VANESSA CRISTINA ALVES KAIZER

FRANS KRAJCBERG E A ARTE AMBIENTAL: UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS

DO ENSINO MÉDIO DA E. E. ANTÔNIO MIGUEL C. NETO (RN/MG) E DA E. E.

GETÚLIO VARGAS (BH/MG)

Especialização em Ensino de Artes Visuais

Belo Horizonte Escola de Belas Artes da UFMG 2015

VANESSA CRISTINA ALVES KAIZER

FRANS KRAJCBERG E A ARTE AMBIENTAL: UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DA E. E. ANTÔNIO MIGUEL C. NETO E DA E. E. GETÚLIO VARGAS (MG)

Especialização em Ensino de Artes Visuais

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Ensino de Artes Visuais do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ensino de Artes Visuais.

Orientador(a): Profa. Dra. Mariana de Lima e Muniz

Belo Horizonte Escola de Belas Artes da UFMG 2015

Kaizer, Vanessa Cristina Alves, 1962- Frans Krajcberg e a Arte Ambiental: uma experiência com alunos do Ensino Médio da E. E. Antônio Miguel C. Neto (RN/MG) e da E. E. Getúlio Vargas (BH/MG): Especialização em Ensino de Artes Visuais / Vanessa Cristina Alves Kaizer – 2015. 62 f

Orientador(a): Mariana de Lima e Muniz

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ensino de Artes Visuais.

1. Artes visuais – Estudo e ensino. I .Muniz, Mariana de Lima e. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes. III. Título.

CDD: 707

Universidade Federal de Minas Gerais

Escola de Belas Artes

Programa de Pós-Graduação em Artes

Curso de Especialização em Ensino de Artes Visuais

Monografia intitulada Frans Krajcberg e a Arte Ambiental: uma experiência com alunos do Ensino Médio da E. E. Antônio Miguel C. Neto (RN/MG) e da E. E. Getúlio Vargas (BH/MG), de autoria de Vanessa Cristina Alves Kaizer, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

______Mariana de Lima e Muniz- Orientadora

______Prof. Dr. Maurilio Andrade Rocha

______Prof. Dr. Evandro José Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV PPGA – EBA – UFMG

Belo Horizonte, 2013

Av. Antônio Carlos, 6627 – Belo Horizonte, MG – CEP 31270-901

Agradeço a Deus, pela força concedida na realização de mais este sonho realizado. À Universidade Federal de Minas Gerais, à Escola de Belas Artes, ao Curso de Especialização em Ensino de Artes Visuais, pelo suporte institucional. À orientadora Dra. Mestre Mariana de Lima e Muniz, pelo apoio e encorajamento contínuos, e ao Prof. Dr. Maurilio de Andrade Rocha. Aos diretores, mestres, pelos conhecimentos ofertados; tutores, revisora, pela paciência. Aos colegas e a minha família, pelo suporte durante este trajeto.

RESUMO

O presente documento é o estudo de caso realizado em escolas estaduais mineiras, uma na capital e outra em Ribeirão das Neves. A finalidade do trabalho desenvolvido foi formar uma consciência crítico-reflexiva do discente apoiado na obra do artista plástico Frans Krajcberg, que por meio de sua poética artística alerta a sociedade a respeito das queimadas nas florestas tropicais brasileiras e suas consequências ambientais. A metodologia aplicada foi a Abordagem Triangular, sistematizada por Ana Mae Barbosa. Esse procedimento técnico-científico se baseia nos eixos: Apreciação Estética e Contextualização, ou melhor, a compreensão da arte como construção cultural e social; e o terceiro eixo é a produção artística. Este estudo resultou em várias obras criadas pelos alunos e muitos debates que alertam quanto às atitudes do homem sobre o ambiente. Toda ação tem uma reação de igual magnitude e sentido contrário – tal afirmação deriva da Terceira Lei de Newton, neste caso sendo usada na arte e a geografia.

Palavras-chave: Arte. Krajcberg. Crítica e reflexão. Abordagem Triangular.

LISTA DE IMAGENS

Figura 1 - Fragmentos de luz, memórias da destruição

Figura 2 - Casa de Krajcberg, Sítio Natura -

Figura 3 - Coleta de matérias para obras em Mato Grosso

Figura 4 - Frans Krajcberg imprimindo na areia, Nova Viçosa, 1975

Figura 5 - Pedras de Itabirito, Frans Krajcberg

Figura 6 - Conjunto de esculturas, 1991

Figura 7 - Conjunto de esculturas, 1988

Figura 8 - Sem título, queimadas, 1980

Figura 9 - Conjunto de esculturas 1995

Figura 10 - Flor do Mangue, Krajcberg

Figura 11 e 12 - Montagem da floresta calcinada - alunos da E.E. Antônio Miguel C. Neto

Figura 13, 14, 15 e 16 - Arte em folhas, alunos da 2ª série do Ensino Médio

Figura 17 e 18 - Esculturas em cipós

Figura 19 e 20 - Alunos pintando os cipós

Figura 21 e 22- Obras concluídas dos alunos da E.E. Getúlio Vargas

Figura 23- Obra do aluno 3º ano Ensino Médio E.E. Getúlio Vargas

Figura 24 - Vista de dentro do Espaço Cultural Frans Krajcberg, Jardim Botânico, – Paraná – Brasil

Figura 25 - Musée de Montparnasse,

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 8

CAPÍTULO 1 – ARTE CONTEMPORÂNEA E O TRABALHO DE FRANS KRAJCBERG ...... 11 1.1 Krajcberg e sua poética artística ...... 12 1.2 Série Africana ...... 22

CAPÍTULO 2 – ESTUDO DE CASO NAS ESCOLAS ESTADUAIS ANTÔNIO MIGUEL CERQUEIRA NETO E GETÚLIO VARGAS ...... 26 2.1 Alunos da Escola Estadual Antônio Miguel e alunos do Getúlio Vagas com as suas criações...... 30

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO NAS ESCOLAS ESTADUAIS ANTÔNIO MIGUEL E GETÚLIO VARGAS: UMA EXPERIÊNCIA COM KRAJCBERG ...... 34

CONCLUSÃO ...... 39

REFERÊNCIAS ...... 41

ANEXO 1 ...... 43

ANEXO 2 ...... 44

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INTRODUÇÃO

Criar significa poder compreender e integrar o compreendido em novo nível de consciência. [...] Este fazer é acompanhado de um sentimento de responsabilidade, pois se trata de um processo de conscientização. (OSTROWER, 1990, p. 253)

O pensamento criativo é importante na vida das pessoas, bem como na educação, pois propicia ao indivíduo a abordagem crítico-reflexiva, como também analisar sobre assuntos que afetam positiva ou negativamente o seu cotidiano. Esse processo permite à pessoa abandonar seu comodismo e estabelecer conexões que ainda não tinham sido feitas e a orienta para a prática de algo novo. O comportamento adquirido provoca divergências, opiniões e pontos de vistas diferentes ou até contrários. A escola é, muitas vezes, a fonte de solução para as indagações que afligem os discentes. Por isso, a arte é uma competência a ser construída por professores, alunos e comunidade escolar. Para que esse processo criativo aconteça, é preciso incentivar os discentes com conteúdos significativos e envolventes. A arte enquanto linguagem e meio de comunicação pode estabelecer entre os envolvidos, direta e indiretamente, ações, práticas, significados, espaços para expressões e reflexões surgidas no trabalho pedagógico.

