Universidades Lusíada

Martins, Joana Ribeiro, 1989- Habitação social em : da intenção de inserção ao sentimento de exclusão http://hdl.handle.net/11067/1167

Metadados Data de Publicação 2014-09-25 Resumo O objectivo principal desta dissertação é estudar o programa SAAL – Serviço Ambulatório de Apoio Local – no contexto e evolução da habitação social em Portugal, e da sua adaptação no território urbano e inserção social. A temática habitacional, é e será sempre, um tema recorrente, tanto na sociedade como na arquitectura. A habitação é um bem essencial à vivência individual e social do ser humano, e um direito consagrado pelo Artigo 65º da Constituição da República Portuguesa: "Todos têm direito... Palavras Chave Habitação social - Portugal, Política de habitação - Portugal Tipo masterThesis Revisão de Pares Não Coleções [ULL-FAA] Dissertações

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UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Habitação social em Portugal: da intenção de inserção ao sentimento de exclusão

Realizado por: Joana Ribeiro Martins Orientado por: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha

Constituição do Júri:

Presidente: Prof. Doutor Horácio Manuel Pereira Bonifácio Orientador: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Arguente: Prof. Doutor Arqt. Mário João Alves Chaves

Dissertação aprovada em: 24 de Setembro de 2014

Lisboa

2014

U NIVERSIDADE L USÍADA DE L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Habitação social em Portugal: da intenção de inserção ao sentimento de exclusão

Joana Ribeiro Martins

Lisboa

Julho 2014

U NIVERSIDADE L USÍADA DE L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Habitação social em Portugal: da intenção de inserção ao sentimento de exclusão

Joana Ribeiro Martins

Lisboa

Julho 2014

Joana Ribeiro Martins

Habitação social em Portugal: da intenção de inserção ao sentimento de exclusão

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha

Co-orientador: Prof. Doutor Arqt. Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa

Lisboa

Julho 2014

Ficha Técnica

Autora Joana Ribeiro Martins

Orientador Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha

Co-orientador Prof. Doutor Arqt. Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa

Título Habitação social em Portugal: da intenção de inserção ao sentimento de exclusão

Local Lisboa

Ano 2014

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação

MARTINS, Joana Ribeiro, 1989-

Habitação social em Portugal : da intenção de inserção ao sentimento de exclusão / Joana Ribeiro Martins ; orientado por Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha, Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa. - Lisboa : [s.n.], 2014. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

I - BRAIZINHA, Joaquim José Ferrão de Oliveira, 1944- II - MEALHA, Jorge, 1960-

LCSH 1. Habitação social - Portugal 2. Política de habitação - Portugal 3. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 4. Teses - Portugal - Lisboa

1. Public housing - Portugal 2. Housing policy - Portuga 3. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations 4. Dissertations, Academic - Portugal -

LCC 1. HD7288.78.P6 M37 2014

“ O facto mais importante no habitat de um homem é a possibilidade de escolha continua entre a vida colectiva e a liberdade do controlo social; entre a solidão e a companhia, entre o fechado e o aberto; o ruído e o silêncio. “

(L. Quaroni)

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Doutor Arq. Joaquim Braizinha.

Ao Prof. Doutor Arq. Jorge Mealha.

APRESENTAÇÃO

Habitação Social em Portugal: da intenção de inserção ao sentimento de exclusão

Joana Ribeiro Martins

O objectivo principal desta dissertação é estudar o programa SAAL – Serviço Ambulatório de Apoio Local – no contexto e evolução da habitação social em Portugal, e da sua adaptação no território urbano e inserção social.

A temática habitacional, é e será sempre, um tema recorrente, tanto na sociedade como na arquitectura. A habitação é um bem essencial à vivência individual e social do ser humano, e um direito consagrado pelo Artigo 65º da Constituição da República Portuguesa:

“ Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. ”

A questão da habitação social é um assunto muito delicado, uma vez que é destinado às famílias carenciadas e com baixos recursos económicos, sendo este o único suporte facultado, na tentativa de ter uma habitação com melhores condições.

O conceito de habitação social, não pode ser apenas traduzido, na atribuição de casas, para o alojamento de famílias sem capacidade financeira de adquirir uma casa no mercado. É necessário pensar na sua correcta inserção no ambiente urbano, de modo a não serem meramente conjuntos habitacionais segregados que colocam um rótulo nos seus moradores, contribuindo para a sua marginalização, diferenciação e segregação.

Os primeiros passos, no âmbito da habitação social, são dados com o , no entanto só depois da revolução de 25 de Abril e com o programa SAAL é que se observam verdadeiras mudanças no domínio das políticas e estratégias de habitação.

Das várias práticas e políticas de habitação social realizadas em Portugal, o SAAL, caracteriza-se como uma das mais interessantes experiências, pelas condições socioculturais e políticas em que surgiu.

O SAAL, torna-se um marco da história da arquitectura portuguesa, não só pelas inovadoras práticas arquitectónicas e integração desses bairros na cidade, mas também, porque pela primeira vez, estamos perante um processo que implica o envolvimento e empenho das populações na construção da sua habitação.

Palavras-chave: Habitação Social / Programa SAAL / Inserção e Exclusão Social

PRESENTATION

Social Housing in Portugal: from the intention of social integration to the feeling of exclusion

Joana Martins Ribeiro

The main aim of this dissertation is to study the importance of the SAAL project - Serviço Ambulatório de Apoio Local (a social mobile service of local support) - on the context and evolution of social housing in Portugal, and its adaptation in urban planning and social inclusion.

The housing issue is and always will be, a recurring theme, both in society and architecture. Housing is an essential asset to individual and social life of the human being, and a right enshrined by the Article 65º of the Constitution of the Portuguese Republic:

" Everyone has the right, for him and his family to a dwelling of adequate size, in terms of hygiene and comfort and that preserves personal and family privacy. "

The issue of social housing is a very delicate matter, since it is intended for needy families and with low economic resources, this being the only support provided in an attempt to have a house with better conditions.

The concept of social housing, can not only be translated, in the allocation of houses to accommodate families with no financial ability to purchase a home on the market. It is necessary to think in its correct insertion into the urban environment, in order to not being merely segregated housing developments that place a label on their residents, contributing to their marginalization, segregation and differentiation.

The first steps in social housing began during the Estado Novo dictatorship, but only after the revolution of 25th April and with the SAAL program, is that real changes became noted in the domain of housing policies and strategies.

From the various practices and policies of social housing held in Portugal, the SAAL is characterized, as one of the most interesting experiences, by the sociocultural and political conditions that emerged.

The SAAL becomes a mark in the history of , not only by the innovative architectural practices and integration of the neighbourhoods in the city, but also because, for the first time, this is a process that requires the involvement and commitment of the people in building their house.

Keywords: Social Housing / SAAL Program / Social Insertion and Exclusion

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – “Habitação e cidadania: no trilho da complexidade de territórios e processos relacionais generativos”, Freitas, 2001. (Salvado, 2003, p.5)...... 22

Ilustração 2 – “Relação entre factores para uma maior ou menor satistafção residencial”. (Ilustração nossa, 2014)...... 27

Ilustração 3 – “A insegurança e a perda de sociabilidades: um ciclo vicioso”. (Ilustração nossa, 2014) ...... 33

Ilustração 4 – “Articulação entre imagens negativas, conflitualidade, insegurança e consequências sobre as dinâmicas sociais locais”, Pinto e Gonçalves, 2009. (Pereira, 2010, p.59)...... 43

Ilustração 5 – “Ilhas no ”, A. Costa, 1974. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012)...... 48

Ilustração 6 – “Pátio das Barracas”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996)...... 49

Ilustração 7 - “Vila em Correnteza no Campo Grande”. (Pereira, 1994, p.513)...... 53

Ilustração 8 - “Vilas formando pátio - Vila Gadanho, Pátio Bagatella e Vila Rodrigues”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996)...... 54

Ilustração 9 - “Vilas construídas atrás de edifícios - Vila Raul, Vila Fernandez e Vila Sousa”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996)...... 55

Ilustração 10 - “Vilas formando ruas - Vila Dias e Vila Berta”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996)...... 56

Ilustração 11 - “Vilas directamente ligadas à produção - Vila Almeida, Rua Rodrigues Faria e Vila Pereira”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996)...... 57

Ilustração 12 - “Vilas de escala urbana - Bairro Estrela de Ouro e Bairro Clemente Vicente”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996)...... 58

Ilustração 13 - “Diário do Governo, Decreto nº 4137, de 25 de Abril de 1918”. (Diário da República, 2013)...... 60

Ilustração 14 - “Bairro Social do Arco do Cego, Lisboa”, Novais, 1935. (Biblioteca de Arte - Fundação Calouste Gulbenkian, 2013)...... 62

Ilustração 15 - “Características do programa das casas económicas”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.663)...... 63

Ilustração 16 – “Bairro de Casas Económicas da Encosta da Ajuda”, Costa; Vale, 2013. (SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, 2013)...... 64

Ilustração 17 - “Características do programa das casas desmontáveis”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.664)...... 65

Ilustração 18 - “Características do programa das casas para famílias pobres”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.665)...... 65

Ilustração 19 - “Características do programa das casas de renda económica”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.666)...... 66

Ilustração 20 - “Características do programa das casas de renda limitada”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.667)...... 66

Ilustração 21 - “Promoção da habitação social segundo o tipo de programas entre 1951 e 1970”, Pinheiro, 2007. (Pereira, 2010, p.36)...... 67

Ilustração 22 – “Boletins do GTH números 8, 9 e 12”. (Nunes, 2007, p.38) ...... 71

Ilustração 23 - “Plano dos Olivais Norte”, Realizações e Planos - GTH, 1972. (Pedrosa, 2010, p.33)...... 72

Ilustração 24 - “Esquiços da planta e dos alçados da Torre dos Olivais Norte”, Tostões, 2004. (Carvalho, 2012, p.96)...... 73

Ilustração 25 - “Foto do Bairro de Olivais Norte”, Tostões, 2004. (Carvalho, 2012, p.98)...... 74

Ilustração 26 - “Torre Olivais Norte”, Freitas; Pereira; Portas, 1959. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996)...... 75

Ilustração 27 - “Plano geral do Bairro dos Olivais Sul”, CML, 1967. (Carvalho, 2012, p.102)...... 76

Ilustração 28 - “Espaços públicos do Bairro Olivais Sul”, CML, 1967. (Carvalho, 2012, p.108)...... 77

Ilustração 29 - “Foto e planta da Torre Olivais Sul”, CML, 1967. (Carvalho, 2012, p.106) ...... 78

Ilustração 30 - “Esquema da planta do conjunto habitacional 5 dedos”. (Milheiro, 2009, p.120)...... 81

Ilustração 31 - “Conjunto habitacional 5 dedos”, Figueiredo; Ferreira, 2010. (SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, 2013)...... 82

Ilustração 32 - “Conjunto residencial Chelas”, Byrne, 1972. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2014)...... 83

Ilustração 33 - “Pantera Cor de Rosa”, Byrne, 1972. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2014)...... 84

Ilustração 34 – “Direito à habitação para o provo trabalhador”, Costa. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012)...... 88

Ilustração 35 – “Participação dos moradores na construção das suas próprias casas, Meia Praia, Lagos”, Costa, 1975. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012)...... 90

Ilustração 36 - “Participação dos moradores na construção das suas casas, Meia Praia, Lagos”, Dias, 2007. (Frame do documentário “As Operações SAAL”)...... 90

Ilustração 37 – “Cartazes reivindicativos do SAAL”, Costa, 1975. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012) ...... 91

Ilustração 38 – “Organograma de pormenor da Direcção Nacional do S.A.A.L.” Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, 1974. (Grande, 2012, p.328- 329)...... 92

Ilustração 39 – “Unidade de Habitação Cooperativa, planta de trabalho para estudo da Casa Protótipo”, Espólio Nuno Teotónio Pereira, 1957. (Tavares, 2010, p.12)...... 94

Ilustração 40 – “Fotos dos interiores da Casa Protótipo”, Espólio Nuno Teotónio Pereira, 1957. (Tavares, 2010, p. 6-7)...... 94

Ilustração 41 - “Nuno Portas e Margarida Sousa Lobo, Quinta do Pombal, Fogos evolutivos para autoconstrução, GTH Lisboa, 1970”, Arquivo do Arquitecto Nuno Teotónio Pereira. (Bandeirinha, 2011, p.94)...... 99

Ilustração 42 - “Concentração no Rossio, 25 de Abril de 1974”, Novais, 1974. (Biblioteca de Arte - Fundação Calouste Gulbenkian, 2013)...... 100

Ilustração 43 - “Manifestação direito à habitação”, Costa, 1975. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012)...... 103

Ilustração 44 - “Manifestação de moradores”, Costa, 1975. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012)...... 105

Ilustração 45 - “Manifestação contra o fim do processo SAAL, 23 de Outubro de 1976”, Costa, 1976. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012)...... 107

Ilustração 46 - “Porto, bomba nas instalações do SAAL/Norte, 14 de Janeiro de 1976”, Arquivo do Arquitecto Alexandre Alves Costa. (Bandeirinha, 2011 p.180)...... 109

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS

AICA - Associação Internacional de Críticos de Artes

AIL - Associação dos Inquilinos Lisbonenses

CML - Câmara Municipal de Lisboa

DHN - Direcção de Habitação do Norte

EPUL - Empresa Pública de Urbanização de Lisboa

FFH - Fundo de Fomento da Habitação

GAT - Gabinetes de Apoio Técnico

GCOM - Grupos de Coordenação de Obras Municipais

GEU - Gabinete de Estudos de Urbanização

GPU - Gabinetes de Planeamento Urbanístico

GTH - Gabinete Técnico de Habitação

IHRU - Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana

LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil

PIDE - Polícia Internacional de Defesa do Estado

PRID - Programa de Recuperação de Imóveis Degradados

RGEU - Regulamento Geral de Edificações Urbanas

SAAL - Serviço Ambulatório de Apoio Local

SEHU - Secretaria de Estado da Habitação e Urbanismo

SIPA - Sistema de Informação para o Património Arquitectónico

SMH - Serviços Municipais de Habitação

SUMÁRIO

1. Introdução ...... 16 2. A Problemática da Habitação Social ...... 19 2.1. Características Urbanísticas e Arquitectónicas: o Espaço Público Residencial 19 2.2. Características Humanas: Satisfação Residencial ...... 27 2.3. O Processo de Realojamento ...... 35 2.4. Segregação e Exclusão Social ...... 40 3. Enquadramento histórico da evolução da Habitação Social em Portugal ...... 47 3.1. Os Pátios, as Vilas e os Bairros Operários ...... 47 3.2. O Estado Novo e o Programa das Casas Económicas ...... 60 3.3. O Gabinete Técnico de Habitação (GTH) ...... 71 3.4. O Fundo de Fomento da Habitação (FFH) ...... 85 4. As Operações SAAL ...... 87 4.1. Objectivos e Lógicas ...... 87 4.2. A habitação antes do 25 de Abril ...... 93 4.3. O arranque do Processo SAAL ...... 100 4.4. Condições de vida e habitação da população em 1974 e as Associações de Moradores ...... 105 4.5. O fim do Processo SAAL ...... 108 5. Considerações Finais ...... 114

Habitação Social em Portugal: da intenção de inserção ao sentimento de exclusão

1. INTRODUÇÃO

O objectivo principal desta dissertação é estudar o programa SAAL – Serviço Ambulatório de Apoio Local – no contexto e evolução da habitação social em Portugal, e da sua adaptação no território urbano e inserção social.

A temática habitacional, é e será sempre, um tema recorrente, tanto na sociedade como na arquitectura. A habitação é um bem essencial à vivência individual e social do ser humano, e um direito consagrado pelo Artigo 65º da Constituição da República Portuguesa:

“Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.”

A questão da habitação social é um assunto muito delicado, uma vez que é destinado às famílias carenciadas e com baixos recursos económicos, sendo este o único suporte facultado, na tentativa de ter uma habitação com melhores condições.

O conceito de habitação social, não pode ser apenas traduzido, na atribuição de casas para o alojamento de famílias sem capacidade financeira de adquirir uma casa no mercado. É necessário pensar na sua correcta inserção no ambiente urbano, de modo a não serem meramente conjuntos habitacionais segregados que colocam um rótulo nos seus moradores, contribuindo para a sua marginalização, diferenciação e segregação.

Os primeiros passos, no âmbito da habitação social, são dados com o Estado Novo, no entanto só depois da revolução de 25 de Abril e com o programa SAAL é que se observam verdadeiras mudanças no domínio das políticas e estratégias de habitação.

Das várias práticas e políticas de habitação social realizadas em Portugal, o SAAL, lançado em 1974, caracteriza-se como uma das mais interessantes experiências, pelas condições sócio-culturais e políticas em que surgiu.

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Nascido num contexto político-social de fim de ditadura, cenário de revolução e reivindicação, assim como de grandes transformações sociais, o SAAL surge como um serviço descentralizado que foi construindo novas casas e novas infraestruturas, oferecendo assim melhores condições às populações desfavorecidas, que tinham igualmente direito a uma habitação digna.

O SAAL torna-se um marco na história da arquitectura portuguesa, não só pelas práticas arquitectónicas inovadoras, e integração desses bairros na cidade, mas também, porque pela primeira vez, estamos perante um processo que implica o envolvimento e empenho das populações na construção da sua habitação, contribuindo para um sentimento de pertença e inclusão social.

Foi um processo polémico e de curta duração (1974-1976) que acabou por levantar muitas questões aquando da sua extinção.

Procura-se assim perceber de que maneira a habitação social foi evoluindo em Portugal e a sua contribuição para a inserção das populações mais carenciadas.

Para isso interessa investigar: o contexto sociológico dos bairros de habitação social e as suas características físicas e humanas; o contexto histórico e sócio-económico que explicam a necessidade de o Estado promover habitação social; em que contexto surge o programa SAAL, quais os seus objectivos e as consequências que tem nas políticas de habitação social.

A presente dissertação encontra-se organizada em seis capítulos:

O primeiro capítulo é a Introdução, onde é apresentado o tema do trabalho, os objectivos e onde se explica a estrutura da dissertação.

No segundo capítulo, designado “A problemática da Habitação Social”, é feito um enquadramento teórico, onde são referidas as principais características urbanísticas, arquitectónicas e humanas dos bairros de habitação social. Perceber de que modo o espaço público residencial e a localização dos bairros sociais afecta de uma maneira positiva, contribuindo para a satisfação residencial, ou de uma maneira negativa, criando um sentimento de exclusão, marginalização e segregação.

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No terceiro capítulo, designado: “Enquadramento histórico da evolução da Habitação Social em Portugal”, procura-se entender como surge a habitação social em Portugal. Este capítulo encontra-se dividido em quatro partes, onde são referidas as principais políticas de habitação social, realizadas até 1974. Aqui analisamos: os pátios, as vilas e os bairros operários; O Estado Novo e o Programa das Casas Económicas; O Gabinete Técnico de Habitação (GTH); e por último o Fundo de Fomento de Habitação (FFH).

No quarto capítulo, designado: “As Operações SAAL”, é estudado o SAAL, onde se procura entender como este surge, quais os seus objectivos e lógicas, quais as condições de vida e as habitações da população neste período, como funciona o programa SAAL e por fim entender a razão da sua extinção e as causas para a sua curta duração.

E por último, o capítulo da conclusão do trabalho, onde são feitas as considerações finais.

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2. A PROBLEMÁTICA DA HABITAÇÃO SOCIAL

2.1. CARACTERÍSTICAS URBANÍSTICAS E ARQUITECTÓNICAS: O ESPAÇO PÚBLICO RESIDENCIAL

“Para a caracterização de uma paisagem urbana bem qualificada, pormenorizada e humanizada é fundamental considerar uma estratégia específica, física e socialmente inclusiva, ao nível do desenho do habitar. Um habitar cuja concepção e cujo desenho devem visar não apenas a funcionalidade o conforto ambiental e a adequação a cada situação, mas também um seu uso e um seu ambiente globalmente estimulantes e mesmo afectivos, num desígnio formal sintetizado numa forma ‘convidativa’” (Baptista, apud Pedrosa, 2010, p.38)

Os bairros sociais localizam-se na sua maioria nas áreas suburbanas, onde se acumulam múltiplas desvantagens sobre o território e os cidadãos.1

Entre estes, destacam-se a descontinuidade urbana e territorial destes bairros, o seu isolamento marcado muitas vezes pela difícil acessibilidade e a existência de diferenças arquitectónicas demasiado visíveis, tudo condições que acentuavam os contornos sentidos e vividos como guetos. (Pereira, 2010, p.58)

É difícil de encontrar nestas áreas a mesma consolidação que nos centros urbanos e as próprias populações apresentam muitas vezes problemas específicos, traduzindo- se em espaços com maior probabilidade de gerar conflitos entre os próprios habitantes.

Construídos longe das principais vias de comunicação e, na maioria das vezes, em áreas deficitárias de transportes públicos, estes espaços de habitação social têm na vocação residencial a sua principal função. O carácter monofuncional destes espaços, devido à ausência de outras dimensões da vida social e económica (trabalho, lazer e consumo), condiciona, nas palavras de Teresa Costa Pinto (1994:41), a imagem, o gosto e a identidade local.

[...] A descontinuidade urbana que estes locais quase sempre estão sujeitos, origina a sua exclusão territorial e “empurra” os habitantes para o seu interior, mantendo-os em grande isolamento social e urbano, em vez de procurar a sua integração na restante

1 A periferização dos bairros sociais, conjugada com a sua homogeneidade socioeconómica, garantiu a estes espaços uma condição de segregação relativamente ao centro urbano e às próprias actividades da cidade. [...] Aquilo que, à partida, parecia ser a solução mais viável para a integração das populações (atribuir fogos e oferecer condições habitacionais melhoradas) acabou por se converte num instrumento de segregação e de ghetização. A excessiva concentração de populações socioeconomicamente mais desfavorecidas e de alguns grupos de risco em espaços exíguos e densamente ocupados, acabou por intensificar a diferenciação social da cidade e a segregação desses espaços. (Augusto, 1998, p.3)

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cidade. Os bairros de realojamento social desta forma edificados, possibilitam antes de mais o desenvolvimento de “guetos” sociais e urbanos.2

Estas características, resultantes de uma construção social com uma arquitectura “estereotipada”, desenraizada e desintegrada, faz exacerbar estigmas que originam sentimentos de exclusão e marginalização. (Quintas, 2008, p.68-69)

Entramos assim num ciclo vicioso: uma vez que os habitantes não estão satisfeitos com a sua área residencial, também não se preocupam em cuidar e preservar o espaço publico envolvente, traduzindo-se muitas vezes em actos de vandalismo sobre os equipamentos e as infraestruturas, pelos próprios habitantes. Ora isto contribui para uma degradação maior do espaço, que se torna cada vez menos atractivo tanto para os habitantes como para o exterior, tornando-se um espaço marginalizado, que leva de novo à questão inicial da insatisfação residencial, sendo este um ciclo vicioso.

Para além da localização periférica dos bairros sociais, e o seu distanciamento relativamente à continuidade do tecido urbano, existem outros aspectos de componente física que contribuem para uma imagem negativa e estigmatizada.

A nível arquitectónico, estes bairros são caraterizados por uma estandardização e homogeneidade interna. Sendo muitas vezes estes bairros iguais entre si, ainda evidenciam mais a diferença no tecido urbano, em relação aos restantes espaços da cidade, quer em termos sociais, arquitectónicos ou de espacialização no tecido urbano, tornando-se em situações de segregação urbana. (Augusto, 1998)

As habitações dos bairros sociais, são caracterizadas por serem grandes construções em altura, de forma a albergar o maior número possível de famílias, sendo muitas vezes as habitações construídas com fins quantitativos e não qualificativos.

A construção dos bairros sociais caracterizou-se, até hoje, por uma certa “megalomania arquitectónica”, baseada em construções em altura, capazes de realojar o maior número possível de famílias, reduzindo assim mais drasticamente os indicadores (e a visibilidade) de situações de subdesenvolvimento urbano baseados nas condições de habitação. (Augusto, 1998, p.6)

2 Teresa C. Pinto, (1994:41), conclui na sua investigação que são os bairros onde existem acentuadas descontinuidades da construção, maiores inacessibilidades ao centros de vida social e económica e uma forte monofuncionalidade, que apresentam percentagens mais elevadas de insatisfação e onde é maior o desejo de mudança de bairro por parte dos seus habitantes. (Quintas, 2008, p.69)

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Os materiais de construção utilizados são por norma diferentes do resto do tecido urbano, e de inferior qualidade, devido aos custos limitados para a habitação social3, contribuindo uma vez mais para a descontinuidade urbana e territorial destes bairros, que devido às diferenças arquitectónicas demasiado visíveis, tornam-se espaços sentidos e vividos como guetos.

Outro problema impõe-se com a questão da urgência de resolver o problema das habitações clandestinas, que acaba por se traduzir muitas vezes, numa rápida construção destes bairros, para realojar as famílias, acabando por se limitarem a atribuir casas, sem preocuparem-se com as necessidades de cada família.

O papel do Espaço Público Residencial

A cidade tem um papel decisivo, enquanto suporte físico destas “esferas de socialização”, é necessária uma continuidade urbana na transição entre as diferentes escalas: a escala de cidade, enquanto espaço colectivo e a escala residencial, que articula os espaços privados da habitação com os restantes espaços da cidade.4 Uma boa integração do espaço público residencial, vai contribuir para que o individuo se sinta integrado e a uma participação positiva por parte do mesmo.

Em termos físicos, o espaço público residencial constitui uma dimensão de transição de escala entre espaços vincadamente urbanos e espaços de carácter habitacional, constituindo um ponto-chave na continuidade da malha e do funcionamento urbano; em termos sociais, um espaço de habitação qualificado e eficazmente integrado na estrutura da cidade adquire, à partida, potencial para fomentar um sentimento de integração e identificação dos habitantes em relação à parcela da cidade que os acolhe, promovendo a sua inclusão social e a sua atitude pró-activa. (Pedrosa, 2010, p.3)

3 De acordo com a Portaria nº828/88, de 29 de Dezembro, a habitação social é definida como: “habitação de custos controlados promovida com o apoio financeiro do Estado, nomeadamente pelas câmaras municipais, cooperativas de habitação, empresas privadas e instituições particulares de solidariedade social, destinadas à venda ou arrendamento e as que obedeçam aos limites de área bruta, custo de construção e preços de venda fixados.” 4 De forma a proporcionar a todos os cidadãos uma plataforma sólida e equilibrada no espaço urbano, é fundamental que a sua concepção integre, numa lógica global, os diversos sub-sistemas que o compõem – mobilidade, espaços públicos e edificados, estrutura verde, usos – mais do que “num simples somatório de um vasto conjunto de infraestruturas, equipamentos e elementos naturais e artificiais, destinados a prestar serviços e a satisfazer as necessidades da comunidade” (Brandão, apud Pedrosa, 2010, p.24)

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A “esfera residencial” é a impressão mais imediata que o habitante tem da cidade, por ser o espaço que mais frequenta no seu dia a dia, daí a importância do espaço público residencial5 para o equilíbrio urbano e social das cidades e para a satisfação residencial dos habitantes. Cristina Pedrosa, ao citar António Baptista Coelho, refere que “o sítio que habitamos deveria ser, por um lado, a extensão natural e socializadora do nosso mundo doméstico e, por outro, a extensão natural e intimista do meio urbano mais amplo em que se integra”. (Pedrosa, 2010, p.26)

Freitas, utiliza um modelo que se baseia “na problemática de que os diferentes níveis físicos que compõem a unidade residencial devem ser pensados de forma articulada e integrada, para que se possa pensar numa óptica de qualidade habitacional.” (Salvado, 2003, p.5)

Ilustração 1 – “Habitação e cidadania: no trilho da complexidade de territórios e processos relacionais generativos”, Freitas, 2001. (Salvado, 2003, p.5).

