casa, Sr. Presidente, há dias foi votado um projeto de lei autorizando o Governo a conceder um prêmio, ao Jóquei Clube, de cinqüenta mil cruzeiros por ano. Pretende o Deputado Mário Melo um crédito de 200 mil cruzeiros para comemorar, não corrida de cavalos, mas um dos fatos mais significativos da história política e social do Brasil. Não vejo razão para reduzir esse crédito... Acho que a emenda do Deputado Augusto Novaes (reduzindo o crédito) não procede. O Sr. Luís de França - V. Exa. não acha que com cem mil cruzeiros se poderia fazer isso? O Sr. Oswaldo Lima Filho - V. Exa. tem sido nesta Casa um vibrante defensor das causas do povo, mas indago se acha justo esse crédito quando a Assembléia verificou que nos hospitais se morre de fome por falta de leite, de remédios? O Sr. Paulo Cavalcanti - Já disse que reconheço as dificuldades do Estado, mas os documentos originais, os arquivos, estão se acabando. Se V. Exa. tiver o ensejo de ir à Biblioteca Pública consultar as cartas íntimas e o “Diário” do General José Inácio de Abreu e Lima há de verificar que, daqui a um ano, não se poderá mais fazê-lo. O Sr.Oswaldo Lima - Mas com a verba de cem mil cruzeiros será possível salvar esse documentário que, concordo, é de incalculável valor histórico e social para o estudo dessa revolução que teve tão graves repercussões na vida e no pensamento nacionais. O Sr. Augusto Novais - Para comemorar o tri-centenário da Batalha dos Guararapes, o Sr. Governador do Estado, que gosta muito de festa, solicitou apenas um crédito de cem mil cruzeiros, que foi reduzido para setenta... O Sr. Paulo Cavalcanti - V. Exa. há de convir que a comemoração se reduziu às solenidades cívicas, não foi feita a republicação de nenhum documento sobre a Batalha dos Guararapes. O Sr. Augusto Novais - Na mensagem governamental, pelo menos, o Governo dizia que várias obras deveriam ser impressas e distribuídas, entre os escolares, maquetes alusivas ao fato.38 O debate prossegue com os deputados Aderbal Torres e Moury Fernandes e, ao final, Paulo Cavalcanti continua a justificar a abertura de crédito visando ao resgate dos fatos narrados pelo general Abreu Lima. Ele exalta também a atuação de “O General das Massas”, através dos periódicos A Barca de São Pedro e Diário Novo, pois exerceu sobre o espírito dos revolucionários uma influência marcante e decisiva. A recuperação dos manuscritos, dos originais, seria a melhor forma de festejar o centenário da Revolução Praieira e lembrar a campanha de Abreu e Lima em Pernambuco, na Venezuela. Paulo Cavalcanti aborda, no pronunciamento, a posição do bispo Cardoso Ayres, que negou ao general o sepultamento no cemitério público da cidade, e pede a trasladação dos restos mortais do Cemitério Inglês para o Cemitério de Santo Amaro. É uma forma – explica – de reabilitação da Pátria à memória de quem, no território brasileiro e no exterior, honrou a cultura e as tradições de independência do povo de Pernambuco. A importância dos fatos históricos, das datas, motiva requerimentos lembrando as causas, os feitos, tais como a expulsão dos holandeses, a cessação da 2ª. Guerra Mundial, a Inconfidência Mineira, a Revolução de 1817. O documento sobre o aniversário da Revolução de Outubro, na Rússia, é sucinto e conta somente com a adesão de Nilo Pereira e de Andrade Lima Filho. Nessa linha de preocupação com a identidade cultural, os valores do Estado e da região, Paulo Cavalcanti defende normas para a adoção de livros didáticos nas escolas estaduais, que deverão versar, de preferência, sobre assuntos ligados à vida do

36 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Projetos. 37 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos. 38 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos.

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cidadão nordestino, preenchidos os requisitos básicos da pedagogia moderna. O projeto prevê um concurso para escolha dos trabalhos, com prêmios para os melhores, e a adoção levando em conta que os livros então adotados, feitos no Rio ou em São Paulo, geralmente ignoram as características da região e enfocam um meio ambiente distante da realidade.39 “A instrução a que é submetida a criança – critica –, nas escolas primárias do Estado, exerce um fator negativo de desenraizamento, ao mesmo passo que possibilita uma absurda ignorância dos problemas mais sérios do meio ambiente. É por isso mesmo um método de educação que não educa, nem do ponto de vista social, nem do ponto de vista cultural. Desde que a educação se afaste das necessidades reais do meio – escreve Anísio Teixeira – opera um desenraizamento, uma desadaptação e, por conseqüência, longe de produzir os efeitos esperados, provoca novos problemas de desajustamento.” (Educação para a Democracia, pág. 80, 1ª. edição). “Não há de se pretender, com isso, - prossegue - que o aluno fique estaticamente preso às condições do seu ambiente, mas que o aluno conheça, na escola, os fatos que, fora dela, dominam com mais proximidade a sua atenção e interesse... O que se tem feito, até hoje, em nossas escolas é, precisamente, o inverso de tudo isso, com os métodos “universalistas” seguidos na confecção de nossos livros didáticos”.

EMERGÊNCIAS, DENÚNCIAS E CRÍTICAS

As questões emergenciais, as reivindicações de caráter imediato, encontram, na ação de Paulo Cavalcanti, um aliado inflexível. No combate à deficiência dos serviços, às irregularidades, aos aumentos de preços, é um intérprete dos anseios dos mais humildes, uma voz que tem eco no Legislativo. A sua posição é de vigilância, de denúncia e de crítica, pedindo medidas do Executivo e responsabilizando os grupos no Poder. Com argumentos consistentes, apoiado em fatos e pesquisas, enfoca a questão do abastecimento de água nos subúrbios, questiona a qualidade dos serviços. Assim, protesta contra a retirada de uma torneira na Vila dos Industriários, em Areias, que era a única fonte de abastecimento, e reivindica a construção de um chafariz para atender a população pobre. Diante de elementos sobre a água fornecida aos habitantes de Beberibe e de Água Fria, questiona a qualidade do serviço, provando que é precário e primitivo.40 “ Sr. Paulo Cavalcanti – Não é necessário dizer mais nada. Quarenta e nove colibacilos numa amostra de cem centímetro cúbico da água de Beberibe. Contudo, há coisa mais grave. A segunda amostra, colhida pelo Departamento de Saúde, dá o seguinte resultado bacteriológico: 110 colibacilos por centímetro cúbico e a terceira tem o resultado que se segue: trezentos e cinqüenta colibacilos por cem centímetros cúbicos. O Sr. Carlos Rios – É a água da morte! O Sr. Nelson Monteiro – Parece que o povo está se alimentando de colibacilos. O Sr. Alves de Sá – Segundo a opinião dos técnicos, toda vez que a água contém colibacilos é sinal de que tem contato com fezes humanas. Daí se deduz que não somente contém colibacilos, como, também, bactérias outras de origens diversas e outros parasitas. O Sr. Paulo Cavalcanti – Não é por coincidência que, naquela zona, não há serviços de esgotos. Todas as casas são servidas unicamente de fossas primitivas. Mas, Sr. Presidente, o fato que trago ao conhecimento do plenário é um dos mais alarmantes para a saúde do povo. O Sr. Gomes Lopes – Algumas pessoas me fazem ver que a falta de cem mil cruzeiros é que determina a deficiência desse serviço de abastecimento... Ainda hoje um habitante de Beberibe dizia-me que tem razão o Jornal Pequeno quando proclama que o Sr. Barbosa Lima Sobrinho continua frio, cético e distante acerca de todos os problemas de nosso Estado. O Sr. Paulo Cavalcanti – Como dizia, Sr. Presidente, o problema é sumamente grave. Uma população sub-alimentada, como a nossa; um povo de nível de vida baixíssimo; um proletariado a perceber salários de fome, salários chineses e, ainda por cima, a ingerir diariamente milhares e milhares de colibacilos... O Governo é o maior responsável, são responsáveis as autoridades competentes. O Sr. Carlos Rios – Criminosos por omissão. O Sr. Paulo Cavalcanti – Exatamente. Criminosos por omissão. Apelo, Sr. Presidente, no sentido de que o Departamento, agora, advirta a população de Beberibe e adjacências da gravidade do problema... A que ponto chegamos, Sr. Presidente, nesta questão de polícia sanitária. Tudo depende do particular, do transeunte que surpreende o comerciante a vender carne podre; do consumidor que adquire feijão bichado e deteriorado; do cidadão que adquire leite e depois constata que o leite não é leite, é água e, possivelmente, água com milhares de colibacilos... A Assembléia deve atender ao pedido de criação de cargos de guardas sanitários, e talvez com isso tenhamos melhorado o problema da saúde pública.” A questão do saneamento, da defesa sanitária, refletia a realidade de uma época em que na Capital, no Estado, eram também precários os serviços de transporte, saúde, energia, e de abastecimento de carne. Daí, Paulo Cavalcanti reivindicar um trem suburbano li-gando o centro do Recife a Areias, beneficiando os moradores do

39 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Projetos 40 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos

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Ibura; o funcionamento da Maternidade Virgínia Heráclio, em Limoeiro; o exame de manteiga apreendida contendo petrolato e outras substâncias prejudiciais; e a proibição da venda de farinha de trigo que estava com indícios veementes de ser imprestável para o consumo .41 A preocupação com a saúde pública motiva um requerimento em que denuncia os casos de morte e cegueira decorrentes do leite em pó do Fundo Internacio-nal de Socorro à Infância – FISI. O leite era doado às crianças pobres do Recife, por intermédio dos departamentos públicos de assistência social, e o parlamentar cobra esclarecimentos sobre sua composição. De igual modo, questiona o Executivo sobre o não cumprimento da entrega de numerário do Serviço Nacional de Malária, resultante de convênio entre o Estado e o Ministério da Saúde e Educação. Na questão dos alimentos, protesta contra a retenção de uma partida de charque pela Diretoria de Produção Animal e denuncia a ausência de concorrência pública para o fornecimento de carne verde aos hospitais do Estado. O problema da carne motiva, inclusive, um requerimento propondo a encampação do setor pelo Estado e outro pedindo dados do relatório da Comissão de Abastecimento e Preços – COAP,de autoria de Jader de Andrade – sobre a produção e comercialização da carne verde. Na proposta de estatização, assinada também pelo deputado Fernando Lacerda, Paulo Cavalcanti faz um “substitutivo ao requerimento do deputado Constantino Maranhão, sobre o problema da carne verde”, que visa reforçar o controle exercido pelos produtores, representados pelo que denomina, ironicamente, de “bancada do filé”. “Dirija a Assembléia Legislativa, ouvido o plenário, ao governador do Estado, a sugestão de que o abastecimento da carne verde à população do Recife seja feito diretamente pelo poder público, encampando-se, para tal fim, todo o acervo das firmas particulares que exploram o mencionado comércio.” A proposta, é claro, não tem condições de vingar, mas faz parte das divergências com Constâncio Maranhão e as pretensões de avançar no controle da comercialização do produto. “ Sr. Paulo Cavalcanti – Não houve, ao que se sabe, nenhum aumento de vencimento no funcionalismo do Estado. No entanto, o preço dos gêneros alimentícios está a subir a cada momento. Trago para o conhecimento da Casa, hoje, a notícia do aumento criminoso no preço da carne verde, que passou de dez cruzeiros para onze cruzeiros, da noite para o dia.42 O Sr. Constâncio Maranhão – É preciso frisar que nada tenho a ver com isso. O Sr. Paulo Cavalcanti – V. Exa. precipitou-se. Nem me lembrei de V. Exa., neste momento. Já sabia, aliás, que em Olinda sua ação não se faz sentir. O aumento do preço em Olinda, Srs. Deputados, não foi permitido pelas autoridades competentes, resultou de um acordo entre algumas autoridades daquele município e os trabalhadores que operam na cidade de Olinda. É de ressaltar-se também que, no Recife, não houve majoração no preço da carne verde, não se justificando, destarte, a criminosa atitude dos responsáveis pelo abastecimento no Município de Olinda”. Paulo Cavalcanti pede a interferência do órgão controlador de preços, da Prefeitura de Olinda, e condena o atentado à economia popular, que é uma postura constante nas ações contra o aumento das tarifas de transporte, energia elétrica, gás e telefone. As questões pontuais, portanto, caminham lado a lado com as preocupações institucionais, a defesa dos direitos individuais. “O Sr. Paulo Cavalcanti – Sr. Presidente, em aparte ao discurso do deputado Lael Sampaio, na tarde de hoje, tive o ensejo de ressaltar que o governo do Estado não tem, dos problemas de Pernambuco, uma visão realista. A prova disso é que... o secretário de Segurança do Estado, com a chancela do Exmo. Sr. Governador, baixou uma portaria proibindo o êxodo das populações rurais para os centros mais adiantados do Estado ou do País. Isso, que não passa de mero fenômeno social, transforma-se para o Governo de Pernambuco em simples caso de polícia. Desconhece-se ou procura desconhecer-se um fenômeno corriqueiro na sociedade humana: o fenômeno migratório que, em última análise, explica a própria história dos agrupamentos sociais.”43 O Sr. Inácio Lemos – O êxodo advém da falta de trabalho, de financiamento aos produtores agrícolas, enfim, pela fome e pela miséria reinante na zona rural. O Sr. Paulo Cavalcanti – O nosso homem do interior não se daria ao luxo de deixar o seu habitat por meras preocupações turísticas. Se abandona a sua terra, se deixa ao deus dará o seu mundo, é forçado pelos males do regime agrário, incompatível em nossa pátria com o panorama atual da democracia. Contudo, como ressaltei, a Secretaria de Segurança quer transformar esse fenômeno em caso de polícia. O Sr. Augusto Novais – Ademais, vem ferir até mesmo a nossa Constituição, que assegura a liberdade individual. Com essa portaria pretende-se ferir a liberdade de locomoção dos indivíduos dentro do território nacional.

41 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 42 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 43 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos

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O Sr. Lael Sampaio – O que o povo do Interior está vendo é que só há uma atividade remuneradora e protegida no Estado – é a atividade do jogo de azar, do jogador da “batota”, da roleta etc. Assim, cada qual, antes que uma calamidade maior venha a surgir, procura retirar-se para longe do Estado. O Sr. Paulo Cavalcanti – A decisão do Governo do Estado, por intermédio da Secretaria de Segurança, não recomenda os foros de intelectualidade e de cultura do Sr. Chefe do Executivo. Proibir-se, por uma portaria de polícia, o êxodo das populações do Interior, equivale a querer atacar o mal, não tendo em vista as suas causas, porém os seus efeitos. Igual disparate só ocorreu quando aquele ministro do Trabalho do Sr. Dutra “responsabilizou” o samba pelo decréscimo da produção agrícola do Brasil. Um, aqui, reduz um dos princípios da luta pela vida – a migração – a caso de polícia; outro, alhures, indigita a música popular, o samba dos morros do Rio, como fator fundamental na queda da economia nacional. São esses os homens que nos governam... O Sr. Constâncio Maranhão – V. Exa. poderá me informar se na Rússia há esse intercâmbio? O Sr. Paulo Cavalcanti – Há, naturalmente. Como nação civilizada, a Rússia não pode fugir à incidência desse fenômeno. O Sr. Constâncio Maranhão – V. Exa. está protestando contra a proibição desse intercâmbio, do direito do povo de se locomover de um lugar para outro. Pior é na Rússia que não se sai para lugar nenhum. O Sr. Paulo Cavalcanti – Como sempre, V. Exa. revela um grande desconhecimento das questões sociais. Não entendeu o que eu disse e, por isso, procura abastardar os debates, ridicularizando a Assembléia. O Sr. Vieira de Menezes – V. Exa. agora não está falando em nome da Rússia, mas em nome do Partido Social Democrático, não é? O Sr. Paulo Cavalcanti – É pena que V. Exas. não dêem à discussão o caráter de seriedade que ela está a exigir. Tem-se a impressão que V. Exas. não procuram fazer outra coisa, nesta Assembléia, senão achincalhar a seriedade dos problemas nela debatidos.44 As reações iradas, divergentes, não atrapalhavam as boas relações entre Paulo Cavalcanti e Constâncio Maranhão. Passado o momento da discórdia, das provocações ou ironias, ambos voltavam a conviver pacificamente, até em tom de brincadeira. Assim Constâncio Maranhão, ao assumir interinamente o Governo do Estado, foi advertido por Paulo Cavalcante: “Você, daqui a cem anos, vai fazer uma confusão danada na cabeça dos historiadores...Eles vão concluir que havia dois indivíduos com nomes parecidos: Constâncio Maranhão e Constantino Carneiro de Albuquerque Maranhão – um açougueiro, outro estadista”.45 O relacionamento amistoso resultou, algumas vezes, em ajuda para pagar débitos da Folha do Povo e também para custear as despesas de uma passagem do Brasil para a França, de onde Paulo seguiria para a União Soviética. Ele estava disposto a desistir da viagem, mas Constâncio se ofereceu para pagar a passagem toda, o que Paulo não aceitou, mas ele mobilizou os amigos da Assembléia para pagar as despesas. A viagem não escapou ao controle da polícia do Estado: “O arquivo do DOPS registra que, em outubro de 1953, Paulo Cavalcanti viajou, “em companhia de outros elementos”, para participar do V Congresso de Jornalistas, que aconteceria em Curitiba. Foi passado um rádio – de número 170 – à polícia política da capital do Paraná, pelo DOPS pernambucano. Uma notícia publicada pelo Jornal do Commercio, do Recife, era anexada ao dossiê: no mesmo mês de outubro, Cavalcanti viajaria a Praga, na Tchecoslováquia, para acompanhar um congresso cultural”.46 Paulo Cavalcanti relata, então, que “o raciocínio de Constâncio baseava-se no seguinte: indo à URSS, eu regressaria anticomunista. Engano ledo e cego. De volta, mais comunista ainda, trouxe uma pequena lembrança para cada um... Constâncio contentou-se com uma caixa de charutos holandeses comprados em Amsterdã. Numa certa tarde, estando só comigo, falou-me entre sorrisos mansos: – Se existisse no mundo uma pílula que, tomando-a, a pessoa deixasse de ser comunista, e se essa pílula custasse cinqüenta mil cruzeiros, eu a compraria para você engolir. – Vocé quer é me comprar, respondeu Paulo e ouviu uma forte gargalhada de Constâncio que encerrou a conversa.47 Naquele mesmo pronunciamento, que motivou as objeções de Constâncio Maranhão, Paulo Cavalcanti alinha críticas à proposta de majoração do Imposto de Vendas e Consignações. Então acusa a bancada do Governo de se submeter aos caprichos do governador Barbosa Lima Sobrinho. Ele considera o aumento criminoso, pois recairá sobre os ombros, já combalidos, do povo pernambucano, penalizado por uma visão errada do Governo.48 O deputado Inácio Lemos, em aparte, considera a medida uma utopia fiscal, e Paulo Cavalcanti sustenta que o Partido Social Democrático, aliado do Governo, curva-se às injunções do Palácio e “toca a realejar nesta Casa, num aparte ou outro, velhos argumentos, desmoralizados estribilhos, quais os de que o aumento do imposto visa retirar da miséria a população do Estado.”49