A análise que se segue é sobre as composições do artista plástico Frans Krajcberg. Por meio de suas obras artísticas, ele conduz o espectador a refletir e criticar as atitudes do homem quanto à destruição das matas tropicais brasileiras. As florestas são fonte de vida e, quando não há influência externa, o equilíbrio entre a natureza e seus habitantes ocorre naturalmente. Através de procedimentos estéticos oportuniza-se a tomada de consciência de que é preciso manter a harmonia entre homem e natureza. Krajcberg transmitiu seu recado ao homem na inauguração do Espaço Cultural Frans Krajcberg, em 2003, em Curitiba:

Não escrevo, encontro imagens: essa é minha maneira de trabalhar. Meu alfabeto são as imagens vistas nas obras expostas, que devem,

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principalmente, ser ponto de partida para uma reflexão mais abrangente sobre o homem e sua relação com o meio ambiente. Por isso, esse espaço não se restringe apenas a exposições. Será um local de encontro, de reflexão, de proposições, de troca livre de ideias, de registro delas e de difusão do conhecimento alcançado. O planeta exige isso de nós.1

O primeiro capítulo deste apresenta a vida e obra do artista Frans Krajcberg. Narra-se sua resistência contra o preconceito racial e religioso sofrido desde a infância. O engajamento político e o interesse pelas artes vieram aos 13 anos. Lutou na Segunda Guerra Mundial por sua pátria e pela Polônia. Expulso do exército, encontra abrigo na Alemanha, onde estuda na Bauhaus. Presencia as vanguardas e vem para o Brasil em 1948, tentando melhorar de vida. Entre idas e vindas de Paris ao Brasil, encontrou um local que despertou seu sentimento de pertencimento, a vontade de continuar a viver sozinho com o que lhe dava prazer, a natureza. Esse local é Nova Viçosa, na Bahia. Lá sua obra artística surge de galhos, cipós, árvores calcinadas e outros elementos recolhidos das matas que sofreram queimadas. Suas viagens ao Mato Grosso, Amazônia, Curitiba – sua primeira casa –, Minas Gerais, São Paulo e Rio são relatadas.

A metodologia aplicada ao estudo de caso, realizado nas Escolas Estaduais Getúlio Vargas e Antônio Miguel Cerqueira Neto, respectivamente, localizadas em Belo Horizonte e Ribeirão das Neves, foi com base na Abordagem Triangular. Essa metodologia foi sistematizada por Ana Mae Barbosa, proposta que é hoje a principal referência no ensino de arte no Brasil, visando a uma melhor aprendizagem dos discentes. São abordados os eixos: apreciação e produção estética, contextualização e compreensão da arte como construção cultural e social. São explorados em cada eixo: a apreciação da criação artística e o desenvolvimento da competência para ler a obra de arte. Produção de obras envolve a pesquisa e o teste de vários recursos e materiais, sejam eles tradicionais ou inusitados, envolvendo ou não novas tecnologias. Trata-se do desenvolvimento poético pessoal e coletivo do indivíduo. Já a contextualização permite conhecer quando, quem, como e em que circunstâncias o conhecimento se deu. Complementado com a compreensão da arte como construção cultural e

1 KRAJCBERG, Frans. A Revolta, 1995. Fundação Cultural de Curitiba/Prefeitura Municipal.

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social, estabelece-se a vivência entre arte e o dia a dia, bem como outros campos do conhecimento. Esse fato possibilita ao discente o diálogo com outras disciplinas, fazendo-se conexões e relações entre os vários saberes.

A produção artística dos discentes, suas indagações reflexões e críticas foram abordadas no capítulo três, bem como as imagens de suas produções e o resultado do estudo de caso.

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CAPÍTULO 1 – ARTE CONTEMPORÂNEA E O TRABALHO DE FRANS KRAJCBERG

Em meados do século XX, as fortes transformações sociais, políticas e econômicas por que passava a sociedade também influenciaram o surgimento de um novo período da história da arte. Nascida na década de 1960, a arte contemporânea estende-se até os dias atuais e consiste em uma mistura de vários estilos, técnicas e diversas escolas.2 Seu objetivo é a negociação constante entre arte e vida, além da busca das inter-relações entre diferentes áreas do conhecimento humano. Canton (2009), que é PhD em artes interdisciplinares, define a arte contemporânea com propriedade:3

A arte contemporânea aborda assuntos como a superação da modernidade, o tempo e suas relações com a memória, o corpo, identidade e o erotismo, noções de espaço e lugar, reflexão e crítica sobre a sociedade e seu entorno, questões artísticas, estéticas e conceituais do cotidiano, a política, a ecologia, a ética como também as imagens geradas na mídia (CANTON, 2009, p. 13 e 49).

A arte contemporânea está vinculada a princípios institucionais e, por esse motivo, dá ao artista possibilidades ilimitadas de criação. Ele tem liberdade de atuar em suas obras sem o compromisso com discursos narrativos que expliquem o seu trabalho. Tal vertente de expressão artística repudia a obviedade pertinente aos objetos, coloca em evidência o caráter das representações artísticas e o próprio conceito de arte, como também o mercado de arte e sua validação. Amplia o espectro de atuação do artista, pois não envolve apenas objetos concretos, mas principalmente conceitos e atitudes. Nesse contexto, surge Frans Krajcberg, artista plástico, fotógrafo, escultor, gravador, pintor.

2 Katia Kanton é arte PshD em artes interdisciplinares pela Universidade de Nova York e livre- docente em teoria e crítica de arte pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. É professora de Arte Contemporânea (Mac-USP) e curadora de arte.

3-Ibidem CANTON, Katia.

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1.1 Krajcberg e sua poética artística

Não escrevo, encontro imagens: essa é minha maneira de trabalhar. Meu alfabeto são as imagens vistas nas obras expostas, que devem, principalmente, ser ponto de partida para uma reflexão mais abrangente sobre o homem e sua relação com o meio ambiente. Por isso, esse espaço não se restringe apenas a exposições. Será um local de encontro, de reflexão, de proposições, de troca livre de ideias, de registro delas e de difusão do conhecimento alcançado. O planeta exige isso de nós. (KRAJCBERG, 2003, em Curitiba, na inauguração do Espaço Cultural Frans Krajcberg)

Nascido na cidade de Kozienice, Polônia, Frans Krajcberg foi o terceiro de cinco filhos de comerciantes judeus. Perdeu pai e os irmãos em um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Sua mãe foi enforcada por ser um dos líderes do partido comunista polonês. Desde muito novo, conviveu com o preconceito e o isolamento, e escolheu as florestas, passando nelas muito tempo refletindo sobre a crueldade dos seres humanos contra a sua própria espécie.