Legenda: ER – Envolvente Residencial; VA – Vizinhança Alargada; VP – Vizinhança Próxima; E – Edifício; A- Alojamento; Compl - Compartimentos

5 Do ponto de vista do espaço residencial, em particular, uma situação de coesão urbana deve poder ler- se numa transição fluida, em termos físicos e visuais, entre os diversos níveis físicos que compõem a aproximação ao espaço individual – envolvente urbana, vizinhança alargada, vizinhança próxima, edifício e habitação. O desenho urbano deve garantir as referidas caraterísticas de continuidade, integração e equilíbrio numa lógica global de interacção entre estes níveis, bem como na resposta aos requisitos específicos de pormenorização de cada nível físico. (Pedrosa, 2010, p.26)

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É importante que na concepção destes espaços, sejam asseguradas características como a acessibilidade, a funcionalidade, a agradabilidade e a segurança, para que os seus utentes os usufruam voluntariamente, e contribuindo para a satisfação residencial. Devem ainda assegurar eficazmente, uma articulação entre o espaço público e o espaço privado, ou seja, entre o exterior e o interior do edifício – é neste contexto que surge o conceito de vizinhança próxima:

Neste nível, ganha particularmente importância um reforço da escala humana, não só por conformar espaços especialmente propensos ao desenvolvimento de laços de convívio entre vizinhos, mas também por as suas características funcionais e visuais serem mais fortemente apreendidas do que em qualquer outro lugar do espaço público residencial, simplesmente por serem espaços obrigatoriamente percorridos e utilizados pelos habitantes nos seus trajectos diários. (Pedrosa, 2010, p.27)

Ao citar Fisher, este, “refere que ao nível local, nas unidades de vizinhança6, desenvolvem-se laços sociais estreitos entre os indivíduos, sendo que esses laços pessoais existem e perduram, em particular nas comunidades de emigrantes e nos bairros tradicionais.” (Quintas, 2008, p.42)

“Ainda segundo Grafmeyer, os bairros, as unidades de vizinhança que compõem a cidade podem servir de quadro ao desenvolvimento de solidariedades locais e à inserção dos cidadãos em territórios e redes.” (Quintas, 2008, p.43)

Há que referir a importância dos espaços exteriores, nos bairros degradados, para a existência deste tipo de laços.

6 Consideramos para estas realidades residenciais, as unidade de vizinhança como um prolongamento do conceito de comunidade, ou seja, uma proximidade física e, também, afectiva entre residentes, onde se desenrolam solidariedades locais. Conceptualmente e segundo Suzanne Keller (1975:127), a unidade de vizinhança refere-se essencialmente a áreas diferenciadas nas quais podem subdivididas as unidades espaciais de maior extensão. Neste sentido, o seu carácter distintivo pode surgir de uma série de critérios como os limites geográficos, as características étnicas ou culturais dos habitantes, a unidade psicológica dos residentes que se sentem pertencer a uma mesma esfera social, ou o uso concentrado de instalações de uma dada área para as compras, lazer, etc. Deste modo, para Keller (1975:231), a unidade de vizinhança corresponde a áreas locais com limites físicos, redes sociais, uso concentrado de equipamentos e conotações espaciais, emocionais e simbólicas para os seus habitantes. No entanto, poderá acontecer que estas dimensões não se sobreponham e coexistam numa determinada unidade de vizinhança. Ainda para a autora, a reprodução destas unidades torna-se possível, porque as pessoas, em geral, moldam-se às normas de conduta que existem à sua volta, onde muita gente leva a cabo as actividades e relações de vizinhança pela simples razão de que se espera deles que as realizem, porque esta é a forma como se fazem as coisas na sua cidade ou bairro. Para se entender as atitudes e condutas dos vizinhos deve-se conhecer, portanto, os padrões das relações de vizinhança dominantes no seu meio. (Quintas, 2008, p.42)

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É sabido que a apropriação do espaço residencial é um factor importante de integração social dos residentes. Se estes, no seu quotidiano, não tiverem “uma relação social saudável” com o espaço residencial, ficam amputados desde logo de uma das relações sociais estratégicas que permite uma melhor integração no seu meio residencial. (Quintas, 2008, p.60)

Ou seja, uma vez que na sua maioria, as habitações são pouco confortáveis, precárias e com áreas muito pequenas, a rua e os pequenos estabelecimentos comerciais (cafés/tabernas, mercearias, cabeleireiros, etc..), acabam por ser o local escolhido para o encontro e o convívio entre os habitantes, potencializando um sentimento de pertença ao lugar.

(...) as relações de vizinhança serão, em parte, mais optimizadas e com maior probabilidade de serem iniciadas se os espaço exterior à habitação comportar determinados requisitos, como por exemplo, equipamentos colectivos, serviços/espaços de comércio e condições vivenciais que forneçam alguma segurança à população residente, possibilitando, assim, uma “unidade de vizinhança” que estimule um enraizamento local e social, bem como a constituição de uma identidade positiva para com o bairro. (Quintas, 2008, p.63)

No entanto, estes bairros são caracterizados por um grande deficit de espaços de lazer e sociabilidade, tornando-se muitas vezes apenas “dormitórios”, devido à falta de infraestruturas e espaços colectivos, onde se possam desenvolver sociabilidades.

De um modo geral, os bairros sociais são, para além de espaços segregados e estigmatizados, lugares caracterizados por uma escassez de espaços de lazer e de sociabilidade. Representam uma monofuncionalidade residencial, colocando-se longe dos centros económicos, sociais e culturais da cidade (contribuindo para a sua visibilidade e estigmatização) e carenciado de estruturas colectivas. (Augusto, 1998, p.3)

A consequente ausência de vitalização urbana destas áreas é agravada por uma reduzida diversidade sócio-cultural, fruto da concentração de estratos sociais com idêntica situação de falta de recursos nestes conjuntos residenciais. (Pedrosa, 2010, p.30)

Uma vez que o espaço público é pouco cuidado, o investimento em equipamentos colectivos/recreativos, serviços ou espaços verdes é insuficiente e muito reduzido, assim como a deficiente construção e arranjo dos espaços exteriores às habitações, dificulta a identificação dos indivíduos com esses mesmos, resultando num problema de identidade residencial, e tornando-se num espaço “não convidativo para uma apropriação desejável”, favorecendo o isolamento e a insegurança:

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A carência de espaços de convivência e de lazer, o fraco tratamento dos espaços exteriores [...] e a colocação do acento tónico no realojamento familiar, encerra em si um elogio prático do individualismo, expresso na construção de espaços-tipo para indivíduos-tipo, reduzindo à casa a noção de espaço residencial, cujas consequências, [...] são evidentes, quer na obstaculação da acção colectiva, quer no fechamento das estratégias de participação no interior da lógica familiar. (Augusto, 1998, p.7)

O espaço público deve trazer benefícios reais para os seus habitantes, atendendo a princípios de conforto na circulação pedonal e na fruição do exterior residencial e estimulando comportamentos de apropriação espontânea e positiva. (Pedrosa, 2010, p.40)

Ao projectar um espaço público, devemos ter em conta que este deve poder ser usufruído pela generalidade dos utentes, sejam estes crianças, idosos ou indivíduos de mobilidade reduzida; devem ser concebidos em condições que promovam a funcionalidade e segurança, e que não condicionem o conforto acústico ou a privacidade das habitações, e ao mesmo tempo potenciem o convívio e as relações de vizinhança.

Assim, a identidade urbana do conjunto deve reflectir uma afirmada caracterização residencial, através de uma concepção muito sensível à escala humana, à pormenorização e à criação de sequências de ambientes e imagens que animem e referenciem a percepção do espaço. Não menos importante que a qualidade conceptual é a qualidade na execução, em termos dos processos construtivos e da escolha dos materiais mais apropriados e com a aparência mais adequada à natureza de cada espaço. (Pedrosa, 2010, p.42)

É igualmente importante, no que diz respeito à consolidação da continuidade urbana do conjunto residencial, haver “um cuidado de diferenciação dos espaços de circulação e de permanecia consoante o respectivo nível físico.” (Pedrosa, 2010, p.151)

Deve haver uma preocupação com a hierarquização dos troços viários em aproximação aos edifícios de habitação, esbatendo o seu impacto físico e visual nesta transição. Os espaços de permanência devem ser situados nas vizinhanças próximas dos edifícios e nas zonas de vizinhança alargada.

Desta forma, consegue-se uma diferenciação de ambientes e tipos de utilização sugeridos que potencia um uso do exterior público em continuidade, suportado pela implementação de mobiliário urbano de estadia e por condições estratégicas de sombreamento dos espaços, permitidas pela intervenção paisagística. (Pedrosa, 2010, p.151)

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De facto o problema reside ao pensar que as necessidades dos alojados fossem meramente habitacionais, e à desvalorização da componente relacional.

É, assim, cada vez mais necessário assumir que a cidade se habitava em vários espaços, que vão dos interiores domésticos apropriados individualmente aos espaços da cidade, espaços estes que têm de ser devolvidos aos usos públicos, intensos e partilhados e a uma estima pública que tem de acompanhar e ser caracterizada pelos respectivos e diversos ambientes de proximidade.

[...] Cada vez mais o habitar tem de ser entendido numa perspectiva ampla, como entidade viva que contribua para a vida da vizinhança, do bairro e da cidade. Quando pensamos nas vizinhanças urbanas, que são as células de uma cidade, elas devem integrar, além das habitações, pequenos equipamentos adequados ao serviço das diversas necessidades dos habitantes e ao estímulo do convívio. Trata-se de pensar a cidade como uma verdadeira extensão do habitar para além das paredes da casa de cada um. (Coelho, 2009, p.3-4)

Nuno Augusto cita Paula Almeida, quando refere que “a formação de uma identidade colectiva (...) não se forma administrativamente, nem se regula geograficamente. (...) [pelo contrário], o bairro, a identidade colectiva, são assim o estabelecer de todo um complexo de relações imaginárias do homem com o espaço que diariamente percorre.” (Augusto, 1998, p.8)

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2.2. CARACTERÍSTICAS HUMANAS: SATISFAÇÃO RESIDENCIAL

“O sentimento de satisfação residencial é construído e influenciado por diversas dimensões que interagem na relação entre o indivíduo e os ambientes físico e social onde habita.” (Pedrosa, 2010, p.43)

De acordo com Teresa Costa Pinto (1994), a maior ou menor satisfação residencial depende do grau e do tipo de articulação entre os seguintes factores:

População

Novos modelos Políticas e de habitat e princípios de formas de realojamento habitar empreendidos

Ilustração 2 – “Relação entre factores para uma maior ou menor satistafção residencial”. (Ilustração nossa, 2014).

Como já foi referido anteriormente, não existem ‘habitantes-tipo’, nem ‘projectos-tipo’. Cada população tem as suas características, necessidades e modos de vida e por isso é necessário desenvolver habitações para as características específicas e modos de apropriação para cada população.

Tal como define Paula Almeida (1994), a apropriação do espaço significa a forma como o homem interioriza a imagem desse espaço e como age, reage e o interpreta e que se exprime, essencialmente, nas relações que os indivíduos com este estabelecem. O conceito de apropriação de espaço depende, por uma lado, da avaliação que os actores fazem desse espaço da qual depende a sua identificação com ele. No fundo, apropriação significa tomar para si, tendo subjacente uma ideia de identidade com esse espaço. (Augusto, 1998, p.7)

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Cada proposta deve ir ao encontro das necessidades dos habitantes e “procurar o equilíbrio entre as condições que se consideram mais adequadas e benéficas para a comunidade residente e para o contexto urbano (...)” (Pedrosa, 2010, p.43).

Pensar o habitat como um todo que abrange, quer os espaços interiores, quer os exteriores, e observar o local de residência como um espaço com o qual estabelecemos um contacto diário e onde desenvolvemos rotinas, é algo fundamental para se procurar perceber algumas formas de apropriação residencial. É nesta procura que, segundo Baptista Coelho (1998:140), se torna necessário desenvolver sequências estratégicas de níveis e interníveis físicos, equilibrando interior e exterior, privado e público, habitação e equipamento, função e representação, recreio e sossego, e caracterizar estas sequências espaciais para percepcionar o potencial de apropriação. (Quintas, 2008, p.15)

Quando se trata de habitar uma casa, todos querem que de alguma maneira esse espaço reflita as suas características, os seus gostos, pode-se dizer que procuram uma casa com a sua “personalidade”, de modo a que os residentes se identifiquem com o local e se sintam satisfeitos com a sua situação residencial.

No entanto, existem vários factores que condicionam a escolha de um espaço para viver, como é o caso de:

- O estado do alojamento e a sua construção;

- Tipo de vizinhança e características do envolvente;7

- Segurança e privacidade.

7 No âmbito de uma adesão mais ou menos positiva aos espaços públicos requalificados, consideram-se particularmente relevantes as condições do contexto sócio-cultural que influenciam os modos de socialização no respectivo bairro. A existência de laços de afinidade entre a globalidade dos habitantes – ou, pelo menos, relações de vizinhança saudáveis – potencia fortemente sentimentos de identificação local, por uma noção interiorizada de comunidade. Em principio, esta realidade constitui um ponto de partida para a preservação, por parte dos habitantes, de um aspecto tão digno quanto possível do exterior publico, enquanto ‘sede’ do colectivo. No entanto, verificam-se frequentemente, nestes bairros, factores de conflito que perturbam o ambiente social. Podem nomear-se, a título de exemplo, questões relativas à (reduzida) formação cívica dos habitantes e a incompatibilidades no modo de apropriação dos espaços públicos e edificados – geradas, muitas vezes, por ‘atritos’ entre diferentes culturas e etnias. Este cenário resulta, quase inevitavelmente, em atitudes de desleixo ou mesmo de vandalismo, na origem de um ciclo viciosa de degradação física e social do conjunto residencial. A inversão destas dinâmicas negativas é um desafio muitíssimo complexo que deverá passar, necessariamente, pelas áreas da acção social e da educação. (Pedrosa, 2010, p.43- 44)

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Na fase de industrialização, os bairros localizavam-se no centro urbano e estabeleciam uma relação muito próxima entre o local de trabalho e a habitação e desenvolviam-se rapidamente relações sociais e culturais, assim como a existência de um sentimento de segurança e de identidade com o local.

A partir dos anos 60, devido ao grande crescimento da cidade, esta sofre uma expansão periférica. Era necessário criar mais habitações e a preços mais reduzidos para uma população mais carente, que se traduziu no aparecimento dos subúrbios. É aqui que os problemas começam a surgir: as diferenças entre o urbano e o suburbano começam a ser demasiado evidentes, não só pela própria ruptura do tecido urbano como também pelas diferenças de classes sociais, género e/ou étnia.

É a partir desta altura que os bairros sociais, começam a localizar-se habitualmente nas zonas periféricas das cidades, e a ter uma “identidade própria”, não contribuindo “para uma lógica, nem de integração, nem de inserção urbana dos grupos mais desfavorecidos. A construção destes espaços surge geralmente de forma descontínua em relação ao crescimento urbano, criando sentimentos de segregação e de exclusão.” (Augusto, 1998, p.2)

O modo como o indivíduo se relaciona no seu espaço e o modo como constrói a sua identidade, dificilmente gerarão uma participação dos actores. O indivíduo não defenderá o seu espaço se não se identificar com ele e dificilmente porá em marcha uma iniciativa colectiva se carecer de relações de sociabilidade regulares. A habitação social acaba, portanto, por demonstrar uma dupla incapacidade, quer na construção de um espaço relacional, quer nas possibilidades de uma apropriação social deste espaço. (Augusto, 1998, p.2)

“Num bairro social, a identidade colectiva resulta do estabelecer de todo o conjunto de relações imaginárias quotidianas das pessoas com o espaço ou seja, entre os residentes do bairro, e entre estes e o bairro.” (Pereira, 2010, p.67)

As populações que se fixaram nos bairros sociais, são na sua maioria caracterizadas por resultarem de fluxos migratórios para as grandes cidade, à procura de melhores condições de vida e de trabalho.

Ora muitas vezes, esta população representa baixos níveis de escolaridade, exercendo profissões não qualificadas, que resultam em baixos rendimentos. Não tendo rendimentos e condições monetárias suficientes para adquirir uma habitação de promoção privada no centro urbano, acabam por se deslocar para a periferia da

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cidade, e habitarem bairros de habitat precário e degradado, os chamados bairros de lata.

Nestes se encontram as condições de habitabilidade mais precárias, com elevados índices de ocupação e grandes carências de infraestruturas sanitárias e equipamentos colectivos. É também nos bairros de lata que se concentram grupos socioprofissionais caracterizados por uma formação escolar e profissional escassa ou nula, com acesso difícil aos empregos melhores remunerados, e tendo por isso de sujeitar-se a situações de precariedade e aos trabalhos marginais típicos da economia paralela. (Almeida, 1992, p.42)

Esta população é depois alvo de realojamento para os chamados bairros sociais, como forma de encontrar solução para este problema.

O processo de realojamento e a noção de “identidade local”, estão directamente ligados entre si: uma mudança de casa pode originar uma nova identidade, e os costumes e hábitos serem modificados. (Pereira, 2010, p.67)

Neste processo de realojamento deve ser tido em conta os hábitos e costumes antigos dos residentes, assim como os seus interesses e opiniões.

É extremamente importante estimular o envolvimento dos habitantes no processo de realojamento, de modo a que estes participem no projecto e o ‘sentirem como seu’, contribuindo assim para um sentimento de pertença, de responsabilidade e de preservação ao longo do tempo, para com o ‘novo espaço’.

A grande controvérsia em torno do realojamento, reside entre a relação que tinham com o seu antigo bairro, “ (...) em que sempre viveram, muitas vezes pertos dos seus locais de trabalho, onde construíram uma vida, e de repente têm que mudar os seus hábitos, perdem a sua identidade local, ficando insatisfeitos, apesar de instalados num bairro com melhores condições de vida.” (Pereira, 2010, p.67)

É neste contexto que surge o conceito de “satisfação residencial”. A mudança para uma nova casa pode ser um motivo de satisfação, pois os residentes, que até então habitavam em condições precárias, são instalados numa habitação com melhores condições. “Porém, a satisfação residencial poderá contrapor-se com o facto dos bairros sociais refletirem muitas vezes uma imagem negativa, o que faz com que as pessoas assimilem um imagem também ela negativa destes.” (Pereira, 2010, p.68)

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Num estudo realizado por Teresa Costa Pinto (1994)8 podemos observar a discrepância entre o nível de satisfação pela casa e pelo bairro.

De facto os níveis de satisfação pela casa são bastante altos e facilmente compreensíveis se pensarmos:

- no perfil social desta população (geralmente marcada por, baixos níveis escolares e profissionais; reduzidos recursos económicos e sociais geradores de múltiplas situações de exclusão social);

- na precariedade das condições habitacionais anteriores;

- o facto de a casa ser vista como um dos projectos mais importantes das suas vidas, que a sua atribuição é por si só um motivo de satisfação;

- e na clara melhoria das condições de vida e a aquisição de outros padrões de conforto urbano.

Mais importante do que a forma da casa ou as suas características, é a expectativa de possuir uma casa “igual à dos outros”, patamar necessário para uma mudança ao nível do modo de vida, da percepção de si e da relação com os outros. Para além disso, na maioria dos casos, as expectativas da população destes bairros são reduzidas, bem como as suas exigências, o que gera um sentimento de satisfação pelas casas atribuídas. (Pinto, 1994, p.37-38)

No entanto, em relação ao bairro, os níveis de satisfação são bastantes inferiores. O bairro aparece como objecto de uma apreciação fortemente negativa, fundada numa imagem igualmente negativa e estigmatizante e num grande sentimento de insegurança e de não-identidade sentidos em relação ao novo espaço habitacional.

8 O texto elaborado pela socióloga Teresa Costa Pinto, é um estudo realizado em três diferentes bairros sociais diferentes, que são a Horta nova, o bairro Padre Cruz e a zona N1 de Chelas. O principal objectivo deste estudo centra-se na avaliação das acções do realojamento junto das populações-alvo. Desenrola- se assim em dois capítulos, dando ênfases distintas à relação entre casa/bairro e a alterações e reproduções de modos de vida. O estudo centra-se no entender do que estas acções traduzem na melhoria efectiva das condições de vida e de bem-estar destas populações, quando lhes é atribuído um novo modelo de habitat e novas formas de habitar.

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Referindo Teresa C. Pinto (1994), a avaliação do novo espaço residencial não depende tanto do gosto por factores claramente identitários (habituação aos bairros, boas relações de vizinhança), ou pela casa, mas sim pela interiorização de uma imagem fortemente negativa e estigmatizante.

As características específicas de um bairro social onde coexistem, por vezes, diferentes etnias e grupos, mas que sustentam, como denominador comum, reduzidos recursos económicos e baixas qualificações profissionais e escolares, convertendo-os em objecto de formas várias de exclusão social e precárias condições de existência, tornam-no vulnerável a problemas diversos que fortemente condicionam o gosto, o enraizamento e a imagem locais. (Pinto, 2004, p.39)

Esta negatividade na avaliação condiciona as formas de apropriação deste espaço, bem como as possibilidades de enraizamento e identidades locais, e remete para a necessidade de reflectir sobre a eficácia das formas tradicionais de realojamento em termos de reestruturação dos modos de vida, de aquisição de certos padrões de vivencia social e urbana, ou seja, das possibilidades de integração e promoção sociais. (Pinto, 2004, p.38-39)

Ou seja, a apreciação negativa não tem tanto a ver com a ausência de equipamentos, infraestruturas ou serviços, mas na própria lógica de funcionamento e dinâmica característicos destes bairros.

“O medo e a insegurança contribuem largamente para um maior isolamento social, para uma incapacidade de constituição e sedimentação de redes de relações locais, predispondo a um fraco investimento pessoal no local de residência.” (Pinto, 2004, p.39) Resultando assim, numa falta de disponibilidade para participar ou organizar actividades no bairro, tão necessário no enraizamento e identidades locais.

Esta imagem negativa interiorizada pela população realojada acerca do bairro onde vive está certamente relacionada com alterações significativas nas sociabilidades locais, traduzíveis numa perda do seu peso e importância enquanto forma de enraizamento e identidade. (Pinto, 2004, p.40)

As duas componentes geradoras da imagem negativa e estigmatizante dos bairros – a insegurança e a perda de sociabilidade – acabam por interagir na forma de um ciclo vicioso. (Pinto, 1994, p.40)

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sentimento de insegurança

aumento do enfraquecimento medo dos laços sociais

maior isolamento

Ilustração 3 – “A insegurança e a perda de sociabilidades: um ciclo vicioso”. (Ilustração nossa, 2014)

Assim a perda de sociabilidades locais representa uma perda de identidade com consequências visíveis nos níveis de satisfação residencial manifestados e nas formas da vida social local. (Pinto, 1994, p.41)

Teresa C. Pinto (1994), enuncia ainda alguns factores que afectam negativamente esta desejada integração, nomeadamente:

- a construção em zonas periféricas;

- o carácter descontínuo da construção relativa à malha urbana;

- a implantação longe das principais vias de comunicação;

- espaços monofuncionais, com vocação apenas residencial e excluindo outras dimensões da vida social, como o trabalho, o lazer ou o consumo.

Ou seja, estes bairros são percepcionados como guetos sociais e urbanos e a falta de equipamentos e serviços, aliado a outros factores já mencionados anteriormente, reforça o carácter monofuncional destes espaços e cria condições favoráveis à ruptura entre o habitat e a vida profissional e urbana induzindo, um sentimento de exclusão e marginalização. (Pinto, 1994, p.41)

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Para além disso, as populações aqui residentes são muitas vezes caracterizadas por serem socialmente e economicamente vulneráveis às “opiniões dos outros”, e assim a auto-imagem é influenciada por essa imagem exterior.

As imagens negativas que o exterior tem para com os bairros de habitação social e consequentemente para com as pessoas que neles habitam são, muitas vezes, condicionados pela negativa, das formas de apropriação dos espaços dos bairros, das possibilidades de enraizamento e de constituição de identidades positivas parecendo, também, comprometer os objectivos de reestruturação dos modos de vida e de aquisição de outros padrões de vivência social e urbana. (Pereira, 2010, p.68)

A estigmatização dos grupos sociais representados como diferentes ou desviantes por outros grupos ou pela sociedade no seu conjunto promove uma relação social, baseada nas representações colectivas da estratificação social, dos laços de sociabilidade, das concepções e valores sobre a própria sociedade. Este processo de relegação, carregando um importante potencial estigmatizante e excludente, tende a afectar a vertente subjectiva da exclusão (o que os excluídos pensam de si próprios), com consequências graves do ponto de vista da sua auto-estima. (Rodrigues, 2000, p.178-179)

O espaço residencial é um dos elementos mais fortes da identidade dos residentes, e uma vez que estão sujeitos a uma percepção negativa exterior, assiste-se a uma rejeição do próprio espaço, criando muitas vezes situações de conflitualidade:

(...) a percepção e interiorização de uma imagem pública negativa pode levar a processos de rejeição do contexto residencial, processos esses que têm uma relação estreita com a insatisfação residencial a qual pode inclusivamente gerar formas de apropriação do espaço que não só reforçam essa negatividade da imagem pública (como por exemplo os actos de vandalismo), como contribuem para gerar dinâmicas de conflitualidade. (Pereira, 2010, p.70)

Perante esta situação, assistimos a um ciclo vicioso de uma interiorização de uma imagem negativa profundamente enraizada e estigmatizada, que dificulta o conceito de “satisfação residencial”.

Nesta espiral de estigmatização podemos encontrar a chave de descodificação das complexas relações entre a estruturação de uma imagem pública negativa, as dinâmicas de conflitualidade percebidas e vividas e os sentimentos de insegurança associados, ou mesmo decorrentes de tais dinâmicas. (Pereira, 2010, p.71)

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2.3. O PROCESSO DE REALOJAMENTO

Embora com o intuito de fornecer uma habitação condigna a populações fragilizadas e com pouca capacidade económica de adquirir habitação no mercado formal, a emergência dos bairros de realojamento como uma processo de dignificação social tem verificado igualmente problemas sociais, sendo, actualmente um dos grandes problemas das cidades, quer em Portugal, quer no estrangeiro. (Quintas, 2008, p.45)

Ao longo da segunda metade do século XX, assiste-se em Portugal um crescimento exponencial dos grandes centros urbanos. Crescimento esse, que se deu de um modo insustentado, devido à rápida procura de “rentabilização dos terrenos por construir, tanto nos centros urbanos como nas periferias, em detrimento de valores de equilíbrio urbanístico, paisagístico e ambiental.” (Pedrosa, 2010, p.29), dando origem, a situações de fractura social e urbana.