44 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 45 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. II - Nos Tempos de Prestes, Ed. Guararapes 46 Maciel, Ayrton - DOPS - Dossiê Paulo Cavalcanti 48 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 49 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos

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“O Sr. Inácio Lemos – O deputado Oswaldo Lima Filho sentiu o quanto é antipático esse aumento do imposto, nas circunstâncias em que o Estado se encontra pela falta de produção do Estado. O Sr. Paulo Cavalcanti – Os anais de nossa história política não registram o fato de um Governo, como o do Sr. Barbosa Lima Sobrinho, haver assumido as rédeas da administração pública com um crédito de confiança tão vasto. O Sr. Inácio Lemos – V. Exa. não poderia servir melhor ao povo, sobretudo a classe pobre, do que se manifestando contra esse aumento absurdo. O Sr. Paulo Cavalcanti – Logo de partida, o Sr. Barbosa Lima jogou na rua, sem aviso prévio, piedade, compaixão, centenas e centenas de servidores públicos,num gesto que parecia anunciar uma vigorosa compressão das despesas do Estado. Alguns meses depois, na proposta orçamentária, pede a esta Assembléia a criação de mais quinhentos cargos públicos, num total superior a sete milhões de cruzeiros. O Sr. Augusto Novais – Na onda de demissão do Sr. Barbosa Lima foi até exonerado um extranumerário, com 4 anos e 9 meses de serviço, conforme denunciou daqui o Sr. Moury Fernandes. O Sr. José Mixto – Com essa declaração de V. Exa. precisa vir à tribuna o líder da bancada do PSD, deputado Magalhães Melo. O Sr. Paulo Cavalcanti – Se é para justificar o aumento, seria melhor V. Exa não o convidar... No tocante, por exemplo, Sr. Presidente, à Secretaria de Segurança Pública, esses aumentos são descabíveis. A polícia conta, em seu seio, com centenas e mais centenas de beleguins para, deixando os verdadeiros criminosos na rua, esbofetear diariamente os operários e aqueles que lutam por melhores dias para o País.” As finanças do Estado, sem dúvida, estavam necessitando de ajustes, recursos, mas na visão de Paulo Cavalcanti o Governo devia combater os desvios e assegurar o aumento da arrecadação. Nada de aumento de imposto, nem de concessão de incentivos, premiando empresas devedoras do fisco. A busca do equilíbrio, portanto, estava na mudança de estratégia do sistema de arrecadação, no próprio modelo de gestão.50 Dentro dessa concepção, Paulo Cavalcanti reage ao projeto do deputado Mário Lira propondo anistia fis- cal de quaisquer débitos decorrentes de impostos, taxas ou contribuições. A proposta visaria beneficiar os pequenos devedores da Fazenda, mas Paulo Cavalcanti prova que, ao contrário, iria premiar velhos e contumazes infratores do Código Tributário. Evoca sua experiência como promotor público e assegura que, no exercício da função, tem ciência de que os mais assíduos contribuintes são os pequenos produtores e negociantes.51 Com base na realidade, no conhecimento dos fatos, alinha os grandes devedores da época, entre os quais a Companhia Paulista, a Usina Cachoeira Lisa, a Pernambuco Autoviária Ltda., a Destilaria de Produtos, Laminação Limitada, Usinas Estreliana, Pumati e Catende. Adianta que a soma de todos os débitos das pequenas empresas, não atingiria sequer a dívida da Companhia de Tecidos Paulista. O deputado Magalhães Melo, em aparte, manifesta sua decisão de derrotar o projeto, por entender que constituía um estímulo à impontualidade, à fraude e sonegação de imposto em Pernambuco. Paulo Cavalcanti concorda e, em seguida, questiona o projeto do deputado Pedro Afonso, que isenta do pagamento de impostos a venda de “produtos de agricultura que não hajam sido transformados por qualquer processo de industrialização e que só como matéria-prima possam ser dados a consumo.”52 Depois de afirmar que o projeto só beneficia os usineiros, Paulo Cavalcanti comenta: “Pretende, agora, o deputado Pedro Afonso, com o seu projeto, fazer revigorar uma prática fiscal já de toda julgada improcedente e contrária aos interesses do povo. Se o espírito do projeto é proteger o pequeno produtor, não vemos razão, por conseguinte, para que sejam incluídos os grandes agricultores e os plantadores de cana de açúcar.” 53 Na área do econômico, contudo, há a prevalência do social. É um aspecto do contraditório, da correlação de forças, e, assim, Paulo Cavalcanti propõe com Moury Fernandes uma majoração de 10% sobre a taxa fixa dos telefones de uso comercial e industrial e de 5% sobre os de uso residencial. O objetivo é assegurar um aumento de 20% sobre os salários dos empregados daquela empresa -, que percebam remuneração, a qualquer título, até cinco mil cruzeiros. O projeto fixa as normas de escrituração e de fiscalização da sobretaxa, destinada exclusivamente à melhoria dos salários dos servidores.54 Noutra iniciativa, voltada para a questão econômica, Paulo Cavalcanti deixa de lado as divergências com os usineiros e plantadores de cana, encabeçando um pedido de providências para assegurar mercado para a produção de açúcar. Sob argumento de que as últimas partidas de açúcar, vendidas ao Exterior, quase não trouxeram lucro aos usineiros e plantadores, os parlamentares sustentam que há necessidade de conquistar mercado, eliminar os entraves à sua exportação. Apelam para o Instituto do Açúcar e do Álcool, solicitando urgência da

50 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 51 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 52 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 53 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 54 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Projetos

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medida, e assegurando que a Assembléia não pode ficar indiferente à sorte das magnas questões ligadas à sobrevivência econômica do Estado.55 Tais atitudes não comprometem as críticas ao sistema econômico, ao favorecimento das elites, reflexo de suas convicções políticas, das idéias de mudança da estrutura do Estado. A rigor, naquela fase histórica, no Estado e no País, as transformações exigiam mobilização da sociedade, defesa da economia, das liberdades. Tais fatores eram vitais para enfrentar as manobras do esquema de poder, que resistia aos ideais de democracia e mantinha as antigas práticas de violência e repressão.

LUTAS DE EMANCIPAÇÃO

No confronto com os resquícios do Estado Novo, os desmandos da polícia política, Paulo Cavalcanti reage às medidas do Governo do Estado, do Governo Federal, restringindo as liberdades. Não acusa o governo de ser omisso por força de alianças, mas insinua haver indícios do fato, que exigia seu protesto e indignação diante das violências praticadas pela polícia contra os trabalhadores e as lideranças políticas de esquerda. “O Sr. Paulo Cavalcanti – O objetivo do Sr. Barbosa Lima só é um: o de agradar aqueles que em Pernambuco instituíram o célebre “triunvirato de bota e espora”, o de bajular o Catete, através de medidas que representam a asfixia, o sufocamento das liberdades democráticas.56 O Sr. Luís de França – Penso que o meu nobre colega Antônio Farias não tem razão, porque ele bem sabe que o Sr. João Inácio Ribeiro Roma, na Secretaria de Segurança, era menos um auxiliar do Sr. Barbosa Lima, a quem não obedecia, não seguia, do que um representante direto do senador Etelvino Lins como do Sr. Agamenon Magalhães. Apesar da redemocratização, das lutas pela plenitude do Estado de Direito, evidente que os remanescentes da ditadura ocupavam postos de destaque no aparelho do Estado, sobretudo na área da segurança. As medidas arbitrárias, as violências, ocorriam com a conivência dos governos dos Estados, do Governo Federal, até porque o pretexto da guerra fria favorecia a truculência contra as forças julgadas inimigas da ordem e dos poderes constituídos. O Sr. Paulo Cavalcanti – Sr. Presidente, Srs. Parlamentares: os jornais de hoje estampam a resposta que o Sr. João Roma achou por bem dar ao requerimento de minha autoria sobre o seqüestro dos vereadores. Acontece, Sr. Presidente, que além de policial violento, o Sr. João Roma é mal conhecedor de números. Fiz-lhe cinco perguntas e o Sr. João Roma, capciosamente, deu respostas a apenas três”. Paulo Cavalcanti segue fazendo considerações sobre a atitude do secretário João Roma, que “afirma ser dever do órgão assegurar a ordem pública e a defesa do Estado. Nesse legítimo propósito, teve de reprimir a agitação perniciosa a que se entregaram diversos comunistas...Evidentemente é legal o chamamento de perturbadores da ordem à polícia, principalmente quando essa perturbação visa à segurança do Estado. Ninguém justificaria a inércia desta Secretaria ante a ação contumaz dos comunistas no propósito criminoso em que vivem e pelos quais foram postos fora da lei.”57 Paulo Cavalcanti classifica a resposta como um acinte à democracia, porque “esposa a tese de que, no combate ao comunismo, a polícia pode tomar a atitude que melhor agradar aos interesses policialescos do Sr. João Roma”. Essa conduta vai ser objeto de muitos protestos na Assembléia, através de pronunciamentos, requerimentos, sempre defendendo o respeito aos direitos individuais. Assim, protesta contra a proibição de um ato público, em recinto fechado, em prol da Convenção de Pernambuco pela Emancipação Nacional; contra a proibição de um comício, na Praça da Abolição, em Olinda, promovido pela Liga de Emancipação Nacional e as violências praticadas pela Rádio Patrulha; e contra a prisão do cidadão Daniel Marques da Cruz, por distribuir o Manifesto de Solidariedade ao Congresso Continental Americano Pela Paz. No requerimento, pede que a Mesa da Assembléia indague da Secretaria de Segurança quem determinou a proibição do Movimento em Defesa da Paz, a prisão de Daniel Marques da Cruz e desde quando se encontra recolhido ao xadrez da Secretaria. Também pede providências contra a prisão do suplente de deputado Cassimiro Pereira da Silva, de resto, uma forma de denunciar e envolver o Legislativo no combate à violência.58 As arbitrariedades, as violências, motivam outros requerimentos de Paulo Cavalcanti, que pede, em plenário, a designação de uma Comissão Judiciária para apurar, em inquérito, as causas da tentativa de morte contra o 2º vice-pesidente da Assembléia, deputado Miguel Mendonça, em Barreiros. De igual modo, protesta contra o espancamento do Sr. Pedro Antônio Vieira, presente na ante-sala da Assembléia, e da doméstica Severina Maria Gomes, agredida por soldados da Rádio Patrulha. Ainda no período de Barbosa Lima, o parlamentar denuncia a prisão de inúmeros estudantes de cursos superiores, sem nenhum amparo legal. Então, acusa o delegado Aluisio Paes de esbofetear o estudante João Régis e

55 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Requerimentos 56 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 57 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 58 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos

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em seguida protesta contra a violação do domicílio do deputado Nelson Monteiro, cuja família foi agredida, tendo a esposa sido levada ao Pronto-Socorro para receber curativo.59 Nas acusações ao Governo Barbosa Lima, condenando a violência contra os comunistas, as agressões ao jornal Folha do Povo, fica claro que o acusador tenta atingir todo um esquema de repressão. A maquinação era produto, pois, de um conjunto de forças que, no Estado, estava ligado a segmentos intolerantes das Forças Armadas, atrelados aos conceitos de repressão e arbítrio, que escapavam ao controle do Governo Estadual. O fato é comprovado pela polícia política, num relatório sobre o parlamentar: “Cavalcanti obteve uma vaga para a Assembléia Legislativa do Estado, indicado pela legenda do PSD, mas “eleito pelo PCB”. “Sua atuação como deputado afina, perfeitamente, com a técnica e com os ensina-mentos político-filosóficos do partido em que milita, consistindo, principalmente, em ataques à ordem instituída, na divulgação de seus ideais e na defesa dos agitadores que tramam à sombra das garantias constitucionais”.60 No livro Nos Tempos de Prestes, Paulo Cavalcanti esclarece que “seu governo, na parte policial, era controlado pelos velhos “catedráticos da Sorbonne da Rua da Aurora”, como o jornalista Aníbal Fernandes classificava os esbirros do agamenonismo e do etelvinismo. Tanto se fazia presente o cerco a Barbosa, alvo da espionagem do grupo mais reacionário do PSD, que até os telefones do Palácio do Governo eram submetidos à censura do DOPS”.61 “À publicação do meu livro, Barbosa Lima Sobrinho reagiu, de maneira educada, e declarou que não podia dar crédito às minhas revelações, desde que o seu secretário de Segurança Pública, João Roma, era pessoa de sua inteira confiança. Hoje volto a confirmar a denúncia: realmente os telefones de palácio eram grampeados pelo DOPS. Tenho em meu poder um documento, com timbre da polícia, dando conta da censura, que somente veio a ser suspensa com a posse de Roberto Pessoa, na Secretaria de Segurança, no princípio do Governo Agamenon Magalhães.”62 A afirmação tem amparo nos arquivos do DOPS, que comprovam a atividade ilegal da polícia política grampeando os telefones de pessoas ou órgãos no Estado: “Uma conversa telefônica entre Paulo Cavalcanti e Pelópidas Silveira, pelo telefone grampeado número 3856, foi notificada ao delegado auxiliar, pelo comissário Mathusalém Wanderley. As conversas telefônicas eram transcritas. Cavalcanti conversava com Pelópidas sobre a violência policial ocorrida, em 13 de novembro de 1950, na Avenida Beberibe, zona norte do Recife. Tendo o próprio secretário de Segurança Pública à frente, a polícia reprimiu uma manifestação que buscava reunir assinaturas para o abaixo-assinado que pedia a interdição das armas atômicas. Em discurso, o deputado e escritor marxista também protestaria na Assembléia contra a violência policial”.63 Naquela mesma fase, condena a polícia política (do Exército e da Aeronáutica) por invadir a residência, prender e espancar o ex-deputado José Leite Filho, seqüestrar o operário Pedro Bezerra e sua mulher. No mesmo tom, acusa a polícia do Estado de prender operários da Pernambuco Tramways, o jornalista João Silveira, o suplente de deputado Guilherme Vasconcelos, que foi espancado, o operário Manoel Firmino da Silva, os estudantes Boanerges Dias, Marcos Gorender e Pedro Tomaz, bem como reprimir os integrantes do Centro Municipal de Estudos e Defesa do Petróleo. Noutro requerimento, após o Governo Barbosa Lima, denuncia o desaparecimento de Filho, Euclides Francisco Damásio e Arnaldo de Holanda Cavalcanti, seqüestrados em suas residências. Ele atribui o fato a investigadores ou pessoas ligadas à Secretaria de Segurança e relata ter pedido informações ao secretário interino, Prof. J.J. de Almeida, sem obter resposta, que pede ao governador Agamenon Magalhães.64 A atitude da polícia se mantinha, pois, dentro do estilo de reprimir as manifestações tidas como subversivas, realizar as prisões como forma de combater os movimentos sociais, e Paulo Cavalcanti volta a protestar contra as medidas repressivas. Os jornalistas José Antônio Dantas, da revista Emancipação, Waldemir Maia Leite, do Diario de Pernambuco, estudantes que voltavam de um Congresso da Europa, a Associação das Mulheres de Pernambuco, são vítimas das tropelias que o parlamentar denuncia na Assembléia Legislativa. Além dos protestos, a luta para alterar dispositivos, como o atestado de ideologia nas eleições sindicais, por contrariar os preceitos constitucionais; a reação às limitações, também oriundas do regime ditatorial, invocado pelas autoridades para apreender ou empastelar órgãos da imprensa popular; decretos e portarias que, do mesmo modo, serviam para justificar a proibição ou a repressão de manifestações populares. No combate à violência da polícia do Estado, do Governo Federal, Paulo Cavalcanti tem de enfrentar as ameaças, as tentativas de intimidação, e daí persiste no empenho de protestar e ter o respaldo da Assembléia. Nessa tarefa, também o esforço para lembrar a missão constitucional do poder, a autonomia do Estado, dos Municípios, a soberania nacional, os princípios do regime federativo.