Quando criança eu já me isolava nas florestas, não tinha nem a consciência nem o sentimento da natureza. Era aí o único lugar onde eu podia me questionar. Sofri muito com o racismo cruel por causa da religião. Eu me perguntava por que tinha nascido em Israel, não poderia ter sido num outro país onde poderia ser menos detestado. Minha mãe era militante e era sempre encarcerada. Eu participei de tudo isso. Tinha paixão por minha mãe. Aos treze anos comecei a me interessar por política e a ter vontade de pintar, só que não tínhamos dinheiro para o papel.4

Krajcberg integrou o exército de sua terra natal, mas foi expulso por ser judeu. Fugiu para a Alemanha e nesse trajeto perdeu as medalhas conquistadas no exército de seu país. Foi nas forças armadas que aprendeu o ofício de carpintaria e engenharia e colaborou com a construção de pontes e obras de artes. A perda de memória faz parte do tempo no exército, fato decorrente do seu soterramento, provocado pela explosão de uma bomba. Seu companheiro de batalha o salvou. Esqueceu alguns

4MONTOVANI, Therèse Vian; LANORE, Alban. Cronologia. Tradução em português: MOURACADÉ, Talia; Sananés Mimi. Disponível em: http://amgaleria.com.br/acervo/franskrajberg/#sthash.fwG8dN.dpuf. Acesso em: 12 de setembro de 2014.

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fatos como o dia de seu aniversário e a imagem do rosto de sua mãe. Ingressou na Academia de Belas Artes da Alemanha, onde foi aluno de Willi Baumedeister.

Eu estudei em um meio bem abstracionista, com grande influência concretista e novas formas da Bauhaus e tudo isso… E depois a arte bruta de Dubuffet, algumas coisas do Braque, Miró, Léger […] E principalmente Matisse, porque a grande exposição de Matisse me deu uma lição enorme! [KRAJCBERG, depoimento a João Meirelles Filho, 1984].

Em 1948 chega ao Brasil. Do foi para São Paulo, tendo sido contratado pela família Matarazzo como gerente de manutenção do Museu de Arte Moderna.

Ciccillo Matarazzo foi como um pai para mim, eu montei toda a Bienal, e tinha cinco quadros meus que ninguém sabia que era meu, eu trabalhava no Museu de Arte Moderna. Yara Fernandes, que era secretária de Cicillo, me ajudava muito [KRAJCBERG, depoimento a João Meirelles Filho, julho, 2011].

Nesse espaço de tempo entra em contato com pintores autodidatas de São Paulo. Mario Zanini, um deles, convida-o para trabalhar em uma encomenda de Portinari, azulejos para uma obra modernista. Krajcberg trabalha com Zanini, Volpi e Cordeiro. Seu convívio com artistas de São Paulo também o coloca em contato com Lasar Segall, e por intermédio do amigo é enviado ao Paraná para trabalhar em uma papelaria administrada pela família Klabin, também da comunidade judaica, que prospera com a colheita do pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia), o plantio de pínus e a nascente indústria de celulose e papel.

Eu trabalhava como engenheiro e desenhista técnico, desenhando casas e pontes, tinha uma casa muito conhecida no mato, com a maior coleção de orquídeas do Brasil. Depois parei com esses trabalhos e vivia só de cerâmica [KRAJCBERG, in MEIRELLES, 1984].

Ele passa a residir e trabalhar em Monte Alegre. É lá o seu primeiro contato, no Brasil, com a natureza.

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O imigrante polonês que desembarcou no Brasil tem uma necessidade urgente de renovação afetiva. É a natureza do Brasil que lhe trará a salvação e o gosto de viver. […] Krajcberg tornou-se um autêntico brasileiro por osmose naturalista. Esta osmose naturalista é ao mesmo tempo a projeção de um estado de consciência [RESTANY; KRAJCBERG, 1987, p. 14].

Krajcberg comenta: “Quando estou na natureza eu penso a verdade, eu falo a verdade e me exijo verdadeiro”. Nesse período teve a maior coleção de orquídeas do Brasil.5 Porém, com o passar dos dias, seu sonho se torna pesadelo, uma vez que passaria a testemunhar as queimadas, o corte ilegal das florestas pelos donos de terras e a ação dos madeireiros, que lucravam com a destruição das matas. Cortinas de fumaça varriam o céu, as cinzas e o carvão espalhavam-se pela terra, a falta dos sons da natureza evidenciava que a vida na floresta findava. Não concordando com tamanho desmatamento, Krajcberg abandona o Paraná e passa a dedicar-se à escultura e à fotografia, viajando pela Amazônia e pelo Pantanal mato- grossense. Viajou também para o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Ibiza, Mato Grosso, Amazônia e por fim se fixou na Bahia, a convite do amigo Zanini Caldas.

Figura 1 - Fragmentos de luz, memória e destruição.

Fonte: www.envolverde.com.br Acesso: 10/10/2015

5 KRAJCBERG, Frans. A Revolta, 1995. Fundação Cultural de Curitiba/Prefeitura Municipal.

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Sustentado pelo artesanato de ceramista – olarias, azulejos e estátuas pequenas –, isola-se na floresta para pintar. Em 1954, sua vida está um caos. Ele relata sobre esse período:

Desde que deixei Stuttgart, eu era um homem perdido. Moralmente eu caía não sabia mais me segurar. Odiava os homens. Fugia deles. Levei anos para entrar na casa de alguém. Eu me isolava completamente. Eu bebia e fumava muito. Mas, isolado por isolado, por que viver? A natureza soube me dar à força e me deu o prazer de sentir, pensar e trabalhar.6

Em 1957 naturaliza-se brasileiro e fixa residência em Nova Viçosa, Sul da Bahia, no lugar a que deu o nome de Sítio Natura. Nele ergueu uma casa a sete metros do chão para observar o que lhe era mais caro: a floresta tropical e os manguezais, os quais o artista dizia terem movimentos e riquezas que a arte ignora. Ele chamou essa casa nas alturas de “habitação do Tarzan”, sendo, no caso, ele próprio o Tarzan.

Figura 2 - Casa de Krajcberg - Sítio Natura, Bahia.

Fonte: www.fabiopenacalgaleria.com.br Acesso em 10/10/2015.

6 Ibidem MONTOVANI, Therèse Vian; LANORE, Alban. Cronologia

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A natureza tropical o seduziu, fez brotar sua sensibilidade de artista. Criou uma simbiose entre a vida e a arte, a qual ele batizou de naturalismo integral. Segundo Krajcberg, naturalismo “é trabalhar com, sobre e na natureza”.