A partir da década de 19609, em particular nas cidades de Lisboa e Porto, assiste-se a um défice habitacional que atingiu dimensões avassaladoras; grande parte da população, com fracos recursos económicos, habitava em condições muito precárias e sub-humanas. Era necessário uma resposta urgente para resolver o problema, e foi nesta altura que se deu um impulso na construção de habitação de interesse social para o realojamento das populações, que viviam em condições muito precárias.10

9 Relativamente a Portugal é necessário perceber que a realidade actual é outra e que a população realojada tem características sociais diferentes da população mal alojadas nos anos 50, 60 e 70. Nessa época, existiam as populações vindas dos meios rurais, recém-chegados à cidade, com comportamentos passivos e conformados com a sua situação de privação. População essa que apenas desejava “alguma pouca coisa”. Hoje contrapõe-se uma população jovem (2ªs e 3ªs gerações), a maioria descendentes de imigrantes oriundos das ex-colónias, entretanto chegados após 1974, que apesar de terem a nacionalidade portuguesa vivem na sua maioria excluída e desintegrada de todas, ou quase todas, as esferas sociais – da escola ao emprego, da habitação aos bens de consumo e a uma série de “direitos de cidadania” – e que dificilmente aceitará de forma passiva e conformada tal situação. A não aceitação da situação de privação, em particular na obtenção de determinados bens de consumo, numa sociedade que prestigia o sucesso e os bens materiais e que prima por fortes assimetrias e “desigualdades sociais”, exponencial situações de violência e insegurança levadas acabo por alguma dessa população que, desse modo, vai-se, também, excluindo e “sobrevivendo” inserida em contextos marginais. (Quintas, 2008, p.50) 10 Até aos Anos 60, a promoção de habitação para as populações com menos recursos, em conjuntos de “habitação social”, havia evoluído de modo relativamente qualificado, planeado e integrado no tecido urbano da cidade, desde o seu início oficial em 1918; mesmo a partir dessa época, registam-se casos exemplares de arquitectura e urbanismo em “habitação social” – desde 1984, muitos deles premiados enquanto tal pelo Instituto Nacional da Habitação (INH), actual Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). No entanto, tal não se verifica em muitos outros conjuntos de realojamento que começam a surgir neste período. Frequentemente, o carácter de urgência inerente a estas intervenções, bem como os escassos recursos financeiros disponíveis face à gravidade da situação, foram motivo para se “saltarem” etapas na sua concepção, como o planeamento urbano das novas áreas e respectivo projecto, amadurecido e qualificado, dos espaços públicos e edificados. De um modo geral, tais exemplos caracterizam-se por uma situação de isolamento e exclusão relativamente à vida urbana da cidade, pela associação de diversos factores urbanísticos, económicos e sociais. (Pedrosa, 2010, p.30)

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Desde logo, deu-se inicio à construção de ‘mega-edifícios’ e de grandes empreendimentos de habitação colectiva, localizados na sua maioria nas periferias da cidade, onde “a tendência foi para a constituição de ‘guettos’ sociais e a rápida degradação física e vivencial dos bairros.” (Quintas, 2008, p.45)

Na sua grande maioria, estes conjuntos eram implantados nas periferias urbanas, por se tratarem de terrenos de baixo custo e sujeitos a reduzida burocracia, ideais para albergar um surto de construção rápida e massificada que fizesse frente ao problema. Esta “periferização” das classes mais desfavorecidas opera uma crescente homogeneização dos ambientes sociais por área urbana e sua posição relativa ao centro. A organização do espaço da cidade começa, assim, a tornar-se reflexo de um fenómeno de segregação social que ela própria, por sua vez, potencia. (Pedrosa, 2010, p.30)

Devido à urgência e escassez financeira foram construídos “projectos-tipo” para pessoas-tipo. O tão necessário estudo prévio, para adequar os projectos às características dos futuros residentes, era simplesmente, inexistente.11

Não estando em causa a necessidade de efectuar o realojamento de populações que vivem em barracas e em outras situações de habitação precária, a forma como o realojamento é realizado é que se torna imperioso pôr em causa, porque é notório que muitos dos realojamentos efectuados apenas serviram para transferir problemas sócio- económicos de bairros degradados e clandestinos para bairros sociais edificados (legais) segundo a lei. (Quintas, 2008, p.45)

O grande problema no processo de realojamento, é a separação completa dos modos de vida e modelos de apropriação dos espaços anteriores, com os actuais. Não é feita uma análise do percurso dos residentes, não tendo em conta consequentemente, dos locais de procedência, das naturalidades e das profissões dos residentes, ou mesmo uma avaliação prévia das relações de sociabilidade preexistentes.

Márcia Pereira ao citar Nuno Portas, salienta que: “realojar não significa apenas transferir fisicamente as populações das barracas para os novos bairros. Estamos a lidar com pessoas inseridas em sistemas sociais estabilizados que vão ser afectadas com a mudança de habitat. Por isso precisam de ser devidamente acompanhadas, integradas e promovidas segundo processos e metodologias adequadas. Se não for assim arriscam-se os actores do realojamento a criar problemas sociais de difícil resolução no futuro”. (Pereira, 2010, p.11)

11 (...) tanto ao nível de uma cuidadosa junção de grupos etários e étnicos, como ao nível das necessidades e aspirações face ao espaço residencial e modos de apropriação do mesmo. (Pedrosa, 2010, p.31)

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Perante esta situação, assiste-se a uma melhoria nas condições de habitabilidade, mas os residentes " (...) vêm agravados os seus problemas individuais e colectivos a nível económico, social, cultural, familiar e nas relações de sociabilidade.” (Quintas, 2008, p.45)

As relações de sociabilidade entre vizinhança que possibilitam um maior enraizamento local e uma melhor apropriação do espaço, ficam largamente condicionados em consequência do medo12 e insegurança13 provenientes das frequentes formas de comportamentos desviantes e de uma conflitualidade latente que vai originar cada vez um maior centramento e autofechamento social e espacial em torno da casa e consequentemente um maior isolamento social. (Quintas, 2008, p.60)

Os realojamentos em bairros sociais tem consequências ao nível das sociabilidades, para além do sentimento geral de insegurança que aí se encontra, por ser um “local estranho” ou devido à frequência de “uma má vizinhança”, existe outro factor que tem extrema importância na perda de sociabilidades e no enfraquecimento dos laços sociais, que é a mudança dos vizinhos. Uma vez que para a maioria da população realojada não se mantêm os mesmo vizinhos, esta situação implica o desmantelar de antigas e sedimentadas relações de vizinhança. (Pinto, 1994, p.40)

Verifica-se que na maior parte dos casos, a mudança de espaço residencial, leva a um enfraquecimento das relações de vizinhança, e por consequência, a um sentimento de nostalgia e de saudade do antigo bairro, e ao mesmo tempo de perda, que é sentida tanto mais, quando o novo espaço residencial não permite a instauração de relações semelhantes.

Segundo Gauvin, Altman e Fahim, a adaptação a novos espaços, pode provocar três situações de stress:

- stress fisiológico: causado pela alteração da densidade populacional e pela utilização de novas infra-estruturas;

12 Citando Teresa Vasconcelos Sá, “podemos definir o medo ou como um estado psíquico passageiro ligado a um risco, ou como um medo difuso, que permanece para lá dos acontecimentos que o provocaram. É, com este segundo medo, que se associa a uma sensação de angústia, ou de ansiedade sem objecto, que se vai construindo o sentimento de insegurança.” 13 Teresa Vasconcelos Sá, refere que: “Sebastian Roché vai associar insegurança ao aumento de uma nova violência urbana. Para Roché, assumem uma importância muito grande na cidade contemporânea, as incivilidades - ou seja actos de vandalismo, os graffiti, insultos, a má vizinhança…, no fundo, tudo o que tem a ver com uma vivência quotidiana – e que, a maior parte das vezes, são actos que não se incluem na ordem jurídica, mas fazem parte da ordem social, da vida de todos os dias. (…) Para este autor, é muito claro, portanto, que a principal causa do aumento da insegurança tem a ver com a multiplicação das desordens e com o aumento da delinquência na sociedade contemporânea (…).”

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- stress psicológico: causado pela perda da antiga casa, sentimentos de ausência de laços comunitários e de desenraizamento, estranheza e confusão relativamente às novas responsabilidades, liberdades, etc.;

- stress sócio-cultural: causado pela nova composição do grupo de vizinhos, pela ruptura com os laços sociais e pela alteração nos padrões e relacionamentos familiares e de vizinhança. (Quintas, 2008, p.16)

Teresa Costa Pinto (1994), refere que um dos principais problemas dos realojamentos, parece residir, justamente, na homogeneidade social que define a composição destes bairros, impedindo o contacto com outros grupos de referência de modo a contribuir para a aquisição de outros padrões e de outras possibilidades de vivência social e urbana fomentadoras de maiores expectativas de promoção social. 14

Coexistem nestes espaços diferentes etnias e grupos, desenhando uma heterogeneidade cultural que, no entanto, está homogeneizada relativamente aos recursos económicos, em geral reduzidos e às baixas qualificações escolares e profissionais. (Quintas, 2008, p.53)

Ora, a previsibilidade da manutenção de determinadas condições vivenciais e sociais em espaços concentrados como os bairros de realojamento – desemprego, empregos precários, emprego desqualificado, actividades ligadas à “economia informal”, baixos salários, baixa escolaridade, famílias numerosas, monoparentais ou “destruturadas”, etc.-, faz aumentar a probabilidade de perpetuar estilos de vida íntimamente ligados a comportamentos desviantes (essencialmente furtos, tráfico e consumo de estupefacientes, ou prostituição). (Quintas, 2008, p.49-50)

Assim, reproduzem-se anteriores modos de vida agravados por alguns “efeitos perversos” introduzidos pelo realojamento, nomeadamente:

- a perda de sociabilidades locais e factores identitários fundamentais com incidências importantes no modo de apropriação do espaço residencial e das suas formas de vida social;

- um maior isolamento social e espacial, pela tendência a um centramento das actividades e temporalidades da vida quotidiano em torno da casa e pela diminuição dos espaços apropriáveis exteriores ao bairro;

14 A concentração de população com traços semelhantes ao nível da situação sócio-económica, tem tendência a reforçar e reproduzir um determinismo social, principalmente visível e estigmatizado quando são populações carenciadas económica e socialmente. Embora a liberdade e possibilidade de “escolhas de vida” seja em parte individual, essas escolhas, não deixam de ser largamente condicionadas pela pertença a uma dada “classe social” ou a determinados grupos de referencia, como a família ou círculos de amizades. (Quintas, 2008, p.49)

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- um aumento da conflitualidade interna e das disfuncionalidades da dinâmica social, dando origem a sentimentos de insegurança e à interiorização de uma imagem negativa e estigmatizante.

No entanto, o realojamento não se trata só de aspectos negativos, citando Teresa Pinto, a acção de realojamento traduz-se:

- na melhoria das condições habitacionais e das condições de vida das populações, promovendo assim uma maior integração social;

- na concretização de um projecto de vida que tem como objectivo a obtenção de uma casa condigna;

- no reinvestimento em torno da casa e da vida familiar que se torna o principal espaço e tempo da vida quotidiana, o que obriga a uma reestruturação das despesas e dos consumos. (Pinto, 1994, p.42)

Apesar de uma nova casa ser o ponto de partida para uma vivência e integração social, a verdade é que o factor bairro, e os pressupostos negativos que giram em torno do mesmo, não são suficientes para completar uma transformação social de grupos, continuando a existir a segregação dos seus indivíduos e a deterioração dos seus núcleos culturais.

Verificamos, assim, que os bairros de realojamento social apresentam características específicas, permitindo desse modo que sejam espaços facilmente tipificados. Esta tipificação, será nestes locais mais visível, pois para além de agrupar uma população desfavorecida e socialmente homogeneizada, também a homogeneidade das características morfológicas e arquitectónicas distinguem estes bairros, isto para além das suas localizações e da própria designação “social”. Assim, estes espaços de residência ostentam uma tipificação baseada essencialmente por representações negativas. (Quintas, 2008, p.70)

É neste sentido que o processo de realojamento não pode ser meramente visto como um problema resolúvel apenas com a atribuição de habitações com melhores condições de habitabilidade, mas sim como um problema de ordem social.

(...) o conceito de social não pode ser redutor, ficando limitado à habitação. Ele deveria ser extensível a outros problemas que afectam de um modo geral as populações alvo destes realojamentos e a sua “qualidade de vida”, como por exemplo o desemprego, a droga, o trabalho precário, os baixos salários auferidos, as reduzidas qualificações escolares e profissionais. Estas realidade que se encontram associadas (e por vezes sobrepostas), são indicadores de grande importância para uma concretização (ou não) da inserção/inclusão social. (Quintas, 2008, p.51-52)

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2.4. SEGREGAÇÃO E EXCLUSÃO SOCIAL

Na actualidade, as grandes cidades são espaços de grande conflitualidade. Por um lado, são pólos de interacção social, actividade e desenvolvimento económico, inovação, cultura e património urbanístico e arquitectónico. Por outro, confrontam-se cada vez mais com problemas estruturais, de índole sócio-económica e urbanística, vendo comprometidos valores de cidadania, coesão social e, por conseguinte, de qualidade de vida. (Pedrosa, 2010, p.29)

O sentimento de segregação e exclusão está presente em muitos bairros de habitação social.15

A exclusão surge com a agudização das desigualdades (indissociável dos mecanismos de produção destas), resultando numa dialéctica de oposição entre aqueles que efectivamente mobilizam os seus recursos no sentido de uma participação social plena e aqueles que, por falta desses mesmos recursos (recursos que ultrapassam a esfera económica, englobando ainda aqueles que derivam dos capitais cultural e social dos actores sociais), se encontram incapacitados para o fazer. (Rodrigues, 1999, p.64)

A exclusão é, então, um processo de ruptura com a sociedade, processo que pode assumir duas formas principais: por um lado, a ruptura pela ausência de um conjunto de recursos básicos (recursos económicos, culturais, sociais, simbólicos), que afecta populações fragilizadas, como os sem-abrigo, os toxicodependentes, os desempregados de longa duração, etc.; por outro, a ruptura como consequência de mecanismos de estigmatização que afectam grupos sociais específicos, nomeadamente as minorias étnicas. (Rodrigues, 2000, p.174)

A nível arquitectónico, a já referida estandardização da arquitectura dos edifícios, torna-se um elemento fácil de identificação dos bairros sociais na paisagem, e consequentemente contribui para o seu processo de estigmatização e segregação.16

A concepção destes bairros assentava num modelo abstracto e standardizado, afastado da escala humana na disposição dos espaços exteriores e dos blocos multifamiliares, construídos em altura – sempre aludindo a princípios de ‘racionalidade modernista’, já não aceites actualmente. O resultado foi a construção em massa de conjuntos totalmente descaracterizados e dificilmente apropriáveis pelos seus habitantes, que não se revêem minimamente no anonimato do seu novo meio de residência. (Pedrosa, 2010, p.32)

15 As preocupações pela exclusão e segregação de espaços urbanos começaram na Escola de Chicago, nos anos 20 do século passado, aparecendo o conceito de bairro fortemente relacionado com um conjunto de áreas morfológicas justapostas, que apresentam homogeneidade económica e social, isto é, grupos sociais com características semelhantes que vivem em edifícios similares e construídos na mesma época. (Pereira, 2010, p.76) 16 A “rotulagem” a que estes bairros se vêem sujeitos – bairros de pobres, bairro operário, entre outras – contribuiu igualmente para uma segregação simbólica destes espaços e dificulta ainda mais a plena inserção dos actores no espaço urbano, bem como o processo de apropriação do seu espaço em particular. (Pereira, 2010, p.77)

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Perante este cenário, está associado ainda a dificuldade de adaptação ao novo conjunto habitacional, nomeadamente à apropriação dos espaços públicos e à sua preservação, por se tratar de um modo de vida muito diferente da anterior.

Frequentemente, aquilo que se verifica, na prática, são conjuntos residenciais ‘fechados sobre si próprios’, onde não se lê uma estrutura clara e hierarquizada na transição entre níveis físicos, em termos de escala, imagem, usos e rede viária. O espaço que é deixado ‘livre’ não é concebido como um elemento estrutural de coesão do conjunto. Pelo contrário, estes espaços ‘vazios’ de edificação são também ‘vazios’ de identidade e de conteúdo funcional, elementos fragmentadores do meio residencial.

Com efeito, verifica-se um sobredimensionamento dos espaços públicos, ao qual não corresponde uma afirmada transição entre uma escala mais urbana e uma escala mais residencial e humana na aproximação aos edifícios habitacionais. É comum uma inadequação dos espaços comuns de cada nível físico aos usos e modos de apropriação que lhes devem corresponder, tanto por questões físicas do desenho, como pela ausência de equipamentos e mobiliário urbano que os suportem, ou como por, simplesmente, não serem sequer acabados. (Pedrosa, 2010, p.34)

Segundo Teresa Pinto, assiste-se assim a um “gosto pela casa, e o desgosto pelo bairro”. Ou seja, a um contentamento com a nova casa por esta ter melhores condições de habitabilidade, funcionalidade e conforto, mas ao mesmo tempo um descontentamento, pela ruptura do modo de vida anterior e pela perda de sociabilidades.

Os anteriores contextos habitacionais dessas populações caracterizavam-se, na maioria das vezes, por um uso intenso dos espaços exteriores adjacentes ao alojamento, com um elevado potencial de apropriação, convivialidade e laços de solidariedade e inter-ajuda. (Pedrosa, 2010, p.32)

Verifica-se ainda por parte dos habitantes, uma ocupação abusiva de apropriação dos espaços comuns, próximos aos edifícios, para uso próprio, na forma de logradouros, devido à indefinição dos espaços de vizinhança próxima e habituados ao modo de vida anterior.

Nos locais residenciais degradados, os espaços exteriores ao alojamento têm um uso bastante intenso, pois para além do facto do alojamento não proporcionar, na maioria das vezes, condições atractivas para que a permanência no seu interior seja prolongada, o ser normalmente de piso único (térreo) implica que a rua se transforme num prolongamento da habitação. Este prolongamento, possibilita uma abertura da vida domestica à vida comunitária. A rua funciona como mais uma “divisão” da habitação, onde não raras vezes se fazem tarefas domésticas, como lavar e estender a roupa, preparar refeições e onde se passa algum tempo na conversa sem, no entanto, ter a sensação de se estar fora de casa. Estes espaços de sociabilidade e a sua apropriação que caracteriza globalmente a vivência comunitária das famílias que residem nestes bairros de habitação precária, raramente se encontram noutras

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estruturas residenciais, sobretudo, nas que se caracterizam pela construção em altura, onde a porta não dá directamente para a rua. Assim, o sentimento de saudade que muitos realojados fazem referência, está normalmente focalizado no espaço exterior do anterior bairro, que permitia relações mais intensas, de tipo comunitário. (Quintas, 2008, p.66)

Para agravar a situação, na maioria dos casos, a inexistência de manutenção dos espaços públicos e edificados, contribui para uma atitude passiva dos residentes face à sua preservação, entrando assim num ciclo vicioso de degradação do ambiente urbano.

O contraste entre estes espaços públicos, e os que se apresentam no resto da cidade, faz com que estes sejam conotados negativamente, realçando “a sua posição de desvantagem, enquanto ‘vítimas’ de uma situação de injustiça social.” (Pedrosa, 2010, p.35)

Considerando o espaço público residencial como o ‘espelho’ onde se revêem os seus habitantes, a imagem desvalorizada do bairro é interiorizada com uma grande carga negativa por parte dos mesmos. Por um lado, desencadeiam-se sentimentos de fraca auto-estima e de desenraizamento face ao meio habitacional. Por outro, forma-se uma ideia de exclusão e abandono por parte do ‘sistema’, dos serviços públicos e da corrente principal da sociedade. (Pedrosa, 2010, p.35)

Ao mesmo tempo a sociedade, ‘detentora de uma mentalidade de preconceitos’, atribui uma imagem negativa aos seus habitantes. “(...) Neste processo de estigmatização17, atribui-se um sentido pejorativo à designação de ‘bairro social’18, acentuando-se o efeito de guetto social e de segregação urbanística destes mesmos conjuntos residenciais.” (Pedrosa, 2010, p.36)

Esse estigma é interiorizado, porque os moradores assumem essa imagem pública socialmente desvalorizada, assumindo-a, não porque se considerem marginais ou delinquentes, mas porque existem no bairro determinados elementos com comportamentos desviantes que dão ao bairros má fama. (Quintas, 2008, p.53)

17 Seguindo a ideia de Goffman sobre o estigma, percebemos que o indivíduo estigmatizado será aquele cuja a identidade social real inclui um qualquer atributo ou característica que frustra as expectativas da normalidade, ou que não se coaduna com o quadro de expectativas sociais (Goffman, 1998). Ora, numa sociedade que prestigia o sucesso e a riqueza, e estimula a competição com base nesses pressupostos, a destituição material é sinónimo de um fracasso social. Contribuindo para piorar essa imagem, as representações sociais de quem habita os bairros de realojamento, intimamente associados a uma certa incapacidade económica e uma vivência quotidiana inserida num “palco” de marginalidades, reforça a constituição de uma imagem negativa não apenas sobre esses espaços, mas, também, sobre quem neles reside. (Quintas, 2008, p.53) 18 De acordo com Pinto e Gonçalves, a percepção da imagem negativa do bairro no exterior é sentida como estigmatizante levando, por vezes, os indivíduos a omitir, nas suas relações exteriores, o local de residência ou evitando trazer ao bairro amizades mantidas fora deste contexto. (Quintas, 2008, p.54)

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Márcia Pereira, cita Teresa Costa Pinto e Alda Gonçalves, quando refere que existem vários factores que contribuem para a construção de uma imagem negativa:

- “Crescente agravamento e visibilidade de fenómenos ligados ao consumo e tráfico de droga que parecem estar a afectar de um modo decisivo e fortemente negativo as dinâmicas e as identidades locais;

- Percepção de uma composição social (e de certa forma étnica) que integra sujeitos com um perfil social que, pelo seu modo de vida e pelo seu comportamento marcado por um forte deficit de cívismo, contribui negativamente para a estruturação das dinâmicas locais conotadas com uma conflitualidade endémica;

- Referências constantes a um processo endémico de vandalização dos espaços públicos e semi-públicos dos bairros”. (Pereira, 2010, p.58-59)

Ilustração 4 – “Articulação entre imagens negativas, conflitualidade, insegurança e consequências sobre as dinâmicas sociais locais”, Pinto e Gonçalves, 2009. (Pereira, 2010, p.59).

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Estão também associados ao conceito de “exclusão social”, o desemprego, a discriminização, a marginalidade, a pobreza, etc., e assiste-se, a uma periferização das classes sociais “não dominantes”.

Nas sociedades modernas ocidentais, contundo, pobreza e exclusão reforçam-se mutuamente. A exclusão do mercado do trabalho gera pobreza e esta impede o acesso a bens e serviços socialmente relevantes (habitação, saúde, lazer). Um excluído será aquele que não consegue configurar uma identidade (social) no trabalho, na família ou na comunidade. Torna-se um excluído das relações sociais e do mundo das representações a elas associadas. (Rodrigues, 1999, p.65)

Os bairros sociais acabam por reconstituir espaços de aglomeração da pobreza urbana, concentrando no seu interior os principais grupos de risco e contribuindo para uma interiorização da exclusão, com consequências previsíveis, inclusivamente, na socialização para o desvio. Não estranha, portanto, a associação que mecanicamente as populações urbanas estabelecem entre o bairro social e desvio, criminalidade ou delinquência. (Augusto, 1998, p.17)

Assim, as classes mais pobres tendem a ser associadas às classes perigosas e que põem em causa o normal funcionamento da sociedade, com consequências propícias à criação de estigmas, de processos de marginalização e de afectação da auto-estima dos sujeitos vulnerabilizados. (Rodrigues, 2000, p.183)

A exclusão social destrói os “laços” entre o indivíduo e a sociedade e é neste contexto que surgem as “classes perigosas ou marginais”.

O espaço suburbano é afectado por problemas sociais emergentes que, pela sua proximidade ao meio urbano, apresenta contornos semelhantes às problemáticas vivenciadas neste, tais como o consumo e tráfico de droga, a prostituição, a delinquência, etc. As zonas suburbanas caracterizam-se por uma forte dependência em relação aos centros urbanos, nomeadamente ao nível do mercado de trabalho. A pressão demográfica, associada à estrutura económica, implicam uma forte procura de habitação que tem consequências ao nível do uso dos solos, originando formas de desordenamento territorial, o que se traduz em carências de infraestruturas, com incidências concretas na qualidade de vida e no meio ambiente. (Rodrigues, 1999, p.68)

A ausência ou insuficiência de recursos sociais, políticos, culturais e psicológicos é enquadrada teoricamente pelo conceito de exclusão social. (Rodrigues, 1999, p.69)

As dificuldades de integração social são acrescidas pela incapacidade destas categorias sociais superarem o processo de etiquetagem que as identifica como desfavorecidas. (Rodrigues, 1999, p.71)

Uma vez que o processo de exclusão social, está muitas vezes interligado com a falta ou a precariedade de emprego, é necessário uma preocupação política no combate ao desemprego.

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A vulnerabilização das pessoas e dos grupos começa, desde logo, no contexto de trabalho, que pode induzir mecanismos de exclusão a partir de quatro condições distintas: a severidade das condições do desempenho laboral (aspecto que resulta das condições laborais objectivas, tais como o facto de ser trabalho desenvolvido ao ar livre, logo, sujeito às variações climatéricas, ou o facto de ser um trabalho manual pesado ou violento, com consequências do ponto de vista somático), a segurança do exercício do trabalho (protecção em trabalhos duros, poluentes ou sujeitos a radiações, por exemplo), as contrapartidas financeiras (o salário efectivo que o indivíduo recebe pelo trabalho que desenvolve) e as contrapartidas em termos de provisão de garantias sociais (possibilidade de acesso aos benefícios do sistema de saúde, educação, segurança social, entre outros). (Rodrigues, 2000, p.175)

É importante referir que o emprego não se traduz apenas como um rendimento, mas sim numa definição mais globalizante a nível social e de inserção (atingindo a saúde física e psíquica do indivíduo)19.

(...), o emprego apresenta-se como produtor de um dado número de consequências latentes positivas, dado que reforça a valoração social positiva da actividade, define aspectos do estatuto e identidade pessoal, impõe uma estrutura de tempo ao dia, produz uma partilha de experiencias e contactos com pessoas fora do núcleo familiar e liga os indivíduos a propósitos e objectivos que transcendem os seus (Jahoda, cit. In Kumar, 1984:15). Desta forma, traduz-se num importante mecanismo de suporte psicológico, mesmo quando as condições a ele inerentes são más (Jahoda, cit. In Kumar, 1984:15). (Rodrigues, 1999, p.75)

O acesso ao emprego, a um trabalho remunerado e com os direitos sociais inerentes, é um importante vector de inserção, quer na perspectiva de um salário que permite a existência dos indivíduos de acordo com padrões sociais aceitáveis, quer na perspectiva da configuração de uma identidade valorizante e com elevado potencial do ponto de vista da auto-estima e da inserção. (Rodrigues, 2000, p.183)

A exclusão social caracteriza-se por ser um processo complexo e multidimensional que afecta um conjunto de pessoas com vulnerabilidades, sejam elas de cariz económico, cultural, social ou simbólico. “Estas vulnerabilidades, articuladas entre si e tomadas estruturais, constituem uma barreira à inserção e ao sentido de pertença e de identificação simbólicas dos indivíduos e dos grupos.” (Rodrigues, 2000, p.180)

A identidade depende fundamentalmente da imagem que transpira do bairro e da forma como o indivíduo o assimila e o avalia. Sendo espaços fortemente estigmatizados, os bairros sociais caracterizam-se essencialmente por uma identidade negativa, que resulta em grande parte da assimilação dos caracteres exteriormente atribuídos ao bairro. (Augusto, 1998, p.8)

19 (...) o estatuto corrente de desempregado induz ao aparecimento de efeitos no stress psicológico, em áreas chave como a integração social (sendo o trabalho não só uma forma de obter rendimento, mas também um pilar base da auto-estima e um mecanismo de integração do indivíduo na comunidade). (Rodrigues, 1999, p.76)

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Esta avaliação negativa do bairro tem como consequências não apenas a percepção que os actores produzem das reais condições do bairro, mas reflecte-se igualmente na construção das identidades e numa panóplia complexa de comportamentos que tentam reagir a todo um conjunto de carências que o bairro apresenta e que contribui ainda mais para a sua estigmatização. (Augusto, 1998, p.7)

O processo de construção das “identidades dos indivíduos” com os seus espaços sociais é muito complexo, e não é unilinear, mas depende essencialmente de três factores:

- os seus percursos individuais;

- a sua homogeneidade social, económica e cultural;

- e a avaliação que constroem do seu espaço social.

A proximidade entre os percursos individuais permite essencialmente uma identificação dos indivíduos entre si nas marcas trazidas de um passado mais ou menos comum e marcado pelos mesmos problemas, anseios ou aspirações que, mais do que uma identidade espacial, lhes confere uma identidade de vida. A proximidade social, económica ou cultural dos indivíduos, por sua vez, garante uma homogeneidade que amplia significativamente a identidade entre os indivíduos. Este facto é evidente quer nas identidade de classe, quer nas identidades étnicas ou raciais, cuja inexistência tem sido historicamente motivo de graves conflitos sociais, políticos e ideológicos. Por fim, a identidade do indivíduo com o seu espaço residencial constrói-se quer pela avaliação que este faz dos seu espaço, quer pela percepção que tem do modo como esse espaço é avaliado desde o exterior. (Augusto, 1998, p.9)

Em oposição ao conceito de exclusão social está associado o conceito de integração e inserção social:

A integração pressupõe a delegação de poder; os excluídos ou os grupos empobrecidos devem ter necessariamente uma participação activa no funcionamento de grupos sociais organizados. Esta é uma condição básica para se operar a integração.