59 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 60 Maciel, Ayrton - DOPS - Dossiê Paulo Cavalcanti 61 Cavalcanti, Paulo - Nos Tempos de Prestes, Ed. Guararapes 62 Cavalcanti, Paulo - Ob. citada 63 Maciel, Ayrton - DOPS - Dossiê Paulo Cavalcanti 64 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Requerimentos

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Então, assume posição, na Assembléia, contra a prisão do estudante Edmo Duarte, feita pelo Governo de Franco, no navio brasileiro Santarém; contra a permanência da Rádio Station, americana, no Pina, e o metralhamento por soldados americanos do carro dos estudantes Alfredo Bandeira de Melo Filho e Eduardo Costa. Ele avança e protesta contra a participação de tropas brasileiras na Guerra da Coréia, sugerindo que a Assembléia defenda a imediata volta dos marinheiros que, nos Estados Unidos, estavam sob a ameaça de lutar no conflito coreano. Era uma face da luta contra as cicatrizes da guerra, da defesa da paz, que ganha dimensão na Assembléia com seus requerimentos e pronunciamentos.65 “O Sr. Paulo Cavalcanti – Ontem, Sr. Presidente, a cidade foi teatro de uma legitima cena de violência, sob exclusiva responsabilidade do Sr. Comandante Álvaro Keckaher, da 2ª. Zona Aérea do Recife... Elementos da Base Aérea, à semelhança do que haviam feito na residência do Deputado Nelson Monteiro e na redação da Folha do Povo, arrancaram a cassetete da Confeitaria Sertã o ex-deputado Nelson Leite Filho, em mais um atentado aos brios do povo pernambucano e às suas tradições autonomistas.66 O Sr. Metódio Godoy – Não vejo aí fraqueza do Governo. Esse caso está afeto à Justiça e o referido cidadão estava munido de habeas corpus preventivo. O Sr. Paulo Cavalcanti – V. Exa. tem razão em dizer que há também um atentado à Justiça, mas há, antes de tudo, Sr. Deputado, um violento atentado à autonomia do Estado, ao Governo, aos três poderes. O Sr. Barros Barreto – Realmente, foi um atentado que feriu preliminarmente o Poder Judiciário, mas que, por isso mesmo, constitui um atentado a todos os poderes do Estado. O Sr. Paulo Cavalcanti – Estamos a assistir verdadeiras exposições punitivas da Base Aérea... São verdadeiros comandos punitivos, Sr. Presidente, a percorrer a cidade, a violentar cidadãos, a espancar, agredir, sem que haja da parte do Executivo a menor providência... Só o Poder Legislativo, numa atitude que honra todos os parlamentares, teve a coragem de enfrentar tantas e tamanhas demonstrações de intervenção branca em Pernambuco. O Sr. Elpídio Branco – Há um rosário de tropelias praticadas por soldados da Base Aérea desta capital... Há pouco tempo, uma patrulha da Base Aérea foi a um cassino do Pina, armada de metralhadora, e aí arrasou uma casa comercial. O Sr. Paulo Cavalcanti – Agradeço a informação de V. Exa. Como dizia, Sr. Presidente, são verdadeiros comandos punitivos que estão a se realizar em Pernambuco, trazendo para o Estado todo um clima de intranqüilidade e violência... O povo sabe perfeitamente que a Polícia Civil entra em contato com os serviços secretos da Aeronáutica, da Marinha, do Exército, a fim de realizar diligências de competência exclusiva da Polícia Civil”.67 Os sonhos de paz, as pregações contra a intolerância, nem sempre tinham eco entre os comandos das Forças Armadas e das Polícias Militar e Civil. Diante dos protestos, das tentativas de garantir as liberdades, os direitos, os setores mais exaltados, radicais, tentavam sufocar os autores dos protestos, das denúncias. Então apelavam para atos de intimidação, violências e prisões, reafirmando a disposição de confronto, em nome da ordem. Sob ameaça de sofrer atentado, ser preso ou seqüestrado, Paulo Cavalcanti faz na Assembléia nova denúncia contra os militares: “O Sr. Paulo Cavalcanti – Estou informado de que o Comando da Base Aérea determinou a minha prisão hoje... Não me atemorizarei diante dessas violências e continuarei a lutar até as últimas forças pela democracia, contra toda manifestação de fascismo, parta ela de onde partir... V. Exa., Sr. Presidente, tomou a iniciativa de entender-se com o secretário de Segurança a fim de garantir a minha vida e da minha família, diante da ameaça de que seria trucidado ou espancado à porta de minha residência. O Sr. Nilo Pereira – A imprensa aqui presente devia ter dado destaque à comunicação de V. Exa., acrescentando que toda a Assembléia de Pernambuco está solidária com V. Exa. contra as ameaças e agressões de que estamos sendo vítimas. O Sr. Paulo Cavalcanti – Quero deixar claro que, de nenhum modo, calarei a minha voz, enquanto for deputado e enquanto estiver a serviço do povo”. As violências policiais do Estado, da União, eram constantes naquela fase complexa, de transição, tendo como alvo os comunistas, os estudantes, os trabalhadores. Nas marchas e contramarchas do processo, os defensores da paz, do petróleo, da emancipação nacional, eram reprimidos de forma violenta. Entre eles, Paulo Cavalcanti, participante do 1º. Congresso Brasileiro de Defesa da Paz e da Cultura, na sede da União Nacional dos Estudantes, na Praia do Flamengo, 132, no Rio de Janeiro.38 A reunião era pacifica, ordeira, mas o presidente da UNE, Genival Barbosa, sofreu coação de autoridades do Ministério da Educação e Saúde e terminou retirando o seu apoio ao ato, promovido pela Organização de Defesa da Paz e da Cultura. A sessão preparatória foi instalada e os delegados, de vários Estados, não sabiam do fato.

65 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 66 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 67 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 38 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I - Ed. Alfa Omega

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“O Sr. Paulo Cavalcanti – Notei, Srs. representantes, à minha chegada na UNE, que todas as portas, sobretudo as do fundo do edifício, se encontravam completamente fechadas. Ninguém podia sair da UNE, a não ser pela porta principal. Todas demais dependências se encontravam, desde o meio-dia, completamente fechadas.69 O Sr. Diocleciano Pereira Lima – Chamo a isso um encurralamento em regra. O Sr. Paulo Cavalcanti – ... Não prevíamos que àquelas horas a polícia política do Distrito Federal estivesse infiltrada dentro das próprias delegações... A polícia, então, fecha o portão principal, encurralando, nos quatro cantos do salão, cerca de quatrocentos delegados. Mesmo com denúncias de que a Polícia estava preparando a chacina de cidadãos, o professor Mário Fabião teve a iniciativa de abrir os trabalhos, apaziguar os ânimos, exaltados em face dos boatos. Eis que os inspetores Boré, Castro e Nascimento, seguidos de mais de 40 investigadores, invadem o salão da UNE de cassetete em punho e de armas na mão a disparar a torto e a direito. O Sr. Presidente – O tempo de V. Exa. acaba de esgotar-se. V. Exa. poderá continuar dispondo do tempo do deputado padre Públio Calado. O Sr. Paulo Cavalcanti – Agradeço o desinteresse cordial do deputado padre Públio Calado. Mas, Sr. Presidente, não quero trazer para esta Casa senão o meu depoimento de testemunha, não de vítima. O Sr. Heráclio do Rego – Pelo que acabo de ouvir, estou vendo que o deputado padre Públio Calado quer que V. Exa. adira ao partido dele. O Sr. Paulo Cavalcanti – Trago para esta Casa, Sr. Presidente, um julgamento a respeito dos fatos, livre de qualquer suspeita. Trago o editorial de A Notícia, de 13 de abril de 1949, a respeito dos acontecimentos. “A paz não é e nunca foi, nem poderá ser jamais, uma tese comunista. É, pelo contrário, um anseio natural de todos os povos, que nada têm a ver com a guerra. A própria Organização das Nações Unidas foi inspirada nesse desejo justo e humano de assegurar ao mundo um período longo de tranqüilidade, que permita às nações se refazerem dos danos e feridas resultantes da última conflagração”.70 Paulo Cavalcanti prossegue e anuncia a renúncia do presidente da UNE, a posse do vice, Ubaldo de Melo, que logo condena o procedimento das autoridades, responsabilizando a polícia pelos distúrbios, posição acompanhada pela União Metropolitana dos Estudantes. Daí, chama a atenção dos homens de boa fé, dos que pondo de lado discórdias e dissenções, não maculam seus sentimentos democráticos. O Sr. Luís de França – O nobre deputado Oswaldo Lima Filho teve oportunidade de dizer, em aparte, que se a democracia para subsistir tinha necessidade de lançar mão da mesma brutalidade dos regimes de força, não havia razão moral para nós, democratas, condenarmos tais regimes. O Sr. Paulo Cavalcanti –... Está visto, Sr. Presidente, que a intenção do Governo, das autoridades, em geral, era marcar, com o sangue, a instalação do Congresso da Paz”.71 Além da repressão, dos feridos, as autoridades tentaram envolver, como promotores dos distúrbios, os participantes do Congresso. Os jornais do Rio divulgaram ser ele, Paulo Cavalcanti, “um dos responsáveis pelos acontecimentos”, seguramente uma versão da polícia política, fato que motiva um requerimento de sua autoria pedindo a nomeação, pela Mesa Diretora, de uma Comissão Especial. A Comissão deveria ser composta por médicos das várias correntes do Legislativo Estadual, para constatar a extensão das lesões, das agressões que sofreu, nas ações de vandalismo da polícia na sede da União Nacional dos Estudantes. Na época, elas ainda estavam visíveis, pois Paulo Cavalcanti foi agredido a cassetetes e ficou com marcas dos golpes dos beleguins sob o comando do truculento policial Cecil Borer. “Nesse momento – relata – fui agredido a casse-tete de aço – uma peça semelhante a uma antena de automóvel, as partes se adentrando uma na outra. À primeira vista, parecia pequeno, mas, na medida que era utilizado, as peças se desencaixavam rapidamente com uma bola de aço que aparecia na extremidade. Recebi vários golpes na cabeça. A muito custo, cheguei ao andar térreo do edifício... pulei o muro e fiquei das quatro da tarde às oito da noite, quando resolvi sair pelos fundos do prédio.” 72 Daí, toma um táxi e ruma para Copacabana, buscando socorro no apartamento do escritor Orígenes Lessa, onde havia um médico, porque sua mulher estava adoentada. Era um ginecologista, que observa as lesões e recomenda atendimento num hospital. No local, foi assistido pelo médico Mário Fabião, que presidia o Congresso da Paz, e permanece dois dias em observação. Era seu batismo de fogo, e quando chega a Pernambuco, como forma de protesto, ingressa no Partido Comunista. As versões da imprensa carioca, também de um jornal do Recife, de Aníbal Fernandes, eram baseadas em armações do DOPS, mas o laudo da Assembléia comprova escoriações pelo corpo, e um ferimento, por instrumento contundente, medindo 15 centímetros. Era o resultado do exame que havia pedido para repor a

69 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 70 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 71 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 72 Cavalcanti, Paulo - O Caso eu Conto - Ed. Alfa-Omega

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verdade, subscrito pelos deputados médicos Severino de Sá, pessedista, Vieira de Menezes, udenista, e Lídio Paraíba, integralista.73 É nesse ambiente de repressão policial, de conflitos, que Paulo Cavalcanti defende as idéias de paz, de justiça social. No parlamento tem, portanto, o espaço ideal para difundir a mensagem de parcelas da sociedade, empenhadas em concretizar os sonhos de um mundo livre de guerras, pobreza e injustiças. De uma sociedade fraterna, humanista, sem ninguém privado de seus direitos por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política. O Sr. Paulo Cavalcanti – Quase todos os países civilizados já reconheceram o novo Estado de Israel, cuja criação foi decidida em Assembléia da ONU... presidida pelo Sr. Osvaldo Aranha que, em nome do Brasil, deu o seu apoio à divisão da Palestina... A raça judia, que contribuiu com todas as forças para a vitória das nações democráticas, se encontra hoje sem o apoio de um dos mais diretos aliados, a Grã-Bretanha.74 O Sr. Oswaldo Lima Filho – Mas é que V. Exas. querem fazer justiça aos judeus à custa dos árabes. O Sr. Paulo Cavalcanti – Mas é que os judeus têm direito, por razões históricas, em verdade, à divisão da Palestina. O Sr. Oswaldo Lima Filho – V. Exa. também não pode esquecer as razões históricas que determinaram a fixação de todos os povos históricos, hoje em litígio. O Sr. Paulo Cavalcanti – Não se nega isso, têm os árabes, igualmente, direito a sua parte na Palestina, mas não se pode esquecer os judeus que há dois mil anos vêm se batendo pela fixação na terra natal. Será que não merecem a sua parte? O Sr. Oswaldo Lima Filho – Na hipótese cabe uma opinião à moda Alarico Bezerra: “isso é negócio de branco, onde não deveria me meter”. O Sr. Paulo Cavalcanti – Sr. Presidente, hoje estão de tal modo entrelaçados os destinos dos povos, que não é possível, numa nação como o Brasil, um problema como esse passar indiferente aos seus estadistas, como quer o deputado Oswaldo Lima. O Sr. Osvaldo Lima Filho – Quero dizer a V. Exa., que quando o Brasil tem os seus problemas, nenhum desses povos, de modo algum, vota a sua simpatia, a sua adesão a nossos problemas. O Sr. Paulo Cavalcanti – Todavia, não podemos justificar esse erro com o erro que V. Exa. pretende insinuar, com relação ao caso da Palestina. O Sr. Padre Públio Calado – Quando o Brasil requereu sua independência, com movimentos armados, vários países deram ajuda, entre os quais os Estados Unidos, a quem ainda somos gratos. O Sr. Oswaldo Lima Filho – Por interesse, para combater o então imperialismo português. O Sr. Paulo Cavalcanti – Sr. Presidente, deve o requerimento do nobre deputado padre Públio Calado, que atende à realidade... merecer a aprovação unânime deste parlamento. Eis porque voto com alegria e satisfação a favor do requerimento”. A causa da paz, do desenvolvimento, era bandeira dos comunistas, dos socialistas e dos intelectuais de esquerda. Na difusão dos seus ideais, na estratégia de agitação e propaganda, evidente que o mundo era visto de forma global, com fatos ou experiências que deviam ser analisados, criticados ou exaltados. No Brasil, na América Latina, em qualquer parte, a palavra de ordem era tomar posição diante dos acontecimentos. Assim, os defensores do socialismo assumiam o dever, a tarefa, de atuar como vanguarda da divulgação de notícias, com protestos ou manifestações de entusiasmo. Era uma espécie, portanto, de versão diversa do atual processo de globalização, baseado no primado do econômico e do lucro, até porque boas notícias, no caso, eram avanços na questão social, na geração de emprego, saúde, educação, transporte, segurança e paz social. “O Sr. Paulo Cavalcanti – Sr. Presidente, todo o povo do Recife e do Estado acompanha com inequívocas demonstrações de solidariedade o movimento grevista que os têxteis desfraldam neste momento em protesto pelo fato de os patrões não quererem respeitar uma decisão do Tribunal do Trabalho que concedeu à classe um aumento de 30%. O Sr. Constâncio Maranhão – Apoio integralmente o ponto de vista de V. Exa. porque o maior dos absurdos é os patrões não respeitarem a decisão da Justiça. O Sr. Paulo Cavalcanti – Registro o aparte em apoio aos trabalhadores têxteis, ilustrativo porque V. Exa. é um homem que raramente se põe em acordo com as reivindicações da classe operária do Recife. Sr. Presidente, foi com imensa alegria que o povo do Recife assistiu ao desfile de 12 mil operários pelas ruas da cidade, num espetáculo que faz lembrar os dias memoráveis em que a classe operária, consciente de sua força, ganhava as praças e as ruas para reivindicar os seus sagrados direitos.”75 No caso de Pernambuco, do País, as conquistas dos trabalhadores, dos operários e dos camponeses ti- nham tanta dimensão quanto as medidas jurídicas, constitucionais, visando aos direitos e às liberdades

73 Cavalcanti, Paulo - O Caso eu Conto - Ed. Alfa-Omega 74 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 75 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos

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fundamentais. Nesse terreno, Paulo Cavalcanti tinha consciência de sua missão, da hora exata do protesto ou da louvação, da expressão do sentimento de alegria ou sagrada rebeldia. Com essa visão, reage ao projeto do Governo Agamenon Magalhães, que cria uma taxa rodoviária para veículos automotores, charretes, carroças. Então, argumenta que, noutras cidades, vinha sendo cobrado o aumento do preço para os carros luxuosos, pois o Brasil era, então, o terceiro país a ter mais carro desse tipo em tráfego no mundo, embora seja o de maior atraso econômico.76 Na ocasião, recebe o apoio do deputado Luís de França, que cita o general Canrobert Pereira da Costa77 e lembra a observação do militar, segundo a qual o Recife só tem duas classes – a dos ricos e a dos pobres. Adianta que Ademar de Barros, ex-governador de São Paulo, também afirmou que encontrou no Recife uma situação de pobreza jamais vista em outro Estado do País. Depois dessa reação, Paulo Cavalcanti denuncia o uso da imprensa oficial para confeccionar material de propaganda do candidato Etelvino Lins, cujo governo passa a questionar logo no início. Ele acusa o governador de usar processos policiais mais violentos e de voltar com a mentalidade do período em que foi secretário de Segurança. No combate pela democracia, denuncia o assassinato do jornalista Nestor Moreira, do jornal carioca A Noite, e logo depois, num dos últimos pronunciamentos, alerta sobre as perspectivas de golpe de Estado. Paulo Cavalcanti faz referência às versões de correntes políticas que atribuem ao Governo Vargas a tentativa de tramar contra o regime. Na ocasião, amplia as denúncias sobre as intenções de interromper “a marcha política do povo no caminho da democracia, do progresso, da paz e das liberdades”. Então, analisa a posição da imprensa na época, as versões sobre os fatos, e condena os atentados a jornalistas e parlamentares. Ele comenta a disputa comercial entre a Tribuna da Imprensa, os Diários Associados e o jornal a Última Hora, deixando claras as divergências dos comunistas com as motivações e interesses da grande imprensa. A Última Hora, de Samuel Wainer, defendia o Governo, mas denunciava as violências, a violação das liberdades, e noticiava com equilíbrio os protestos e reivindicações dos movimentos sociais.78 Assim, pede uma posição clara do Legislativo para combater a ameaça de golpe e mantém cautela sobre os atores do processo. Como parlamentar, comunista, enfrentava uma situação delicada diante do Governo Vargas e dos opositores. A esquerda, os comunistas, eram céticos quanto aos rumos de Vargas. Ao lado da Lei de Remessa de Lucros, de criação da Petrobrás, de aumento do salário mínimo, o Governo sanciona a nova Lei de Segurança Nacional e se omite diante da repressão aos comunistas no Nordeste, com as ações centra-das na Base Aérea de Natal. Na mesma fase, em 1953/54, o Governo Vargas impõe limitações ao capital estrangeiro, tributa importações, mas reprime a greve dos têxteis no Rio de Janeiro, sendo assassinado Altair de Paula Rosa, militante do PCB. No período envia ao Congresso a mensagem de criação da Eletrobrás e demite o ministro do Trabalho, João Goulart, sob pressão dos conservadores.79 A situação era confusa e a crise avança com o manifesto de 82 coronéis do Exército, criticando o Governo e alertando sobre o perigo da “subversão comunista”.80 Daí, vem agosto, o atentado contra Carlos Lacerda, em que morre o major Rubens Vaz, da Aeronáutica, episodio que provoca um manifesto de militares pedindo a renúncia de Vargas, que se suicida, na madrugada de 24 de agosto.81 Os fatos apanham o Partido Comunista, a esquerda, numa posição de conflito, com uma estratégia que tinha de ser reformulada. “A morte de Vargas e a divulgação de sua Carta Testamento colheram o PCB em pleno antigetulismo. Em janeiro de 1954, um projeto de programa do partido apresentava como um dos seus pontos a derrubada do Governo Vargas e sua substituição por um ‘governo de libertação nacional`. Com o suicídio de Vargas... o PCB mudou radical e rapidamente sua atitude para com o PTB e outras `correntes progressistas`.82 “Nós temos responsabilidade na queda de Getúlio. Mas ele não resistiu porque, se reagisse, seria a guerra civil, e o desfecho não seria favorável aos seus interesses de classe. Era um homem de idade avançada, sabia que, se deposto, seria ultrapassado pela República do Galeão, formada por elementos ligados a Lacerda, que estavam contra ele. E preferiu a morte à humilhação.” 83 “O atentado de 4 de agosto contra Lacerda levou a situação ao paroxismo. A insubordinação aberta dos oficiais lacerdistas da Aeronáutica, a guerra psicológicamovida pela imprensa conservadora, os pronunciamentos da alta oficialidade das três Armas, exigindo a renúncia do presidente, tornavam o golpe iminente. Getúlio, porém, havia afirmado que só deixaria a Presidência morto: no dia 24 de agosto de 1954, seu suicídio, provocando uma