[...] Construí minha casa na floresta. O artista não deve ir sempre ao encontro dá natureza, mas participar de sua época. Queria captar a natureza em seu sofrimento. Comecei a fotografar para ver melhor, mais perto, além do olhar. Descobri a cor, as terras de pigmentos puros, cores que são matérias. Se Mondrian passou da árvore ao quadrado, ele apenas aproveitou uma das possibilidades da árvore. Agora, nós devemos quebrar o quadrado para reencontrar a árvore. A Natureza integral pode dar um novo significado aos valores individuais de sensibilidade e criatividade. (KRAJCBERG, 2008)7

Frans foi e é imitado, suas obras são falsificadas por indivíduos inescrupulosos. Surgem marchands desqualificados como seu representante. Em poucos anos, sofreu oito roubos em seu sítio e em um deles foi agredido. Em 2008, foi envenenado, o que o leva a sérias complicações de saúde e a longa internação. Nada disso o desfaleceu em sua luta pela natureza, não invalidou a sua mensagem, o seu manifesto, o grito da natureza por socorro. Ele é um dos poucos artistas brasileiros que luta pela natureza do Brasil, sendo poucos os que compreendem seu caráter agressivo, seus princípios. Krajcberg enfatiza uma relação entre o pensamento e o engajamento ecológico e a sua poética artística.

Figura 3 - Coleta de materiais para as obras em Mato Grosso

Fonte: www.envolverd.com.br Acesso em 10/10/2015.

7 Apud NUNESMAIA, Magali Pessoa 2011 APUD VENTRELLA; BORTOLOZZO, 2007, p.22.

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Ele retira galhos retorcidos e calcinados das florestas para criar suas obras, que incitam à reflexão sobre o que fazemos contra o planeta. Para o artista, a madeira calcinada grita em sua direção e, como porta-voz, ele transmite ao mundo o seu grito de terror. Ele recusa a forma física de desenhos, pinturas ou objetos, pois o seu objetivo é apresentar a ideia. Desse modo, intensificou a importância da arte como conceito, que tem prioridade em relação à aparência da obra, bem como suscitou questões de ordem política e ética.

Na década de 1950, a poética de Frans Krajcberg perpassa pela linha do abstracionismo, porque suas pinturas continham um grande emaranhado de linhas em tons ocre e cinza que lhe traziam à memória as florestas do Paraná. Após retirar-se daquele estado que devastou a floresta tropical ali existente, transitou entre dois polos de trabalho, Ibiza e Rio de Janeiro.

Em Paris entre 1958 e 1964, Krajcberg se interessa pelo debate artístico dos anos 1950, assuntos como a guerra na Argélia, à crise na Escola de Paris e a polêmica sobre a abstração. Começa a pintar, faz colagens e xilogravuras sobre papel japonês. Realiza suas primeiras impressões diretas sobre madeira, seguindo uma técnica de papel modelado. Nesse período suas obras serviam como moeda, trocava-as por comida nos restaurantes de Paris. Vendeu muitos trabalhos aos ingleses e os guaches a galerias. Com a pintura sofreu intoxicação, através da substância terebintina, caso acontecido no Rio de Janeiro. Krajcberg foge para Ibiza. Lá precisa sentir a matéria, e não a pintura. A natureza transforma-se em seu ateliê, seu objeto de estudo, realiza impressões diretas das matérias naturais, dos rochedos, da terra. Constrói suas primeiras telas de pedras e terras. Foi o vanguarda marginal da Arte pobre e da Land Art.

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Figura 4 - Frans Krajcberg imprimindo na areia.

Fonte: www.envolverd.com.br Acesso: 10/10/2015.

No ano de 1964, com seus quadros de Terras e Pedras, conseguiu o prêmio da cidade de Veneza na Bienal.

Figura 5 - Pedras de Itabirito, Frans Krajcberg.

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Fonte: www.espacoarte.com.br Acesso: 14/10/2015.

Após ser convidado por Juko Mendonça, Krajcberg volta ao Brasil. Ele fica deslumbrado com a cor das terras e formas vegetais. Instala seu ateliê perto do Pico do Itabirito, em Catas Altas, Minas Gerais, junto aos campos de minério de ferro. Realiza também as primeiras esculturas e fotografias em tamanho grande.

Em suas esculturas, acentua as formas com manchas coloridas de terra. Descobriu a cor, as terras de pigmentos puros, as cores que são de infinitos marrons, cinzas, ocres, verdes e uma diversidade de vermelhos. Fica conhecido como o “barbudo das pedras”, por viver isolado, sem conforto, numa caverna, tomando banho num rio próximo. Reuniu muitos elementos para seu trabalho, como troncos, cipós e raízes queimados, diversos materiais de origem mineral e vegetal. Itabirito apontou para ele o caminho dos pigmentos minerais. Dispunha de um olhar insistente, atento, que pensa hábil para transformar material colhido, dando-lhe outro significado. Krajcberg disse:

As montanhas eram tão belas que me pus a dançar. Elas passam do negro ao branco, passando por todas as cores. As ondas convulsivas de vegetação crescendo nos rochedos me maravilharam, eu fiquei emocionado com a beleza e me indagava como fazer uma arte tão bela. A gente se sente pobre diante de tanta riqueza. Minha obra é uma longa luta amorosa com a natureza, eu podia mostrar um fragmento dessa beleza. E assim fiz. Mas não posso repetir esse gesto até o infinito. Como fazer meu esse pedaço de madeira? Como exprimir minha emoção? Mudei minha obra sempre que senti ser preciso. Mudei? Não. Apenas encontrei outra natureza. Cada vez que ia a lugares diferentes, minha obra mudava. Eu queria lhes dar uma nova vida. Foi minha fase ‘naïve’ e romântica.8

Apesar de polonês, Krajcberg é um dos grandes representantes da arte contemporânea brasileira, ganhou vários prêmios, participou de várias mostras. Um de seus sonhos era viajar o Brasil todo, realizado de 1970 a 1984. Viaja com Restany e Baendereck, o qual financia a viagem. Baendereck compra um contratorpedeiro da Segunda Guerra Mundial e o transforma em um iate de lazer, o Juruena, e com ele sobem o Rio Amazonas, o Baixo Rio Negro, o Médio Solimões e o Alto Purus. Lá reúne extenso material para utilizar em suas obras

8 MEIRELLES FILHO, João Carlos de Souza. Grandes Expedições à Amazônia Brasileira – Século XX.

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futuras. Um fato marcante nesse período foi as constantes brigas entre Krajcberg e Baendereck por uma posição melhor no barco para suas fotografias. Brigavam mas seguiam viagem. Juntos, os três amigos em viagem no Rio Negro redigem o Manifesto do Rio Negro ou Naturalismo Integral, em 1978, no meio da Floresta Amazônica. Esse manifesto é o fruto de discussões cujas alas foram transcritas no nº 3 da revista Natura Integrale, editada em Milão em 1979. Lançado no Rio de Janeiro no dia em que os militares anistiaram os seus oponentes exilados, o manifesto foi o primeiro debate após a ditadura.

Até então, não se falava em destruição das florestas. Três “gringos” (um polonês, um francês e um iugoslavo) denunciavam a complacência do Brasil com a destruição das florestas. As críticas foram ferrenhas. Aderiram-se aos brasileiros outros latinos, em particular os chilenos. Mário Pedrosa parabenizou Krajcberg por sua atitude de defesa das florestas brasileiras. A polêmica continuou em São Paulo e em Brasília.