Assim sendo, a integração remete para um conjunto de situações estáveis e consolidadas ao nível das relações de trabalho, familiares e sociais. A sua possibilidade passa pela interacção entre quatro sistemas – o sistema político-jurídico, que deve operar a integração cívica e política; o sistema económico e territorial, que pressupõe a integração sócio-económica num dado espaço; o sistema de protecção social, que proporciona a integração social e o sistema familiar, comunitário e simbólico, que deve realizar a integração familiar e na comunidade mais abrangente. (Rodrigues, 1999, p.78)

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3. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DA HABITAÇÃO SOCIAL EM PORTUGAL

3.1. OS PÁTIOS, AS VILAS E OS BAIRROS OPERÁRIOS

Com o triunfo da Revolução Liberal em 1820, inicia-se um período de grandes transformações, políticas, sociais e económicas, em Portugal.

Em simultâneo com a Revolução Liberal em Portugal, dava-se a Revolução Industrial, em Inglaterra. Permitindo assim, através do processo tecnológico, a substituição da produção artesanal pela produção mecânica em série.

A Revolução Industrial, deu início a um profundo processo de transformação das sociedades.

O processo de industrialização e a abertura de caminhos de ferro, inicia-se em Portugal, na segunda metade do século XIX, com décadas de atraso em relação à Europa.

A concentração da produção industrial provocou um afluxo massivo das populações, que outrora viviam no campo, para as grandes cidades industriais, à procura de melhores condições de vida, e atraídas pela oferta de emprego e as facilidades crescentes nos transportes, dando origem à criação de enormes problemas sociais. Os espaços urbanos mais afectados, foram as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Devido à insuficiência de infraestruturas urbanas e habitacionais, as cidades não estavam prontas para o crescimento populacional que se verificava, o que originou vários problemas ao nível da salubridade e saúde pública.

No Porto, as duas principais formas de habitação eram a sobreocupação de edifícios velhos e mais tarde a construção de novas habitações, as chamadas “ilhas”.

As “ilhas” consistiam em filas de pequenas casas de um único piso, geralmente com áreas que não excediam os 16m2, construídas nos quintais de antigas habitações burguesas. Nestas casas pequenas e insalubres viviam famílias inteiras. A maior parte das “ilhas” não tinham abastecimento de água e os sanitários eram comuns a todos os seus habitantes. O acesso a estas “ilhas” fazia-se através de estreitos corredores, que

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passavam por baixo das casas construídas à face da rua. As “ilhas” não tinham qualquer relação formal com anteriores tipos de habitação, quer rural, quer urbana. Elas eram uma forma de habitação específica, desenvolvida para satisfazer a procura de habitação barata por parte das classes trabalhadoras. A maior parte das “ilhas” localizava-se em zonas da cidade construídas nas primeiras décadas dos século como zonas residenciais das classes médias e que ao tempo de construção das “ilhas” se encontravam já num processo de decadência. As maiores concentrações de “ilhas” encontravam-se na proximidade de zonas industriais, onde por vezes atingiam densidades de até 900 habitantes por hectare. (Teixeira, 1992, p.67)

Ilustração 5 – “Ilhas no Porto”, A. Costa, 1974. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012).

Uma vez que os salários das classes trabalhadoras eram muito baixos, estes apenas podiam ter acesso a habitações de baixa qualidade e de custos baixos, sendo as “ilhas” uma resposta para estas classes.20

Não existiam razões espaciais que impedissem a construção de outras formas de habitação operária quando aumentou a procura deste tipo de habitação. A principal razão que justifica a construção das “ilhas”, e não de outras formas de habitação popular, por exemplo, blocos de habitação colectiva, é de natureza económica e tem a ver essencialmente com os baixos salários dos operários e com as características dos grupos sociais envolvidos na construção desse tipo de habitação, particularmente o seu capital reduzido. A construção de blocos de habitações operárias exigiria maior organização e maiores investimentos e portanto maiores recursos económicos do que as classes médias baixas podiam dispor. A construção de tais formas de habitação significaria também rendas mais elevadas que, de qualquer forma, os operários seriam incapazes de pagar. (Teixeira, 1992, p.68)

20 Embora os trabalhadores industriais e artesãos constituíssem a maioria da população das “ilhas”, um largo estrato da população do Porto com baixos salários, empregue no comércio e nos serviços, tais como caixeiros, polícias, militares de baixa patente, bombeiros, lavadeiras, vendedores ambulantes, carregadores, também habitava as “ilhas”. (Teixeira, 1992, p.68)

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Lisboa, como cidade portuária, centro político, administrativo e financeiro, acolhe em grande parte o desenvolvimento industrial e dos transportes. No entanto, a cidade não estava preparada para acolher o aumento de população, principalmente as famílias mais pobres. O sector privado aproveita-se desta situação, e para rentabilizar terrenos desocupados e desvalorizados, constrói habitações muito precárias, para alugar aos trabalhadores, surgindo assim os pátios.21

É de referir, no entanto, que em Lisboa devido a “(...) um maior desenvolvimento industrial e um nível de salários mais elevado levaram à estruturação de um mercado de habitação operária mas sofisticado.” (Teixeira, 1992, p.68-69), em comparação com as “ilhas” do Porto.

Estes pátios, distribuem-se por toda a extensão da cidade, com maior concentração nos bairros antigos, nas zonas periféricas e nas novas áreas de implantação industrial, tornando-se um forma de habitação dominante em Lisboa, na segunda metade do século XIX.

Ilustração 6 – “Pátio das Barracas”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996).

21 Senhorios dinâmicos fazem construir, eles próprios, nas traseiras dos seus prédios casas abarracadas para alugar a operários; são aproveitadas caves insalubres para o mesmo efeito, sempre com acesso pelas traseiras; conventos das recém-extintas ordens religiosas, adquiridos em hasta pública, ou palácios arruinados são meticulosamente alugados quarto a quarto. E começa a haver quem, com espírito empreendedor, adquira terrenos para aí fazer construir pátios. (Pereira, 1994, p.511)

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Uma vez que se tratava de aproveitamento de espaços, a tipologia destes pátios era muito diversificada, tanto ao nível da estrutura urbana como da própria habitação. Mas, de um modo geral podemos caracterizá-los como “um espaço mais ou menos regular, situado no interior de um quarteirão, com pequenas casas construídas à volta viradas para um espaço livre comum.” (Teixeira, 1992, p.69)

Independentemente da sua tipologia todos eles, rapidamente se tornaram em situações isentas de condições de salubridade, e excessivamente ocupadas e densas.

O pátio surge numa primeira fase, como uma forma de habitação ou núcleo habitacional precário associado a espaços residuais de construção pré-existentes (espaços desocupados), mediante o pagamento de uma renda mínima, para uma população sem recursos.22 Localizando-se sobretudo nos bairros antigos e nas periferias das zonas industriais.23

Utilizando a estrutura espacial original do pátio enquanto elemento construtivo tradicional, valorizando pois de certa forma o intimismo e a privacidade, rapidamente o adúltera e o faz evoluir para situações isentas de condições de salubridade mínimas, comprometidas pela ocupação excessiva e densa, designadamente a ausência de exposição solar, exposição às humidades, deficiências construtiva e dimensionamento abaixo dos padrões mínimos. (Pinto, 2008, p.12)

O Inquérito Industrial de 1881 e o Inquérito aos Pátios de Lisboa, chamou a atenção para o assunto e para o perigo do mesmo. De facto, já não se tratava apenas da saúde das pessoas que ali residiam, mas da saúde de toda a população, pois este ambiente tornava-se propício à propagação de bactérias infeciosas e doenças, contaminando o resto da população. A tuberculose começava a atingir as várias classes sociais e era necessário intervir com urgência.

22 (Pinto, 2008) 23 A localização dos pátios está relacionada com a existência das zonas industrias, onde à época existia um forte núcleo na zona da Boa Vista, e certamente ainda com o porto de Lisboa. É talvez por isso que se nota um eixo especialmente denso que sobe pelo vale de São Bento e daí se prolonga pelas Amoreiras até Campolide. (Pereira, 1994, p.511)

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Após o Inquérito Industrial de 1881 e o aumento das preocupações higienistas, o pátio tende a ser substituído por um modelo de alojamento teoricamente mais adequado – a vila operária.24

As “vilas” consistiam em grupos de pequenos edifícios construídos em volta de um espaço comum, geralmente uma rua privada, e progressivamente menos segregadas e melhor integradas na estrutura urbana. Embora com origem na forma tradicional do pátio, do qual tinha naturalmente evoluído, e construído em idênticas zonas da cidade, este novo tipo de habitação era claramente mais urbano e representava uma melhoria significativa nas condições de habitação. (Teixeira, 1992, p.70)

A grande diferença entre o pátio e a vila operária está relacionada com o facto, de o primeiro não obedecer a qualquer tipo de planificação, ou seja, a sua construção era espontânea. No entanto, a semelhança entre estas duas formas de alojamento é evidenciada por vários autores, na medida em que, ambos estabelecem uma relação com os espaços públicos, nomeadamente com a rua. 25

Ambos se misturam com a estrutura urbana pré-existente numa atitude de camuflagem e de relação indirecta com as ruas e percursos que comunicam directamente com o quarteirão edificado. [...] Em referências de cariz sociológico, as vilas são definidas como “(...) um misto de casa rústica e casa da cidade(...)” (Alice Vieira,1993) ou um “(...) modelo de compromisso entre um habitat rural e as edificações urbanas (...)” (Calado e Ferreira, 1993), que se assumem como” (...) pequenos guetos dentro da cidade, onde se pretendia que as pessoas vivessem isoladas, deslocando-se apenas da casa para a fábrica e desta para o clube ou sociedade de recreio (geralmente pertencente à empresa), estabelecendo relações de vizinhança quase sempre na base do trabalho comum que a todos unia no mesmo esforço.(...)” (Alice Vieira, 1993). Segundo regulamento camarário (1930), as vilas operárias são mencionadas como ”(...) grupos de edificações, destinados a uma ou mais moradias, construídos em recintos que tenham comunicação quer directa quer indirecta, por meio de serventia pública.” (Pinto, 2008, p.13)

Podemos caracterizar três tipos de iniciativa de alojamento operário: iniciativas particulares, iniciativas de empresas constructoras e iniciativas levadas a cabo pelas unidades fabris ou comerciais.

24 Enquanto que no Porto as “ilhas” continuaram a ser até ao início deste século a forma dominante de habitação construída para os operários, em Lisboa os “pátios” evoluíram e eram em breve substituídos por outras formas de habitação popular. (Teixeira, 1992, p.70) 25 As “vilas”, sendo uma forma de habitação de melhor qualidade e de rendas mais elevadas, eram, por vezes, também habitadas pelos estratos mais baixos das classes médias, incluindo pequenos comerciantes, baixas patentes das forças armadas, pequenos funcionários públicos. (Teixeira, 1992, p.70)

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As iniciativas privadas, não tem grandes preocupações com o alojamento, respeitando este apenas às condições mínimas de habitabilidade impostas pela legislação. Constroem habitações de dimensões reduzidas nas traseiras e logradouros dos seus próprios edifícios, e o grande incentivo é o investimento numa fonte de rendimento certa.

Quanto às iniciativas de empresas constructoras, estas tem objectivos idênticos às iniciativas privadas, sendo a grande diferença feita pelo facto de construírem os edifícios de raiz com construções anexas, ou adquirirem terrenos confinados a edifícios existentes. Tanto estas iniciativas como as privadas vão ter tipologias muito idênticas.

Por último, as iniciativas levadas a cabo pelas unidades fabris ou comerciais, procuram através da edificação de tipologias habitacionais simples e modulares, a implementação de padrões de comodidade. Estas opõem-se ao aspecto caótico do urbanismo operário, uma vez que a organização espacial é pensada à imagem da própria fábrica, ou seja, da sua estrutura social, fazendo distinção entre os operários e o pessoal dos quadros.

Nestes bairros é frequente a existência de alguns equipamentos, como, escolas, creches, esquadras da polícia, etc... quando estes se localizavam mais na periferia da cidade, de modo a não estarem isolados e de certa forma garantido a permanência dos operários nos bairros. Pode-se dizer que se trata de um “regime” que exercia uma relativa acção de controlo sobre o trabalhador.

A localização das vilas ocorreu, em regra geral, na periferia das grandes cidades, uma vez que os preços praticados em relação às rendas eram mais interessantes, mas sobretudo por se localizarem em áreas de maior concentração de indústria, das matérias-primas, assim como a facilidade às vias de comunicação e de transporte.

Dentro das vilas operárias podemos distinguir várias tipologias. A distinção das várias tipologias é feita com base num artigo realizado por Nuno Teotónio Pereira, desenvolvido em 1994.

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Vilas que acompanham a via pública (em correnteza)

Ilustração 7 - “Vila em Correnteza no Campo Grande”. (Pereira, 1994, p.513).

Esta tipologia tem origem na casa bifamiliar, localizada essencialmente em bairros pobres da periferia ou em bairros antigos. Trata-se de uma construção de um só piso com dois fogos, dotado de um programa mínimo, e de uma construção simples e de reduzido custo, sendo acessível às famílias mais carenciadas. No entanto, com o aumento da densidade populacional, assiste-se à construção de novos pisos e do acréscimo do número de fogos. Mais tarde, com o aumento da procura, logo se constroem bandas de casas deste tipo, a que se dá o nome de “correntezas”.

Esta construção acompanha a via pública, mas à margem dos arruamentos de modo a não ir contra o regulamento camarário de 1930.26

Podemos identificar dois sub-tipos: os edifícios alongados género correnteza, compostos por unidades de dois ou três pisos, ou os edifícios tipo bloco ou “chalet”, com as quatro fachadas livres e acesso central.

26 O regulamento camarário de 1930,que, aliás, proíbe a construção de novas vilas, define estas como “grupos de edificações destinadas a uma ou mais moradias construídas em recintos que tenham comunicação, quer directa, quer indirecta, com a via pública por meio de serventia”. (Pereira, 1994, p.512)

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Vilas formando pátio

Ilustração 8 - “Vilas formando pátio - Vila Gadanho, Pátio Bagatella e Vila Rodrigues”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996). 27

O aproveitamento máximo da área disponível, é uma das características da vila. Sendo assim, o espaço livre é concentrado e as habitações agrupam-se à volta do terreno, ocupando todo o seu perímetro deixando uma única entrada, que dá origem a um pátio. Estes pátios são rectangulares ou quadrados, e às vezes são apenas corredores.

A preocupação da simetria, o guarnecimento por vezes caprichoso dos vãos com materiais baratos, como o tijolo, o desenho cuidado dos letreiros em chapa esmaltada ou simplesmente pintados com a designação da vila, o remate ornamentado das coberturas, são constantes num grande número de vilas de Lisboa. (Pereira, 1994, p.514)

Os logradouros privados nas traseiras são inexistentes, na grande maioria das vezes. A ocupação do lote é total, e de modo a rentabilizar o espaço interior, os acessos aos pisos superiores são feitos pelo exterior através de escadas e galerias, construídas em estrutura de ferro, formando por vezes sistemas complexos.

27 [...] a Vila Gadanho, a Sapadores, construída em 1908, é um caso típico da vila corredor. Um dos exemplares mais característicos é a Vila Bagatella, com frente para a rua, mas recuada, formando um pátio alongado, construída nas Amoreiras em 1890 por Manuel José Monteiro [...] Das vilas construídas com escadas e galerias de ferro destaca-se a Vila Rodrigues, de 1902, ostentando com espectacularidade o emprego de modernas tecnologias de construção. (Pereira, 1994, p.514)

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Vilas construídas atrás de edifícios

Ilustração 9 - “Vilas construídas atrás de edifícios - Vila Raul, Vila Fernandez e Vila Sousa”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996). 28

Estas vilas, com um ou dois pisos, surgem nas traseiras dos prédios correntes pertencentes à burguesia. Aqui é feita uma grande distinção das classes sociais: existe o edifício “principal” à margem da rua, destinado à burguesia, e por trás deste, nos seus logradores assiste-se à construção de vilas, destinadas às famílias operárias, existindo uma hierarquia social do próprio lote do terreno, uma vez que há uma grande distinção entre os que habitam o edifício principal e os que habitam o pátio.

O acesso às traseiras, onde se localiza a vila propriamente dita, pode fazer-se de três maneiras: ou à ilharga do prédio através de um corredor lateral descoberto – solução que conduz geralmente a esquemas de ocupação assimétrica, ou obriga a fazer cotovelos para contornar o prédio, ou, para evitar este inconveniente, a eixo do lote, também por meio de corredor a céu aberto, que é prolongado em linha recta pelo pátio, ou, com a finalidade de aproveitar para a construção toda a extensão da frente, através de uma passagem aberta em arco sob o próprio prédio. (Pereira, 1994, p.516)

28 A Vila Raul é um exemplo de um pátio com acesso através de um estreito corredor flanqueado por dois prédios. O pátio é constituído por duas correntezas de casas térreas rematadas por dois prédios de 3 pisos com frente para a rua. A entrada para o pátio é resguardada por um portão de ferro e é inteiramente separada das entradas para os prédios; A Vila Fernandez é constituída por dois corpos paralelos: o primeiro, marginando a rua e com entrada própria, e o segundo formando pátio com entrada pelo lado e galeria de acesso ao 2º piso. Estrutura da galeria apoiada em colunas de ferro fundido; A Vila Sousa, 1889, [...] constitui um caso à parte, visto tratar-se da ampliação de um antigo palácio, em cujas traseiras existe um amplo pátio envolvido por edifício de cinco pisos. (Pereira, 1994, p.516)

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A atribuição do nome da vila, corresponde ao nome do proprietário do edifício principal ou de um familiar seu, e a entrada para o edifício é totalmente separada da entrada para o pátio, fazendo mais uma vez distinção das classes sociais que o ocupam.

Vilas formando ruas

Ilustração 10 - “Vilas formando ruas - Vila Dias e Vila Berta”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996). 29

A localização das vilas operárias está relacionada com as zonas onde existiam fábricas, sendo portanto a sua localização, na grande maioria, em zonas de periferia, e junto ao rio, servidas pelos caminhos de ferro. “As maiores concentrações deram-se em Alcântara e na faixa marginal, entre Xabregas e o Poço do Bispo”. (Pereira, 1994, p.517)

Nesta tipologia as vilas operárias adquirem formas mais alongadas, devido ao terreno que é mais plano e desimpedido, sendo construídas pequenas ruas perpendiculares ou paralelas à rua principal, com um ou mais acessos.

“Trata-se de casas em que as correntezas assim construídas não se distinguem claramente de tipologias mais correntes, a não ser pelo facto de as ruas pertencerem à própria vila e, por isso, terem a designação de “particulares”. (Pereira, 1994, p.518)

29 Das vilas formando ruas, as mais significativas são a Vila Dias, junto a Xabregas, construída em 1888 ao longo da linha de caminho de ferro, e a [...] Vila Berta, à Graça. Construída por Diamantino Tojal em 1902, trata-se de um conjunto interclassista, com edifícios para diferentes estratos sociais e de grande apuro formal, em que também é notável o recurso a estruturas metálicas e a rica decoração em . (Pereira, 1994, p.518)

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Vilas directamente ligadas à produção

Ilustração 11 - “Vilas directamente ligadas à produção - Vila Almeida, Rua Rodrigues Faria e Vila Pereira”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996). 30

Estas tipologias surgem num período, em que a construção de iniciativa privada se tornou insuficiente e começa a haver falta de alojamento, sendo as próprias empresas que decidem construir as habitações para o seu pessoal, uma vez que estas precisavam de mão-de-obra abundante e barata. O fornecimento de alojamento feito pelas próprias fábricas torna-se um poderoso factor de atracção, mas que ao mesmo tempo funcionava como um instrumento de controle e “poder” sobre os assalariados.

Mais tarde surgem as habitações integradas na própria fábrica, localizadas em pisos construídos sobre os armazéns, formando blocos (em correnteza) que acompanham a via pública, e que normalmente se destinam ao escalão superior do pessoal.

30 A Vila Almeida [...] situa-se no Jardim José Fontana e compõe-se de três pisos de habitação, com acessos por galerias na fachada de tardoz, sobre um amplo espaço ocupado por uma oficina metalúrgica; [...] a grande correnteza da Rua Rodrigues Faria, a Alcântara, construída em 1873 pela Fábrica de Tecidos Lisbonense, que foi pioneira na edificação de casas pelos empresários; No sector vinícola destaca-se, no Poço do Bispo, a Vila Pereira, de 1887. (Pereira, 1994, p.520)

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Vilas de escala urbana

Ilustração 12 - “Vilas de escala urbana - Bairro Estrela de Ouro e Bairro Clemente Vicente”, Pereira; Buarque, 1995. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996). 31

As vilas de um modo geral organizam-se em função de um espaço privado comum, que raramente tem vista para a rua. No entanto, com o desenvolvimento desta modalidade, as tipologias vão se diversificando, sendo cada vez menos a semelhança com o pátio “primitivo”. Devido a investimentos mais volumosos, estas vilas atingem uma nova dimensão e uma escala urbana. As construções são de maior dimensão e volume, assim como a sua estrutura é mais complexa, integrando já um sistema viário, apesar deste ser particular e segregado.

Em relação à forma de ocupação, esta pode dividir-se em dois sub-tipos: “verdadeiras unidades de habitação horizontal, como o Bairro Estrela de Ouro, ou conjuntos massivos de blocos em altura, como o Bairro Clemente Vicente“. (Pereira, 1994, p.521)

Devido às dimensões destas vilas e ao seu planeamento, surgem normalmente para além das habitações, equipamentos colectivos, nomeadamente, estabelecimentos comerciais de primeira necessidade, escolas, creches, esquadras da polícia, espaços de convívio, etc...

31 O Bairro Estrela de Ouro, na Graça, foi construído em 1908 pelo industrial de confeitaria Agapito Serra Fernandes e integra vários arruamentos a que deu o nome de pessoas da sua família. Formado por pequenas unidades habitacionais em forma de U, a estrela de cinco pontas aparece como elemento decorativo sistemático. [...] O Bairro Clemente Vicente, no Dafundo, é constituído por três blocos compactos de cinco pisos, totalizando 240 fogos. Foi construído por um empresário empreendedor nos anos 20 e procurou dar, provavelmente, uma imagem do falanstério. Os acessos fazem-se por uma complicada estrutura metálica de escadas e varandas. (Pereira, 1994, p.522)

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Vilas ou bairros operários e económicos

Estes bairros são morfologicamente semelhantes às vilas de escala urbana, de facto, evoluem a partir dela, e assentam numa acção cooperativista e associativa, que tenta subsistir sem os apoios do estado.

É neste quadro que se formam algumas sociedades cooperativas de construção e habitação. Entre elas, a Companhia Comercial Construtora, quem em 1890 se lança na construção do Bairro Operário dos Barbadinhos. Com a sua arquitectura simples e austera, traduz a penúria de recursos com que foi construído. (Pereira, 1994, p.522)

Os bairros propriamente ditos, viriam apenas a concretizar-se na I República, sendo iniciados em 1918, os Bairros Sociais da Ajuda e do Arco do Cego. É introduzida uma nova tipologia na cidade, procurando contrariar o carácter pobre e monótono dos típicos bairros operários.

Pretende-se aqui evitar o carácter lúgubre, típico dos bairros operários, constituídos por monótonos alinhamentos de casas uniformes e sem adornos. Por isso se projectam tipos variados, se enriquecem as fachadas e se prevêem edifícios de fruição colectiva. (Pereira, 1994, p.522)

Resumindo, as vilas operárias são conjuntos dissimulados no tecido da cidade, uma vez que ocupam espaços desocupados e tentam rentabilizá-los o máximo possível. São construídas em logradores, nas traseiras de edifícios, e raramente tem vista para a rua principal. Estas habitações, uma vez que se destinam a uma classe mais precária, com poucos recursos, são de construção simples e utilizam materiais baratos. Pretendem rentabilizar o máximo possível um terreno, construindo o maior número de fogos recorrendo a áreas mínimas, e a escadas e galerias exteriores, de modo a rentabilizar o espaço interior.

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3.2. O ESTADO NOVO E O PROGRAMA DAS CASAS ECONÓMICAS

Até ao final do século XIX, nem o governo nem as câmaras municipais consideravam que o problema da habitação fosse da sua responsabilidade.

As suas preocupações eram, por um lado, dar incentivos aos promotores privados para construírem habitação destinada a pessoas de poucos recursos e, por outro lado, controlar a actividade destes construtores privados. Não se discutia quem devia construir a habitação, mas antes o tipo de incentivos que deviam ser dados aos construtores privados e a qualidade e a forma de habitação que estes deviam construir. (Teixeira, 1992, p.74)

Com a implementação da República em 1910, e confrontado com a crescente vaga de movimentos sociais e greves32, o estado assume pela primeira vez a responsabilidade de resolver o problema da habitação social.

Ilustração 13 - “Diário do Governo, Decreto nº 4137, de 25 de Abril de 1918”. (Diário da República, 2013).

O primeiro passo foi dado com a publicação do Decreto nº4137, de 24 de Abril de 1918, pelo governo de Sidónio Pais.

32 Os movimentos operários começaram a desenvolver-se em Portugal a partir da década de 1840. De início, eram fundamentalmente associações de socorros mútuos ou cooperativas, mas a partir de 1870 o movimento sindicalista começou a ganhar força e em 1875 era já uma força política importante no país. Em 1876 existiam 24 sindicatos, dos quais 10 em Lisboa e 8 no Porto, e em 1903 existiam 135, com 63 em Lisboa e 42 no Porto. Greves por melhores salários, pela redução da jornada de trabalho e por reformas políticas tornaram-se comuns a partir de 1890, e tornaram-se particularmente frequentes e violentas entre 1900 e 1912. (Teixeira, 1992, p.76)

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O governo afirmava aqui a sua vontade de fazer um esforço decisivo para erradicar os bairros insalubres de Lisboa e do Porto através da construção de casas baratas para os sectores mais pobres da população. Tais casas podiam ser construídas quer pela iniciativa privada, quer por sociedades ou cooperativas, a quem eram concedidos empréstimos com uma reduzida taxa de juro de 4%, através da Caixa Geral de Depósitos. A isenção de contribuição predial, já prevista em projectos de lei anteriores, era alargada para vinte anos, e concediam-se facilidades no acesso aos terrenos. Em condições especiais, estas casas podiam ser construídas pelas câmaras municipais ou pelo próprio Estado. A urbanização dos terrenos, o financiamento e a construção das necessárias infra-estruturas e serviços eram da responsabilidade das câmaras municipais, incluindo a construção das ruas, o estabelecimento de sistemas de saneamento, a instalação das redes de água e de electricidade, a construção de escolas, o estabelecimento de meios de transportes baratos. (Teixeira, 1992, p.77)

Este diploma legal destinava-se “ a conseguir a construção em grande escala das casas económicas, com todas as possíveis condições de conforto, independência e higiene, destinadas, principalmente nas grandes cidades, aos que, por carência de recursos materiais, tem sido obrigados até agora a viver em residências infectas, sem luz nem ar, e por isso gravemente nocivas à saúde dos que as habitam”.

Nos artigos 4º e 5º o decreto, valoriza a casa unifamiliar e isolada, mas aceitava os agrupamentos ou bairros, os quais deveriam ter “sempre na retaguarda um terreno com a largura mínima de 4 metros e, sendo possível, um pequeno jardim à frente”; “ruas de largura mínima de 10 metros, pavimento macadamizado ou calçado, passeios laterias e encanamentos completos para vazão das águas fluviais e caseiras ligadas ao esgoto público”.

Para além disso o decreto propunha a criação de Comissões que avaliariam as condições dos bairros, podendo aprovar ou retirar licenças de salubridade. Também propunha a instalação de fontenários, lavadouros, iluminação e limpeza, semelhante a qualquer outro bairro, assim como, a criação de creches e escolas, e transportes baratos, quando estes fossem afastados dos centros industriais ou comerciais (artigo 25º).

O Programa das Casas Económicas

No seguimento do Decreto nº 4137, de 25 de Abril de 1918, e a legislação complementar produzida até 1919, destacam-se o Bairro do Arco do Cego, o primeiro bairro social de promoção pública concretizado, da autoria de Edmundo Tavares e

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Frederico Machado (469 casas), e o Bairro da Ajuda (264 casas).33 Ao abrigo do mesmo decreto, foi construído no Porto, o Bairro de Sidónio Pais, com 100 habitações.