76 Assembléia Legislativa - Divisão de Arquivo, Pronunciamentos 77 Foi presidente do Clube Militar 78 Wainer, Samuel - Minha Razão de Viver, Ed. Record 79 PCB, Memória Fotográfica - Ed. Brasiliense 80 PCB, Memória Fotográfica - Editora Brasiliense 81 Silva, Hélio - O Suicídio de Getúlio Vargas, Edições ISTOÉ 82 Rodrigues, Leôncio Martins - O Brasil Republicano, Sociedade e Política 83 Moares, Dênis e Viana, Francisco -Prestes, Lutas e Autocríticas, Ed. Vozes

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explosão de ira popular, puxava a toalha da mesa do banquete com que os conspiradores esperavam festejar a vitória.” 84 As versões sobre Vargas, golpe de Estado, sua morte e os reflexos na vida do País, ainda hoje são contraditórias, divergentes. Evidente que Paulo Cavalcanti, na Assembléia, tenta combater qualquer tentativa de golpe, mas não tinha condições políticas para defender o Governo Vargas, acusado de conivência com a repressão aos movimentos sociais. Nem tampouco deixar de condenar as manobras para reforçar as pressões da direita contra a estabilidade e a preservação do regime. Apesar das dúvidas, das contradições da esquerda, Paulo Cavalcanti mantém a crença na importância da atuação parlamentar. A intenção é permanecer no Parlamento, mesmo ganhando menos do que como promotor, até porque uma parte dos vencimentos era destinada ao Partido. Daí tenta disputar um novo mandato, mas a decisão esbarra numa decisão da Justiça Eleitoral, que nega o registro de sua candidatura. O DOPS acompanha a decisão da Justiça e registra no seu dossiê: “Novamente candidato, então pelo Partido Trabalhista Nacional, Paulo Cavalcanti não chegou a concorrer, nas eleições de 3 de outubro de 1954, uma vez que, seis dias antes, o Tribunal Regional Eleitoral –TRE cassaria o seu registro, conjuntamente com o dos demais candidatos comunistas que estavam inscritos pela sigla”.85 Não se abate com a decisão e, nas suas memórias, registra, com entusiasmo, o cumprimento da missão como representante do povo. É inegável o orgulho por defender as causas populares, os segmentos mais humildes, os valores da liberdade, e combater as violências policiais, a censura à imprensa, as injustiças do sistema. Nesse entendimento, assegura que exerceu o mandato com a visão clara do processo político, da democracia, e dos anseios de construir uma ordem social igualitária e justa86 Esse mérito, desempenho, não ajudaram contudo a concessão, pela Assembléia, da honraria em reconhecimento ao seu trabalho, proposto pelo deputado Mendonça Filho e que não obteve aprovação da maioria.

84 Carta, Mino e Pereira, Raimundo Rodrigues - Retrato do Brasil, Ed. Política 85 Maciel, Ayrton - DOPS - Dossiê Paulo Cavalcanti 86 Cavalcanti, Paulo - Nos Tempos de Prestes, A Luta Clandestina

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POLÍTICA, OBRAS E OBJETIVOS

A INTEGRAÇÃO DO NORDESTE

Distante da Rua dos Prazeres, há um céu sem nuvens, pleno de azul. Na sua dimensão, dia e noite, persistem os sinais de eterno verão. Na terra, os ventos, os ruídos, os sons, ampliam a desolação da paisagem. Ela está seca, sem nada de verde, o chão esturricado, castigado pelo sol. No ambiente, o homem indefeso, sofrido, impotente, clamando por nuvens, ralâmpagos ou trovões, na esperança de amenizar a inclemência do tempo. Então, não há matas para caçar, riachos para banhar, nem pássaros nas caatingas ressequidas. No universo assustador, apenas os ecos da inclemência, da dor, que faz do ser humano uma vítima do tempo. Na busca de salvação, torna-se andarilho, pedinte, e faz romaria por léguas tiranas, fugitivo da seca, da miséria e da ameaça de morrer de fome, sede ou doenças. Assim era o quadro na região do sertão de Salgueiro, em 1932, enfrentando uma seca tida como pior que a de 1877, que matou milhares de nordestinos. Nela Paulo Cavalcanti, aos 17 anos, chega para trabalhar ao lado do tio Othoniel. Na época, em dificuldades financeiras, não podia freqüentar escolas, e vai trabalhar na Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Então, vê de perto a tragédia da seca, “levas e levas de migrantes deixando suas glebas, seus tratos de terra, roças e criações, taperas, burregos e cabras, pequenos sítios, tudo dizimado pela estiagem”. Então, fica assustado e comovido com o drama do sertanejo, sua condição de operário improvisado, mão-de-obra barata nas frentes de emergência, “paliativos para enfrentar o flagelo da falta de chuva e a crise financeira decorrente”.87 Na labuta com o pessoal da terra, condoído com a angústia e a pobreza daquela gente, observa que “os latifundiários enriqueciam seus patrimônios, pagando vis salários à mão-de-obra abundante”. Além disso iam adquirindo “por qualquer preço, pequenas propriedades de flagelados, ou vendo construídos em seus feudos potentes açudes, cuja água armazenada passariam a vender aos habitantes da região”. A “seca do pobre era o inverno do rico”.88 Com essa visão, relata que “o quadro era aterrador, com gente morrendo literalmente de fome na rua, meninos e mulheres esqueléticos e maltrapilhos mendigando pelas portas, murchos de vida, escampos de esperança, ameaças de invasão das cidades, planos de assalto ao comércio, enterro todo dia. Os sinos da Matriz de Salgueiro dobrando em finados de quando em quando, as redes funerárias passando em direção ao cemitério, já sem espaço para tantos cadáveres”.89 Na construção da estrada entre Salgueiro e Parnamirim, então Leopoldina, ele trabalha fazendo servi-ços auxiliares de engenharia. Apesar da dureza da realidade “os meses passados no sertão foram de grande valia. Jamais imaginaria, nos meus 17 anos, que a sociedade humana apresentasse tamanhas contradições”. Ele confessa ter ido a Salgueiro pensando em encontrar um “sertão florido, no mínimo habitável, tomar banho em algum riacho, caçar nas matas, ouvir o canto dos pássaros”. Mas a floresta não ia “além de meras caatingas ressequidas, parecendo que nunca mais haveriam de reverdejar, os rios completamente secos, um ou outro galo de campina insistindo em cantar, um canto triste, melancólico. Visão apocalíptica de um drama secular, trabalhadores rurais exilados de seu habitat... quando deviam estar semeando feijão e milho; mulheres envelhecidas aos 25 anos, os peitos quase na cintura; e na paisagem só xique-xique e o aveloz dando suas tonalidades de verde num mundo todo cinzento, de paisagens comburidas, o gado em pé sobre os ossos, urrando de dor e fome – como uma página da Gênese mal escrita”.90 A experiência em Salgueiro, a convivência com o Sertão seco, desolado, vai se juntar com a visão das condições de trabalho no Porto do Recife. Ali trabalha antes de ver o Sertão e a seca, como conferente de carga e descarga, substituindo um irmão, preso por motivos políticos. A labuta era dura na beira do cais, anotando, conferindo, madrugada a dentro, os fardos de algodão e sacos de açúcar que saíam do Recife para outras paragens. No Porto, outra lição de vida, de enriquecimento, no convívio com estivadores e portuários, marcado por anedotas, histórias, relatos de aventuras em outros mares. Aí completa, ainda muito jovem, uma concepção da realidade, na qual se torna um homem curtido pelo sofrimento, meio descrente da religião, sobretudo por ter “os ouvidos cheios das preces e dos cânticos de chamar chuva, entoados em vão pelos famintos e desassistidos”. Era preciso agir, engajar-se numa luta, objetivo que motiva seu ingresso na Ação Integralista Brasileira, que logo perdeu o encanto. Mas a idéia de lutar persiste, e surge o entusiasmo no namoro com a Ação Libertadora Nacional, em 1935, que tinha como dirigente em Pernambuco Alcedo Coutinho. Médico, cirurgião, Alcedo teve influência decisiva na sua opção política. (Na área médica, Paulo iria mais tarde ser companheiro de idéias, ou iniciativas, de figuras como Naíde Teodósio, Paulo Loureiro, Ivo Valença, Vulpiano Cavalcanti, Nelson Chaves, Manoel Rodrigues

87 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I - Ed Alfa Omega 88 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I - Ed Alfa Omega 89 Cavalcanti, Paulo - Ob. citada 90 Cavalcanti, Paulo - Ob. citada

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Calheiros – prefeito de Jaboatão, o primeiro prefeito comunista do País –, Geraldo de Andrade, Ageu Magalhães, Anibal Valença, Antônio Figueira, Ulisses Pernambucano e Josué de Castro.) Alcedo era antifascista, da família dos Morais Coutinho, de Nazaré da Mata, na qual se destaca também Alfredo de Morais Coutinho, realizador do Congresso Regionalista do Nordeste, em 1926, resposta à Semana de Arte Moderna, de 1922, de São Paulo. Assim, antes do Manifesto Regionalista, de Gilberto Freyre, o escritor Morais Coutinho lançava as bases do Movimento Regionalista.91 Em artigo na revista Ilustração Brasileira, defende a tese de que “a verdadeira unidade nacional será a dos interesses, sentimentos e idéias entre regiões brasileiras, autônomas e convergentes...” 92 “Essa unidade sairá do regionalismo, que unificará o Brasil, hoje lamentavelmente desunido, graças a um federalismo sem bases históricas – nem geográficas, que, em vez de uma colaboração harmônica de entidades histórico-sociais, resultou, necessariamente, irritante fenômeno de hegemonia alternativa, em dois Estados mais influentes (Minas Gerais e São Paulo) que se revezam, de quatro em quatro anos, na direção do País.”93 Apesar do namoro com a Aliança, da admiração por Alcedo Coutinho, do entusiasmo com as idéias do Movimento Regionalista, Paulo só volta a atuar politicamente quando entra na Faculdade de Direito. Então se alia ao grupo de esquerda, vota na chapa encabeçada por Wandick Londres da Nóbrega, que foi preso acusado de subversão, e junto com um jovem “agitador comunista” participa de uma operação para “pregar uma peça” no Estado Novo. Na época, chega ao Recife o escritor espanhol Álvaro de Las Casas, adepto do ditador Francisco Franco. Ele viera fazer uma conferência na Faculdade, e Antônio Franca, fichado como agitador comunista, fez um plano para sabotar o evento. Paulo topou e juntos redigiram um ofício, com timbre da Faculdade de Direito, comunicando a Álvaro de Las Casas que a conferência fora cancelada, por motivo de força maior.94 A correspondência foi entregue em mão, no Grande Hotel, onde estava o escritor Álvaro de Las Casas. A armação funcionou e ambos ficaram observando a chegada dos convidados, inclusive autoridades do Estado Novo, mas o escritor não apareceu na Faculdade. Os jornais de Agamenon, contudo, noticiaram o fato, com detalhes, inclusive frases do conferencista.

O ESCRITOR E A QUESTÃO SOCIAL

A tarefa entusiasma Paulo Cavalcanti. Era uma vitória contra o franquismo espanhol, e assim volta ao terreno da ação política. Daí passa a atuar como redator do Boletim Cultural da Casa do Estudante de Pernambuco, dirigido por Pinto Ferreira, e prepara uma matéria contra a Itabira Iron. Pronto o texto, as páginas do Boletim eram levadas ao DOPS, que veta sua publicação, por considerá-lo subversivo. A polícia política estava atenta e registra, mais tarde, que Paulo Cavalcanti participou de campanhas de massa, a partir de 1945, junto com o partido, em defesa da anistia, de uma Constituição, e das eleições de 45 e 47. E também contra a cassação do registro do PCB (ainda PC do B) e de mandatos, bem como de repúdio à produção de armas atômicas. Manifestou-se, também, pelo monopólio estatal do petróleo. O DOPS adianta que ele foi simpatizante do “Partidão”, de 1943 a 1949, e que, entre 1933 e 1934, foi membro da Ação Integralista Nacional, da qual se desligou em 1935, ano da Intentona Comunista. Até 1942, manteve-se afastado da vida partidária, segundo anotação do DOPS.95 Ainda na Faculdade, seis meses antes da formatura, casa-se com sua prima Maria Ofélia, companheira por toda a vida, e continua a trabalhar no Hospital Centenário. A luta pela sobrevivência permanece difícil e Paulo Cavalcanti avança com as idéias políticas de esquerda. A visão é cada vez mais abrangente, com noção mais clara dos problemas do Estado, da região Nordeste e do País. Por força das influências, atua junto aos segmentos da esquerda, dos comunistas, inclusive a base parlamentar eleita na fase da redemocratização. Com essa bagagem, depois de exercer dois mandatos na Assembléia, integra a luta para formular um projeto de desenvolvimento regional. Na iniciativa, as idéias do movimento regionalista que seriam predominantes no Congresso de Salvação do Nordeste, cujo manifesto de convocação foi lançado na Assembléia Legislativa, em 13 de maio de 1955. A convicção era de que a Região, sujeita a secas periódicas, tinha de buscar opções para vencer o atraso, combater as causas econômicas e sociais do sofrimento de sua gente. Nessa ordem de idéias, o Nordeste teria de contar com mecanismos para enfrentar o fenômeno climático, que não era rigorosamente gerador do atraso, mas uma agravante do quadro de injustiça e empobrecimento da maioria da população. Essa concepção vai marcar, mais tarde, as conclusões do Grupo de Trabalho do Desenvolvimento do Nordeste – GTDN e dar origem ao lançamento, no Governo Juscelino Kubitschek, da Operação Nordeste – OPENO

91 Inojosa, Joaquim - Um Movimento Imaginário 92 Cavalcanti, Paulo - Ob. citada 93 Cavalcanti, Paulo - Ob. citada 94 Cavalcanti, Paulo - Ob. citada 95 Maciel, Ayrton - DOPS - Dossiê Paulo Cavalcanti