O manifesto foi apresentado em Curitiba, Nova York, Paris e Milão. Seu conteúdo é um alerta à sociedade e tem por intuito a preservação das florestas, que estão cheias de vida e sistemas que se inter-relacionam. Para eles, a cobiça e o capitalismo não podem ser mais importantes do que a vida. O documento evoca a preocupação de artistas na mudança da percepção do homem frente às atrocidades cometidas contra a vida do próprio homem e contra os demais ciclos biológicos ao seu redor. Trechos do Manifesto do Rio Negro transcritos abaixo:

Hoje, vivemos dois sentidos da natureza: aquele ancestral, do concedido planetário, e aquele moderno, do “adquirido” industrial e urbano. Pode-se optar por um ou outro, negar um em proveito do outro; o importante é que esses dois sentidos da natureza sejam vividos e assumidos na integridade de sua estrutura antológica, dentro da perspectiva de uma universalização da consciência perceptiva – o Eu abraçando o mundo, fazendo dele um uno, dentro de um acordo e uma harmonia da emoção assumida como a única realidade da linguagem humana. O naturalismo como disciplina de pensamento e da consciência perceptiva é um programa ambicioso e exigente que ultrapassa de longe as balbuciantes perspectivas ecológicas de hoje. Trata-se de lutar muito mais contra a poluição subjetiva do que contra a poluição objetiva – a poluição dos sentidos e do cérebro contra a queda do ar e da água. Um contexto tão excepcional como o do Amazonas suscita a ideia de um retorno à natureza original. A natureza original deve ser exaltada como uma higiene da percepção e um oxigênio mental: um

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naturalismo integral, gigantesco catalisador e acelerador das nossas faculdades de sentir, pensar e obrar.9

No período entre 1984 a 1988, Frans retorna ao Juruena, depois de ir sozinho a Belém para realizar trabalhos com cipó, especialmente cipó-titica (Heteropsis sp). Nessa viagem ele é impactado por ver a queimada ao vivo e transitar por ela recolhendo material para suas obras de arte, as quais fizeram seu trabalho reconhecido internacionalmente. As esculturas monumentais de entrelaçados de salgueiros são elaboradas. Sua inspiração veio dos artesanatos, da transparência à luz. É o início da Série Africana, elaborada com raízes, cipós e caules de palmeiras associados a pigmentos naturais. João Meirelles elucida esse momento de Krajcberg com as seguintes palavras:

É o período Juruena que lhe permite discutir, na escala planetária, a relação Homem e Natureza, apresentar o seu manifesto que forja o Brasil – a ferida que nos expõe. A marca que explica a história da ocupação do país, tal qual o ferro a fogo marca o couro do gado – este tem dono! Sem peias ou redomas.

Em homenagem ao Ano Internacional das Florestas, Krajcberg organiza uma exposição no Palacete das Artes, no estado da Bahia. A exposição contou com 12 esculturas, cinco itens da Série Africana, oito relevos com sombras recortadas e 16 fotografias.

9 Pierre Restany. Alto Rio Negro, quinta-feira, 3 de agosto de 1978. Na presença de Sepp Baendereck e Frans Krajcberg

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1.2 Série Africana

Figura 6. Conjunto de esculturas, 1991. Figura 7. Conjunto de esculturas, 1988.

Fonte: http://www.mercadoarte.com.br/blog/frans-krajcberg/ Acesso: 13/10/2015

Figura 8- Sem título, queimadas-1980 Figura 9-Conjunto de esculturas 1995

Fonte: http://www.mercadoarte.com.br/blog/frans-krajcberg/ Acesso: 13/10/2015

O artista utiliza também palmeiras dessecadas, das quais realiza vários conjuntos de esculturas. Nessa obra ele desloca os elementos do lugar de origem, dando-lhes novas formas e cores para transmitir a sua poética artística.

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Figura 10 - Flor do Mangue, Krajcberg.

Fonte: http://www.mercadoarte.com.br/blog/frans-krajcberg/ Acesso:13/10/2015

Krajcberg participou, em 1988, do simpósio em Seul com seu trabalho fotográfico As Imagens da Minha Revolta, Fotografias sobre queimadas. Ele disse que não era fotógrafo, fotografava apenas o que as pessoas não viam. Reiteradamente fez um desabafo frente às imagens que fez da destruição das florestas brasileiras:

É um hábito de juventude meus questionamentos. Por que o homem destrói as riquezas naturais quando sabe que o planeta esgota-se e que, sem elas, sua própria vida será impossível? Para lucros imediatos de terrenos, destroem-se as florestas, destrói-se em longo prazo, ao lado de uma miséria preta. Por que abandonar as culturas alimentares para monoculturas industriais? A terra pode suportar isso? Os problemas colocados pela evolução tecnológica são a poluição e superpovoamento. Homens nascem a cada dia sobre o planeta e não terão nem alimento e nem trabalho.10

Krajcberg retorna a Juruena em 1986, acompanhado do cineasta Walter Moreira Salles Junior, para a produção do documentário Krajcberg- o Poeta dos Vestígios. No ano seguinte é reproduzida pela extinta TV Manchete, em horário nobre, durante

10 Krajcberg Apud MONTOVANI, Thérèse Vian.

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45 minutos, para o Brasil apreciar e refletir sobre a luta do homem “gringo” e rabugento que se importa com o que as pessoas fazem com suas madeiras.

No Congresso Internacional de Ecologia em Moscou, em 1990, expõe imagens da destruição e continua a falar de sua revolta contra os que se interessam apenas pelo capital e pela tecnologia, não se importando com os danos ao próximo e à natureza. Suas palavras são ditas com tamanha fúria que vale a pena transcrevê-las:

A minha obra é um manifesto. Não escrevo, não sou político. Devo achar a imagem. O fogo é a morte, o abismo. O fogo continua em mim desde sempre. A minha mensagem é trágica, mostro o crime. A outra face de uma tecnologia se controle, é o abismo. Trago os documentos, os reúno, e acrescento: quero dar à minha revolta o rosto mais violento. Se pudesse por cinzas por toda a parte, estaria mais perto do que eu sinto. Que haja na minha obra reminiscências culturais reminiscências da guerra, no inconsciente, certamente. Com todo esse racismo, antissemita não podia fazer outra arte. Mas exprimo o que tenho visto no Mato Grosso, Amazônia e no estado da Bahia. Eu mostro a violência contranatural feita à vida. Eu exprimo a consciência planetária revoltada. A destruição tem formas, apesar de falar da inexistência. Esta casa queimada sou eu. Sinto-me na madeira e nas pedras. Animista? Sim. Visionário? Não, eu sou um participante deste momento. O meu único pensamento é exprimir tudo que sinto. É uma luta enorme. [...] Como fazer gritar uma escultura assim como uma voz?11

Sua luta é incansável, guerreia com o instrumento que tem: a arte. Ela é a sua voz, a sua bandeira, seu grito de angústia frente ao que acontece no mundo. Seus melhores amigos morreram. Roger Pic em 2001 e Pierre Restany em 2003. Hoje com 95 anos, vive em Nova Viçosa orientando a construção dos prédios que acolheram suas esculturas, na Fundação Arte & Natureza. O seu compromisso com a natureza não termina aí. Faz exposições, continua a produzir suas esculturas e participa de vários eventos que expõem a sua temática, além de receber muitas premiações.