Ilustração 14 - “Bairro Social do Arco do Cego, Lisboa”, Novais, 1935. (Biblioteca de Arte - Fundação Calouste Gulbenkian, 2013).

Embora a construção do Bairro do Arco do Cego tenha começado em 1919 e a do Bairro da Ajuda em 1920, problemas financeiros fizeram parar as obras. Sendo só a partir de 1933, com o Estado Novo34 e o Programa das Casas Económicas (Decreto- lei nº 23 052, de Setembro de 1933), que se inicia a intervenção do estado no domínio de “habitação social”, com o intuito de resolver o problema da habitação das classes trabalhadoras. De acordo com o artigo 1º deste decreto: “é o governo autorizado a promover a construção de casas económicas, em colaboração com as câmaras municipais, corporações administrativas e organismos corporativos”. Foi no âmbito deste programa que foram concluídos os bairros do Arco do Cego e da Ajuda.

33 Perante a falta de interesse dos promotores privados em construírem habitação de rendas controladas, estes dois bairros foram construídos diretamente pelo Ministério do Trabalho. Ambos os bairros incluíam soluções de habitação colectiva: juntamente com as habitações unifamiliares tradicionais foi construído um certo número de blocos de habitação. (Teixeira, 1992, p.77-78) 34 A política do Estado Novo era fundamentalmente dirigida às classes médias, a sua principal base de apoio, ainda que no discurso oficial se procurasse dirigir às classes trabalhadoras. (Teixeira, 1992, p.79)

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A intervenção do Estado neste programa consistia na concessão de facilidades na aquisição de terrenos, na isenção de impostos, na concessão de empréstimos a taxas de juros muito baixas, amortizáveis a longo prazo, em alguns casos mesmo sem juro, e, em outros casos, concessão de subsídios não reembolsáveis. (Silva, 1994, p.663)

Ilustração 15 - “Características do programa das casas económicas”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.663).

Os bairros de casas económicas eram compostos de habitações unifamiliares, de um ou dois andares, independentes ou geminadas, cada uma com o seu próprio jardim. Estes bairros eram construídos directamente pelo Estado e destinados a funcionários públicos ou a trabalhadores filiados nos sindicatos nacionais patrocinados pelo regime. As casas eram pagas em prestações mensais ao longo de um período de 25 anos, findos os quais se tornavam propriedade da família. Este modelo formal, e o regime de propriedade que lhe estava associado, adequava-se à política oficial de tornar cada família portuguesa a proprietária da sua própria casa, e ao mesmo tempo, prevenia o que o regime considerava as “perigosas” concentrações de trabalhadores em blocos de habitação colectiva. Ideologicamente, a família era um dos pilares do Estado Novo, e isso traduzia-se na política de habitação do regime. (...) As casas económicas construídas elo Estado Novo pretendiam ser baseadas nos supostos valores e modos de vida tradicionais da população portuguesa. Elas representariam um certo modelo de viver rural transplantado para a cidade. (Teixeira, 1992, p.79-80)

Todo o processo de construção das casas económicas era controlado pelo Estado, e o programa era financiado pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, do Ministério das Corporações. 35

35 Esperava-se que o exemplo frutificasse e que outros agentes – instituições de segurança social, corporações, serviços públicos, cooperativas, promotores privados – se motivassem a construir habitação social em associação com o Estado. Esperava-se também que o número de casas colocadas no mercado pelas casas económicas viesse a forçar o abaixamento das rendas das habitações no mercado livre. Nada disto veio a acontecer. (Teixeira, 1992, p.80-81)

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Ilustração 16 – “Bairro de Casas Económicas da Encosta da Ajuda”, Costa; Vale, 2013. (SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, 2013).

Entre 1933 e 1940, foram construídos no total 2718 fogos, ao abrigo do Programa das Casa Económicas.

Embora supostamente destinadas à solução dos problemas habitacionais das classes trabalhadoras, o pequeno número de casas que foram construídas, as dificuldades de acesso e as rendas que eram cobradas significavam, de facto, que o seu impacto era pequeno e que os pobres eram excluídos. (Teixeira, 1992, p.81)

Reconhecendo esta realidade, em 1938, o governo, em colaboração com as câmaras, implementou programas específicos para o realojamento de famílias residentes em barracas e nos bairros de latas, uma vez que a resposta ao programa das casas económicas não era suficiente, criando assim o Programa das Casas Desmontáveis (Decreto-Lei n.º 28912, de Agosto de 1938).

Construídas de materiais pobres, era suposto que estas habitações fossem o alojamento provisório de famílias desalojadas de bairros de barracas e em breve substituídas por outras habitações de carácter permanente. O tamanho, a qualidade e as rendas destas casas eram bastante inferiores às das casa económicas. (Teixeira, 1992, p.81)

Em Lisboa, foram construídos dois bairros deste tipo na década de 30: em 1938, o Bairro da Quinta da Calçada com 500 casas, e em 1939, o Bairro da Boa Vista com 488 casas. “As casas eram alugadas com a mobília básica e a renda, que variava

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entre os 30$00 e 50$00, incluía o custo da água e da electricidade.” (Teixeira, 1992, p.81)

Ilustração 17 - “Características do programa das casas desmontáveis”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.664).

No entanto, devido aos problemas urbanísticos e sociais, que surgiram ao abrigo deste novo programa, este, foi substituído pelo programa de casas para famílias pobres, em 1945.

Ilustração 18 - “Características do programa das casas para famílias pobres”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.665).

Para além do programa das casas para famílias pobres, outras medidas foram tomadas, com a criação de outros programas dirigidos a estratos diferentes da população. Foi criado o programa das casas de renda económica ainda em 1945,

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complementar aos das casas para famílias pobres, dirigido à classe média que, de alguma forma, ficava excluída por razões diversas, que não a da capacidade económica.

Ilustração 19 - “Características do programa das casas de renda económica”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.666).

Em 1947, com o programa das casas de renda limitada, assiste-se a novas formas de associação entre os poderes públicos e a iniciativa privada.

Ilustração 20 - “Características do programa das casas de renda limitada”, Silva, 1987. (Silva, 1994, p.667).

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Com o programa das casas de renda limitada deu-se inicio à habitação privada apoiada, uma forma que se caracterizava pela posse privada e controle público, incidindo este sobre os níveis de renda, regras de distribuição, direito de permanência e despejo, etc. [...] Em contrapartida pela limitação das rendas ou do preço de venda, a iniciativa privada beneficiava de isenção de taxas, solo urbanizado a um preço baixo, assistência técnica gratuita e garantia de fornecimento de materiais a preço fixo [...]. (Silva, 1994, p.665)

Estes programas tiveram maior incidência nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, no entanto desenvolveram-se em outras regiões do país, como se pode ver na ilustração seguinte.

Ilustração 21 - “Promoção da habitação social segundo o tipo de programas entre 1951 e 1970”, Pinheiro, 2007. (Pereira, 2010, p.36).

A construção da habitação pelo governo e pelas câmaras municipais correspondeu sempre a uma parcela muito pequena do mercado, e apesar, dos novos programas e da maior intervenção do Estado, a promoção privada continua a ser dominante.

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A habitação é um direito36 e “um bem essencial à vivência individual e social do ser humano” (Freitas, 2011, p.59). No entanto, e apesar dos novos programas e incentivos, o preço final das habitações continuou a ser inacessível para muitas famílias, as quais recorrem às habitações clandestinas, aos bairros de lata e à sublocação. Começam assim, a surgir, nos anos 50, os bairros clandestinos, na periferia de Lisboa.37

Um dos principais problemas da política da habitação social do Estado Novo neste período foi o facto de os indivíduos a quem o programa se dirigia inicialmente terem ficado de fora, como o próprio governo reconheceu anos mais tarde: «Estão fora do alcance [...] daquelas famílias que mais precisavam de ser ajudadas [...] especialmente aquelas com mais baixos rendimentos.» (Silva, 1994, p.666)

O sector da construção ocupava-se essencialmente da construção de habitações para a classe média, que tinha poder de compra, o que levou a um aumento cada vez maior dos bairros clandestinos38, uma vez que a população mais carenciada não tinha recursos monetários para a compra destas habitações, procurando assim alternativa no “mercado clandestino” 39.

36 Conforme a Constituição da República Portuguesa de 1976, artº65, “todos têm direito, para si e sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. 37 A partir da década de 50, com o incremento da taxa de urbanização os loteamentos e a construção clandestina passaram a desempenhar um papel significativo n expansão das áreas urbanas. Os dados recolhidos pelo Ministério da Habitação e Obras Públicas, em 1977, mostram que o número de fogos construídos ilegalmente era superior a 83 000, dos quais cerca de 63 000 se localizavam na Área Metropolitana de Lisboa. Os restantes concentravam-se no litoral norte e nalguns centros urbanos do interior e sul. (MENDES, Maria Clara – A habitação em Portugal: Caracterização e Políticas) 38 O índice de construção clandestina ocorreu com maior incidência entre os anos 50/70, onde o índice populacional aumentava rapidamente, devido não só à imigração de pessoas do meio rural para o meio urbano como a imigração de pessoas provenientes de outros países ou mesmo os retornados das colónias portuguesas, após o 25 de Abril; Hoje é evidente a proliferação deste tipo de construção na malha urbana de qualquer grande cidade em Portugal (Lisboa, Porto, Coimbra…). Pode parecer à primeira vista, que este tipo de ocupação estaria, nos dias de hoje, em decréscimo, mas isso não corresponde à realidade. Os valores deste tipo de construção voltaram a crescer, devido não só à imigração legal e ilegal que vem aumentando no nosso país, mas principalmente devido à crise económica que se vive em grande parte do mundo. Muitas destas pessoas perderam o seu poder económico e, de um dia para o outro, viram-se sem nada, sendo a única solução de “abrigo”, a construção ilegal. (Pinto, 1998) 39 Considera-se a construção clandestina, como toda a construção edificada sem licença camarária exigida pelo R.G.E.U. (Regulamento Geral de Edificações Urbanas) (Salgueiro, 1977). Esta habitação clandestina, não se esgota apenas na “auto-construção espontânea”, representada essencialmente por “bairros de lata”, sob a forma de residências unifamiliares e construídas com materiais rudimentares e grosseiros (madeira e outros materiais menos próprios para a edificação de habitação) mas, igualmente em forma de alojamento colectivo (prédio de vários pisos), com características próximas das habitações disponíveis no mercado formal. Embora tenhamos o olhar mais centrado nas construções clandestinas mais rudimentares, a verdade é que após 1974 o mercado paralelo do alojamento vai oferecer novas possibilidades. Teresa B. Salgueiro (2001) salienta que este mercado diversificou-se, oferecendo outras possibilidades e localizações a estratos económicos mais amplos. O aumento generalizado do “nível de vida” vai permitir a hipótese da segunda habitação por via clandestina a um outro tipo de pessoas, que

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As construções clandestinas vão surgindo de forma pontual até 1965, mas depois o problema agrava-se com o aumento demográfico [...]. Todavia este problema não só surgia nos bairros de lata, também existia o problema do loteamento e da construção clandestina, promovidos por loteadores que adquiriram grandes áreas rústicas na periferia das cidades, e as vendiam em lotes a preços muito baixos. (Freitas, 2011, p.59)

Embora as carências económicas desta população, e a escassez de oferta no mercado formal, tenham contribuindo em muito para o aumento das habitações clandestinas, a verdade é que existe outro factor, sendo este de carácter mais “social”.40

A existência de um mercado habitacional clandestino, permite a esta população mais carenciada construir a sua própria habitação, de modo a realizar o sonho da casa própria, unifamiliar, que tende a ser o mais semelhante possível com a casa que possuíam no interior, tendo estas também se possível, um jardim ou uma pequena horta, que permitem não só um espaço de lazer adicional, como também um espaço que ajuda no próprio sustento da família, uma vez que esta pode cultivar produtos para o seu consumo. De facto, este modelo, permite o utilizador ter uma casa mais “personalizada”, que esteja de acordo com as suas necessidades. 41

Quintas, ao citar Teresa Costa Pinto, salienta que este modelo de habitat é um “[...] indicador de uma dupla atitude de rejeição / afirmação, isto é, uma rejeição de certos traços e comportamentos da vida urbana e uma conquista do necessário espaço de reprodução de um modo de vida rural na cidade[...]”.

não aquela dos imigrantes com emprego precário ou mal pago, com dificuldade no alojamento. Este novo mercado clandestino vai ter como grandes clientes os operários qualificados e trabalhadores dos serviços que deste modo conseguem aspirar às residências unifamiliares, muitas com jardim, garagem, etc. (Quintas, 2008, p.8) 40 Quando questionados ao que leva uma pessoa a optar pela habitação clandestina podemos estar perante dois tipos de indivíduos, muito distintos, seja no quadro social (sociedade onde se insere) ou mesmo económico. Por um lado temos as pessoas que vivem em condições precárias de alojamento, com um crescimento acelerado e descontrolado do agregado familiar, com baixa ou nenhuma instrução académica e que por isso vivem com graves carências económicas, sem capacidade de poupar para uma habitação ou mesmo de possuírem um crédito bancário para a aquisição de casa própria. Dado toda esta conjuntura a única solução é a construção da sua própria casa a baixos custos e sem pagar imposto algum; Por outro lado existem as famílias que optam pela construção clandestina, mas por outras razões. São famílias com um agregado familiar estabilizado, com filhos em idade escolar, ou com filhos em via de formar as suas próprias famílias, ou mesmo agregados familiares constituídos apenas por duas pessoas (cônjuges). São indivíduos com uma situação profissional estável ou em fim do ciclo profissional (reforma). São ainda, em alguns casos, possuidores de um poder económico elevado. Nesta situação, a questão da habitação clandestina prende-se com o facto de querer construir uma casa à sua semelhança. A casa neste tipo de construção é vista como um marco dos gostos do proprietário, dos seus objectivos e ambições que pretende alcançar. (Pinto, 1998) 41 (Pinto,1998)

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[...] Este “modo de habitar” permite uma apropriação do espaço definida pelos próprios utilizadores, possibilita a sua concepção e organização e, igualmente, uma privacidade e independência que não é possível suceder num qualquer andar de um prédio. (Quintas, 2008, p.11)

Para além disso, “a realidade é que o Estado nunca se preocupou verdadeiramente em accionar mecanismos que impedissem o desenvolvimento e expansão do ‘movimento clandestino’ em torno da habitação.” (Quintas, 2008, p.9)42

Lisboa nos finais da década de 50, mostrava fortes sinais de mudanças estruturais e sociais. O crescimento da cidade abrandou um pouco, mas continuava a crescer num ritmo extraordinário, e a sua expansão nos concelhos limítrofes aumentou.

À falta de um plano director do desenvolvimento da área de influência da capital, não tem sofrido praticamente limitações a instalação de indústrias nos seus arredores, nem tem sido possível impedir o crescimento desordenado das povoações suburbanas e a criação de novos núcleos populacionais, ao sabor das iniciativas particulares. (Proposta de Lei nº14/59 republicada em MOP, apud Nunes, 2013, p.85)

Em 1959, o governo relança o programa das Habitações de Renda Económica com uma legislação específica – Decreto-Lei nº. 42 454/59.

Na peça legislativa, o governo reafirmava a vontade de ordenar as novas vias de circulação e os interstícios por elas gerados, as localizações industriais e os espaços residenciais, a inserção das populações residentes e as que compunham os fluxos migratórios de mão-de-obra que à cidade e aos seus arredores afluíam. (Nunes, 2013, p.86)

42 A incapacidade do Estado e do mercado em criar estratégias articuladas que possibilitassem integrar nas áreas urbanas as famílias “potencialmente clandestinas”, permitiu ao “movimento clandestino” desenvolver-se e consolidar-se assente numa certa cumplicidade do Estado que, deste modo, não deixou de “corresponder aos interesses do capital industrial, da propriedade fundiária e imobiliária, e do próprio Estado” (Serra, 2002:160). De facto, a construção clandestina possibilita, “baixar os custos da reprodução da força de trabalho, tanto ao nível da habitação (reprodução simples) como ao nível do equipamento e infra-estruturas (reprodução alargada)” e, também, oferece “aos capitais privados o benefício de uma força de trabalho urbana sem demasiados encargos”(Rodrigues, apud Quintas, 2008, p.9)

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3.3. O GABINETE TÉCNICO DE HABITAÇÃO (GTH)

Meses mais tarde, foi criado na Presidência do Município de Lisboa, o Gabinete Técnico da Habitação (GTH), com o intuito de resolver o problema da habitação da capital e da zona suburbana.43

O GTH, teve um papel muito importante na sociedade, uma vez que introduziu novas políticas urbanas e inovadoras no urbanismo, através de operações de grande escala, onde foram integradas diferentes especialidades. Para além disso, o GTH, foi encarregado de construir casas e conseguiu construir cidade, onde as quatro funções da cidade se misturam – Habitação, Trabalho, Equipamento e Circulação.

Depois do grande Bairro de Alvalade, que tirou do Areeiro, os limites da cidade e a prolongou para oriente em direcção ao novo aeroporto da portela, foi decidido urbanizar mais de 700 ha de terrenos baldios, hortas e quintas. Assim, a principal missão do GTH, era projectar e construir os novos bairros da zona oriental, dos quais resultaram os primeiros “grands ensembles” lisboetas – Olivais Norte e Olivais Sul.

Estes bairros foram concebidos enquanto conjuntos, e previa-se nos seus planos, que fossem construídos determinados equipamentos públicos, como é o caso de escolas, creches, igrejas, esquadras da polícia, espaços de comércio, etc..., de modo, a garantir uma relativa autonomia urbana.

Na origem desta nova forma de produção de alojamentos de cariz social encontra-se, por um lado, o programa das Habitações de Renda Económica e , por outro, um apurado labor de programação, de planeamento urbano, e de controlo de execução de obra realizado entre 1959 e 1969 pelo Gabinete Técnico de Habitação da Câmara Municipal de Lisboa. (Nunes, 2013, p.89)

Ilustração 22 – “Boletins do GTH números 8, 9 e 12”. (Nunes, 2007, p.38)

43 O âmbito da actuação do GTH, foi durante muitos anos, apenas circunscrita às zonas definidas pelo Decreto-lei nº 42.454 de 18 de Agosto de 1959 – Olivais Norte, Olivais Sul e Chelas.

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Olivais Norte

Ilustração 23 - “Plano dos Olivais Norte”, Realizações e Planos - GTH, 1972. (Pedrosa, 2010, p.33).

O primeiro bairro a ser construído foi o dos Olivais Norte (1959-1965), com 2500 fogos planeados para uma população de cerca de 10 000 habitantes, numa área de 40 ha.44

A Carta de Atenas de Le Corbusier, marcou este novo tecido urbano, e o “(...) plano contemplava uma série de escalas coordenadas que iam desde a unidade habitacional até a dimensão urbana, contemplando uma série de premissas funcionalistas.” (Carvalho, 2012, p.95). Os Olivais Norte eram caracterizados:

[...] pela organização de grandes blocos “soltos” num verde quase natural; pela qualidade do projecto de espaços exteriores de Ponce Dentinho (zonas verdes e zonas pavimentadas); pela grande dimensão de zonas verdes residenciais onde todos os edifícios se dispõem em total relação com o movimento aparente do sol; pela pioneira e nunca igualada integração de tipos de tráfego (peões e veículos); e provavelmente mais importante do que tudo isto pela harmonizada integração de diversos grupos sociais. (Coelho, 2009, p.72)

44 O Munícipio de Lisboa responsabilizou-se pelo desenho urbano, o loteamento, o projecto dos edifícios e respectiva construção. O plano foi desenvolvido no âmbito do GEU, Gabinete de Estudos de Urbanização, por uma equipa constituída por vários elementos como Guimarães Lobato, Sommer Ribeiro, Pedro Falcão e Cunha. (Carvalho, 2012, p.95)

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Os Olivais Norte são também dotados de uma grande diversidade de tipologias, volumes e formas habitacionais. Para além dos edifícios isolados implantados no meio do verde sem estarem alinhados ao longo da rua, existem outras tipologias, como é o caso de: torres, edifícios em banda contínuos, blocos de habitação, etc.., abrangendo uma população de habitantes muito diversa que contribuiu para o sucesso da integração social.

Neste bairro a rua tradicional desapareceu dando lugar a uma rede circulatória dividida entre vias pedrestes e vias mecânicas. Os arruamentos principais estabeleciam as entradas e saidas do bairro, já os de serviço, com acesso fácil a todos os pontos de cada célula, desviavam a circulação das vias principais. Os passeios para os peões foram pensados para ligar distancias não muito longas entre os pontos-chave do bairro. O estacionamento dispôs-se ao longo das ruas e nas zonas com equipamentos. Os equipamentos previstos e construidos eram compostos por um centro cívico recreativo, escolas para crianças da instrução primária e pré-primária, centro comercial, mercado e ainda uma igreja. (Carvalho, 2012, p.97)

Outro aspecto interessante no caso dos Olivais Norte foi a forma como foram atribuídos e encomendados os projectos.45 Estiveram envolvidos dezenas de arquitectos na sua construção, e os arquitectos escolhidos já tinham alguma maturidade e experiencia em projectos, no entanto, havia a obrigação de serem associados a arquitectos mais jovens, o que contribuiu para uma riqueza maior dos projectos e esta “mistura” acabou por ser uma mais valia.

Ilustração 24 - “Esquiços da planta e dos alçados da Torre dos Olivais Norte”, Tostões, 2004. (Carvalho, 2012, p.96).

45 O bairro de Olivais Norte foi um dos primeiros laboratórios experimentais para a nova geração de arquitectos, formada no Congresso de 1948 e que defendia o movimento modernos em oposição ao Regime. (Carvalho, 2012, p.95)

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O contexto da época era o de responder às necessidades habitacionais emergentes, com vista a uma arquitectura que se adaptasse melhor às exigencias sociais. Deste modo, os edificios em banda nos Olivais Norte correspondem a uma etapa experimental na arquitectura portuguesa, testando novos conceitos arquitectónicos e métodos de construção e planeamento urbanístico. (Milheiro, 2009, p.80)

Ilustração 25 - “Foto do Bairro de Olivais Norte”, Tostões, 2004. (Carvalho, 2012, p.98).

Neste bairro foram projectadas seis torres de oito andares, com um amplo terraço no topo, da autoria de Nuno Teotónio Pereira46, António Freitas e Nuno Portas.47

46 Nuno Teotónio Pereira nasceu em Lisboa, em 1922. Diplomado em Arquitectura pela Escola de Belas Artes de Lisboa em 1949, formou o seu primeiro atelier com Chorão Ramalho, Alzina de Menezes e Manuel Tainha. Antes ainda tinha sido admitido na Federação de Caixas de Previdência, no âmbito dos projectos de habitação económica, campo em que acumulou uma vasta experiência. (...) A sua obra foi distinguida várias vezes com o prémio Valmor: Torres dos Olivais Norte (1968), Edifício Franjinhas (1971), Igreja do Sagrado Coração de Jesus (1975), e menções honrosas, em 1987 e 1988, pelo Quarteirão Rosa, no Restelo. Em 1985 recebe o prémio anual da Associação Internacional de Críticos de Artes (AICA), em 1992 o Prémio do Instituto Nacional de Habitação pelo conjunto de habitação de Laveiras- Caxias e, em 1995, o Prémio Municipal Eugénio dos Santos, pela reconstrução do edifício do café de Lisboa. Em 2003 foi doutorado “Honoris Causa” pela Universidade do Porto. (Milheiro, 2009, p.132-133) 47 Este projecto anunciava uma posição crítica aos princípios mais rígidos do movimento moderno, permitindo antever uma adequação funcional às vivencias. A postura tomada pelos arquitectos no desenho da torre de Olivais Norte denunciava de certa forma, as influencias da viagem realizada, por Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas, a Itália onde visitaram os bairros do plano INA-Casa. (Carvalho, 2012, p.99)

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As torres contêm ao todo trinta e duas habitações em fogos do tipo T1, T2 e T3. A torre é quadripartida, desmontada em dois corpos articulados, cada um com duas habitações. O centro, composto pelas áreas comuns, espaço de distribuição, resultou da aproximação não ortogonal dos dois blocos permitindo uma orientação dos fogos no sentido nascente-poente. Este ângulo de inflexão proporciona uma riqueza espacial e plástica única ao edifício, para além disso, a conjugação de aberturas e varandas nas fachadas confere-lhe bastante expressividade, assim como os desenhos formados pela modulação do betão nas paredes exteriores. […] Internamente verificou-se uma maior complexidade organicista nos fogos, pelas novas ligações e utilizações (…). Denota-se que o mobiliário foi estudado para um melhor aproveitamento das áreas mínimas. (Carvalho, 2012, p.99)

Ilustração 26 - “Torre Olivais Norte”, Freitas; Pereira; Portas, 1959. (Núcleo de Arquitectura do LNEC, 1996).

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Olivais Sul

Ilustração 27 - “Plano geral do Bairro dos Olivais Sul”, CML, 1967. (Carvalho, 2012, p.102).

O Bairro dos Olivais Sul (1959-1968), abrange uma área de 187 ha, destinada a 38250 habitantes, distribuídos por cerca de 8000 fogos.

Enquanto o plano dos Olivais Norte resulta de uma aplicação fiel do pensamento racionalista, na concepção dos Olivais Sul foram introduzidas algumas alterações resultantes do debate e da contestação em torno dos conceitos e da doutrina urbana da cidade ‘moderna’, da restruturação dos centros urbanos e das formas de crescimento das cidades. A estes factores juntar-se-iam as propostas resultantes da revisão de conceitos subjacentes às cidades novas inglesas [...]. (Heitor, 2007, p.5)

O plano foi desenvolvido pelo Gabinete Técnico de Habitação (GTH), com a colaboração de José Rafael Bordalo Pinheiro e Carlos Duarte, e ia de encontro com as experiências inglesas da altura, que valorizava os espaços verdes e organizava o espaço em unidades de vizinhança, as chamadas células.

[...] na altura [se vivia] o entusiasmo das realizações ingleses do pós-guerra, nomeadamente das cidades novas à volta de Londres previstas no Plano Abercrombie, que muitos de nós já tínhamos visitado. E a verdade é que, não seguindo à letra os esquemas de Harlow, Steverage ou Crowley, certo é que a estrutura de Olivais-Sul se

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inspira nos princípios gerais dessas cidades, nomeadamente na adopção do conceito de “unidade de vizinhança”. Mas fá-lo na perspectiva da sua aplicação a uma cidade como Lisboa, com um património histórico e arquitectónico muito peculiar e uma tradição de viver urbano que não é inglesa. Daí a insistência numa “vida de bairro” que tem tradução espacial em ruas, caminhos e praças, lugares tradicionais na nossa cidade de comércios, encontros e convívios. [...] (Duarte, apud Nunes, 2013, p.92)

No bairro dos Olivais Sul, os conjuntos edificados estão ligados pela estrutura verde e pelo esquema viário principal, com ruas de acesso restrito para cada bloco.

A prioridade é dada à circulação pedonal, com largos passeios, e a circulação dos automóveis é feita nas ruas principais, longe dos edifícios de habitação. Os edifícios correspondem às tipologias de banda e torre.48

Ilustração 28 - “Espaços públicos do Bairro Olivais Sul”, CML, 1967. (Carvalho, 2012, p.108).

Ao contrário dos Olivais Norte, nos Olivais Sul pode-se observar a estrutura celular da cidade, uma vez que a estruturação da cidade é hierarquizada, zonificada nas suas funções, e feita em torno de um centro cívico, onde se previa a formação de “(...) um modelo de povoamento de equipamentos e de possibilidades de frequência e de participação para a globalidade da população local.” (Nunes, 2001, p.261)

Os níveis foram definidos com base no número de habitantes e dotados de equipamento e serviços imediatos à habitação em função da hierarquia. A malha foi estruturada em função de células: quatro delas (B, C, D e E) foram destinadas a habitação; a célula F foi na maior parte ocupada pelo cemitério e integrou também um

48 “A qualidade de vida dos moradores foi umas das principais preocupações dos urbanistas do projecto, os arquitectos José Rafael Botelho e Carlos Duarte.” (Freitas, 2011, p.76)

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núcleo habitacional destinado a realojamentos; à célula G correspondeu ao centro cívico-comercial principal. As células habitacionais, incluíram para além das zonas verdes de protecção, recreio e desporto, o equipamento escolar e comercial adequado. (Heitor, 2007, p.6)

No bairro dos Olivais Sul, existe um grupo de edifícios, projectados pelo gabinete do arquitecto Nuno Teotónio Pereira e também da autoria de Nuno Portas, que se caracteriza por tipologias em banda e em torre.