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e a criação da Comissão de Desenvolvimento do Nordeste. Depois surge, em 1959, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, que tem como primeiro superintendente o jovem economista . A realização do Congresso de Salvação do Nordeste, em agosto de 1955, no Clube Português, no Recife, é também fruto da atuação do Partido Comunista Brasileiro. É claro que o militante Paulo Cavalcanti, com suas idéias, experiência de vida, foi peça-chave na iniciativa, proposta por Luís Teles, mas o conjunto do partido trabalhou nesse sentido. E delegou a ele a tarefa de viabilizar o encontro, definir as linhas, ao lado de outras figuras de destaque na Região, como Sousa Barros, o deputado Clodomir Morais e o jornalista Geraldo Seabra.96 O Congresso contou com o apoio dos governadores do Nordeste, da Bahia ao Maranhão, também de Minas Gerais, mobilizados pelo dinamismo de Clodomir Morais, a experiência e senso prático de Sousa Bar-ros, autor de A Década de 20 em Pernambuco. Ao final do encontro, foi lida a Carta de Salvação do Nordeste, tendo como autores Sousa Barros – que definiu os temas e o conteúdo – e Paulo Cavalcanti, responsável pela forma do documento e as colocações relativas à cultura popular nordestina. No conjunto, a Carta de Salvação analisa e propõe intervenções nos setores de energia elétrica, indústria e comércio, trabalho, minérios, terra, migrações, transporte, secas, saúde, educação e cultura e agricultura. Ela propõe, também, a realização de encontros regionais, dentre os quais, foram importantes em Pernambuco os Encontros de Garanhuns e de Salgueiro e o dos Bispos do Brasil, em Campina Grande, Paraíba. Naquela fase, o político Paulo Cavalcanti era um nome destacado entre os intelectuais de esquerda. A sua adesão, em abril de 1949, merece registro ao lado de , Graciliano Ramos, Astrojildo Pereira, Caio Prado Júnior, Cândido Portinari, , Oswald de Andrade, Patrícia Galvão, Dalcídio Jurandir, Raquel de Queirós, Aparício Torreli (o Barão de Itararé), Álvaro Moreira e Mario Schenberg. Além destes, os colaboradores ou simpatizantes, como Monteiro Lobato, Samuel Wainer, Carlos Scliar, Carlos Drumond de Andrade, Manuel Bandeira, Osório Borba, Orígenes Lessa, Guilherme Figueiredo, Lúcia Miguel Pereira, Aníbal Machado, Álvaro Lins, Eneida, Marques Rebelo, José Lins do Rego e Otto Maria Carpeaux. 97 A inclusão nesse grupo seleto refletia o reconhecimento pela atuação, na Faculdade, no Boletim Cultural da Casa do Estudante, no jornal A Faísca, na Folha do Povo e na Associação de Imprensa de Pernambuco. Como estudante, advogado, promotor público, sempre esteve ligado ao setor cultural, comprando livros, lendo, buscando ampliar seus conhecimentos e formar a base do processo de criação. A polícia política, mais exatamente o DOPS de Pernambuco e a inteligência do IV Exército, está atenta às ações de Paulo Cavalcanti no campo das idéias, da cultura: “O relatório do DOPS ... afirma que o advogado e escritor Paulo Cavalcanti “é filiado ao movimento comunista do Brasil e, como jornalista, exerceu larga influência na comunicação do povo pernambucano”. “Apesar de intelectual e de ser considerado de grande valor, fazia parte da OAB (o dossiê não traduz as iniciais) e da Associação da Imprensa de Pernambuco (AIP), isso, naturalmente, obedecendo instruções do Partido Comunista, para contaminar aquela associação”, conclui o relatório.98 A inclinação, nesse campo, vem das primeiras tentativas, ainda na Rua dos Prazeres, quando faz uma redação no colégio, depois escreve para A Faísca, O Ateneu, revistas Seiva e Roteiro e Rumos, fazendo crítica literária. Na Faculdade de Direito, onde entra em 1937, discorre sobre temas jurídicos, improvisando e citando o jurisconsulto nipônico Gemba, mais exatamente o proprietário de uma sorveteria famosa situada na Praça Joaquim Nabuco, e que, depois, localizou-se na Rua da Aurora. Nos anos 4O, pois, Paulo Cavalcanti já se firmava como intelectual e, nessa condição mantém relações com escritores, poetas, artistas, em sua maioria divididos no Estado e no País. Entre eles, Gilberto Freyre, Nilo Pereira, Mauro Mota, Aníbal Fernandes, Luiz Delgado, Carlos Moreira, Ascenso Ferreira, Aderbal Jurema, Valdemar de Oliveira, Permínio Asfora, Esmaragdo Marroquim, Ladjane Bandeira e Abelardo da Hora.99 Era uma fase rica de debates, divisões, com os escritores opinando sobre a ditadura de Vargas, a forma de Estado, as posições e os compromissos diante da questão social. Nesse campo de divergências, acusações, os conflitos entre facções que geraram brigas, rixas, e resultaram no surgimento de duas entidades: a Sociedade Brasileira de Escritores e a Associação Brasileira de Escritores – ABDE, da qual Paulo fez parte junto com Permínio Asfora, Maurílio Bruno, Clóvis Melo e Abelardo da Hora.100 Naquele período, o DOPS observa, no prontuário, que “o regime tinha respeito por sua atividade intelectual. O dossiê - em seu relatório - lamenta, mais de uma vez, que um intelectual tenha aderido ao comunismo. “Apesar de intelectual, submeteu-se aos ditames do Partido cComunista, fazendo a sua cautobiografia; é lamentável que um homem considerado intelectual se torne um fantoche nas mãos dos dirigentes do partido”. Nos registros, o DOPS considera Paulo

96 Cavalcanti, Paulo - A Luta Clandestina, Ed. Guararapes 97 PCB, Memória Fotográfica - Ed. Brasiliense 98 Maciel, Ayrton - DOPS, Dossiê Paulo Cavalcanti 99 Cavalcanti, Paulo - A Luta Clandestina - Ed. Guararapes 100 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - A Luta Clandestina - Ed. Guararapes

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“elemento combativo e bem versado na ideologia vermelha”, mas não comenta sua atuação na Associação do Ministério Público, da qual foi presidente e um dos fundadores. “A repressão acusa Paulo Cavalcanti de participar e apoiar as iniciativas e movimentos de orientação “esquerdista, comunista e comunizante”. Uma prova dessa militância política – entende o documento – é que “vamos encontrar seu nome em todas as listas de apoio, solidariedade e até exaltação. Desse modo, não se furtava em apoiar estrangeiros, desde que fossem comunistas”.101 A ABDE surgira por inspiração dos comunistas, mas não conseguiu sensibilizar a maioria dos intelectuais de Pernambuco, o mesmo acontecendo no Rio e em São Paulo. Em 1950, houve a cisão entre a direita e a esquerda da ABDE, no plano nacional, tornando inviável o funcionamento da entidade e os propósitos da esquerda de controlar o órgão e alcançar seus objetivos de política cultural. Verdade que o partido, no esforço para defender a identidade cultural do País, vinha atuando para estimular o debate das idéias, avançar nessa área. Edição de jornais e livros, revistas literárias, tudo se voltava para as questões nacionais. Assim, no Recife, sob o comando de Abelardo da Hora, ganha espaço o atelier de Arte Moderna, com uma nova geração de intelectuais e artistas. Dentre os novatos, José Cláudio, Wellington Virgolino, Gilvan Samico, Corbiniano Lins, Wilton de Sousa, Reinaldo Fonseca, Adão Pinheiro, Guita Charifker, Bernardo Dimenstein, Armando Lacerda, Celina Limaverde, Ivan Carneiro. À margem, já atuavam João Câmara, artista plástico, Hermilo Borba Filho e , no Teatro de Estudante de Pernambuco, embrião do Teatro Popular do Nordeste.102 Daí surge o Movimento de Cultura Popular –MCP, que passa a contar com Anita Paes Barreto, Germano e Norma Coelho, Paulo Rosas, , Jovina Godoi, Joacir Castro, Gizelda Fonseca, Geraldo Menucci e Aluísio Falcão. A proposta era mais ampla, aberta, e no MCP surgem atores como José Wilker, Luiz Mendonça, e Nelson Xavier, e a cantora Teca Calazans. No MCP, o educador Paulo Freire desenvolve um revolucionário método de alfabetização de adultos, uma moderna pedagogia, que permanece como instrumento inovador no País e no Exterior. As condições no Estado, no País, permitiam a recomposição de forças que, no setor literário, tinham perdido o rumo do processo de avanço e sofrido enorme desgaste com a divisão. Era hora de juntar os destroços e fundar em Pernambuco uma nova entidade, tal como no Rio e São Paulo, onde surgiu a União Brasileira de Escritores – UBE, unindo as diversas tendências da categoria. A reunião ocorreu no Gráfico Amador, de Gastão de Holanda, na Rua Amélia, e contou com a adesão de Carlos Pena Filho, Carlos Moreira, Clóvis Melo, José Gonçalves de Oliveira e Abelardo da Hora. A tese vingou e por sugestão de Paulo Cavalcanti foi aclamado presidente o poeta Carlos Pena Filho, que depois sugeriu o nome de Paulo para presidir a entidade. Era 1958 e a primeira diretoria da UBE, em Pernambuco, foi composta por Paulo Cavalcanti, Carlos Moreira, Carlos Pena, Audálio Alves, Edmir Domingues, Cézario de Melo, Renato Carneiro Campos, César Leal, Lucilo Varejão Filho, Olímpio Bonald Neto, José Gonçalves de Oliveira, Jefferson Ferreira Lima, Clóvis Melo e Abelardo da Hora. Na área cultural, no Estado, tinham destaque também Manoel Correia de Andrade, Amaro Quintas, Mauro Almeida, Joaquim Pimenta, Ascenso Ferreira, João Cabral de Melo Neto, Joaquim Cardozo, Guerra de Holanda, Jarbas Maranhão, Mário Souto Maior, Cláudio Tavares, Austro Costa e Laurênio Lima. Na época, Paulo Cavalcanti integrava a “Frente do Recife”, sendo um dos seus fundadores e participava da gestão de Pelópidas Silveira no Recife que “adotou normas modernas de urbanização, instituiu concursos públicos, moralizou a administração”.103 No Governo de Pelópidas, ocupou os cargos de secretário de Assuntos Jurídicos, das Finanças e da Administração. Na gestão seguinte, com Miguel Arraes prefeito, ocupou a Secretaria de Administração, mas decidiu sair em virtude de desentendimentos com pessoas e grupos de sua administração. “Arraes transigia mais do que Pelópidas. E, visando a outros postos, na sua carreira política, talvez precisasse fazê-lo. Eu, não... Recolhi-me à Promotoria Pública de Igarassu, cautelosamente. E lá quedei-me durante todo o resto do Governo de Miguel Arraes... Do próprio Arraes, eu não tinha queixas. As incompreensões e hostilidades partiam de amigos seus, prestigiados no seu Governo”.104 Mais tarde, com Arraes governador, exerce o cargo de diretor do Porto do Recife. No depoimento sobre a gestão de Arraes, Paulo Cavalcanti destaca as suas características de administrador, que eram diferentes das de Pelópidas, baseadas na visão de grande obras públicas, planejamento global. Arraes era “o homem sensível ao cotidiano, lhano no trato com os humildes, aberto à discussão dos problemas sociais, sabendo lidar com o povo, auscultando-lhe as queixas e reclamos, pacientemente”. Observador atento da gestão, Paulo Cavalcanti considera o Movimento de Cultura Popular – MCP, idéia do próprio Arraes, como o ponto mais alto do Governo, com a criação de escolas para o povo, alfabetização de adultos, elevação do nível cultural das massas, conscientização. Ao ensinar-se a ler um adulto, não se recorreria mais ao jogo simbólico de palavras e sílabas, mas sim ao método para alcançar uma meta mais ligada à vida.105

101 Maciel, Ayrton - DOPS - Dossiê Paulo Cavalcanti 102 Cavalcanti, Paulo - A Luta Clandestina - Ed. Guararapes 103 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto – A Luta Clandestina – Ed. Guararapes 104 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Ed. Vol. I Alfa Omega 105 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Ed. Vol. I Alfa Omega

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Paulo Cavalcanti também exalta as ações de Miguel Arraes, no seu primeiro Governo, tais com o “acordo do campo”, o pagamento de férias e 13º mês aos trabalhadores do campo. No esforço de mudança, a Campanha de Alfabetização de Adultos, a proteção aos Sindicatos, aos trabalhadores e as ações da Companhia de Revenda e Colonização. Além disso, as gestões que resultaram na majoração do preço do açúcar no mercado externo, o Encontro de Palmares, e a melhoria dos serviços sanitários, de saúde e de educação.106

TEXTO, ESTILO, INOVAÇÃO

“Há dois tipos de escritor: um que atua de forma indireta sobre a realidade, reflete sobre ela e a recria em símbolos. Seu esforço é para conhecê-la, e assim fazê-la reconhecida pelos que nela se identificam. Numa palavra: buscar comover o seu leitor. O outro, prefere agir de modo direto, refletir-se na realidade, e criá-la nova, se possível. Este quer mover o mundo movendo-se nele”.107 A determinação de mover o mundo, transformar, é parte do processo de criação de Paulo Cavalcanti. Assim como a política, que deve estar voltada para a realidade, os interesses coletivos, a obra de arte exige um compromisso com as aspirações de alterar as relações entre os homens. Esse sentimento é próprio da natureza do ser humano, da sua busca de ser feliz, viver com dignidade e ter paz social. Além da exigência de beleza, objetividade, a obra de arte não pode ficar alheia aos problemas de um tempo, de um povo. Não há, pois, obra duradoura sem a determinação de ser inovadora, plena de grandeza humana, de julgamento das coisas. De resto, o escritor tem de tomar uma posição, assumir os riscos, ao invés de tentar escamotear a realidade, negar os fatos, apelando para recursos formais ou versões fantasiosas. É nessa linha que Paulo Cavalcanti, enquanto escritor, inicia sua saga de pesquisador, de combatente da escrita, ora num estilo contundente, ora como narrador de casos amenos, de situações engraçadas. Daí a força que consegue impor ao ensaio Eça de Queiroz, Agitador no Brasil, livro premiado pela Academia Pernambucana de Letras (Prêmios Joaquim Nabuco e Othon Bezerra de Melo), Academia Brasileira de Letras (Prêmio José Veríssimo) e Câmara Brasileira do Livro (Prêmio Jabuti). Essa conquista de Paulo Cavalcanti desperta a atenção da polícia política, sempre interessada em acompanhar seus passos no cenário político e cultural do Estado: “A sua eleição como líder da delegação pernambucana ao VII Congresso dos Jornalistas, que aconteceria em setembro de 1957, segundo noticia a Folha do Povo, foi informada ao DOPS. É destacada a sua premiação, pela Academia Pernambucana de Letras, com a publicação do livro Eça de Queiroz, Agitador no Brasil, fato noticiado pelo jornal Folha do Povo, em 13 de dezembro de 1957”.108 A obra teve também extraordinária repercussão em Portugal, onde Paulo Cavalcanti passou a ser incluído na categoria dos ecianos – estudiosos da obra do famoso escritor português. Naquele país, os escritores João Gaspar Simões e Ferreira de Castro consideraram excepcional o ensaio, que também mereceu elogios de Zdenek Hampels, da Checoslováquia, e Ernesto Guerra da Cal, dos Estados Unidos. As críticas ao livro, sempre favoráveis, destacam o esforço de pesquisa, a minúcia e erudição, o caráter científico, a amenidade do relato, o ritmo envolvente da narrativa, o nível elevado da obra literária. Nesse aspecto, Barbosa Lima Sobrinho observa: “Paulo Cavalcanti não deixou coisa alguma para os que vierem depois, e tudo isso com o estilo em que se encontra o escritor amadurecido, na firmeza e concisão da frase, na concatenação dos assuntos, no interesse com que sabe prender a atenção do leitor”. Com efeito, Paulo Cavalcanti aborda, de forma minuciosa, o episódio em que, na revista As Farpas, o escritor Eça de Queiroz tenta revidar o jornal O Seis de Março, publicado no Recife, e então faz pesados ataques aos brasileiros em geral. A reação gerou ações de rua, espancamentos de portugueses, depredação de estabelecimentos comerciais, nos confrontos entre “marinheiros” e “patriotas”, tendo como palco a cidade de Goiana. Tal episódio era praticamente desconhecido, mas surge uma pista quando promotor público em Goiana, por meio de contatos com o jovem Álvaro Alvim da Anunciação Guerra. É dele que recebe um curioso opúsculo – Os Farpões e os Bandarilheiros de Portugal – que era uma resposta às Farpas, de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, publicadas em Lisboa, em 1872. Daí o indício que houve, na época, uma polêmica entre os escritores portugueses e o jornalista pernambucano José Soares Pinto Corrêa, fato que levou dez anos pesquisando e resultou no ensaio sobre o incidente histórico-literário.109

MEMÓRIAS E DENÚNCIAS POLÍTICAS

A excelência do trabalho, o estilo inovador, a ligação com a história, as lutas de Pernambuco, vão prosseguir mais tarde, reflexo de um amplo esforço de pesquisa, de resgate de um largo período da vida do Estado e

106 Cavalcanti, Paulo - Breve História de um Governo Popular 107 Hélio, Mário - Metáforas em Fio de Navalha, Ed. Comunicarte 108 Maciel, Ayrton - DOPS - Dossiê Paulo Cavalcanti 109 Cavalcanti, Paulo - A Luta Clandestina - Ed. Guararapes