A obra de Krajcberg tem, desde a sua origem, um poder simbólico que faz brotar um questionamento dos indivíduos a respeito dos rumos e escolhas da sociedade quanto ao ambiente em que vivemos. Por tudo isso veio a decisão de apresentá-lo aos alunos e estudar com eles sua obra. A escolha da vida e obra de Franz

11 Ibidem MONTOVANI, Thérèse Vian.

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Krajcberg como tema do projeto da Escola Getúlio Vargas, situada em Belo Horizonte, e do Parque Ecológico Serra Verde, nas adjacências da escola, explica- se em razão de o parque ser constantemente acometido por queimadas, pois cinco comunidades em condições precárias integram a sociedade local. O projeto também foi levado à outra escola em que também leciono: a Escola Estadual Antônio Miguel, em um bairro da cidade de Ribeirão das Neves, onde a comunidade também é carente. No capítulo a seguir é narrada a minha experiência e exposta a pesquisa empreendida.

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CAPÍTULO 2 – ESTUDO DE CASO NAS ESCOLAS ESTADUAIS ANTÔNIO MIGUEL CERQUEIRA NETO E GETÚLIO VARGAS

O trabalho que ora se apresenta foi realizado na Escola Estadual Antônio Miguel Cerqueira Neto, situada na Rua Vitória, nº 147, Bairro Lidice Justinópolis, na cidade de Ribeirão das Neves, e na Escola Estadual Getúlio Vargas, localizada na Rua Guido Leão, nº 22, Bairro Serra Verde, Belo Horizonte.

Os alunos que participaram do projeto cursavam a 3ª série do Ensino Médio na Escola Estadual Antônio Miguel, salas 302 e 303, e 2ª e 3ª séries do Ensino Médio da Escola Estadual Getúlio Vargas, turmas 201, 202, 300 e 301. O total de alunos participantes das duas escolas foi de 240 alunos, na faixa etária dos 15 aos 18 anos.

A Escola Estadual Antônio Miguel está localizada na cidade de Ribeirão das Neves, apelidada de Ribeirão das Trevas. Na cidade estão instalados vários presídios, o que reforça o apelido adquirido. Ao lado da escola, existe um conjunto de habitações populares, cujo nome é Braúnas, advindo de uma cerâmica de tijolos construída perto do Antônio Miguel. Por sua vez, a Escola Estadual Getúlio Vargas está cercada por quatro comunidades de habitações precárias: Borel, Moramal, Favelinha, Mar Vermelho. A Cidade Administrativa de Belo Horizonte foi construída à frente da escola, em cujas adjacências existe um parque ecológico, o qual sofre com os incêndios criminosos e muitas vezes serve como esconderijo de traficantes. Identifica-se, na região, uma vasta diversidade cultural, econômica e social. O universo escolar nos faz intervir e repensar na qualidade de vida de cada indivíduo. Do mesmo modo, a necessidade de lecionar de maneira diferenciada nos impele a contribuir para um meio ambiente saudável. O presente trabalho foi inspirado no projeto multidisciplinar implantado na Escola Estadual Getúlio Vargas no ano de 2015, cujo título é “Um por todos e todos por um mundo melhor”. Os subtemas estudados por toda a escola foram conservação do patrimônio, controle ambiental, controle de resíduos, preservação dos mananciais, espaço verde na e ao redor da escola e sustentabilidade hídrica.

Como justificativa para o projeto usou-se parte da Constituição Federal, artigo 225, Capítulo VI - Do Meio Ambiente, que institui: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

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qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê- lo e preservá-lo para as futuras e atuais gerações”.12

Como objetivo geral do projeto se estabeleceu desenvolver, acompanhar e assumir uma postura diferenciada no que se refere ao meio ambiente, conhecendo-se os arredores onde vivemos para levantar possíveis soluções dos problemas e reconstruir uma comunidade melhor.

Diante dos objetivos expostos foi iniciada intensa pesquisa para selecionar um artista que se enquadrasse nesse tema. Franz Krajcberg, o porta-voz da natureza, o qual transforma sua arte em instrumento de denúncia sobre a catástrofe ambiental em território brasileiro, encaixou-se perfeitamente ao que se propunha. Para incentivar os discentes, foi usado a Abordagem Triangular, sistematizada por Ana Mae Barbosa. Nela a educadora propõem três eixos a serem trabalhados com os discentes: a ação, a apreciação e a reflexão. Tradução é interpretar os símbolos em uma linguagem clara e significativa para quem observa. A ação consiste no fazer artístico e a contextualização é o devaneio do espectador frente a obra de arte.13

Foi usada a entrevista14 da jornalista Paula Saldanha, “O grito da natureza”, como incentivo aos alunos para pesquisarem sobre Krajcberg, a arte ecológica e preservação ambiental. Os textos foram obtidos da enciclopédia Itaú Cultural15 e as questões foram propostas aos alunos em formato de provas do Enem.

Na E.E. Antônio Miguel, apesar de o projeto não ter vingado, Krajcberg e a sua temática quanto ao ambiente e sua relação com a arte foram objeto de estudo por parte dos alunos. A leitura de imagens foi o ponto de partida, depois foi feito um resumo sobre os elementos da linguagem visual. Estudaram-se a linha, o ponto, a

12 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

13 BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.

14 O grito da natureza. Produção Paula Saldanha e Roberto Werneck. Coordenação de Renata Barcellos. Edição de imagens Daniel Abud. Imagens a cargo de Roberto Werneck e Rodrigo Serrado. Supervisão técnica Tiago Almeida e Daniel Abud. Música de abertura David Tygel. Coordenadores Adriana Miranda e Nane Martins. Coordenadora de direção e conteúdo Hermínia Bragança. Superintendente de programação Cristina Carvalho. Diretor d e produção e conteúdo Rogério Brandão. Produzido por RW CINE. Realizado pela TV BRASIL/RW Cine. Documentário (25 min).

15 AMBIENTE. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2015. Disponível em: . Acesso em: 06 de Out. 2015. Verbete da Enciclopédia.

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forma e as cores. Por meio de imagens projetadas pelo Datashow, efetuou-se a relação de quais desses elementos eram encontrados nas obras de Kracjberg e de que maneira ele os usava.

Também foi construída pelos alunos da 3ª série do Ensino Médio uma floresta calcinada, plantada em latas de alumínio com britas de tamanho médio no centro do pátio da escola. Para a realização desta obra usou-se galhos provenientes do corte de árvores da escola que posteriormente foram queimados. Foram fabricadas folhas de papel reciclado nas cores preto, vermelho e cinza, simbolizando a queima, a morte e o sangue que foi derramado com a queima das árvores.