Os edifícios em banda, de três pisos, são caracterizados pelo “serpentear da fachada”, onde “o arquitecto partiu do desenho de um hexágono, criando o movimento de fachada, numa demonstração da vontade de introduzir novas tipologias, mas remetendo também para as cidades ditas tradicionais.” (Carvalho, 2012, p.105)

Em relação aos edifícios em torre, estes deixam “de seguir o conceito de isolamento, para se integrarem na malha urbana do bairro e relacionadas, como conjunto, com os edifícios em banda, demonstrando uma vez o regresso às premissas tradicionais do desenho do espaço público (...).” (Carvalho, 2012, p.105)

Em ambas as tipologias, verifica-se o uso de tijolos burro como material eleito. As paredes são duplas, com caixa de ar no meio; o chão é de madeira, assente em tacos de cortiça, colocados sobre uma laje maciça.49

Ilustração 29 - “Foto e planta da Torre Olivais Sul”, CML, 1967. (Carvalho, 2012, p.106)

49 (Carvalho, 2012, p.107)

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Pela visualização da planta, pode comprovar-se a vontade dos arquitectos em dar ao projecto a ideia de promenade, através da surpresa causada pela descoberta de espaço a espaço, e que, de certa forma, se devia aos ângulos utilizados, maioritariamente agudos e obtusos. Existia, inequivocamente, uma complexidade interior devido a certas rotações, que contrariavam o ângulo recto, permitindo entradas de luz distintas e inesperadas, no caso dos dois quartos, tanto no T2 como no T3. (Carvalho, 2012, p.107)

Chelas

A expansão da cidade para Chelas já fazia parte dos planos de E. de Gröer, que devido a topografia do lugar, dividia a área em duas partes paralelas ao vale central: a zona poente era destinada à habitação e a zona nascente à industria, sendo estas separadas por uma zona verde.

Os estudos para o Plano de Chelas são iniciados em 1960, pelo GTH50, onde estava previsto o aumento da zona verde, de modo a separar com maior eficácia a zona habitacional da zona industrial.

Uma vez que o Plano de Chelas foi elaborado após o plano de Olivais Sul, foi possível aproveitar a experiência e repensar a cidade, tendo o plano base sofrido algumas alterações.

[...] é proposta uma estrutura morfológica baseada na divisão celular e hierarquizada do território definidora de núcleos de habitações de altas densidades, de um núcleo principal de equipamento, e de actividades mistas de interesse generalizado. Três anos mais tarde os objectivos prioritários de desenvolvimento mantém-se, mas são alterados os conceitos urbanos subjacentes ao Plano: é abandonada a estrutura celular e a distribuição pontual de equipamento em favor de uma estrutura linear. (Heitor, 2007, p.7)

Um dos principais objectivos deste plano era recuperar a via, a rua como espaço comunitário de convívio destinada apenas para os peões. Define-se aqui o conceito de traseira: a rua para os automóveis, os prédios que criam uma barreira física, e as traseiras como espaço de convívio mais tranquilo, destinado aos peões.

É introduzido outro conceito diferente dos Olivais em relação aos espaços verdes: em vez de os edifícios se localizarem no meio dos espaços verdes, existe uma

50 Da equipa, coordenada pelo Arquitecto José Rafael Botelho, faziam parte os Arquitectos Francisco da Silva Dias, João Reis Machado, Alfredo Silva Gomes, Luís Vassalo Rosa e Carlos Worm e os Engenheiros José Simões Coelho e Gonçalo Malheiro de Araújo. (Heitor, 2007, p.7)

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concentração dos edifícios nos cumes das colinas e as zonas mais baixas ou de melhor vista é que são destinadas às zonas verdes, como é o exemplo do Parque da Bela Vista.

No entanto, “ a concretização do plano ficou muito aquém das expectativas, deixando grande parte das intenções iniciais de parte, e avançando com as obras num ritmo de construção lento repetindo exaustivamente os mesmos projectos, e privilegiando a habitação em detrimento de faixas de equipamento e comércio.” (Milheiro, 2009, p.116-117)

Em relação ao plano de Chelas, é necessário destacar dois conjuntos habitacionais que “são ainda hoje edifícios de referência no panorama nacional. Falamos, por exemplo, da “Pantera Cor-de-Rosa” (1972) de Gonçalo Byrne51 e Reis Cabrita52, do conjunto habitacional “Cinco dedos” (1973) de Vítor Figueiredo53, com Eduardo Trigo de Sousa”, salienta Ana Milheiro (2009, p.117).

51 Gonçalo Sousa Byrne nasceu em 1941, em Alcobaça. Diplomou-se pela ESBAL em 1968. Trabalhou com Raúl Chorão, Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas antes de abrir o seu próprio escritório, em 1975. Em 1991 cria o gabinete GB Arquitectos e, dois anos depois, associa-se a Manuel Aires Mateus. Dirigiu o Jornal Arquitectos em 1980. Entre 1968 e 1988 foi professor titular de projecto arquitectónico na Cooperativa Árvore, no Porto. Foi professor convidado em Lausanne (Suíça), Nápoles e Veneza (Itália), Lovaina (Bélgica), Barcelona e Navarra (Espanha), Nancy (França), Gratz e Harvard (E.U.A.). É, desde 1992, professor do Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra. A sua obra mereceu várias distinções: Prémio Arquitectura da Secção Portuguesa da AICA (1988), Grande Prémio Nacional de Arquitectura da AAP/Secretaria de Estado da Cultura (1988 e 1993). Recebeu a Cruz de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1995). Entre as suas obras principais, destacam-se o Complexo Habitacional “Pantera Cor-de-Rosa” (Lisboa, 1972-74, com Reis Cabrita), duas agências bancárias da CGD (Vidigueira, 1981-84 e Arraiolos, 1986-92), a Reitoria da Universidade de Aveiro (1992-2002), a reconversão de um quarteirão no Chiado (Lisboa, 1994-2002), o Instituto Superior de Economia e Gestão (Lisboa, 1992-2002), o Centro de Coordenação e Controle de Tráfego Marítimo do Porto de Lisboa (1997-2002) e a Sede do Governo da Província do Bramante Flamengo (Loivana, 1998-2004). (Milheiro, 2009, p.133-134) 52 António Reis Cabrita nasceu em 1942, em Lisboa. Formou-se em arquitectura na ESBAL, em 1967. Trabalhou inicialmente em Luanda com Pinto da Cunha. Desde 1970 desenvolve actividade de investigação no LNEC, onde elaborou trabalhos relativos à sistematização e organização de projectos, à reabilitação e construção, cooperando ainda com os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Entre 1972 e 1979 trabalhou em conjunto com o arquitecto Gonçalo Byrne, sendo co-autor de vários projectos deste. Desde 1990 é professor catedrático convidado do Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Podemos destacar algumas obras suas como Projectos de Escritórios e Indústria (Luanda, 1968- 70, com Pinto da Cunha), uma Casa Unifamiliar (Sintra, 1984-86), uma Remodelação de Habitações (Armação de Pêra, 1987-88), a Sede da ISOPOR (Estarreja, 1987), Centros de Emprego (Lagos e Loulé, 1990-91) e a Central Telefónica da Reboleira (Amadora, 1992). (Milheiro, 2009, p.134) 53 Vítor Manuel Almeida Figueiredo nasceu em 1929, na Figueira da Foz. Em 1959 concluiu o Curso de Arquitectura na Escola de Belas-Artes do Porto, com a classificação de 19 valores. Nos anos 60 e 70, como profissional independente, dedicou grande parte do seu trabalho a projectos de habitação multifamiliar, passando, nos anos 80, a intervir noutro tipo de programas mais relacionados com equipamentos públicos. É durante esta década que apresenta pela primeira vez a sua obra, na mostra de projectos de arquitectura da ARCO – Centro de Arte e Comunicação, e nos seminários de arquitectura da ESBAP, tendo sido seleccionado para a III Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste

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Os cinco dedos

(...) Figueiredo projecta um conjunto habitacional ambíguo, um edifício alto e estreito, de nove pisos, que se acede por galerias, repetindo-o depois cinco vezes e organizando-os radialmente num “leque”- formando os “cinco dedos”, nome de que o conjunto foi apelidado – num gesto que podemos chamar de “orgânico. (Milheiro, 2009, p.117)

Ilustração 30 - “Esquema da planta do conjunto habitacional 5 dedos”. (Milheiro, 2009, p.120).

Os blocos estão orientados de nascente até poente, e são implantados em relação à morfologia do terreno, ao contrário do que se sucede no urbanismo característico da Carta de Atenas, no qual os blocos são implantados perpendicularmente à via.

De frente para a rua, os blocos encontram-se abertos, acompanhando a curva da via principal, convergindo para um ponto central (imaginário) de distribuição, criando uma galeria central de distribuição que une todos os blocos. A partir deste núcleo central, o único espaço de ligação física entre os “dedos”, encontram-se quatro espaços intersticiais, que aumentam a sua largura à medida que nos afastamos do núcleo. Estes espaços foram originalmente previstos como área exterior de permanência e de contemplação da paisagem urbana. (Milheiro, 2009, p.118)

Gulbenkian, em 1986, e para a exposição Arquitectura Contemporânea 1960-1990 pela Fundação Serralves. Publicou o seu trabalho em revistas da especialidade, tais como a L’Architecture d’Aujourd’Hui, e exerceu actividade como docente na Universidade de Coimbra e na Universidade Autónoma de Lisboa. Recebeu inúmeros prémios, destacando-se o Prémio Arquitectura da Secção Portuguesa da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte, em 1986), o 1º Prémio para Programas Habitacionais de Setúbal (1989) e o Prémio Secil (1998). Entre as suas obras evidenciam-se os projectos de habitação colectiva – nos Olivais Sul (1960, com Vasco Lobo), em Santo Estevão (1964), em Benavente (1965), em Chelas (1973, com Eduardo Trigo de Sousa), e, com Duarte Cabral de Mello, no Alto do Zambujal (Lisboa, 1975-77) e em Setúbal (1976). Com outro tipo de programas, destacam-se a Agência Bancária da Caixa Geral de Depósitos no Lumiar (Lisboa, 1973), o Pavilhão Gimnodesportivo de Miraflores (Oeiras, 1990), a Capela de Albergaria dos Fusos (Évora, 1991, com Jorge Pinto), o Pólo da Mitra da Universidade de Évora (1991-98), a Escola Superior de Arte e Design (Caldas da Rainha, 1992-98, Prémio Secil) e o Corpo de Anfiteatros do Campus Universitário de Aveiro (1995-2000). Vítor Figueiredo faleceu em 2004. (Milheiro, 2009, p.135)

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“O espaço comum resultante da organização radial dos blocos resulta de uma abordagem diferenciada a projectos de habitação social, procurando dotar o conjunto de uma vida urbana rica e muito própria, que provocasse um sentimento de identificação.” (Milheiro, 2009, p.117)

Verifica-se também, a repetição do mesmo bloco habitacional, de modo a minimizar os custos mas “sem comprometer demasiado a qualidade de construção.” (Milheiro, 2009, p.117)

Cada bloco têm 25.5 metros de altura, 9.8 metros de largura e 65 metros de comprimento (com excepção do bloco do meio, que tem menos um fogo, tendo por isso 56.6 metros de comprimento).

A sua estrutura é feita por módulos porticados em betão armado, que modelam os volumes e projectam em consola os rasgos contínuos das galerias. Todos os panos verticais são em alvenaria e todo o volume é revestido a reboco, originalmente previsto para ser pintado de branco. A cobertura em laje de betão é revestida por dois planos em duas águas a partir de uma cumeeira em cobertura de fibrocimento. Para os espaços intersticiais, previa-se que mantivessem o seu declive natural e que fossem revestidos de pavimento inerte tipo gravilha, o que acabou por não acontecer. Hoje servem, na maior parte da sua área, como parque de estacionamento. (Milheiro, 2009, p.118)

O acesso aos apartamentos é feita através de galerias, com dois acessos verticais localizados cada um no topo das empenadas dos blocos. Cada piso têm 7 fogos, com tipologias T3, à excepção de um apartamento de tipologia T2.

Ilustração 31 - “Conjunto habitacional 5 dedos”, Figueiredo; Ferreira, 2010. (SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, 2013).

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Pantera Cor de Rosa

No conjunto habitacional “Pantera Cor de Rosa”, de Gonçalo Byrne e Reis Cabrita, “a implantação dos edifícios gera uma praça, articulando-se o conjunto em torno dela e relacionando-se com a rua. A praça age como espaço de transição, de absorção da presença exterior, e os edifícios que a definem reflectem esse cariz.” (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2014)

O programa desenvolve-se em blocos de tipologia em galeria, com cerca de 382 fogos (T2, T3 e T4), com áreas muito reduzidas, e comércio no piso térreo.

O princípio distributivo parte de um sistema circulatório complexo, com os acessos localizados em pontos sensíveis.

Uma primeira rede de galerias, à face da construção, assegura as comunicações principais, incluindo a passagem entre blocos por meio de “pontes”, existindo ainda uma segunda ordem de circulações, de distribuição aos fogos, cujo carácter mais intimista é denotado na forma como ora afloram o exterior do edifício ora nele desaparecem.

Por sua vez, tal como a galeria distribui da rua para o edifício, pequenos espaços semi- privados, definidos por uma marcação de pilares, estabelecem a transição da galeria para o fogo. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2014)

Ilustração 32 - “Conjunto residencial Chelas”, Byrne, 1972. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2014).

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No entanto, na altura em que os moradores se mudaram, o projecto ainda não se encontrava concluído, não havia electricidade ou água, o que teve como consequência a vandalização das tubagens, dos elevadores, e das lixeiras.

As casas de banho não eram usadas para o seu fim – as banheiras eram usadas para a criação de animais ou, com a posterior instalação da rede de águas, para serem cheia de terra para cultivar. (Milheiro, 2009, p.110)

Não haviam verbas para a manutenção dos edifícios, acabando por estes serem vendidos por preços muito baixos, ou deixados abandonados. Com o passar dos anos, os edifícios foram ficando cada vez mais degradados.

Ilustração 33 - “Pantera Cor de Rosa”, Byrne, 1972. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2014).

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3.4. O FUNDO DE FOMENTO DA HABITAÇÃO (FFH)

Os últimos anos do Estado Novo, iniciados com a chegada de Marcelo Caetano ao poder, em 1968, correspondem a um período de transição para as políticas que iriam ser desenvolvidas após 1974.

A insuficiência dos esforços produzidos no período anterior para colmatar ou sequer não deixar agravar os problemas habitacionais das famílias de menores recursos económicos, tornou evidente a necessidade de uma actuação mais forte e uma centralização significativa do Estado neste domínio, bem como a modernização e racionalização das estruturas governamentais e corporativas existentes. (Vilaça, 1997, p.105)

Assim, no domínio do alojamento, surge em 1969, o Fundo de Fomento da Habitação (FFH), “que procura centralizar e organizar as múltiplas vertentes da questão do alojamento numa única estrutura administrativa” (Serra, 1997, p.8). No entanto, “enquanto instrumento de intervenção na promoção habitacional do Estado Novo, teve até 1974 um papel discreto.” 54 (Rodrigues, 1999, p.85)

Paralelamente, procura-se intervir na questão fundiária com a Lei dos Solos de 1970, de modo a “resolver os problemas da disponibilidade dos terrenos destinados a urbanização” , [...] e contribuir assim para o incremento da sua produtividade e modernização, atraindo o investimento privado para estas áreas. (Serra, 1997, p.8)

Em 30 de Dezembro de 1972, através do Decreto-Lei nº587/72, é revista a Lei Orgânica do Fundo Fomento de Habitação, onde este passa a ter competências como:

- o estudo sistemático da problemática de habitação, através da realização de inquéritos às populações sobre os problemas habitacionais e as soluções mais adequadas, tendo em conta diversos aspectos como as diversidades regionais, as carências, questões técnicas da construção, etc;

54 Nos dois primeiros anos, o reforço da intervenção pública manifestou-se, quer no fomento directo de habitações, quer na diversificação dos apoios e programas de produção indirecta, nos domínios da política urbanística e de solos. Houve um esforço ao nível da promoção indirecta, através da criação de diversos programas de apoio técnico e financeiro aos promotores privados e cooperativos, tais como os “Contratos de Desenvolvimento”, os “Empréstimos às Câmaras”, as “Cooperativas de Habitação Económica”, o “SAAL” (Serviço Ambulatório de Apoio Local que consistiu num programa cooperativo combinado com um sistema de renda resolúvel, apoiado financeira e tecnicamente pela Administração Central) e o “Programa de Recuperação de Imóveis Degradados” (PRID). No domínio da política urbanística e de solos destacam-se, ao nível da intervenção das autarquias locais, medidas como a criação dos Gabinetes de Planeamento Urbanístico (GPU), os Grupos de Coordenação das Obras Municipais (GCOM), os Gabinetes de Apoio Técnico (GAT) e os Serviços Municipais de Habitação (SMH). Embora tivesse aumentado a promoção da construção habitacional, intensificou-se a especulação imobiliária e os preços no mercado legal, tornando a aquisição inacessível às camadas sociais com baixos rendimentos. (Rodrigues, 1999, p.85-86)

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- a coordenação das iniciativas respeitantes ao sector, a regulamentação de empréstimos, a definição de orientações gerais e coordenação das intervenções sociais dos diversos Ministérios, de organismos autónomos e de empresas públicas no domínio da habitação; - a execução das medidas de política de habitacional da responsabilidade do Estado.

Ainda anteriormente, em 1971, foi fundada a EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa), através do Decreto-Lei nº 613/71, de 31 de Dezembro, por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, com o intuito de desenvolver e auxiliar no estudo e execução dos projectos urbanísticos.

No entanto, não foi possível alcançar a concretização destas medidas, sendo só com a passagem de um regime autoritário para um regime democrático, que se observam mudanças no domínio das politicas e estratégias de habitação.

A pesada estrutura burocrática do FFH, a aposta nos empreendimentos em grande escala, por conta dos grandes grupos da construção civil, e a desadequação a um Estado caduco, distante e hermeticamente estruturado, são algumas das razões que têm sido apontadas como justificativas da inoperância das reformas marcelistas. (Serra, 1997, p.8-9)

Não se pode dizer, que a diferença tenha sido assim tão grande com a mudança de regime, no entanto o período de 1974 a 1976, corresponde:

[...] à fase de maior esforço na definição estratégica de uma política habitacional, direcionada para o desenvolvimento de um verdadeiro sector público de promoção, para o lançamento concreto das bases de uma política fundiária e urbanística coerentes, e para uma efectiva acção reguladora do Estado sobre os processos do mercado habitacional. (Serra, 1997, p.9)

Foi durante o regime do Estado Novo que o problema da habitação clandestina surgiu, mas mesmo depois da restauração da democracia em 1974, este mantêm-se e o processo de urbanização não se resolve, no entanto, este período foi marcado por uma mudança no âmbito das políticas sociais. O estado vê que este problema precisa de uma solução urgente, e surge o Programa SAAL, com uma política de habitação direcionada para os mais carenciados.

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4. AS OPERAÇÕES SAAL

4.1. OBJECTIVOS E LÓGICAS

A 15 de Maio de 1974, após o golpe militar de 25 de Abril, Nuno Portas55 foi nomeado Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo do 1º Governo Provisório.

A 24 de Julho, Nuno Teotónio Pereira, entrega um documento no FFH, onde são definidos os objectivos e o âmbito de acção do Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL), sendo este extensível a todo o país, salvo raras excepções.

Teotónio Pereira definia, assim, uma esfera geográfica de acção do SAAL extensível a “todo o país com exclusão do concelho de Lisboa, e dos Planos Integrados a cargo do FFH”, que eram, à data, Monte da Caparica, Zambujal, Setúbal, Aveiro, Matosinhos e Guimarães. Eram excepções que traduziam a intenção de não perturbar as poucas operações de planeamento concertadas e abrangentes que era possível repescar do regime anterior: os Planos Integrados que o FFH tinha conseguido pôr em marcha naquelas áreas-piloto, e, no caso de Lisboa, as Unidades de Ordenamento e os novos bairros, Olivais e, sobretudo, Chelas que, por acção da Câmara Municipal e do GTH, vinham tentado comprovar, entre impasses e compromissos, a sua capacidade de estruturar a cidade. (Bandeirinha, 2011, p.118)

A 31 de Julho de 1974, dias depois, saía o Despacho conjunto dos Ministérios do Equipamento Social e Ambiental e da Administração Interna, que instituía o Serviço

55 Nuno Portas, Arquiteto português nascido em 1934, em Vila Viçosa. Cursou Arquitetura na ESBAL - Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, tendo concluído os seus estudos na ESBAP - Escola Superior de Belas-Artes do Porto, em 1960. Apesar da diversidade da sua obra arquitetónica, constituída maioritariamente por parcerias com outros arquitetos - inicialmente com Nuno Teotónio Pereira, com quem realiza a Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Lisboa, 1961-1970, Prémio Valmor de 1974), posteriormente com Camilo Cortesão no conjunto habitacional Somincor, Castro Verde -, a sua atividade destaca-se através do conjunto teórico desenvolvido, atividade que inicia ainda como estudante, na revista Arquitetura. Neste campo assume um papel fundamental na divulgação da arquitetura portuguesa no estrangeiro, demonstrado através da sua obra publicada, que incluí títulos como Architectures à Porto, Madraga, 1990, e Portogallo, Archittectura, Gli ultimi vent'anni, com Manuel Mendes, Electa, Milão, 1991. Em 1974, como membro do Governo, participou na elaboração do programa SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local), focalizando o seu trabalho a partir de então nas áreas de planeamento urbano, campo onde se assume como um dos mais importantes teóricos a nível nacional e internacional. Mediante este facto, participou em numerosos colóquios, seminários e conferências no estrangeiro, nomeadamente no Brasil, país com que mantém estreitas afinidades. Lecionou na ESBAL, de 1965 a 1969, onde foi assistente, e, desde 1983, na FAUTL - Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa. Integra o corpo docente da FAUP - Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, onde leciona Urbanística Contemporânea. Em 2005 foi galardoado com o prémio Sir Patrick Abercrombie de Urbanismo da União Internacional de Arquitetos. (Nuno Portas. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-06-04]. Disponível na www: .)

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Ambulatório de Apoio Local – SAAL – criado com o intuito de dar apoio às populações que se encontravam em situações precárias.

O Fundo de Fomento de Habitação era o responsável pela política de habitação, antes da revolução do 25 de Abril. No entanto, pouco resolveu os problemas de habitação da população mais carenciada, nem realizou qualquer empreendimento significativo até 1974. Só a partir de então, com o programa SAAL, que estava a cargo do FFH é que surgem mudanças significativas.56

Tratava-se de apoiar através das Câmaras Municipais as iniciativas das populações mal alojadas no sentido de colaborar na transformação dos próprios bairros, investindo os próprios recursos latentes e eventualmente monetários. (Costa, 2012, p.73)

Ilustração 34 – “Direito à habitação para o provo trabalhador”, Costa. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012).

56 Antes de 1974, durante a vigência do Estado Novo, os planos de habitação social, eram de um modo geral diferentes dos que se seguiram à reinstauração da democracia em 1974. Sendo, essencialmente, uma política ideológica do que quantitativa, o Estado Novo manteve, quase sempre, os mais carenciados à margem dos programas de realojamentos, deixando-os preferencialmente aos cuidados das instituições caritativas, e, claro, à mercê da construção clandestina, que desse modo, se torna numa solução “natural” para quem sem recursos económicos procura uma habitação. Os programas de realojamento eram destinados, sobretudo, aos indivíduos que reuniam as condições económicas e morais necessárias à defesa dos valores cristãos e da família tradicional. A habitação social planificada nesse período tem como um dos principais objectivos, o de garantir na cidade a ordem tradicional da sociedade portuguesa arredada do “bulício urbano”, através de uma edificação selectiva de casas unifamiliares em bairros de casa económicas (Gros; Baptista apud Quintas, 2008, p.7-8)

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Nascido num contexto político-social de fim de ditadura, cenário de revolução e reivindicação, assim como de grandes transformações sociais, o SAAL surgiu como um serviço descentralizado que foi construindo novas casas e novas infraestruturas, oferecendo assim melhores condições às populações carentes, que tinham direito a uma habitação digna também. No entanto, uma das premissas essenciais do Despacho, era a manutenção das novas casas nos mesmos locais tanto quanto possível, de modo a evitar as tentações de realizar operações dissimuladas de especulação, que teriam como consequência a deslocação dos moradores para áreas mais periféricas.

De facto, esse foi um dos grandes problemas da política habitacional do Estado Novo: a construção dos edifícios colectivos de alojamento social era feito na periferia das cidades, fazendo com que a população que outrora vivera numa zona central , ficasse mais longe do trabalho e dos serviços, assim como o acesso aos transportes era pior. Pode-se dizer que esta política de habitação, foi responsável pelo eclodir dos “guetos” sociais, uma vez que a população se sentia marginalizada e excluída do resto da sociedade.

Foi com o SAAL, que se veio a contrariar as políticas habitacionais desenvolvidas até então, reconhecendo aos moradores o direito de permanência no mesmo sítio, mantendo assim as mesmas ligações de vizinhança e inclusão social.57

A questão da necessidade de sair da barraca tinha de ser sentida pelas próprias pessoas. Não podia ser o governo só, que devido a existência de uma barraca, queria a sua destruição e o realojamento das pessoas numa casa. E se as pessoas quisessem ficar na barraca?

Por essa mesma razão, um dos pontos de partida do SAAL, tinha como pressuposto essencial uma coisa extremamente simples: a organização social da procura. Ou seja, não poderia haver processo nenhum de reabilitação de qualquer bairro que fosse, que não fosse desejada pelos próprios moradores.

57 A criação do SAAL apresenta aspectos totalmente inovadores em termos de política habitacional. Para além de apoiar a melhoria do alojamento, garante o direito à habitação no mesmo local (quando até aí as operações de realojamento de populações de barracas obrigavam sempre a mudança de local, no geral do centro para sítios distantes na periferia), permite a gestão e controlo dos empreendimentos pelas populações a que dizem respeito e assegura um apoio financeiro e técnico que devia atender às necessidades e possibilidades dos moradores cujo trabalho seria utilizado na própria execução de obras. (Salgueiro, 1986, p.676)

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Para além disso as operações SAAL, são caracterizadas pela: autoconstrução e auto- solução presente em vários casos, em que os próprios moradores participam activamente na construção das suas novas habitações e na transformação dos próprios bairros, investindo os seus próprios recursos, aliás sendo mesmo este um dos princípios do despacho, “era fundamental que a iniciativa partisse dos próprios moradores, da sua vontade de transformar as condições habitacionais” (Bandeirinha, 2011, p.121)58; presença dos técnicos no local de trabalho e o contacto directo com os moradores; a ajuda do Estado e a flexibilidade nas imensas burocracias, etc.

Ilustração 35 – “Participação dos moradores na construção das Ilustração 36 - “Participação dos moradores na construção das suas próprias casas, Meia Praia, Lagos”, Costa, 1975. (Centro de suas casas, Meia Praia, Lagos”, Dias, 2007. (Frame do Documentação 25 de Abril, 2012). documentário “As Operações SAAL”).

Definidas as premissas e objectivos era necessário proceder à sua estruturação, sendo apresentada uma proposta, pela assistente social Maria Proença, a 2 de Agosto, a qual foi aprovada pelo Secretário de Estado, Nuno Portas.