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do País. As suas memórias, pois, abrangem aspectos essenciais da história de Pernambuco no século passado, os atores do processo, seus atos, versões e, sobretudo, a busca da verdade, do caso como realmente foi. É a sua linha de conduta, sua posição como historiador, memorialista: “Até pouco tempo – lembra –, vigorava o preconceito, na historiografia, de que somente se deveria escrever sobre fatos de passado relativamente remoto, quando as paixões humanas já estivessem arrefecidas, a fim de que o historiador pudesse realizar, num suposto plano de isenção, o julgamento dos homens e das coisas”.110 Assim rompe com esse conceito e assegura que “os piores deformadores das crônicas humanas são exatamente os que se dizem abstêmios de ação política, aqueles que procuram dissimular, em anunciadas posi-ções de eqüidistância, o ranço de seus sentimentos mais íntimos”. Além disso, assegura que não há essa postura neutra e assim se impõe o dever de reconstituir uma fase da história social do seu tempo.111 Nas memórias, também os episódios engraçados, divertidos, como os de Hiram Pereira. Militante comunista, perseguido pela ditadura, recorria a disfarces e driblava a polícia. Com sua experiência de ator, aparecia em atos políticos ou eventos, ora como pedinte, padre, santo de igreja, fotógrafo. Ou do companheiro, de Caruaru, da área de finanças, que gastou todo o dinheiro recebido de militantes e simpatizantes. Num pastoril, ele resolveu defender as cores do encarnado, perdeu a disputa, e depois tentou explicar a ação desastrada: “a cor, companheiro!”, ou seja, o vermelho do cordão encarnado, do partido, que não devia perder para o cordão azul. No curso da narrativa, em quatro volumes, as ligações de Paulo Cavalcanti com a cultura popular, seu encanto com as manifestações artísticas do povo. Além de recorrer, com freqüência, aos poetas populares, cordelistas e repentistas, Paulo Cavalcanti registra a importância de manifestações como o carnaval, o pastoril, o teatro de bonecos, as danças e ritmos como frevo, maracatu, baião e forró. Na abordagem, a crença de que erudito e popular convergem para o enriquecimento cultural e fortalecem as lutas políticas e sociais. A obra forma, pois, um vasto painel dos episódios, dos relatos, da cultura e da vida política de Pernambuco a partir dos anos 20, quando começa a ter dados sobre as causas da crise econômica, social, e dos anos de repressão, ditadura, no Estado. A revisão de uma longa fase histórica, a análise das posições e reações dos personagens, têm como base uma pesquisa sólida, criteriosa, na qual os fatos, mais do que as palavras, colocam em estado de graça ou desgraça alguns atores. No conjunto do trabalho, as violências que marcam os anos 30, as décadas de 40 e 50, e, sobretudo, as violações e atos de crueldade do regime militar de 1964. A queda de Arraes, portanto, inicia o ciclo de violência, sobretudo com o assassinato, no dia 1º. de abril, dos estudantes Jonas de Albuquerque Barros e Ivan Rocha Aguiar. Daí seguem as tropelias na perseguição aos comunistas, aos artistas e aos intelectuais, sendo a maior vítima, nos primeiros dias, o líder comunista Gregório Bezerra, que esteve a ponto de ser fuzilado em Ribeirão. A intenção era do usineiro José Lopes, mas o capitão Rego Barros, encarregado de prendê-lo, impediu a exceção, que foi novamente cogitada perante um grupo de oficiais, mas prevaleceu o ponto de vista de outro oficial. Daquela cidade, Gregório foi conduzido ao Recife, entregue ao IV Exército, depois transferido para a Companhia de Motomecanização, então sob o comando do coronel Darcy Villocq Viana. Então, houve um massacre brutal do prisioneiro, também do médico Fernando Luiz Coimbra de Castro, que o coronel obrigou a enxugar a face de Gregório, fazer curativos, enquanto era submetido a castigos.112 Naquele cenário inimaginável, o militar, empunhando um porrete, ordenou: “Diga, comunista safado: Eu sou um filho da puta! “Respeite minha mãe, coronel! Ela foi uma camponesa honesta e honrada, não tem nada a ver com minhas idéias. Então o coronel – narra Paulo – deixou no ar o golpe iminente de cano de ferro e sussurou, com voz cava: “ É, eu também tenho mãe”. 113 A cena de selvageria, no bairro de Casa Forte, prosseguiu com o coronel mandando arrastar o prisioneiro, sangrando e amarrado com cordas pelo pescoço. Ele mal se equilibrava em pé e quando caía era atingido por coices de fuzil. Assim, o coronel circulou com o preso pela Praça de Casa Forte, num desfile macabro, interrompido por intervenção da Arquidiocese de Olinda e Recife, que manteve contato com o Comando do IV Exército. Apesar da violência, Gregório não se rendeu às provocações e às ameaças dos repressores, que mais tarde atingiram outras figuras do partido, da esquerda, com torturas e ameaças que Paulo Cavalcanti denuncia nos seus livros. Dentre os militares, encarregados dos inquéritos, ele testemunha que o coronel Ivan Rui de Oliveira não aceitava a prática de torturas contra qualquer prisioneiro. Naquele clima de repressão, Paulo Cavalcanti esteve preso por onze vezes, sendo posto em celas de quartéis do Exército. A primeira prisão, naquele período, ocorreu na Associação de Imprensa de Pernambuco, no dia 8 de abril. Dali foi levado para a 2ª. Secção da 7ª. Região Militar, no QG do IV Exército, sendo recolhido por determinação

110 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I Ed. Guararapes 111 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I Ed. Guararapes 112 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I - Ed. Guararapes 113 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I - Ed. Guararapes

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do coronel Antônio Bandeira. Na prisão, Paulo Cavalcanti tinha como companheiros Assis Lemos, Ubiraci Barbosa e Cícero Targino, dos quais o primeiro foi levado para a Paraíba e torturado na estrada, na presença do coronel Hélio Ibiapina. Na mesma cela, estava um camponês que teve uma crise nervosa, passou mal, e recebeu ordem de regressar ao Interior, em Água Preta. Não tinha dinheiro e então houve uma cota, irritando o coronel Ibiapina, que tachou o gesto como obra do Partido Comunista, que estaria de novo se organizando, dentro do quartel. Então era presidente da União Brasileira de Escritores, Secção de Pernambuco, e não recorre à entidade para cuidar de sua defesa, nem reassumiu o cargo ao ser solto. Não pretendia, pois, transferir aos outros um “ônus que era somente seu” e afastou-se para evitar constrangimentos aos demais membros, de vez que a entidade estava entre as instituições consideradas perigosas, ao lado do Comando dos Trabalhadores Intelectuais – CTI. No curso das prisões que se seguiram, Paulo Cavalcanti mantém contato demorado com o seu velho companheiro Gregório Bezerra, na Auditoria Militar. Gregório estava na Casa de Detenção, hoje Casa da Cultura, e Paulo sugere a idéia de escrever suas memórias, deixar um testemunho de sua vida, de suas lutas. A tarefa começa pouco depois, com Gregório escrevendo à mão, e logo se constata que o velho militante era um excelente narrador, dono de prodigiosa memória, lembrando fatos, pessoas, com precisão e detalhes. No início, os originais eram datilografados por Jurandir, filho de Gregório, mas a produção era crescente, ficando acertado que Paulo, excelente datilógrafo, iria se encarregar da tarefa de passar a limpo. De posse dos manuscritos, Paulo confessa que não sabia o que fazer, pois não havia como editar o livro no País, em função da censura. Mandar para o Exterior era um risco, como também entregar os originais ao Partido. Daí a decisão de guardar, em local seguro, os vários cadernos de memórias, que impressionam Paulo Cavalcanti. Os cadernos de Gregório, além da letra clara, bonita, eram um primor de narrativa, sem rasuras, lembrando as águas de um rio manso, sereno, correndo sem tropeços. O movimento era cadenciado, sem fugir das margens, dos limites, com arremates que convenciam, indicavam a profundidade dos objetivos. Nesse período – 1969 –, Gregório é libertado junto com outros presos políticos, em troca do embaixador americano, seqüestrado pela esquerda, e surge para Paulo Cavalcanti o conflito. Entre a opção de editar o livro, tal como estava, ou reescrevê-lo, nenhuma parecia correta. Aí guardou os originais, a sete chaves, e Gregório resolve reescrever o seu livro, em Moscou. A obra foi editada por Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, e coincide com os originais em poder de Paulo. Em A Luta Clandestina, Paulo Cavalcanti transcreve trechos do livro, sendo possível constatar que guardam identidade os originais escritos na Casa de Detenção e na União Soviética. O estilo é atraente – diz Paulo – com rasgos de beleza literária. A história de sua vida, contada com minúcias impressionantes, é um acervo de dados do maior interesse aos estudos sociais da Região. No intuito de ampliar esse acervo, enfocando os movimentos sociais, as lutas dos comunistas, Paulo Cavalcanti também sugere a Carlos Prestes escrever suas memórias. Ele considerava Prestes um lendário batalhador de jornadas revolucionárias, que devia ao País um depoimento sobre suas campanhas, a vida brasileira do seu tempo, os personagens, a decisão de sofrer e não abdicar de seus princípios. Mas a sugestão não prosperou e o livro sobre Prestes, de Dênis de Moraes e Francisco Viana, é considerado por Paulo Cavalcanti a miniatura de um retrato da vida do lendário Cavaleiro da Esperança. Nada do que esperava, quando esteve em Moscou, em 1979, e Prestes prometeu um livro para quando chegasse ao Brasil – “Lá terei mais tempo para escrevê-lo”. No centro desta questão, aparentemente menor, já estava desenhada a cisão que iria se agravar nos anos 80, com a Carta aos Comunistas, de Prestes, e as hostilidades nas relações entre Paulo Cavalcanti e a direção do Partido. Elas eram complexas em Pernambuco desde meados da década de 50, quando havia divisão com relação às Ligas Camponesas, à posição de Francisco Julião. Paulo questionava as propostas de luta armada, que considerava perigosas, sem base na realidade. Mas há indícios de que, no caso de Prestes, estavam os reflexos da decepção do primeiro encontro, em 1958, no Recife. Então, a fantasia do menino, do jovem, do admirador do “Cavaleiro da Esperança”, do grande lutador, sofre o impacto de uma recepção cordial, mas fria, um choque nos seus sentimentos de entusiasmo, arroubo, de culto a um mito. Era época de campanha, de disputas políticas no País, e o sonho era refletir com o ídolo sobre os graves problemas nacionais. Mas ele parecia distante, uma esfinge, imagem que Paulo entendia ser dever do mito decifrar e mostrar à Nação, como forma de contribuir para o avanço das lutas.

ADVOGADO E HOMEM MARCADO

A crise no Partido fica mais acentuada no curso da ditadura de 1964, quando Paulo Cavalcanti, entre uma e outra prisão, torna-se defensor de presos políticos. Com as limitações impostas pelo regime, exerce a sua função de adovogado de defensor do direito, da justiça. É uma fase difícil de sua atuação política, em que busca influir na luta contra o regime, ao lado dos estudantes, da igreja progressista, dos sindicatos e das associações. Fora da área jurídica, do campo do Direito, a atuação era rigorosamente clandestina, vigiada pelos tiras da polícia política. Dentro dos limites, defende presos políticos, acusados de subversão, inclusive da Ação Popular, ligada à Igreja progressista. Também mantém contatos esporádicos com antigos companheiros como David

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Capistrano, Hiram Pereira, Jaime Miranda, Giocondo Dias, Miguel Batista, Luis Maranhão Filho, Fragmon Carlos Borges e Joaquim Câmara Ferreira. Então assume a defesa dos indiciados no processo da “cúpula comunista”, que incluía Gregório Bezerra, Miguel Arraes, Pelópidas Silveira, e quase todos os secretários do Governo Arraes. A denúncia era do promotor militar Francisco de Paula Acioli Filho, que incluía toda a direção estadual do PCB, os líderes das Ligas Camponesas e dos sindicatos de trabalhadores. A “festa”era grande!, confessa. Aí entra com um pedido de habeas corpus e logo depois veio o Ato Institucional nº. 5, abolindo o instituto para os crimes políticos. Sem saber o que havia acontecido, no Superior Tribunal Militar, andou buscando um exemplar do Diário Oficial da União, que não encontrou no Tribunal de Justiça, nem na Ordem dos Advogados. Mas terminou conseguindo o exemplar na Companhia Telefônica e no órgão estava a decisão do Superior Tribunal Militar, concedendo o habeas por unanimidade. Festeja o feito tomando uma cerveja. Nesse campo, obtém outra vitória na defesa do escritor Caio Prado Júnior, autor do clássico Formação do Brasil Contemporâneo e de A Revolução Brasileira, livro que provocou acirrados debates no final dos anos 60. Caio Prado havia sido condenado pela Justiça Militar e cumpria pena num quartel da Polícia Militar de São Paulo. Paulo criticou severamente o livro de Caio Prado, mas se sentiu no dever de fazer sua defesa, pois estava em liberdade e a decisão era “uma aberração jurídica”. Daí segue de São Paulo para Brasília e lá se hospeda na casa de Fernando Lyra, então deputado federal por Pernambuco. Ali redige o documento, sustentando a improcedência da condenação do escritor e logo mantém contato com Djaci Falcão, pernambucano e amigo dos tempos de magistratura em Pernambuco. Depois, com a ajuda de Josafá Marinho, fala com o procurador. Dois dias de intenso trabalho, e ao final, o Tribunal absolve Caio Prado por unanimidade. Caio Prado Junior, que havia travado uma polêmica com Paulo, por causa do livro Os Equívocos de Caio Prado, pouco depois esteve no Recife. Houve uma reunião festiva na casa de Paulo, que explicou a Caio – “O velho ‘Partidão’ teve a honra de ajudá-lo nesse transe de sua vida... Os companheiros custearam as despesas extras. O PCB estava a par de todos os seus movimentos... Foi uma contribuição do Partido à sua liberdade”. As suas atividades eram acompanhadas pela polícia política, que registra: “O escritor teve de prestar depoimentos no Departamento de Ordem Política e Social – DOPS, em maio e dezembro de 64. Em setembro, do ano da “Revolução”, foi preso e prontuariado com o número 35.578 por “exercer atividades subversivas”. Processado, teve a prisão revogada e posto em liberdade em novembro. A prisão preventiva foi restaurada em fevereiro de 1965, mas em março foi novamente libertado. Em outubro – já aposentado como promotor público – era novamente preso, agora para averiguações, sendo libertado no mesmo mês. Uma nova prisão – por atividades consideradas subversivas – ocorre em abril de 1973, passando quase um mês detido”.114 Outra vitória, nessa área, foi a luta para evitar a impugnação da candidatura de Mano Teodósio a vereador do Recife. A alegação era de que estava sub judice, na Auditoria Militar da 7a. Região. Então, encontra- se com Mano e diz: “ Não votarei em você, mas defendo o seu direito de ser candidato”. Assim, convenceu Mano a ir Brasília, arranjaria as passagens, e Carlos Eduardo Cadoca ficou de interpor recurso. Mas o tempo começou a correr, e Paulo ficou apreensivo, até que Cadoca comunicou ter agido dentro do prazo. Na área política, como homem marcado, Paulo aparece em todas as campanhas cívicas nos anos 60, 70 e meados de 80. O Partido estava na ilegalidade, mas sua presença era constante nos bastidores e nos comícios em defesa dos candidatos populares. Assim atua nas eleições para o Senado em 74, quando foi eleito Marcos Freire; na campanha de Jarbas Vasconelos ao Senado, em 78, derrotado pela sublegenda; e na campanha de 82, quando Marcos Freire foi derrotado na disputa para o Governo do Estado. No período, apóia a candidatura de Andrade Lima Filho, nas eleições da Associação de Imprensa de Pernambuco – AIP e, em 86, volta aos palanques, apoiando Arraes e os candidatos da Frente Popular. No pleito de 90 ao Senado, integra a campanha de Jarbas Vasconcelos para governador e exerce, no Governo Carlos Wilson, o cargo de diretor do Arquivo Público, numa gestão marcada pela riqueza de eventos, expressivos trabalhos de resgate da história de Pernambuco. Era a velha estrada do combate, da luta na ditadura, quando Paulo Cavalcanti foi acusado de influenciar as posições do deputado Jarbas Vasconcelos, atual governador do Estado: “A informação de 20 de agosto de 1971, de número 226, originada de um setor de segurança não identificado, diz que: “o prontuariado é comunista-marxista declarado, comprometido com a Ação Popular, da qual recebe apoio. O epigrafado (Jarbas Vasconcelos) é muito ligado a Paulo Cavalcanti (advogado de presos políticos e comunista filiado ao PCB), que o orienta politicamente”.115 O exagero é evidente, mas sem dúvida que Paulo Cavalcanti estava ao lado do Movimento Democrático.Brasileiro, do antigo MDB, que agrupava as esquerdas numa frente única contra a ditadura. Nessa

114 Maciel, Ayrton - DOPS - Dossiê 115 Maciel, Ayrton - A História Secreta - Edições Bagaço

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composição de forças, Jarbas Vasconcelos lança a tese da Constituinte Já!, que contava com o entusiasmo de Paulo Cavalcanti, sua crença de que seria o caminho para o País derrotar o regime ditatorial. Naquela fase, ganham força a campanha contra a ditadura, os comícios pelas eleições diretas. A vitória de Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral, anima os opositores do regime, os defensores da democracia. Paulo Cavalcanti logo trata de reestruturar no Estado a União Brasileira de Escritores, e defende uma chapa de unidade. É aclamado presidente, por sugestão do poeta Juhareiz Correia, e pouco depois se realiza o pleito, com chapa única. A entidade passa a funcionar na Livro 7, em caráter provisório, e em 1985 participa do Congresso Brasileiro de Escritores, em São Paulo. A delegação de Pernambuco contou com representantes de todas as correntes. O Congresso, encerrado pelo presidente da república, escritor José Sarney, foi pleno de debates sobre a situação do País, os valores culturais, a identidade nacional, numa síntese das aspirações progressistas dos intelectuais. Numa noite de festa, num bar próximo do Ibirapuera, estava numa mesa próxima “O Cavaleiro da Esperança”. Diante da figura lendária, houve a indagação: “Não vai falar com Prestes?”. Ao lado de Ofélia, Paulo respondeu: “Não. Ele deixou de falar comigo, não aceitou minhas críticas sobre suas posições” Era a prova do rompimento, e a conversa voltou a girar em torno do Congresso e da Nova República. As idéias podem unir e separar os homens, por vezes de forma irremediável. De volta ao Recife, a tarefa era cuidar de reorganizar a UBE, da legalização do Partido, num clima de unidade. Na entidade dos escritores, não demorou a divergência. Paulo recusava ser reconduzido, a maioria do seu grupo não aceitava a candidatura do vice- presidente, poeta Marcus Accioly, e surgiu o impasse. Numa reunião, na Livraria Síntese, houve ameaça de tumulto, agressões, e Paulo deixou o encontro: “Sou homem de luta, não de briga”. Na divisão, os independentes formaram uma chapa com Marcus Accioly, apoiada por setores mais à direita, e os segmentos ligados a Paulo fizeram uma composição mais à esquerda, com integrantes da direita. Na disputa, venceu a chapa formada com apoio de Paulo Cavalcanti, vitória questionada na Justiça. Mas a Justiça reconheceu a lisura do pleito, presidido pelo juiz José Lopes, baseada nos fatos e na defesa dos advogados Maurício Rands e Morse Lira. Paulo Cavalcanti, em artigo na Revista n º 58, da UBE, relata: “Escolhido por numerosos associados, em face de minha obstinação em não me reeleger, sagramos nas urnas o nome de Nagib Jorge Neto para dirigir os destinos da UBE-PE, ante um grupo que se insurgiu contra a tentativa de unidade. Venceu a chapa que defendia o princípio de união de todos, em defesa das tradições da velha/nova UBE. Na sucessão de Nagib, a grande maioria, quase a unanimidade, elegeu Frederico Pernambucano de Melo”.116 No curso da gestão 87/88, a União Brasileira de Escritores, com incentivo de Paulo Cavalcanti, promoveu concursos literários, a divulgação de obras de escritores do Estado, o 1º. Congresso de Escritores do Nordeste e iniciou a campanha da sede própria, coordenada pelo poeta Tarcísio Regueira. Entrou em choque com o Governo Arraes, defendendo Paulo Cavalcanti, que protestou contra a presença, em postos-chave, de militares acusados de praticar torturas. Depois, em defesa do presidente, que reagiu às tentativas de censurar o Suplemento Cultural, e novamente em solidariedade a Paulo Cavalcanti, diante das acusações de Prestes, sobre sua atitude como marxista e militante do Partido.117 A campanha da sede prosseguiu com Frederico Pernambucano e tornou-se vitoriosa na gestão de Dione Barreto, quando o prefeito do Recife, Gilberto Marques Paulo fez doação de um imóvel da Prefeitura, situado na Rua de Santana, em Casa Forte. No ato, perante vários diretores, o prefeito sugeriu que a sede da UBE fosse denominada Casa do Escritor Paulo Cavalcanti, por suas lutas e méritos como intelectual. Além dos serviços prestados ao setor cultural, às causas democráticas, aos ideais socialistas, Paulo Cavalcanti era um intelectual com noção exata dos compromissos com o Estado e o País. Daí uma trajetória de coerência na escrita, na política, a defesa da arte como instrumento de libertação, do escritor como agente das transformações na sociedade. “A obra de arte que não reflete os problemas do seu tempo, tende a tornar-se fria como peça de museu. Nenhum artista faz arte duradoura, contemplando-se a si mesmo no regaço dos seus dramas interiores... Não é preciso, contudo, que o intelectual se curve aos vendavais das paixões para ser autêntico, basta que se fixe objetivamente nas contingências da vida, nos altos e baixos da condição humana, e das lutas pelas transformações sociais, para que, não sendo panfletário, seja pelo menos intérprete de sua época”.118 “Nós, escritores do Nordeste, temos um compromisso de honra, esse compromisso não está adstrito a nenhuma ideologia política, nem a nenhum credo religioso esquematicamente, esse compromisso é com o homem, o homem do Nordeste, com o seu drama secular, seus sentimentos, seus anseios de libertação, seu sofrimento”.