Essas questões foram elaboradas diante de debates ocorridos em sala de aula. Durante o “plantio” da floresta, houve grande audiência dos discentes de outras salas. Saíam para a sacada e verificavam o que estava sendo feito, também a direção e muitos professores perguntavam qual o objetivo daquele trabalho. Dois alunos ficaram responsáveis pelas fotos e pelo vídeo da produção da floresta.

Foi filmado o desespero de algumas alunas quando o vento agia de forma vigorosa e derrubava ás árvores. Pensei e depois comentei com os alunos que teria sido aquela a mesma reação de Krajcberg quando viu as florestas tropicais em chamas.

Uma semana depois do trabalho concluído, os alunos foram levados a uma mesa redonda ao ar livre e juntos lemos um texto de , cujo título é “O homem criou a arte porque a vida não lhe basta”.16 Houve debate, opiniões a respeito do trabalho, o estranhamento, o incômodo causado aos observadores e aos próprios discentes.

O trabalho na E. E. Getúlio Vargas diferenciou-se por alguns detalhes. Ele era mais elaborado porque tinha um projeto escrito e estava respaldado pela direção da escola e pela ajuda dos docentes. A disciplina de Arte responsabilizou-se pelo estudo de um artista que compartilhava da temática do projeto, no caso, Krajcberg. As pesquisas já foram explicitadas no relatório da escola anterior e o processo foi quase o mesmo da E. Antônio Miguel. Começamos com leitura de imagens, os elementos da linguagem visual, a relação deles com a obra de Franz Krajcberg. Após questionários e debates

16 FERRARE, Solange dos Santos Utuari. Por toda parte: volume único. 1. ed. São Paulo: FTD, 2013.

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ficou acordado que cada um traria material relacionado a árvores queimadas, raízes, galhos e cipós, como também elementos que fossem agregados aos que já havíamos coletado para a elaboração de esculturas. Os discentes não foram liberados a visitar parque ecológico, pois é um local onde ocorre tráfico de drogas e muitos assaltos.

Em um dos debates um aluno apresentou a arte em folha, relacionando-o ao projeto da escola, preservação ambiental. A ideia tornou-se projeto da 2ª e 3ª séries do Ensino Médio, com a releitura dos trabalhos de Franz Krajcberg. Esculturas surgiram a partir de objetos colhidos de árvores em sítios, fundo de quintal, passeios de ruas e praças.

Após verem o documentário sobre “O grito da natureza” e observarem as esculturas do artista em questão, os alunos criaram várias esculturas. Não se dispunha de tempo para fazer os pigmentos com terras e minerais, tal como as de Krajcberg, por isso, veio a calhar a tinta em spray. A produção de pigmentos ficou para uma próxima oportunidade.

A escultura Flor do Mangue foi explorada de formas diferentes, uma com vagens sem suas sementes com um caroço de árvore pintado de rosa em posição para cima e a outra com vagens sem sementes imitando a forma de aranha ou a flor de cabeça para baixo com vários caroços de árvores pintados em amarelo e rosa.

Outra escultura construída se assemelha a um ouriço-do-mar: um toco de árvore queimado todo pontiagudo. Os “espinhos” foram recobertos com cascas de castanhas, as quais foram apelidadas de cumbucas. Várias esculturas foram realizadas com cipós, cascas de coquinhos macaúba. As ideias foram muitas, mas poucas foram realizadas por falta de tempo.

O desenho nas folhas de árvores aconteceu rapidamente, era fácil achar desenhos e copiá-los com papel-vegetal, transferindo para a folha de árvore. Assistiu-se a criações, montagens e apropriações de imagens, desenhos de próprio punho; foi um festival de imagens nas elaborações dos trabalhos. Um fato curioso ocorreu em uma das turmas. Um aluno muito ensimesmado confeccionou uma obra de arte na folha de árvore que imitava uma renda. Os colegas me apresentaram a obra e ele negava ser dele, tamanha sua timidez. Somente quando mencionei que daria nota máxima ao autor ele confessou ser dele a obra de arte. Propus aos alunos que usassem na

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execução do projeto o que estudamos sobre os elementos da linguagem visual, como formas, cores complementares, linhas e pontos.

O resultado dessa experiência será relatado no capítulo seguinte, como também depoimentos dos alunos sobre a realização do projeto, a relação deles com a arte antes e após a conclusão do projeto e o conhecimento adquirido sobre Franz Krajcberg, o artista que grita pela natureza.

2.1 Alunos da Escola Estadual Antônio Miguel e alunos do Getúlio Vagas com as suas criações.

Figura 11 - Montagem da floresta calcinada Figura 12 - Montagem da floresta calcinada da pelos alunos da E.E. Antônio M. C. Neto E.E. Antônio Miguel

Fonte: Vanessa Kaizer (acervo pessoal)

Figuras 13 e 14 - Arte em folhas da 2ª série do Ensino Médio.

Fonte: Vanessa Kaizer (Acervo pessoal)

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Figuras 15 e 16 - Arte em folha

Fonte: Vanessa Kaizer (Acervo pessoal)

Figuras 17 e 18 - Esculturas com cipós

Fonte: Vanessa Kaizer (acervo pessoal)

Figuras 19 e 20 – Alunos pintando os cipós

Fonte: Vanessa Kaizer (acervo pessoal)

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Figuras 21 e 22 - Obras dos alunos do Getúlio Vargas

Fonte: Vanessa Kaizer (acervo pessoal)

Figura 23- Obra de aluno do 3º ano Ensino Médio na E.E. Getúlio Vargas

Fonte: Vanessa Kaizer (acervo pessoal)

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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO NAS ESCOLAS ESTADUAIS ANTÔNIO MIGUEL E GETÚLIO VARGAS: UMA EXPERIÊNCIA COM KRAJCBERG

A incumbência da arte na educação está associada aos aspectos artísticos e estéticos. É dar forma e colorido ao que se encontra na imaginação, dar vida às manifestações dos indivíduos através de criações artísticas, é tentar mudar o olhar das pessoas frente às mazelas que são produzidas pelos humanos inconsequentes. Olhar e depois ver, é colocar em funcionamento os sentidos, capacidades intelectuais, habilidades manipulativas, sentimentos, ideias, paixões e ideologias. Esta pesquisa tem cunho multidisciplinar, ou seja, consistiu em um trabalho entre as disciplinas de Arte, Geografia e Sociologia. Cada uma explorando o tema “Krajcberg e seus manifestos” dentro de seu conteúdo.

O trabalho de Krajcberg tem íntima relação com a memória. Suas obras são objetos dialéticos, pois há um diálogo constante entre o passado, árvore na floresta e a metamorfose sofrida pelos troncos calcinados nas mãos de Frans. Estão impressos na madeira o sofrimento, a transformação e as formas e cores que Krajcberg quer deixar ao observador como fruto para reflexão do ocorrido com o objeto.