Quanto ao funcionamento, propunha a nomeação de um grupo de trabalho, sob a coordenação do vice-presidente do FFH, composto por técnicos que cobrissem áreas disciplinares muito diversificadas. Para esse efeito, avançava já com alguns nomes, entre os quais estavam o de Hélder Tiago, um engenheiro, o de Margarida Duque Vieira, uma assistente social, o seu próprio e o de Margarida Coelho, que era arquitecta da Direcção de Habitação do Norte – DHN. Deixava, no entanto, em aberto a cobertura de algumas áreas disciplinares, como o apoio jurídico ou a arquitectura paisagística. Para melhor enquadramento e integração da fase de arranque propunha um corpo de consultores composto por Nuno Teotónio Pereira, Bruno Soares e Bárbara Lopes.

Para o trabalho de campo, o “contacto directo com as populações”, a proposta de Maria Proença estipulava que, através da DHN, a Arqª. Margarida Coelho viesse criar uma delegação do SAAL no Norte. Quanto a resto do país, seria distribuído por dois

58 O despacho do Portas Incluía uma obrigação das populações se organizarem em comissões de moradores ou associações de moradores, um subsidio de fundo perdido para cada fogo mas contava-se com a própria mão de obra dos habitantes, na construção de casas.

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grupos de trabalho: um para a região de Lisboa, excluindo o concelho, que estava entregue à EPUL, composto por Nuno Teotónio Pereira, Pedro Botelho e Margarida Duque Vieira; e outro para as restantes áreas, composto por Hernâni Dias, Abel Corte- Real, Manuel Sotto Mayor Faria e Maria Proença. Era desejável que qualquer destes grupos pudesse vir a ser complementado quer em número de membros, quer em diversidade disciplinar. (Bandeirinha, 2011, p.123)

Assim, a 6 de Agosto de 1974, um despacho conjunto do Ministério de Administração Interna e da Secretaria de Estado da Habitação e Urbanismo (SEHU) determina a criação do SAAL, como a primeira parte de uma série de iniciativas no domínio das políticas de habitação.

Paralelamente, a imprensa noticiava o aparecimento do Programa SAAL, como uma resposta ao problema habitacional e este ia ganhando cada vez mais adeptos, e ao mesmo tempo, originando movimentos sociais.

[...] um pouco por todo o lado onde a miséria dominasse as condições urbanas e habitacionais levantavam-se vozes, pedidos, cartas para o poder local e para o poder central a reivindicar arranjos, esgotos, água, electricidade, erradicação de lixeiras, ruas, etc. (Bandeirinha, 2011, p.125)

Ilustração 37 – “Cartazes reivindicativos do SAAL”, Costa, 1975. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012)

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O Programa SAAL, foi um momento único da história da habitação social em Portugal, onde as organizações de moradores conquistaram espaço na opinião política e poder participativo; A população e os representantes do poder interagem e tomam decisões em conjunto.

Nunes (2003) refere que a 25 de Abril de 1974, o golpe militar abriu o caminho para um período histórico marcado por experiências sem precedentes no domínio dos movimentos sociais e da participação dos cidadãos. Emergem movimentos sociais urbanos, principalmente entre os estratos mais pobres, na condição de moradores alojados em condições precárias, organizando-se e apresentando uma série de reivindicações. Durante cerca de ano e meio, os trabalhadores da indústria, da agricultura e dos serviços, os movimentos de moradores de bairros urbanos, os estudantes, os intelectuais e os militares levariam a cabo um conjunto extremamente rico e sem precedentes de experiências de mobilização de massas, de constituição de organizações populares de base e de diversas formas de democracia participativa. (Rodrigues, 2009, p.56)

Ilustração 38 – “Organograma de pormenor da Direcção Nacional do S.A.A.L.” Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, 1974. (Grande, 2012, p.328-329).

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4.2. A HABITAÇÃO ANTES DO 25 DE ABRIL

Em Portugal, o início da participação dos utentes no processo de construção das habitações ocorreu em meados dos anos cinquenta. Foi em 1956-1957, que a Associação dos Inquilinos Lisbonenses – AIL, “assumia-se como interessada na promoção daquilo a que se chamava o inquilinato cooperador”. (Bandeirinha, 2011, p.63)

Segundo este conceito, o compromisso entre o inquilinato simples e o acesso directo à propriedade, os cooperantes não viriam a ser proprietários das habitações, mas sim inquilinos da entidade cooperativa que as promovia e as construía. Através da Câmara Municipal de Lisboa, foi-lhes prometido um terreno na Ajuda e o projecto de um conjunto de blocos de habitação colectiva, [...] entregue a Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral. (Bandeirinha, 2011, p.63)

A proposta desenvolvida continha quatro módulos em “T”, com vinte e cinco fogos cada, em que cada módulo era composto por dois blocos com quatro pisos (a haste do “T”) e a base com dois. A distribuição fazia-se por galeria e os fogos eram de várias tipologias – T1, T2, T3, T4 e T5, em que a sua organização seguia “[...] um conceito de espaço central – sala comum- para o qual convergiam todos os outros. A sala era, assim, aberta para a cozinha e servia de espaço de circulação para os quartos.” (Bandeirinha, 2011, p.63)

Ao mesmo tempo a AIL organizou uma exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes, cujo tema era “O Cooperativismo Habitacional no Mundo”, com o objectivo de ampliar a sua divulgação e alcance.

A exposição ocorreu entre 30 de Março a 7 de Abril de 1957 e foi altamente difundida pelos meios de comunicação da época. A sua montagem foi realizada por Frederico George59, coadjuvado por Nuno Teotónio Pereira, Bartolomeu Costa Cabral e Nuno Portas. Para além da exposição foram convidados arquitectos para promover conferências e outras iniciativas de carácter cultural.

59 Frederico Henrique George, pintor e arquitecto português, nasceu em 1915, em Lisboa, e morreu em 1994, na mesma cidade. Estudou na Escola de Belas Artes de Lisboa formando-se primeiro em pintura em 1937, arte a que se dedicou na primeira fase da sua carreira, tendo trabalhado na Exposição do Mundo Português (1940). Colaborou com o arquitecto Teotónio Pereira com estudos pictóricos para obras suas, nomeadamente a Igreja das Águas em Penamacor e o Bloco das Águas Livres em Lisboa. Formou- se em arquitectura, também pela Escola de Belas Artes de Lisboa, em 1950. Foi o autor dos projectos do Museu da Marinha e do Planetário Calouste Gulbenkian, ambos em Belém, Lisboa. (Frederico Henrique George. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-09-20].)

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Um dos principais atractivos da exposição foi o projecto de Teotónio Pereira e Costa Cabral, que para além da mostra dos desenhos e maquetes do conjunto habitacional, foi construído um fogo tipo em tamanho natural (a Casa Protótipo), possibilitando assim às pessoas percorre-lo por dentro, criticando-o e testando as potencialidades do seu uso, respondendo posteriormente a um inquérito onde expressavam as suas opiniões acerca do projecto.

Ilustração 39 – “Unidade de Habitação Cooperativa, planta de trabalho para estudo da Casa Ilustração 40 – “Fotos dos interiores Protótipo”, Espólio Nuno Teotónio Pereira, 1957. (Tavares, 2010, p.12). da Casa Protótipo”, Espólio Nuno Teotónio Pereira, 1957. (Tavares, 2010, p. 6-7).

Da exposição “O Cooperativismo Habitacional no Mundo”, de 1957, ficou a memória de uma das mais pertinentes tentativas de mediatizar a questão da habitação.

Nuno Portas apresentou uma comunicação subordinada ao tema “Problemas da célula familiar”, que foi posteriormente elogiada por Teotónio Pereira por se tratar de um trabalho que problematizava “simultaneamente no campo da sociologia e da crítica espacial”60. Das conclusões deste colóquio salientam-se, por um lado, a necessidade de constituição de uma “Secção de Problemas Psico-sociológicos do ‘Habitat’” e de um “Instituto de Habitação e Urbanismo”; por outro lado, a necessidade de encarar a habitação como um problema social, para evitar que,” no que respeita às classes mais desfavorecidas, [...] razões de ordem financeira possam justificar uma programação abaixo dos ‘limites críticos’ da habitabilidade”; por outro lado ainda e, finalmente, a recomendação de que os equipamentos, quer do fogo em si, quer dos conjuntos

60 Nuno Teotónio Pereira, Op. Cit., p.36

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habitacionais, fossem programados em função das exigências particularizadas de cada um dos “grupos humanos” a que se destinam61. (Bandeirinha, 2011, p.65)

Ainda nos anos sessenta, devido à construção da ponte sobre o Tejo, era necessário desobstruir o vale de Alcântara, que até então se encontrava densamente edificado com construções clandestinas.

Em primeiro lugar, demoliram-se as barracas que impediam a construção dos acessos à ponte, em seguida, realizaram-se as operações de saneamento, uma vez que era necessário “limpar” a paisagem com a aproximação da data de inauguração da ponte.

Evidentemente, os realojamentos resultantes destas operações foram mal planeados e mal executados, criando situações dramáticas. Houve três tipos de realojamento: prefabricados em chapa de ferro, edificação de módulos habitacionais em tosco e por último a própria reconstrução das barracas, com o material reaproveitado das que se tinham demolido.

Foi então que Nuno Teotónio Pereira denunciou com extremo rigor as condições desumanas da operação.

Por um lado, a razão de ser destas demolições mais tardias, já não se tratava de desobstruir os acessos mas, tão só, de libertar as vistas de imagens comprometedoras; por outro lado, a violenta mudança de um local mais central, onde os moradores tinham já a sua vida e as suas raízes, para uma zona mais periférica, mais complicada do ponto de vista de acessibilidades e, a agravar este problema, a falta de coordenação, de informação e de assistência aos desalojados, que eram literalmente metidos nas viaturas municipais, desconhecendo completamente o que os aguardava no destino; por outro lado ainda, a aberta discriminação relativa ao tipo de realojamento, com critérios baseados na raça, no número de filhos e até na situação legal do aglomerado; [...]. (Bandeirinha, 2011, p.66)

O Colóquio sobre Política de Habitação, que ocorre em 1969, “pretende reafirmar de um modo frontal a constatação, já patente nos Planos de Fomento que o antecederam, (...) da necessidade imperiosa de estabelecer um conjunto de medidas que se possam erigir como uma estratégia integrada para a resolução dos problemas que giram em torno da habitação, da construção civil e da promoção imobiliária.” (Bandeirinha, 2011, p.70)

61 Ib., e Associação dos Inquilinos Lisbonenses, Ano XI, 36, Setembro de 1957.

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É com este Colóquio sobre Política de Habitação, que se dá início a uma experiência- piloto de reabilitação urbanística e saneamento das condições habitacionais, que se baseia em algumas premissas, tais como:

a) “Aproveitar as vantagens sócio económicas permitidas por terrenos de “bairros de lata”, ou com outras utilizações, mas situados em condições de proximidade de equipamentos essenciais à promoção das populações visadas, e sobretudo com mais claras dificuldades de subsistência económica normal, e consequentemente, de solvência para os programas de habitação económica correntes;

b) Aproveitar os recursos latentes das próprias populações na base de uma “organização das comunidades”, solicitando-as a concretizar o espírito da iniciativa, eventuais poupanças, capacidade de trabalho normal ou extraordinário (recursos latentes) na prossecução de um plano de melhoramento gradual das condições habitacionais;

c) Ensaiar formas de organização do espaço urbano e de agrupamento das células de habitação, assim como das unidades de equipamento colectivo, que prevejam e favoreçam um sistema evolutivo de crescente melhoria das mesmas condições habitacionais. [...]” (Grande, 2012, p.307)

É após este Colóquio sobre Política de Habitação, que é criado o FFH (Fundo Fomento da Habitação) através do Decreto-Lei nº. 4903, publicado a 28 de Maio de 1969.

Mas, para além da estruturação orgânica do Fundo Fomento de Habitação, o Colóquio trás também outras consequências que, quer no âmbito jurídico-administrativo, quer no âmbito da adopção e maturação de conceitos, reforçam a convicção de que se poderia estar a caminho de uma política social mais adaptada à ideia de reprodução da força do trabalho.

Quanto ao primeiro tipo de consequências, cabe aqui destacar a chamada Lei dos Solos, aprovada pelo Decreto-Lei nº. 576/70, de 24 de Novembro, que define uma política tendente a diminuir o custo dos terrenos para a construção garantindo a possibilidade de expropriação sistemática como meio de os disponibilizar e de incentivar o investimento privado neste domínio. Podem, contudo, ser ainda referidos, entre outros: o Decreto-Lei nº. 166/70, sobre licenciamento das intervenções urbanas; o Decreto-Lei nº. 278/71, sobre controle da construção não licenciada, impondo a sua expropriação quando a demolição se revelar inviável; o Decreto-Lei nº. 561/71, sobre a execução de planos de urbanização; o Despacho de 15 de Janeiro de 1972, que impõe regras à aplicação dos capitais das instituições de previdência social, canalizando-os para a habitação económica; ou a Portaria nº. 398/72, de 21 de Julho, que define as condições mínimas de habitabilidade dos edifícios. (Bandeirinha, 2011, p.79)

Com este Colóquio o problema da habitação é encarada de um novo modo e são feitas grandes reformas institucionais e administrativas. Uma das “ideias” mais importantes é que “ a condição de cidadania implica directamente o acesso a uma

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habitação condigna. (...) a casa como consagração moral da célula familiar (...) “ (Bandeirinha, 2011, p. 80). Ou seja, a habitação é um direito e o Estado tem o dever de a prevenir. Mas para além disso, está associada uma outra ideia ainda neste colóquio: não basta apenas fornecer uma habitação, como se fosse um “dormitório”, é necessário acrescer o acesso a um conjunto de bens e equipamentos também, ou seja, para além do direito à habitação, há um direito à cidade, que permite usufruir todas as suas ofertas.

Outra ideia muito importante neste Colóquio, debate-se com a possibilidade de permanência da habitação no mesmo local, nas operações de realojamento, onde outrora os habitantes eram realojados nas periferias da cidade. Isto têm implicâncias muito significativas no âmbito social assim como na satisfação residencial e integração.

Com efeito, para além das projectadas consequências directas no âmbito meramente social, este principio contém também em si a questão da lenta consolidação dos tecidos urbanos, sob o ponto de vista físico e sociológico, bem como a consequente integração e enraizamento dos habitantes nesse tecido. Ou seja, para além de intervir na resolução do problema habitacional de um modo quantitativo, ensaiam-se também as possibilidades de, paralelamente, promover e consolidar a identificação sociológica dos habitantes com os espaços que ocupam. (Bandeirinha, 2011, p.81)

Está também associada a esta ideia, a necessidade de participação dos habitantes no processo de construção e em todos os níveis de decisões.

No entanto, apesar de todas estas novas discussões e ideias do Colóquio sobre Política da Habitação, não se observaram grandes alterações nas políticas de habitação:

[...] apesar da articulada argumentação de ordem social, económica, técnica, cultural e jurídica, apesar da análise, feita com base num trabalho rigoroso que já vinha de algum tempo atrás, ter sido devidamente complementada com propostas realistas que, sem elevar ao impossível os quantitativos do investimento, apenas alteravam o alvo e planeavam a produção, continuava a ser muito difícil estabelecer o compromisso com uma actuação coordenada e integradora dos diversos organismos do Estado, tendente à resolução cabal do problema do alojamento. (Bandeirinha, 2011, p.81-82)

Em finais de Abril de 1970, nasce uma proposta, elaborada por Nuno Portas e por Margarida Sousa Lobo, feita ao GTH (Gabinete Técnico de Habitação). Nesta proposta “são evocadas as conclusões do Colóquio sobre a Política da Habitação para se dar

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sequência a uma “experiência-piloto de ‘reabilitação urbanística e saneamento das condições habitacionais’ em moldes não convencionais”62.” (Bandeirinha, 2011, p.93)

A ideia base reproduzia-se, potenciar os recursos próprios dos habitantes dos bairros de barracas – espírito de comunidade, capacidade organizativa e de auto-construção – para dar início a um projecto de bairro com melhores condições de vida. O projecto definiria o terreno a ocupar, as infraestruturas urbanas, o núcleo inicial de cada fogo e as suas possibilidades de evolução futura, definindo os materiais e os sistemas construtivos. Paralelamente, seria elaborada uma fórmula regulamentar, que estabeleceria o complicado enquadramento jurídico do “direito de superfície” e balizaria os limites da iniciativa construtiva dos utentes, quer em prazo, quer em forma. O essencial da actividade desenvolver-se-ia no local, uma vez que, muito mais que um simples “projecto”, este trabalho assumiria o carácter de um “processo”, ao longo do qual as decisões técnicas ombreariam com a participação da comunidade, num acompanhamento constante e mutuamente enriquecedor. O “projecto” facilmente esgotaria as suas possibilidades de evolução, o “processo”, embora tecnicamente controlado, permitiria a abertura constante à dinâmica, social ou individual, da comunidade e dos seus membros. (Bandeirinha, 2011, p.94)

O local escolhido, para a implantação e consequente realojamento deste projecto, foi a Quinta do Pombal, que tinha sido acabado de ser adquirida pela Câmara Municipal de Lisboa.63

Foi, então, desenvolvido um projecto de habitação evolutiva que se estruturava em torno de um módulo de quatro fogos associados em “U”. Desses quatro fogos, dois faziam frente para a rua, os outros dois estavam mais recuados e eram servidos por um beco perpendicular. Eram casas pátio, em “L”, inscritas em lotes rectangulares de 10 por 8,4 metros, os mais recuados, e de 8 por 9 metros, os da frente. As possibilidades de evolução eram diversificadas e dependiam da dimensão considerada para o “núcleo inicial”, mas, de um modo geral, correspondiam à subida de um piso, num dos braços do “L”.

No que respeita às opções de ordem urbana, as ruas eram contidas, com um perfil transversal que alternava entre os 6 e os 9metros, e a disposição dos lotes criava alguns recantos que resultariam em pequenos largos. Os becos também eram assumidos como espaços potenciadores das relações de vizinhança.64 (Bandeirinha, 2007, p.94)

62 Proposta para Colaboração com o Gabinete Técnico de Habitação – CML – na Acção de Saneamento das Condições Habitacionais das Populações de Bairros de Lata ou Tugúrios de Lisboa, Lisboa, 30 de Abril de 1970 (pasta Nuno Teotónio Pereira 1970-1973). 63 As razões dessa opção estavam associadas à potencialidade de integração na malha urbana circundante, às possibilidades de utilização de equipamento já existente e à proximidade, condição que permitia aos realojados continuar a dispor da mesma linha de transportes urbanos. (Bandeirinha, 2011, p.94) 64 Esquema de fogos-tipo para o projecto de Habitação Evolutiva na Quinta do Pombal (pasta Nuno Teotónio Pereira 1970-1973).

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Ilustração 41 - “Nuno Portas e Margarida Sousa Lobo, Quinta do Pombal, Fogos evolutivos para autoconstrução, GTH Lisboa, 1970”, Arquivo do Arquitecto Nuno Teotónio Pereira. (Bandeirinha, 2011, p.94).

No entanto, nenhum edifício do projecto Quinta do Pombal chegou a ser construído, não passando apenas de “uma proposta de regulamentação processual e de uso para toda a operação. [...] Tão detalhada era, e também tão avançada, que chegou a ser repescada e revista, já depois do 25 de Abril, para enquadrar juridicamente o SAAL.” (Bandeirinha, 2011, p.95)

A 4 e 5 de Maio de 1973, realiza-se o último Congresso da Oposição Democrática, onde é visível todo o descontentamento, na área da habitação, e a urgência de mudança de regime para a resolução do problema.

[...] De todos estes trabalhos, raros são aqueles dos quais não sobressai uma ideia de queda do sistema político e económico vigente como condição necessária para a resolução de todos os problemas que se prendem com a qualidade de vida urbana e com a habitação: “[...] só um regime de feição democrática e descentralizada – que promova uma educação cívica-urbanística e procure interessar todo o País numa obra nacional de casas para o maior número –, integrada em vastos planos de fomento descentralizado de toda a nação, será capaz de dar a esta causa amplitude, a diversificação e o dinamismo de que carece”, afirmava então Keil do Amaral.65 (Bandeirinha, 2007, p.98)

“O SAAL seria uma potencial alternativa aos tradicionais serviços burocráticos, visando ultrapassar a morosidade de processos, inadequados e desajustados às situações e problemas que exigiam soluções e respostas a curto-prazo.” (Rodrigues, 2009, p.58).

65 Francisco Keil do Amaral, “O Problema da Habitação em Portugal – Generalidades”: 3º. Congresso da Oposição Democrática. Aveiro 4 a 8 d Abril de 1973. Teses. Segurança Social e Saúde. Urbanismo e Habitação, Lisboa, Seara Nova, 1973, p.141.

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4.3. O ARRANQUE DO PROCESSO SAAL

Ilustração 42 - “Concentração no Rossio, 25 de Abril de 1974”, Novais, 1974. (Biblioteca de Arte - Fundação Calouste Gulbenkian, 2013).

A 25 de Abril de 1974, após o golpe militar que acaba com 48 anos de um regime autoritário e ditatorial, e paralelamente ao inquieto processo político que se seguiu, deu-se o início de um período histórico marcado pelos movimentos sociais e a participação dos cidadãos; Houve uma determinante mudança de mentalidade, uma necessidade de “liberdade” e de luta pelos seus interesses.66

[...] foi crescendo nas ruas, nas praças, nos cafés, nos locais de trabalho, uma forma de estar social nova, foi-se consolidando a súbita consciencialização de mais liberdades, de mais direitos, da urgência de ter expressão, de ter voz, foi-se forjando a capacidade de reivindicar a igualdade, de clamar pela dignificação do trabalho, por melhores condições de vida, foi-se abrindo a possibilidade de estabelecer sínteses

66 O Estado Novo, enquanto regime, traduziu-se num Estado centralizador e autoritário, com características de repressão generalizada face às reivindicações. Tendo em conta este contexto, o 25 de Abril significou uma explosão de lutas, um movimento de libertação generalizada de toda a sociedade, a proclamação dos princípios de liberdade de associação, liberdade de expressão e de reunião, pondo fim à censura, à PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado, ou seja, polícia política), à falta de liberdade. (Rodrigues, 2009, p.56)

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entre campos de acção sociais, económicos e culturais até aí completamente estanques. (Bandeirinha, 2011, p.109)

Com este “clima de reivindicação de direitos”, também a população que se encontrava mal alojada, viu-se no direito de se manifestar.

Numa primeira fase, o objectivo foi a ocupação dos fogos recentemente acabados nos bairros sociais de promoção pública e semi-pública. Era compreensível. Por um lado, para quem vivia nas mais miseráveis condições, a vizinhança de dezenas de habitações vazias e acabadas de construir era uma tentação demasiado difícil de resistir. Por outro lado, era, de certo modo, proverbial a iniquidade de critérios na atribuição desses fogos e os inúmeros testemunhos de quem passara anos nas listas de espera a ver passar as oportunidades iam também legitimando essa suspeita. (Bandeirinha, 2011, p.110)

Deste modo, foram ocupados aproximadamente 2000 fogos, na sua maioria habitações municipais em construção, entre 26 de Abril e 9 de Maio de 1974, só na área de Lisboa.67

No dia 29 de Abril, registam-se ocupações no Bairro Camarário de Monsanto e no Bairro da Boavista. No dia seguinte, continuariam essas ocupações e eram referenciadas outras, no Bairro Valfundão, em Marvila. A 2 de Maio, os habitantes do Casalinho da Ajuda ocupavam massivamente o Bairro Fundação Salazar, que se passaria a denominar Bairro 2 de Maio. O surto de ocupações alastrar-se-ia à área da então chamada cintura industrial de Lisboa, a Associação dos Inquilinos Lisbonenses emitia um comunicado a pedir o congelamento das rendas. A 5 de Maio, cerca de 1000 moradores ocupavam 23 blocos em Chelas. Os ocupantes do Bairro da Boavista, entretanto, manifestavam-se em Belém, a 8 do mesmo mês, para afirmar o seu apoio à Junta de Salvação Nacional e, nesse mesmo dia, eram registadas mais ocupações nas casas de renda económica do Bairro Marcello Caetano, hoje denominado Humberto Delgado. O Presidente da Associação do Inquilinos Lisbonense, Roque Laia, afirmava nos jornais que é imoral a existência de casas vazias com tanta gente a viver em barracas e que, portanto, achava justo que fossem ocupadas. A 10 de Maio eram noticiadas mais ocupações em Chelas, bem como 84 fogos, em Madorna, destinados a funcionários das Caixas de Previdência e da Câmara Municipal de . (Bandeirinha, 2011, p.110)

Conscientes da seriedade da situação habitacional, os militares propunham a legalização destas ocupações, no entanto era necessário a criação de regras, tais como: “a organização dos ocupantes por bairro para que fossem iniciadas negociações com a administração; um limite para as rendas a pagar às instituições promotoras, que não deveriam ultrapassar 25% do salário; e a desocupação dos

67 (Bandeirinha, 2011, p.110)

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edifícios ainda em construção, para que as obras pudessem terminar.” (Bandeirinha, 2011, p.111)

Este era o panorama em que o país se encontrava, quando Nuno Portas foi nomeado Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, no primeiro governo provisório, a 15 de Maio de 1974.

A situação da habitação em Portugal, era uma questão delicada e a comunicação social, agora sem qualquer tipo de censura, divulgava com frequência as condições miseráveis em que se vivia em alguns bairros.

Ciente da problemática da habitação e do alojamento, Nuno Portas, “ (...) sentiu a necessidade de ponderar, rigorosa e distanciadamente, as linhas gerais da política a seguir.” (Bandeirinha, 2011, p.114)

[...] Nuno Portas nutria uma predilecção muito especial pelos processos de auto- construção tecnicamente assistida. Acreditava na necessidade de adequar uma fórmula de participação total aos limites da realidade objectiva. As condições fundamentais dessa adequação eram a existência de uma estrutura organizativa, que partisse realmente das bases, e a possibilidade de acção em todos os momentos do processo. Em seu entender, era, sobretudo, imprescindível que os destinatários das habitações “mexessem” na obra, esse era o meio mais directo para promover a apropriação e, também, para evitar que os membros das associações de base se tornassem meros funcionários administrativos, como tinha acontecido já com alguns dirigentes de cooperativas. (Bandeirinha, 2011, p.115)

No início de Julho, saí o despacho Programa de Acções Prioritárias a considerar pelos Serviços do Fundo de Fomento da Habitação68, que “ tinha como preocupação primordial a organização e a sistematização das carências, da oferta e da procura de habitação operante as novas condicionantes sociais e políticas (...). “ (Bandeirinha, 2011, p.116)

Neste despacho69, eram diferenciadas as possíveis “fórmulas de intervenção”, consoante o estrato em que a população se encontrava, ou seja, de acordo com o

68 A estrutura orgânica dos serviços do FFH, foi submetida, a um processo de renovação e de democratização. (Bandeirinha, 2011, p.116) 69 “Neste primeiro Despacho, Nuno Portas apostava num avanço das soluções a muito curto prazo e pretendia pôr em marcha a máquina produtiva e administrativa do FFH, sem mais impasses e delongas. Esta componente do Programa de Acções, desde logo denominada “serviço de apoio ambulatório local”, oferecia-lhe também essa possibilidade ao mesmo tempo que estimulava uma dinâmica, nova e mais motivadora sob o ponto de vista social, nalguns sectores do pessoal.” (Bandeirinha, 2011, p.117)

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rendimento e a capacidade de aquisição de cada um, como já tinham sido estipulados no Colóquio sobre Política da Habitação.

O despacho Programa de Acções Prioritárias a considerar pelos Serviços do Fundo de Fomento da Habitação propunha, portanto, quatro grandes grupos de soluções para a oferta de habitação: um para a população com capacidade de aquisição no mercado convencional, apoiada apenas por facilidades de crédito e de captação de aforro; outro para a população com acesso ao mercado de renda limitada; outro ainda para a população que apenas teria acesso a fogos de “rendas mínimas” em bairros de promoção directa do Estado, preferencialmente aqueles com planos anteriores “mais avançados”; e, por fim, para a população sem qualquer espécie de possibilidades de aquisição, mas que possuísse a capacidade de “organização interna”, ser-lhe-ia dado apoio estatal imediato, em terreno, técnica, infraestruturas e financiamento, e seria fomentado o seu envolvimento em “auto-soluções”. (Bandeirinha, 2011, p.117)

Foi nesta altura que se deu inicio ao arranque do processo SAAL, tão caracterizado pelo envolvimento da população.