116 Revista 58 - UBE, 1991 117 Boletim Informativo - UBE, 1987 118 Cavalcanti, Paulo - Discurso - 1º. Congresso de Escritores, 1988

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DAS CARTAS E POLÊMICAS

AS CARTAS DA CRIAÇÃO

Advogado, promotor, Paulo Cavalcanti exerce suas funções como homem de idéias, identificado com os ideais socialistas. Está maduro como ser político, de formação humanista, e com convicções de esquerda, que motivam sua concepção de Direito, Justiça, e as ações como membro do Ministério Público. Elas começam em Alagoa de Baixo, hoje Sertânia, atuando como promotor interino, nomeado por Agamenon Magalhães. É a volta para o Sertão, depois da experiência de Salgueiro, do contato com o drama da seca, em 1932. Na cidade, atingida pela estiagem, a base da economia era a fibra, do caroá, usada na confecção de roupas. Ali Agamenon Magalhães incentiva o aproveitamento da fi-bra, e Paulo Cavalcanti observa que o crime, objeto de sua missão, tinha raízes nas desigualdades econômicas. Então promotor público, o primeiro processo que examina é sobre um caso de furto. Daí evocou o “estado de necessidade”, pediu a absolvição do réu, que voltou a ser preso, acusado de arrombamento. Ele confessa que estreou mal, fruto de boas intenções, mas o processo seguinte era sobre um crime hediondo, uma família inteira assassinando um desafeto, com requintes de crueldade. Na defesa, funcionou Carlos Rios, ex-deputado, perseguido pelo regime, e Paulo Cavalcanti faz uma louvação à democracia, ao Tribunal do Júri. Ao final, a promotoria consegue a condenação dos réus, mas Carlos Rios, o público, viram na oração uma defesa dos ideais democráticos, uma reação ao Estado Novo. Na época, Paulo estava contra o regime e, nessa condição, no Recife, comparece ao enterro de Demócrito de Sousa Filho.119 O gesto solidário, coerente com seus princípios, provoca reação de pessoas ligadas a Etelvino Lins, em Sertânia, sendo acusado de estar envolvido nos distúrbios contra o Estado Novo. Em Sertânia, consegue negociar a rendição de um criminoso, ameaçado de linchamento, e tem de enfrentar a reação da polícia, da população. Era João Tibúrcio, que vai encontrar, em 1949, na Casa de Detenção, preso por outro crime – ele reconhece Paulo, então integrando uma CPI da Assembléia. Após o período em Sertânia, o jovem promotor é nomeado para Bom Jardim, mas exerce o cargo em Goiana. Na antiga cidade, que admira por suas tradições, constata que ninguém cumpria as leis sociais. Era urgente coibir os abusos, enfrentar os usineiros e latifundiários, também juízes e policiais. Assim, muitos “coronéis” tiveram de se explicar na delegacia, sob ameaça de processo criminal, em Goiana, Bom Jardim e Igarassu. Nas ações em defesa do Direito, da observância das leis, as peças do advogado, do escritor, renovam o espírito da carta, desse gênero da criação. É a tônica do estilo de seus textos, com poder de comunicação, de mensagem, que vai marcar as polêmicas na política, no partido, nos encontros e congressos. É nesse campo que diverge, nos anos 60, das teses de Caio Prado Júnior, tentando negar a existência de restos feudais no Brasil. Ele admite que, para isso, “haveria de preexistir um sistema feudal, que nunca existiu entre nós”. Paulo contesta a tese, evoca o período colonial, e termina provando a existência de feudalismo, nas relações de produção e na própria natureza física da grande propriedade.120

DIVERGÊNCIAS NO PARTIDO

Depois desse confronto com um historiador e sociólogo admirável, militante do Partido, Paulo Cavalcanti escreve parte de suas memórias e viaja à União Soviética, onde tem um encontro amistoso com Prestes. Naquela ocasião, “O Cavaleiro da Esperança” conversa bastante sobre o País, suas opiniões, lutas. Percebe que Prestes teria sido um homem comum, afável, cordial, não fosse a lenda do tenentismo e a máquina do Partido, que acabam por tranformá-lo num semideus. Então, compreende que Prestes, depois de entronizado por gerações de aduladores, tinha dificuldade de impedir os desdobramentos da exaltação de sua figura legendária. No exílio, acompanhava tudo sobre o Brasil, em matéria de temas políticos. Quanto às novidades na literatura, cinema, teatro, televisão, era impossível saber, até porque admite que Prestes não era forte em questões culturais, razão do seu estilo seco, pesado. As divergências no Partido andavam em alta, reflexos da repressão, da luta armada, das deserções e perdas, também da pobreza de quadros ideológicos. Os temas são examinados no livro O Caso Eu Conto Como o Caso Foi, que Prestes recebeu em Moscou, deixando a impressão de que gostara. Não fez objeções, mas as relações vão se agravar, mais tarde, com a Carta aos Comunistas. Na sua vinda ao Recife, para uma palestra no Diretório Central dos Estudantes, Prestes foi saudado por Artur Lima Cavalcanti, em nome da Frente do Recife, e por Oswaldo Lima Filho, engajado na luta nacionalista. Mais tarde,

119 Cavalcanti, Paulo - O Caso Eu Conto - Vol. I - Ed. Alfa Omega 120 Cavalcanti, Paulo - A Luta Clandestina - Ed. Guararapes

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Paulo critica o documento e vai ao encontro de Prestes com a filha Magnólia, os netos Cláudia e Bruno e Raul, em almoço na casa do médico Paulo Loureiro, observando a frieza do velho companheiro. Diante dos cumprimentos de Magnólia – “Prestes, você está ótimo!” – responde que “vaso ruim não se quebra”. Daí ela insiste que “ninguém quer quebrar esse vaso”, mas Prestes replica: “Você está enganada. Muita gente quer quebrar este vaso”. A situação era constrangedora, Magnólia faz referência aos elogios de Paulo, que ouvia desde menina, mas “O Cavaleiro” responde secamente: “Eu sei disso. Mas ontem ele mudou de opinião”. Não havia mais condições de diálogo. Paulo retira-se com seus familiares e, antes do retorno de Prestes, entrega uma carta renovando a admiração ao líder comunista. Nela ressalta que as divergências não podiam prejudicar uma amizade que julgava sumamente honrosa, fato que pareceu ter mudado sua posição. Mas no livro Prestes - Lutas e Autocríticas, Paulo observa que o líder comunista volta a tratá-lo com azedume. A fase de discórdia no Partido agravou-se mais em fins dos anos 80, quando surge o debate sobre a mudança de sigla. A alegação era de que, com o desmonte do Leste europeu, o avanço do capitalismo, o Partido tinha de buscar a sobrevivência com símbolos mais amenos. Sob a liderança de Roberto Freire, no Estado, o grupo mudancista encontra resistência na base sindical, cuja maioria termina derrotada e migra para o Partido dos Trabalhadores – PT.

REFLEXÕES E DECEPÇÕES

A luta para mudar a sigla, os símbolos do Partido, envolve inclusive, a questão do seu registro, conseguido a duras penas na fase da redemocratização. Entre golpes e manobras, os partidários do velho PCB, patrimônio das lutas populares, sofrem a decepção de um processo conduzido de forma oportunista. Assim surge um novo Partido, de tendência socialista, e os adeptos do PCB têm de arcar com o ônus da luta para manter o registro. A batalha se trava no campo das filiações, da Justiça Eleitoral, com um pequeno grupo atuando para manter o PCB. Paulo Cavalcanti publica o trabalho Vale a Pena (ainda) ser Comunista, em que defende a legenda, reafirma suas convicções. “Sou dos que nunca se perderam pelo pessimismo, vendo escuridão onde havia somente penumbra... Eis porque, na hora e na vez em que a prática do socialismo parece naufragar no maremoto de tantos insucessos, resta-nos a convicção de que perdemos apenas algumas batalhas. A guerra, não”. Profissão de fé diante da marcha da capitulação, da busca de mudanças para não enfrentar a maré da História, que era desfavorável. Então, assegura que “persistência de idéias não é fanatismo. Nem coerência de atitudes é sinal de inamobilidade de pensamento”. Assim defende a manutenção do nome e dos símbolos do Partido Comunista Brasileiro: “O problema dos símbolos não é tão secundário assim. O símbolo, como o mito, se incorpora ao inconsciente coletivo, associando-o a idéias. Um lembra o outro, gerando efeitos quase pedagógicos. Bertold Brecht reivindicava um mundo que não precisasse nem de heróis, nem de mártires. Hoje, desgraçadamente, ainda nos alimentamos de ambos...Quando um objeto, ou um símbolo, se incorpora a uma idéia, transforma-se em objeto mágico. Com isso, ganha uma força especial de mobilização”.121 Com tais convicções, disposição de lutar, vontade de viver, enfrenta e supera limitações, surgidas ao longo dos anos. Assim, no enterro de Gregório, reverencia o companheiro, no início trêmulo, depois com voz firme, enriquecendo o ato em que falou outra figura histórica, Maria José Aragão. No comício de Lula, em 1989, fala com clareza, emoção, sobre o quadro político e social. De igual modo, na Câmara Municipal, onde exerce parte do seu último mandato popular, tem uma atuação lúcida, coerente, apesar da saúde abalada, das safenas e do marcapasso. Eram reflexos dos embates políticos, das perseguições e das violências da ditadura. Elas não abalaram sua jornada, suas crenças e seus sonhos, sempre na resistência ou fazendo o elogio da resistência, dos homens e das mulheres que, como ele, lutaram para recuperar as auroras. Para fazer de cada amanhecer a imagem de um país livre do pesadelo de excluir da violência, da injustiça, com o sol pleno da liberdade, do desenvolvimento e do sonho de humanismo e solidariedade. É com essa imagem que morre de pneumonia em 1995, e que fica para o Estado, o País, como síntese de uma fase da vida pernambucana e brasileira no século passado. De resto, 80 anos de humanismo, que a Fundação Joaquim Nabuco festejou em 1996, quando o ator Rubem Rocha Filho leu este texto clássico de Paulo,122 em nome de Pernambuco e de seu povo.

GRITO DE AMOR PELO RECIFE

“Sem tom de brincadeira, costumo classificar-me como um internacionalista provinciano. Politicamente, sou um cidadão do mundo, perdido nas divaga-ções a respeito dos destinos da humanidade. Mas, se

121 Cavalcanti, Paulo - Vale a Pena Ainda Ser Comunista - Gráfica Inojosa, 1991 122 Cavalcanti, Paulo - Homens e Idéias de Meu Tempo - Ed. Nordestal, 1993

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

se trata de amor, aí eu sou arriado de quatro pneus pelo Re-cife. Amo o Recife, o céu, o mar, os rios, a brisa do cais do porto, as areias de Boa Viagem, e, sobretudo, o pôr-do-sol nas tardes mornas de verão. “Antigamente era melhor? Talvez. Na verdade, nos meus tempos de menino, o Recife era mais limpo, mais saudável, menos violento. Passei minha infância e adolescência ali perto da Ilha do Leite, quando era ilha mesmo, cercada d’água. Vivi quase 20 anos perto do Hospital Pedro II, nos Coelhos – “antro de marginais”, como diziam as crônicas jornalísticas da época. Meus colegas de vadiação e sacanagem eram moleques da Ilha do Leite, com os quais aprendi muita coisa da vida, que os insossos livros da minha escola primária não ensinavam. Devo a esses moleques os meus melhores momentos de ternura e humanismo, a quebra de muitos preconceitos, inclusive raciais. Um dia desses encontrei um deles, João, sentado num banco de cimento, defronte do Gabinete Português de Leitura, na Rua do Imperador. Ele, velho e pobre, me reconheceu e me chamou de “doutor”. Vejam lá: dois amigos de infância, distanciados, depois, pelas desigualdades sociais da vida! Brincamos juntos, empinamos papagaios juntos, tomamos banho de maré juntos. Agora eu era “doutor”, branco e “rico”, e ele, João – os “joões da vida” – cada vez mais pobre e roto. Culpa de quem? De todos nós, de uma sociedade iníqua, que separa os homens, não pelo caráter, mas pela fortuna. “Antigamente era melhor? Talvez. Me lembro dos tempos em que a Polícia Militar fazia retretas nas praças da cidade e jovens oficiais, garbosos, disputavam com os civis, no footing da Rua Nova, o namoro das mocinhas do bairro de São José. Me lembro dos tempos em que os bondes da Tramways conduziam, nos mesmos bancos, pobres e ricos, patrões e empregadas domésticas. Ah, os bondes elétricos, democráticos e pontuais da Tramways! Me lembro das regatas, com as aguerridas guarnições do Barrozo, do Náutico e do Sport, a animar as “torcidas” das margens do Capibaribe. Me lembro do Buraco de Otília, montado sobre palafitas, na Rua da Aurora, onde Pelópidas Silveira, eu e Roberto Rosselini almoçamos uma peixada de coco. Para mim, particularmente, Rosselini valia mais por ter sido marido de Ingrid Bergman, do que pelo galardão de ser um dos maiores cineastas do mundo. E eu tinha inveja daquela boca, que beijara loucamente a grande e inesquecível Ingrid, de Casablanca. “Antigamente era melhor? Não sei. Hoje, o Recife é a quarta cidade mais miserável da terra, onde meninas de 10 e 12 anos se prostituem nas madrugadas do Cais do Porto. São 500 mil meninas prostituídas só no Nordeste, 20 mil perambulando pelas ruas da Capital, cheirando cola, furtando, mijando pelos becos, mendigando “trocados” nos sinais luminosos, na breve parada dos automóveis. Os muros do Recife estão cheios desta frase: De quem é a culpa? Terrível pergunta! De quem é? Quem mata três crianças por dia, nessa rotina de assassinatos monstruosos, que coloca o Recife entre as capitais mais violentas do Brasil? “Faz pouco tempo, na Prefeitura do Recife, vi numa reunião da Comissão de Direitos Humanos, uma menina-mãe, de 11 anos. Num braço, uma criança, gerada no seu ventre jovem. No outro, uma boneca. Pasmem os céus! A boneca não era da menina, era da mãe! Duas bonecas, nos braços de outra bonequinha de 11 anos, que já era mãe. Isto é o Recife de hoje, cidade de um milhão e meio de habitantes, metade rico, metade pobre. Metade que não dorme direito, porque tem medo da outra metade que passa fome. Isto é o Recife de hoje: a gente em casa, com as portas e janelas gradeadas. E os ladrões por fora das grades. Inversão terrível de uma realidade lancinante. De quem a culpa? – perguntam os muros da Cidade. E eu respondo, sem titubear: a culpa é de todos nós. Não culpem o Recife, pelo amor de Deus! Quem polui os rios da Cidade? Quem suja as ruas e avenidas, tornando-as infectas? Quem mata os peixes e os caranguejos do Capibaribe e Beberibe? Quem aterra os leitos dos cursos d’água, provocando as “cheias” das grandes invernadas? Bertold Brecht dizia que todo mundo clama e protesta contra a fúria das águas, em fase de maré alta. Mas – dizia Brecht – ninguém protesta contra a fúria dos homens contra os rios, roubando-lhes o direito de correr, mansos e pacíficos. Todos nós devemos um mea culpa diante do Recife. A natureza fê-lo belo, de nascença. Nós, homens e mulheres deste milênio de desigualdades sociais, de guerra e violência contra os direitos humanos, tornamo-lo triste e feio. O Recife é o mesmo Recife dos tempos de antanho. O Recife poético e heróico, dos versos de Carlos Pena, Gilberto Amado e Austro Costa. Hoje, o Recife tem medo de suas crianças. “Certa vez, Oliveira Lima denominou o Recife de “Capital da Inveja”. Que os há, os há – os invejosos. Os despeitados. Os complexados. Os que, mentindo, sabem que caluniam, mentindo, sabem que difamam. Mentindo, sabem que injuriam. Mas mentem. E mentem como homens sérios e dignos, que eles não são. Mas que tem o Recife com isso? Nós, homens e mulheres, na pequenez dos nossos sentimentos e na imprudência das nossas ações, vivemos a ofender e humilhar o Recife, colocando seu nome nas manchetes dos jornais do mundo. “Eu, por mim, respondo a pergunta dos muros da cidade: a culpa é nossa. O Recife não mudou. Mudaram os homens. Mudamos nós. Quando os grupos de extermínio matam três crianças por dia no Recife, morremos todos nós. Por quem os sinos dobram? indagava Hemingway. E o grande escritor respondia: “A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E, por isso, não perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”.

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CRONOLOGIA DA VIDA E DA OBRA

1915 – Nasce no Bairro do Arruda, em 15 de maio. A área pertencia a Olinda, mas depois passa a ser parte do Recife.

1920 – A família muda-se para a Rua dos Prazeres, na Boa Vista. Ali inicia os estudos e faz o curso primário, em meados da década, no Grupo Escolar Manoel Borba e no Grupo Maurício de Nassau.

1928 – Faz exames no Ginásio Pernambucano, é aprovado, mas não pode se matricular em virtude das dificuldades financeiras da família.

1929/31 – Não freqüenta escolas e estuda em casa. Começa a ler revistas, livros, entre os quais A Ilusão Americana, de Eduardo Prado, e Sonata a Kreutzer, de Tolstoi. As obras pertenciam à médica Amélia Cavalcanti, prima do seu pai, que foi amiga de Tobias Barreto e morreu muito pobre. Acompanha os debates sobre política no País e tem simpatia pelos feitos da Coluna Prestes.

1932 – Matricula-se no Ateneu Pernambucano, de Waldemar Valente, seu primo, e Pelópidas Galvão, cunhado de Waldemar, onde estuda à noite e de dia trabalha em serviços burocráticos. Exerce a função de conferente de Carga e Descarga, no Porto do Recife, e depois segue para Salgueiro, onde trabalha na Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Volta angustiado com o ambiente de desespero, doenças e mortes.

1933 – Ingressa na Ação Integralista Brasileira – AIB, convencido de que tinha de lutar contra a fome e a pobreza, o flagelo das secas e a injustiça.. Escreve os primeiros artigos no jornal O Ateneu e assiste ao lançamento da Chapa Proletária, no Teatro de Santa Isabel, onde Cristiano Cordeiro, fundador do Partido Comunista, desperta sua atenção.

1934 – Em conflito com as teorias e práticas da Ação Integralista, pede desligamento da organização, mas termina sendo expulso. É acusado pelos dirigentes de ser um “espião” do Partido Comunista e adversário do integralismo.

1935 – Mantém contatos com Alcedo Coutinho, da Aliança Nacional Libertadora, e fica entusiasmado com os ideais do movimento. A tentativa de golpe em 1935, a repressão do Governo, detém o impulso de engajamento político na causa.

1936 – Refaz o curso secundário no regime do Art. 100, que permite a conclusão do ensino médio, para maiores de 18 anos, em dois períodos letivos.

1937 – Ingressa na Faculdade de Direito do Recife. Colabora com as revistas Resenha Literária e Presença, comentando livros sobre literatura. Nas provas, em algumas matérias, recorre a improvi-sos e faz citações de juristas inventados, para justificar suas conclusões.

1939 – Passa a apoiar os estudantes de esquerda e começa a fazer política contra o Estado Novo e o Governo Agamenon Magalhães. Atua no Diretório, executa tarefas, combatendo as teses fascistas.

1941 – Antes de concluir o curso, casa-se com Maria Ofélia Figueiredo, sua prima. Trabalha no Departamento de Saúde Pública.

1942 – Passa a trabalhar também no Hospital Português, onde exerce funções burocráticas, como secretário. Nasce Moema, em junho.

1943 – É convidado para exercer o cargo de promotor interino, em Alagoa de Baixo, antiga Lagoa da Cachorra, hoje Sertânia. Tem dúvida, mas assume o cargo.

1945 – Participa do enterro de Demócrito de Sousa Filho, assassinado num comício contra a ditadura, na Pracinha do Diario de Pernambuco. Nasce Magnólia, em fevereiro. Escreve o ensaio Eça de Queiroz – O Revolucionário, premiado pelo Diretoria de Documentação e Cultura da Prefeitura do Recife.

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1946 – Aprovado em concurso, é nomeado para exercer o cargo de promotor público em Goiana. Mantém contatos com parlamentares do Partido Comunista, prestando assessoria em assuntos jurídicos. Funda a Associação do Ministério Público de Pernambuco, junto com Solon Araújo e Fernando Mendonça. 1947 – Candidato a deputado estadual, na legenda do PSD, fica na 1a. suplência. Assume o mandato na vaga de Barros Barreto, convocado para integrar o Governo Barbosa Lima. Nasce o filho Carlos, em abril.

1948 – Passa a integrar o corpo de redatores da Folha do Povo. Defende na Assembléia o mandato dos comunistas e protesta contra a prisão de Gregório Bezerra.

1949 – Integra a delegação de Pernambuco ao Congresso Brasileiro em Defesa da Paz e da Cultura, realizado na sede da UNE, no Rio. A polícia espanca os participantes, Paulo é ferido, junto com o jornalista João Saldanha e Luíza Ramos, filha de Graciliano Ramos. Em abril, pede filiação ao Partido Comunista, então na ilegalidade. Participa de ato no Teatro Marrocos, contra o acordo militar Brasil-Estados Unidos.

1950 – É reeleito para o período 1951/54, fazendo oposição aos Governos Agamenon Magalhães e Etelvino Lins e combatendo os atos de violência do Governo Federal. Exerce o mandato defendendo os direitos de associação, liberdade de opinião e pensamento.

1952 – É escolhido “Deputado do Ano” pela bancada de Imprensa da Assembléia. Os jornalistas também lhe conferem o título de “Folião do Ano”.

1953 – Viaja à União Soviética e volta entusiasmado com os avanços conseguidos pelo regime socialista. Reage às perseguições contra jornalistas, comunistas e nacionalistas, e denuncia as tentativas de golpe de Estado.

1954 – É impedido de disputar um novo mandato, por decisão do TRE, que aceita o pedido de impugnação, feito pelos integralistas.

1955 – Ao lado de Clodomir Morais e Sousa Barros, organiza o Congresso de Salvação do Nordeste, que se realiza em agosto. Participa da campanha da Frente do Recife, que elege Pelópidas Silveira, o primeiro prefeito do Recife, no século XX, escolhido pelo voto direto. Na gestão de Pelópidas, exerce os cargos de secretário de Assuntos Jurídicos, Administração e de Finanças.

1957/1958 – Integra o grupo da Frente do Recife, que se engaja na campanha de Cid Sampaio ao Governo do Estado. No final do período, passa a articular a candidatura de Miguel Arraes para suceder Pelópidas na Prefeitura do Recife.

1959 – Publica Eça de Queiroz, Agitador no Brasil, pela Companhia Editora Nacional. O livro é premiado pela Academia Pernambucana de Letras, Academia Brasileira de Letras e pela Câmara Brasileira do Livro. Redige um manifesto de jornalistas defendendo a candidatura de Arraes para a Prefeitura do Recife.

1960/61 – Apóia a chapa Lott-Jango para a Presidência e Vice da República, defende os estudantes da Faculdade de Direito, ameaçados de massacre pelo Exército, no Governo Jânio Quadros. Junto com o Partido, a esquerda, defende a posse de João Goulart, em 1961, que os militares tentavam impedir após a renúncia de Jânio.

1962/63 – Tem ativa participação na campanha de Miguel Arraes, candidato da Frente do Recife ao Governo do Estado. Com a eleição de Pelópidas para prefeito do Recife, é nomeado secretário de Administração do Município.

1964 – É preso na Associação da Imprensa de Pernambuco, no dia 8 de abril – era a primeira de uma total de 11 no regime militar –, e levado para o quartel da Companhia de Guardas, na Visconde de Suassuna, hoje Edifício Promotor de Justiça Paulo Cavalcanti, onde fica 42 dias. É aposentado pelo Ato Institucional nº. 2, em agosto, fato que o DOPS registra em outubro.

1965/67 – Atua como advogado de presos políticos. É mantido sob vigilância do DOPS e da 2ª. Secção do IV Exército. Escreve o ensaio Os Equívocos de Caio Prado Junior, publicado pela Editora Argumentos, em 1966.

1968 – Visita o Uruguai, a Argentina e o Chile. Tem encontros com Jango, Paulo Freire, , Tiago de Melo, ex-deputados Almino Afonso, Gilberto Azevedo, Almir Braga, Clodomir Morais e o ex-prefeito de Natal, Djalma Maranhão.

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1970 – Com o Partido desarticulado, restando ele e Mano Teodósio como os militantes mais conhecidos, participa da campanha para o Senado, apoiando José Ermírio de Moraes, candidato do MDB, que perde a disputa.

1973/74 – É preso, mais uma vez, acusado de atividades subversivas. A repressão não impede que participe, ao lado de integrantes da Frente do Recife, da campanha para eleger Marcos Freire, candidato ao Senado. Ao final, no pleito de 74, Marcos Freire tem uma vitória consagradora nas urnas.

1976/77 – Após ser novamente preso, viaja a São Paulo para exames, sendo operado pela equipe do Dr. Adib Jatene. Recebe três pontes de safena e depois é reoperado. Volta ao Recife, fica em recuperação e, no carnaval de 77, em fevereiro, faz um teste das coronárias. Bebe uísque, pula a noite inteira e sente que resiste bem ao esforço.

1978 – Publica o livro O Caso Eu Conto Como o Caso Foi, primeiro volume, pela Editora Alfa Omega, de São Paulo. Participa da campanha de Jarbas Vasconcelos, candidato das oposições ao Senado.

1979 – Junto com Ofélia, viaja à União Soviética e à França e mantém contatos com Prestes, em Moscou, e Gregório Bezerra, em Paris.

1980 – Publica o segundo volume de O Caso Eu Conto Como o Caso Foi e tem encontro com Prestes, no Recife. As relações se complicam, em virtude das críticas à Carta aos Comunistas, de Prestes, que discorda das objeções.

1981/82 – Participa da campanha de Andrade Lima Filho para a retomada da Associação de Imprensa. Publica o livro Nos Tempos de Prestes, terceiro volume das memórias.

1984/85 – Articula a reestruturação da União Brasileira de Escritores, Secção de Pernambuco. Eleito presidente da entidade, lidera a delegação de Pernambuco ao Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo, em abril de 85. Cuida da reorganização do Partido Comunista. Lança A Luta Clandestina, quarto volume das memórias, e apóia a candidatura de Roberto Freire a prefeito do Recife. O pleito de 85 é vencido por Jarbas Vasconcelos.

1986 – Integra a campanha de Arraes ao Governo do Estado e defende, na área cultural, o apoio aos candidatos da Frente Popular. Lança a plaquete Breve História de um Governo Popular, Edições Pirata, e participa dos comícios da Frente.

1988 – Presidente de Honra da União Brasileira de Escritores, é escolhido Presidente de Honra do 1º. Congresso de Escritores do Nordeste, realizado no Teatro José Carlos Cavalcanti Borges, em outubro, quando a entidade completou 30 anos.

1989/90 – Viaja a Portugal e mantém contatos com intelectuais portugueses, numa homenagem ao escritor Ramalho Ortigão. Participa da luta para manter a sigla e os símbolos do Partido Comunista Brasileiro. Apóia a candidatura de Jarbas ao Governo do Estado, no pleito de 90, ao lado dos integrantes da Frente Popular de Pernambuco.

1992 – É eleito vereador do Recife, na coligação Frente Popular, disputando o pleito em nome do Partido Comunista, de sua sigla, símbolos e objetivos.

1993 – Lança o livro Homens e Idéias do Meu Tempo, pela Editora Nordestal.

1994 – Exerce o mandato e tem atuação voltada para a defesa dos interesses populares. Lança o livro Vale a Pena (ainda) ser Comunista, pela Gráfica Inojosa.

1995 – É homenageado por amigos e admiradores na festa dos 80 anos e morre no Procárdio, no Recife, dia 31 de maio. O corpo foi velado na Assembléia Legislativa, onde milhares de pessoas, portando rosas vermelhas, prestaram reverencia a sua memória, e no seu enterro, no cemitério de Santo Amaro, centenas de vozes entoaram cantos de protesto, amor e esperança.

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Álbum de Família

Paulo Cavalcanti, foto da campanha eleitoral de 1950.

Álbum de Família

Paulo Cavalcanti (D) e Pelópidas Silveira, 1955.

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

Álbum de Família

Paulo Cavalcanti (D) e Mário Soares (presidente de Portugal), no Palácio dos Governadores, em Olinda, 1992.

Álbum de Família

Paulo Cavalcanti, em Moscou, com Prestes, Doris Loureiro e Maria Ofélia, 1978.

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

Álbum de Família

Paulo Cavalcanti e Gilberto Freyre.

Álbum de Família

Paulo Cavalcanti e Adalgisa Cavalcanti.

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

Álbum de Família

Paulo Cavalcanti com Zélia Gatai e Jorge Amado, 1992.

Álbum de Família

Paulo Cavalcanti e Miguel Arraes, 1980.

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

BIBLIOGRAFIA E FONTES

BEZERRA Gregório. Memórias. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980.

BORGES, Jorge Luís. História da Eternidade. Ed. Globo, 1982.

CARTA, Mino e Pereira, Raimundo Rodrigues. Retrato do Brasil. Ed. Política, 1986.

CASTRO, Moacir Werneck de. Europa 1935. Rio de Janeiro, Ed. Record, 2000.

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______. Eça de Queiroz, Agitador no Brasil. Recife, Ed. Guararapes, 1984.

______. Homens e Idéias do Meu Tempo. Recife. Ed. Nordestal, 1993.

______. O Caso eu Conto como o Caso Foi. São Paulo, Ed. Alfa Omega, 1978.

______. O Caso eu Conto como o Caso Foi – Nos Tempos de Prestes. Recife, Ed. Guararapes, 1982.

______. O Caso eu Conto como o Caso Foi – A Luta Clandestina. Recife, Ed. Guararapes, 1985

______. Vale a pena (ainda) ser Comunista. Recife, Gráfica Inojosa, 1991.

CHERINO, Antônio Siqueira. Gregório Bezerra, Toda a História. Recife, Companhia Editora de Pernambuco – CEPE, 1996.

HÉLIO, Mário, Metáforas em Fio de Navalha, in Que Zorra, Camarada! Recife, Ed. Comunicarte, 1991.

INOJOSA, Joaquim. Um Movimento Imaginário, Resposta a Gilberto Freyre. Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1972.

LIMAFILHO, Andrade. China Gordo – Agamenon Magalhães e sua Época. Recife, Editora Universitária, 1976.

MACIEL, Ayrton. A História Secreta. Recife, Edições Bagaço, 2000.

MORAES, Dênis e VIANA, Francisco, Prestes Lutas e Autocríticas, Petrópolis, Ed. Vozes, 1982.

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RODRIGUES, Leôncio Martins, Sociedade e Política, O Brasil Republicano. Ed. Bertrand Russel, 1991.

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SODRÉ, Nelson Werneck. Contribuição à História do PCB. Global Editora, 1984

WAINER, Samuel. Minha Razão de Viver. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1987.

OUTRAS FONTES

Anais da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco – Pronunciamentos do deputado Paulo Cavalcanti, 1948-1954. Boletins e Notas Oficiais, União Brasileira de Escritores, 1987/88. Projetos apresentados pelo deputado Paulo Cavalcanti à Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, 1948- 1954 Revista da União Brasileira de Escritores, nº 58, 1992.

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Elogio da resistência – Nagib Jorge Neto

DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR

Natural de Pedreiras, Maranhão, Nagib Jorge Neto começou sua vida profissional como repórter em São Luís, na Rádio Timbira, no ano de 1958. Mas atuava na área desde 1956, ano em que – juntamente com José Carlos Brandão Monteiro, jornalista, advogado, ex-deputado federal e secretário de Estado no Rio – redigia e vendia o jornal Tribuna Estudantil. A partir de 1959 passa a integrar a equipe do Jornal do Dia, colabora com o Jornal Pequeno, com o Tribuna Estudantil, então órgão oficial da União Maranhense dos Estudantes Secundários, entidade que presidiu entre 57 e 59. Mais tarde, entre 61/63, assume o cargo de secretário de Redação do Jornal do Povo, de propriedade do jornalista Neiva Moreira, e dirigido pelo poeta Bandeira Tribuzzi. Nessa fase foi presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito e secretário-geral da União Maranhense dos Estudantes. Após a Revolução de 64, com o Jornal do Povo fechado, deixa São Luís e passa a integrar, com a ajuda de Lago Burnett, poeta e editorialista, a equipe do Jornal do Brasil, Sucursal do Recife, trabalhando como repórter, chefe de Redação e subchefe da Sucursal Nordeste. No Recife, colabora com a Realidade, Veja, Jornal da Tarde, Jornal do Commercio, Jornal da Semana, do qual foi editor-chefe, e com o Diario de Pernambuco. Em 1968, com o texto O Progresso do Nordeste e a Difícil Vez de José, ganha o Prêmio Esso Nacional de Informação Econômica. A reportagem foi publicada no Jornal do Brasil e no Jornal do Commercio, mas Nagib concorreu pelo Jornal do Commercio. Na condição de jornalista, Nagib publicou os livros Longe do País dos Sonhos (reportagens, histórias); Que Zorra, Camarada! (textos políticos) e participou da elaboração do livro Onde está meu Filho?, ordenando e redigindo o texto final do trabalho, que enfoca o desaparecimento de Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier. Atualmente, é colaborador do Jornal do Commercio, do Diario de Pernambuco, do Suplemento Cultural, e exerce a função de redator do Departamento de Jornalismo da Assembléia Legislativa. Na área de ficção, publicou os livros de contos e novelas O Presidente de Esporas, As Três Princesas Perderam o Encanto na Boca da Noite, O Cordeiro Zomba do Lobo, e participou da antologia Novelas Brasileiras, publicada em Quebec, Canadá. Os seus textos mereceram críticas elogiosas de Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Carlos Drummond de Andrade, , Ivan Cavalcanti Proença, Torrieri Guimarães, Galeno de Freitas, Domingos Pellegrini Júnior, Antonio Torres, Ary Quintella, Amílcar Dória Matos, Marcus Prado e Mário Hélio.

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