Ilustração 43 - “Manifestação direito à habitação”, Costa, 1975. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012).

Primeiro foram identificadas as zonas de intervenção e os tipos de acções a desenvolver. De seguida, é feita a programação conjunta de cada intervenção pelas brigadas técnicas e pelos moradores e as suas comissões. O Fundo de Fomento de

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Habitação (FFH), era responsável pela organização e gestão do SAAL, e através das Câmaras Municipais dava resposta às exigências relativas aos meios necessários para a execução das várias tarefas.

Por todo o país desde o ao Norte, surgem operações SAAL, e pedidos de operações, com uma rapidez espantosa.

Havia três tipos de SAAL: o SAAL Norte, o SAAL Algarve, e o SAAL Lisboa e Setúbal.

Uma das principais características do processo SAAL, depreende-se com a diversidade e a diferença das várias intervenções realizadas ao longo do país. Enquanto que na área do Porto, as operações mais importantes, decorrem no centro urbano e predominam os blocos habitacionais de construção baixa; Na área de Lisboa, as principais intervenções são realizadas nos subúrbios da cidade, e prevalece a construção em altura e de média altura, agrupados em pátios ou em bandas, com galerias e acessos verticais muito acentuados. No sul, as operações SAAL, adoptaram também os tipos usados no Norte, ou seja, bandas ou pátios de casas unifamiliares geminadas ou em dúplex.

O SAAL surge ao mesmo tempo como uma experiência inovadora, relativamente à produção legislativa. “ (...) os problemas eram tratados na sua especificidade local (...)” (Portas, 1986, p.639), e a legislação e regulamentação ia sendo feita à medida que o processo ia evoluindo, em função do conhecimento obtido através das experiências de intervenção já realizadas.

No entanto, esta “flexibilidade” na regulamentação do SAAL, foi responsável pela fragilidade e ambiguidade do próprio processo, o que contribuiu para o atraso, do avanço e evolução das intervenções, e por vezes, o próprio bloqueio das operações. 70

70 No entanto, esta “liberação”, tinha mesmo de acontecer, porque o tempo que uma operação do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), desde o momento da decisão política até ao momento das pessoas habitarem as suas casas, levava em média sete anos.

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4.4. CONDIÇÕES DE VIDA E HABITAÇÃO DA POPULAÇÃO EM 1974 E AS ASSOCIAÇÕES DE MORADORES

Em 25 de Abril de 1974, quando se dá o Golpe Militar, a situação da habitação em Portugal era muito preocupante.

A carência cifrava-se em 600 000 fogos, com tendência para um vertiginoso agravamento. Cerca de 25% da população do território continental estava alojada em habitações sem qualquer espécie de indicadores de segurança, conforto, salubridade e privacidade [...]. Nas áreas rurais era muito evidente a carência de infraestruturas básicas. Nas urbanas, por sua vez, a degradação do parque habitacional existente crescia a par e passo com a avolumar incessante e extensivo das implementações precárias e clandestinas [...]. De um total calculado em dois milhões e meio de fogos, cerca de 52% não possuía abastecimento de água, 53% não possuía energia eléctrica, 60% não possuía rede de esgotos e 67% não dispunha sequer de instalações sanitárias.71 (Bandeirinha, 2011, p.68)

Ora toda esta situação provocou conflitos sociais, que juntamente com a alteração das forças sociais e políticas, originaram o início da emergência de movimentos sociais de luta pelo direito à habitação e a melhores condições de vida.

Ilustração 44 - “Manifestação de moradores”, Costa, 1975. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012).

71 Cf. António Fonseca Ferreira, Por uma Nova Política de Habitação, Porto, Edições Afrontamento, 1987, p.66.

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Devido a todo o clima que se vivia após o 25 de Abril de 1974, e à situação social e política, a população une-se e existe um sentimento de solidariedade em torno das carências e necessidades comuns.

Em Maio de 1974, surgem as Comissões e Associações de Moradores, que conquistaram espaço na opinião política e poder participativo. Assim, dá-se uma transformação no funcionamento e organização das políticas habitacionais, e a habitação social não está apenas a cargo dos “especialistas” e dos responsáveis, mas os próprios cidadãos tem um papel importante no processo.

Segundo Nunes (2003), a criação formal e o desenvolvimento do SAAL, enquanto processo, resultaram dos efeitos da articulação ainda que complexa e ambígua de um conjunto de actores colectivos: a) os moradores de zonas urbanas com problemas de carência habitacional, os seus movimentos e as suas organizações; b) os corpos científicos e técnicos ligados às políticas habitacionais e urbanas; c) o Estado, através dos seus serviços e departamentos sectoriais ou de base local, e d) os partidos e organizações políticas. A estes actores haveria que juntar a presença tutelar do Movimento das Forças Armadas, fundamental para a viabilização de vários tipo de acção popular assentes sempre numa legitimidade revolucionária. (Rodrigues, 2009, p.63)

No sistema tradicional do processo de construção, quando o inquilino chega, já está tudo feito e pronto a ser habitado, ora no SAAL essa premissa foi contrariada. O inquilino chega antes do edifício estar construído e de ser tomada qualquer decisão, e tem um papel participativo em todo o processo de construção, o que permite uma organização prévia e uma maior adaptabilidade das casas às pessoas que se destinam.

O principal objectivo destas associações era defender o interesse das populações dos bairros, que lutavam por melhores condições de vida e habitabilidade, assim como a permanência da habitação no local que já ocupavam.

Para além das acções desenvolvidas no sentido da conquista de condições habitacionais condignas, as Associações de Moradores constituíam, ainda, um espaço de desenvolvimento de competências dos seus membros, nomeadamente através dos jornais que quase todas possuíam: estes constituíam não só um veículo de divulgação de informação sobre a vida das associações, mas eram também espaços de reflexão, de manifestação, de expressão de opiniões, de debate e de apelo ao envolvimento dos moradores nas lutas. (Machado, 2011)

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No entanto, os moradores enfrentaram muitas dificuldades com as equipas do SAAL, uma vez que haviam tantas opiniões diferentes, originaram-se conflitos internos, que mais tarde vieram a contribuir para o final do programa SAAL.

Apesar do volume de operações desencadeadas (170 em 12 distritos abrangendo 41665 famílias) o SAAL teve poucos resultados práticos. Tal deveu-se às contradições que se geraram tanto no seio das várias instâncias envolvidas (populações, brigadas, autarquias, FFH, poder central) como no das relações entre estas. Um dos primeiros objectivos traçados, a obtenção de terrenos, foi extremamente difícil de concretizar. Segundo o Livro Branco do SAAL, em fins de Outubro de 1976 só tinham sido expropriados ou cedidos 13% dos terrenos necessários às operações em curso. Na mesma data tinham sido iniciada a construção de 2259 fogos, encontrando-se prontos para iniciar a construção, até Março de 77, mais 5741. (Salgueiro, 1986, p.676)

Ilustração 45 - “Manifestação contra o fim do processo SAAL, 23 de Outubro de 1976”, Costa, 1976. (Centro de Documentação 25 de Abril, 2012).

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4.5. O FIM DO PROCESSO SAAL

As políticas sociais (saúde, educação, habitação, segurança social, etc...), em Portugal e até 1974, eram escassas e insuficientes, não conseguindo dar resposta às necessidades das populações mais carenciadas.

Foi com a Revolução de Abril e com a mudança de regime, que se assiste a uma série de acontecimentos que permitiram a alteração das políticas praticadas.

Realizaram-se manifestações, surgiram movimentos sociais de protesto e accções reivindicativas, que até à altura eram proibidas pelo anterior regime. A população estava decidida em encontrar alternativas que dessem resposta às suas necessidades, e a participação pública nesta área aumentou.

Nos dois primeiros anos, o reforço da intervenção pública manifestou-se, quer na promoção directa de habitações, quer na diversificação dos apoios e programas de produção indirecta, nos domínios da política urbanística e de solos. (Rodrigues, 2009, p.51)

O período de 1974-1976, é assim caracterizado por uma maior intervenção do Estado na habitação, no entanto, apesar do empenho e esforço, não foi possível, em tão pouco tempo, obter os resultados práticos esperados. (Rodrigues, 2009, p.53)

Entre 1974 e 1975, as despesas do Estado em políticas sociais excederam, “o limite comportável pelos recursos financeiros produzidos pela actividade económica e compatíveis com os processos de acumulação.” (Andrade, apud Freitas, 2009, p.91)

A partir daqui, as Comissões de Moradores e o Estado começam a encontrar dificuldades pelo caminho, chegando mesmo, algumas operações que já tinham sido iniciadas a serem paralisadas ou bloqueadas.

Outro factor depreende-se com o aumento da exigência dos moradores, relacionados com a arquitectura e os acabamentos das habitações.

O programa SAAL começa a ser severamente criticado, a ser alvo de acções violentas e as instalações do SAAL Norte chegaram a ser alvo de atentados à bomba, organizadas por grupos extremistas.

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O atentado provocou uma vaga de revolta e de solidariedade entre as mais diversas entidades, directa ou indirectamente ligadas ao movimento. De Espinho ao Algarve, passando por Lisboa e áreas limítrofes, entre associações, comissões de moradores, trabalhadores dos serviços centrais e regionais, membros das brigadas, câmaras municipais, sindicatos e organizações políticas da esquerda, através de cartas, comunicados ou telegramas, manifestavam-se, ora repudiando o acto, ora oferecendo o seu apoio activo para a minimização dos prejuízos sofridos. (Bandeirinha, 2011 p.179)

Ilustração 46 - “Porto, bomba nas instalações do SAAL/Norte, 14 de Janeiro de 1976”, Arquivo do Arquitecto Alexandre Alves Costa. (Bandeirinha, 2011 p.180).

Em Fevereiro de 1976, foi publicado um relatório pelo Conselho Nacional do SAAL que enumerava vários pontos para a melhoria do serviço e “constatava-se a necessidade de fazer ajustes ao planos de actividades previsto para 1976 devido a uma redução orçamental de mais de 200 mil contos.” (Bandeirinha, 2011, p.182)

Entretanto, a 10 de Fevereiro de 1976, através do Decreto-6Lei nº.117-E/76, foi criado o Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção e duas Subsecretarias de Estado sob a sua dependência.72

72 O Engenheiro Eduardo Ribeiro Pereira seria o novo Ministro, para Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro seria nomeado outro engenheiro, Carlos Eduardo Ferro Gomes, e para Subsecretário de Estado da Construção Civil seria indigitado Armando Jorge Esteves Pereira. Um outro diploma, incluído no mesmo pacote legislativo, o Decreto-Lei nº. 117-D/76, criaria o Ministério das Obras Públicas em

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As medidas a tomar cada vez se afastavam mais da ideia inicial do SAAL. Ainda em Fevereiro de 1976, o Gabinete de Estudos e Planeamento do FFH comentava uma Proposta de Resolução do Conselho de Ministros sobre Política de Crédito à Habitação, da seguinte forma: “[…] embora o presente esquema não venha directamente ao encontro das classes mais desfavorecidas da sociedade portuguesa […], é de salientar que, de um ponto de vista estritamente financeiro, o mesmo é contraditório com o programa SAAL, na medida em que o escalão mais favorável para o crédito a conceder é menos oneroso do que o que se encontra a praticar no apoio às intervenções do tipo SAAL” 73.

A Direcção Nacional do SAAL reagiria, também prontamente, a essa Proposta de Resolução do Conselho de Ministros: um parecer do Arquitecto José Rafael Botelho e um conjunto de notas elaboradas pela Dra. Maria Proença, ambos unânimes no alerta que as decisões do Governo se estavam a distanciar, ou a alhear, do SAAL 74. Em resposta, a mesma Direcção Nacional elaboraria mais uma proposta para a redacção do Decreto de Financiamento, outra tentativa, sem resposta, para a fixação legislativa das operações. (Bandeirinha, 2011, p.185-186)

À medida que o número de operações ia aumentando, os problemas aumentavam também: “os entraves burocráticos nas instituições do Estado, particularmente nas Câmaras Municipais, atrasavam os processos e levavam os moradores à descrença.” (Bandeirinha, 2011, p.189)

Nos serviços centrais do SAAL, era também tempo de balanço. Num levantamento terminado no final do mês de Abril de 1976, a situação das operações era, genericamente, preocupante. Mesmo as que tinham sido iniciadas mais cedo, estavam bloqueadas por falta de verbas, por falta de autorização camarária para tomar posse administrativa dos terrenos, por atrasos na Declaração de Utilidade Pública dos solos ou por qualquer outros entraves de ordem administrativa ou financeira. (Bandeirinha, 2011, p.192)

Pelo meio de tanta indecisão, tornava-se claro, apesar de tudo, que, para o Governo, o SAAL era um programa bastante incómodo, demasiado comprometido com formas já bastante avançadas de organização popular, mas também bastante comprometedor, uma vez que dizia respeito a um direito constitucional de grande significado social e com algum impacto na opinião pública. Os moradores pobres, por seu lado, habituados a ter um suporte institucional sempre ao lado das suas lutas, começam a vacilar, reconhecendo, melhor que ninguém, a guerrilha srda que opunha o SAAL às instancias de poder que o tutelavam. (Bandeirinha, 2011, p.201)

substituição do Ministério do Equipamento Social. Nesta substituição manter-se-ia o ministro, o Engenheiro Álvaro Augusto Veiga de Oliveira, mas o Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, que renderia Eduardo Pereira, seria o Engenheiro Manuel Taveira Pinheiro Guimarães Serôdio. (Bandeirinha, 2011, p.184) 73 Joaquim Manuel da Silva Neves, “Política de Crédito à Habitação” Gabinete de Estudos e Planeamento, 24 de Fevereiro de 1976: Livro Branco do SAAL 1974-1976, pp. 269-272. 74 José Rafael Botelho, “Parecer sobre o Financiamento das Operações SAAL”: Livro Branco do SAAL 1974-1976, pp. 272-273; Maria Proença, “Notas sobra a Proposta de Política de Crédito à Habitação”: Livro Branco do SAAL 1974-1976, pp. 273-275.

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Passado dois anos do início do processo SAAL, a 27 de Outubro de 1976 um despacho conjunto do Ministério da Administração Interna e do Ministério de Habitação, Urbanismo e Construção, sugere a extinção do programa SAAL e da sua estrutura orgânica de intervenção.

Segundo os ministros subscritores deste documento, Costa Brás e Eduardo Pereira, “(…) após dois anos de experiência, [...] algumas brigadas SAAL se desviaram, de forma evidente, do espírito do despacho que as mandava organizar, actuando à margem do FFH e das próprias autarquias, que deviam ser os principais veículos da conduçãodo processo”. Considerava-se também que “não tem as populações mal alojadas sido acompanhadas como se tornava imperioso que o fossem” e que “o número de fogos construídos até esta data [não] tem qualquer significado”. (Bandeirinha, 2011, p. 211-212)

No Despacho, as equipas do SAAL são acusadas de darem pouco apoio às populações, da incapacidade de obterem os terrenos para construção necessários e pelo número insuficiente de fogos construídos, como salienta Rodrigues (2012):

O Despacho reflecte, de forma inequívoca, a retirada de protagonismo aos moradores auto-organizados e equipas técnicas que os apoiavam, que eram acusados de transcender as incumbências que lhes haviam sido atribuídas e de actuar à margem das entidades estatais: “algumas brigadas SAAL se desviaram, de forma evidente, do espírito do despacho que as mandava organizar, actuando à margem do Fundo Fomento de Habitação (FFH) e das próprias autarquias locais”… “às Câmaras Municipais não foi facultada a possibilidade do seu contributo, nem ao FFH foi solicitada a ajuda técnica conveniente para este tipo de operações, nem os terrenos se conseguiram com a celeridade que o processo impunha, nem o número de fogos construídos até esta data tem qualquer significado”. Apesar destas críticas, aquando da saída do Despacho estavam em actividade 169 operações em todo o país, abrangendo 41665 famílias. Estavam em processo de construção 2259 fogos e o arranque de mais 5741 estava iminente. (Rodrigues, 2012)

“As competências do SAAL foram transferidas para as Câmaras, ficando encarregadas pelas operações em curso, sem todavia terem sido dotadas dos meios financeiros necessários.” (Rodrigues, 2009, p.60)

A inviabilização dos Programas SAAL e a ausência de respostas alternativas por parte do poder central motivou as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia a desenvolverem programas de Auto-construção e Auto-acabamento, de forma a dar resposta urgente à pressão dos cidadãos em situação de precariedade habitacional. Os programas de Auto-construção implicavam uma contratação entre as famílias abrangidas e a autarquia. O contrato previa a cedência de lotes municipais em direito de superfície às associações de moradores, a disponibilização de projectos-tipo de habitação, o fornecimento gratuito dos materiais de construção e apoio técnico e social. Os moradores forneciam a mão-de-obra e os materiais destinados ao interior das habitações e responsabilizavam-se pela demolição da sua barraca. Nos programas de

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Auto-acabamento a Câmara Municipal assegurava a construção da habitação e o morador responsabilizava-se pela conclusão dos interiores, sendo as habitações cedidas em regime de arrendamento social. (Rodrigues, 2012)

Com a extinção do SAAL, muitos projectos não foram concluídos até às datas que estavam estipuladas, e muitos deles acabaram mesmo por nunca serem construídos.

Pouco tempo depois da tomada de decisão de extinção do SAAL, verificou-se uma contenção no que se refere ao investimento público no sector, contrariando a tendência dos anos anteriores. As alterações legislativas, o fim da concessão de verbas às Associações de Moradores, em 1977, inviabilizaram muitos projectos ou não permitiram a completa exequibilidade de outros. Algumas Associações de Moradores desapareceram, outras cumpriram parte da sua missão, construindo casas para a população local (geralmente, não conseguindo abranger a totalidade), outras transformaram-se em cooperativas e anularam o sentido inicial da representatividade do bairro. Em alguns casos foi abandonada, definitivamente, a questão da habitação passando-se à direcção, promoção ou gestão de actividades de carácter social (equipamentos), cultural-recreativo ou desportivo. (Rodrigues, 2009, p.55)

Freitas (2011), salienta que as razões para a extinção do processo SAAL, são de origem política, social e histórica:

O Estado que ainda se estava a adaptar ao momento de transição da ditadura para a democracia, teve dificuldades em acompanhar e gerir tais mudanças como as que o Serviço SAAL pedia. Talvez pela falta de experiências passadas onde a participação social e política interagiam com a população e os seus representantes, confrontando as suas ideias e conhecimentos. (Freitas, 2011, p.93)

Apesar da curta duração do programa SAAL75, não podemos descurar a sua importância quer na arquitectura portuguesa e nas políticas de habitação social, quer na acção sociológica que teve.

Foi um período marcado pelo movimento que houve em torno da arquitectura, um momento activo ideológico e prático, para mudar a condição do país e resolver a questão da habitação.

75 O SAAL durou apenas dois anos, mas neste período juntou arquitectos de referência, engenheiros, sociológicos de Norte a Sul do país e dinamizou a questão da habitação social em Portugal. Nuno Portas, Nuno Teotónio Pereira, Siza Vieira, Souto Moura, Gonçalo Byrne, Raúl Hestenes Ferreira, Sérgio Fernandez, Alexandre Alves Costa, foram alguns dos arquitectos que integraram a grande equipa do SAAL, arquitectos de referência nacional e internacional, que apresentam a arquitectura Portuguesa com distinção.

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Mesmo tendo acabado o programa SAAL, o artigo 65º da constituição esta lá, o artigo sobre as comissões de moradores também esta lá, o Estado e as Câmaras são obrigados a ouvir os moradores e a dar competência às comissões de moradores para elas resolverem os problemas de habitação dos seus bairros e portanto penso que não se perdeu tudo e isto ficou na organização constitucional portuguesa; há muitos países que não tem na sua constituição uns objectivos tão avançados na matéria da habitação como nós temos. E isto é a marca, é a marca deixada por esse processo. (Dias, 2007)76

76 Arquitecta Helena Roseta, no documentário “As Operações SAAL”, de João Dias, 2007

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a realização desta dissertação, podemos retirar algumas considerações finais, reflexões essas, que tentarão traduzir ao máximo as ideias, conceitos e interpretações assimiladas ao longo de todo este estudo.

Em primeiro lugar, é necessário referir que a habitação social em Portugal é um tema muito actual e pertinente, mas um “conceito” relativamente recente, uma vez que os seus inícios remontam ao princípio do século passado, e surgiu como resposta ao aumento da população.

Sobre a temática da habitação social e do realojamento, encontram-se diversas interpretações e opiniões, mas de um modo em geral, é defendida a ideia de aquando a construção de bairros sociais, estes necessitam de estar integrados no tecido urbano e de respeitarem certos requisitos mínimos, de modo a contribuir para um sentimento de pertença e de satisfação residencial.

Nos casos em que tal não acontece, independentemente das razões, sejam elas por falta de verbas ou terrenos disponíveis, a concentração de uma população realojada em territórios periféricos e segregados, acaba por contribuir para a sua “ghetização” e para um crescente de problemas sociais. Para além da localização periférica, a falta de espaços públicos cuidados e de qualidade, assim como de equipamentos, resulta num aumento do isolamento da população realojada, e consequentemente, contribui para a sua exclusão social.

É através de um plano abrangente e concertado, com alterações ao nível da estrutura viária e da estrutura edificada, e com a qualificação do espaço público (nomeadamente com a criação de mais estabelecimentos comerciais e actividades económicas), que se pretende contrariar esta situação. É necessário combater a monofuncionalidade que muitas vezes estes bairros assumem, de modo a contribuir para o aumento dos fluxos urbanos, que mantém as cidades vivas, e que integram estes bairros sociais no tecido urbano.

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No entanto, os pontos problemáticos que predominam nestes bairros de habitação social não são unicamente de nível estrutural ou arquitectónico. Os bairros registam também diversos problemas sociais, nomeadamente: grandes diferenças étnicas entre a população, cujos costumes e modos de viver são muito diferentes e condicionam fortemente as relações efectuadas dentro do bairro; o facto de serem conotados como uma população conflituosa (muitas vezes ligados ao consumo e tráfico de drogas, prostituição, furtos, etc...), gerando uma imagem negativa para o exterior e para o próprio bairro; o facto da maioria da população residente nestes bairros ser marcada por características de precariedade sócio-económica (baixo nível escolar e de qualificação, desemprego ou mesmo empregos muito precários e sentidos como inferiorizados pelo resto da sociedade), que ajuda a acentuar a estigmatização e exclusão destes bairros sociais.

A partir desta primeira fase da investigação, uma série de conceitos e metodologias sobre a habitação social, que surgem de directrizes estudadas em diversos autores, permitiram compreender as temáticas estudadas e desenvolvidas ao longo da dissertação.

São defendidas metodologias colaborativas e participativas, de modo a contribuir para um sentimento de pertença e de identidade com as populações realojadas. De facto, é neste contexto que surge o estudo sobre o programa SAAL.

A questão da habitação social foi evoluindo ao longo dos anos, segundo motivações políticas e legislativas, cujo o principal objectivo era acabar com a habitação clandestina e as casas abarracas no país.

Os primeiros indícios de habitação social, as “ilhas”, no Porto, e muitos outros bairros sobrelotados de barracas em Lisboa, eram significados “centros de doenças”, e como tal, o motivo para a sua evolução, devia-se às questões higiénicas e às péssimas condições em que a população se encontrava alojada.

Mais tarde com o Estado novo, seguiu-se o Programa das Casas Económicas, contudo estas casas não podiam ser financeiramente suportadas pela maioria das famílias portuguesas.

Posteriormente, e após o I Congresso Nacional de Arquitecto, é que se dá inicio ao debate de questões e preocupações sociais relativas a este tipo de construção,

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surgindo o Gabinete Técnico de Habitação. Foi com o GTH que se deram os primeiros passos numa metodologia participativa, através da realização de inquéritos às populações, de forma a melhorar a sua experiência como moradores.

No entanto, as políticas sociais (saúde, educação, habitação, etc.), em Portugal e até 1974, eram escassas e insuficientes, não conseguindo dar resposta às necessidades das populações mais carenciadas. Só após a Revolução de Abril e com o Programa SAAL, é que se assiste a uma verdadeira mudança nas políticas sociais e habitacionais praticadas até então.

O Programa SAAL é por isso considerado um marco na história da arquitectura portuguesa e o início de uma verdadeira preocupação com a questão da habitação social, e com as populações mais carenciadas.

O processo SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), é assumido pela historiografia da arquitectura portuguesa como um momento essencial do século XX. Para além do debate tipológico em torno dos programas habitacionais, brigadas de arquitectos partilharam, em infindáveis reuniões de comissões de moradores, o desígnio das suas obras, pressupondo a resolução de carências básicas de uma franja da população portuguesa no período pós-revolucionário contribuindo assim para a construção de habitação num espírito de participação sem antecedentes. (Paulo Tormenta Pinto, in Milheiro, 2009, p.6)

O projecto SAAL tinha previsto uma duração de 10 anos, mas enfrentou uma série de problemas e ao fim de dois anos este foi extinto.

Na altura da sua extinção, em 1976, de acordo com o Livro Branco do SAAL, a situação era a seguinte:

- Total de famílias envolvidas nas operações iniciadas: 41 665, das quais 19 891 na região de Lisboa, sendo 13 509 da cidade de Lisboa;

- Total de novos fogos iniciados: 2259, dos quais 676 no distrito de Lisboa, sendo 172 na cidade de Lisboa;

- Total de fogos construídos: 136;

- Total de organizações de moradores constituídas: 158, das quais 52 do distrito de Lisboa, sendo 19 da cidade de Lisboa;

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- Total das Equipas constituídas: 95 que englobavam um total de 575 técnicos. (Andrade, apud Freitas, 2011, p.114)

Apesar da sua curta duração, não podemos descurar a sua importância enquanto experiência social e de democracia participativa que protagonizaram o processo.

Pela primeira vez, uma das premissas essenciais do Despacho, era a manutenção das novas casas nos mesmos locais, em vez de serem realojados nas áreas mais periféricas. Ou seja, era reconhecido aos moradores o direito de permanência no mesmo local, mantendo assim as mesmas relações de vizinhança e inclusão social.

Existia também uma multidisciplinaridade das equipas envolvidas no processo, e assistia-se a uma metodologia colaborativa, onde os moradores ajudavam a construir a sua própria casa, desenvolvendo assim um sentimento de pertença, dado pelo princípio sociológico da auto-construção.

Como referido, procurava-se saber quais as necessidades e hábitos dos moradores, não se tratava apenas de uma política de atribuição de casas, mas havia uma preocupação, no sentido de garantir o acesso a um conjunto de bens e equipamentos, contribuindo para a satisfação residencial e integração social.

O SAAL tentou em cada caso, encontrar a resposta adequada, de modo que fosse pela própria estruturação do Serviço (por áreas geográficas e tipo de problemas e ainda pelas coordenações de trabalho a elas ligadas) que a resolução de todas as questões de habitação fossem equacionadas e as soluções adequadas estabelecidas. (Coelho, 1986, p.622)

[...] Os aspectos de resolução de equipamentos colectivos e infra-estruturas teriam que ser pensados como prioritários (...), antes do habitacional [...]. (Coelho, 1986, p.627)

As Operações SAAL foram um projecto de habitação que envolveu arquitectos e populações numa iniciativa única e revolucionária, e ao mesmo tempo, afirmou a arquitectura portuguesa dentro e fora do país.

A problemática da habitação social e o problema da habitação clandestina não se resolveu depois de 1974. No entanto, foi a partir deste momento que este problema social se tornou uma preocupação com necessidade de resolução para o Estado.

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Para terminar, esta dissertação, ao concluir que conceitos e diferentes metodologias foram sendo aplicadas ao longo da evolução da habitação social e das suas políticas, percebe-se que tais conceitos e metodologias devem, cada vez mais, continuar a serem estudados e utilizados para que as soluções desenvolvidas possam ter um melhor impacto na sociedade. Pretende-se, igualmente, que os futuros arquitectos e profissionais de outras áreas reflictam cada vez mais sobre estas questões e que se tornem mais participativos e socialmente responsáveis por melhorar as questões da habitação social.

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