O artista visa mudar o olhar dos indivíduos diante das florestas, elas não são somente fonte de lucros com a exploração de madeira, com o agronegócio mirando o capitalismo selvagem. Elas servem para o bem-estar da sociedade, são fonte de remédios ainda a explorar, fonte de alimentos de humanos e animais.

Frans Krajcberg é um dos raros artistas brasileiros da contemporaneidade que doará suas obras de arte ao patrimônio público. Obras e quantidade enorme de matéria- prima para possíveis novas obras de arte, essas fruto de seu laborioso trabalho amealhado durante a sua vida. A proposta deste trabalho é explicitar o pensamento do artista com o seu projeto permanente, proteção da mata atlântica e floresta tropical no Brasil, associando-os a sua vida e criações artísticas.

As produções de arte de Krajcberg foram intrinsecamente influenciadas pela guerra e preconceitos pelos quais passou. Sua vida de isolamento, decorrente do preconceito racial, seu esconderijo nas florestas, possibilitaram-lhe desenvolver

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sentimentos de combate pelo que lhe era mais caro, as florestas. Elas eram seus parentes mais próximos. Seu sustento provinha das criações oriundas delas.

Seguindo a Abordagem Triangular, sistematizada por Ana Mae Barbosa, no projeto desenvolvido nas escolas, foram executados os três eixos propostos pela autora: ação, apreciação e reflexão. A apreciação se deu com a análise do documentário O grito da natureza, Amazônia em chamas, imagens das obras de Krajcberg e textos analisados pelos discentes. As imagens foram observadas e estudadas conforme o conteúdo de Arte Visuais do CBC (proposta curricular de Arte, Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais) Elementos da linguagem visual. A ação se fez presente no momento em que os discentes executaram obras de arte a partir de matérias-primas recolhidas em vários locais para esse propósito. Finalizando o trio, a reflexão ou contextualização se deu quando houve uma mesa de debates sobre o assunto das florestas, meio ambiente, manifestos de indivíduos engajados em uma causa.

A pesquisa adquiriu novo rumo após conversas com a tutora Isabella Fernandes Santos, do polo Confins. A Arte Ambiental foi o que mais se aproximou do que gostaria de pesquisar e dentro dela já tinha estabelecido Frans Krajcberg como possível artista na pesquisa. Devido a essa mudança, o tempo foi escasso para todos os planos e criações artísticas discutidas por mim e os discentes.

Após a apreciação dos filmes, houve um diálogo entre mim (Vanessa) e os alunos sobre como realizar, encontrar materiais nas confecções das obras de arte. Depois de tudo acordado passamos à ação. Os discentes, em sua maior parte, ficaram empolgados. Os que se envolveram no projeto trabalharam em pesquisas, tanto em elementos para as esculturas como folhas de árvores para os desenhos e posterior recorte. As fotografias mostram os trabalhos elaborados e benfeitos dos alunos. Alguns não mostraram interesse pela pesquisa. Além de não contribuírem, demonstraram desrespeito por aqueles que faziam algo. Atrapalhavam a turma e o celular era a tecnologia usada para desviar sua atenção.

As esculturas foram executadas com grande entusiasmo pelos alunos. O spray foi a sensação, pois não houve tempo hábil para o ensino da confecção dos pigmentos

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minerais. Na próxima vez que lecionar sobre Krajcberg, um dos objetivos será ensinar a fazer os pigmentos com os alunos.

Quanto às criações com as folhas de árvores, enfatizo a boa experiência com um aluno da 3ª série do Ensino Médio. Muito calado e tímido, trabalhou durante duas semanas na folha, ele mesmo criou seu desenho. Foi algo que me impactou, pois consegui sensibilizar o educando. Tal comportamento me remete às palavras de Krajcberg quando diz: “Vivo este tempo todo sozinho porque tenho medo. Passei a minha vida inteira fugindo do homem”.17 Não estou conjecturando, acho que o artista e sua obra poética tocaram o aluno, objetivo alcançado.

Em outro depoimento feito em espaço aberto da escola, um aluno mencionou não saber o porquê do estudo do artista e sua temática ambiental. O tempo gasto foi de pouco proveito. Com paciência, apresentei-lhe um resumo de tudo que foi feito, a vida, a obra e o tema com os quais o artista trabalhava e queria transmitir para a sociedade. Um dos trechos da explicação docente transcreve-se agora: “Krajcberg foi ativista ecológico reconhecido internacionalmente por emocionar e conscientizar pessoas sobre a questão do desmatamento através da arte. Por meio de seu trabalho, Krajcberg faz denúncias de crimes ecológicos transformando os restos da natureza em sua própria defesa”. Levei também aos presentes no debate a seguinte fala de Krajcberg: “O planeta está doente. Precisamos nos conscientizar para preservá-lo. Tudo o que faço é para as pessoas acordarem para a situação”.18 Depois da elucidação sobre o projeto, o aluno ficou satisfeito. Nesse momento, percebi que houve alguma falha no processo de ensino-aprendizagem, inferi que teria de esclarecer melhor a temática do conteúdo a ser abordado com os discentes.

Um dos alunos da Escola Estadual Antônio Miguel proferiu a sua experiência sobre o projeto Krajcberg. Ele falou que foi gratificante fazer a Floresta Calcinada, pois todo o material recolhido para a confecção era proveniente da reciclagem ou de elementos recolhidos no espaço da escola. Nessa fala repeti as palavras do artista estudado: “O planeta está doente. Precisamos nos conscientizar para preservá-lo. Tudo o que faço é para as pessoas acordarem para a situação [...] aqui eu nasci

17 Ibidem MEIRELLES FILHO, João Carlos de Souza.

18 Idem

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uma segunda vez, tomei consciência de ser homem e de participar da vida com minha sensibilidade, meu trabalho, meu pensamento”.19

O conteúdo em arte que pretendia auferir aos discentes foi estudado. Os elementos da linguagem visual, como linha, ponto, forma, foram identificados pelos estudantes nas esculturas, pinturas e fotografias apresentadas a eles. Outro conteúdo bem identificado por eles nas obras foi a Teoria das Cores, como também souberam usá- la nos desenhos que construíram sobre o filme Amazônia em Chamas.

Tenho certeza de que esta pesquisa provocou mais mudanças em mim do que em meus alunos. A reflexão e a crítica quanto ao meio ambiente se tornaram constantes no meu cotidiano. Ao passar por uma estrada para o sítio que tenho em José de Almeida, Minas Gerais, contemplei a queimada nas áreas adjacentes à estrada. A emoção me tocou. As lágrimas brotaram dos olhos. O calor proveniente da queimada era insuportável, tanto calor e nenhuma vegetação para amenizá-lo. Os animais silvestres perdendo o seu alimento e suas moradias. Senti na pele uma gota da luta de Krajcberg pelas florestas brasileiras. Constato então que a maior aprendiz de Frans fui eu. Sinto-me satisfeita por ter alcançado os objetivos propostos no projeto “A poética de Frans Krajcberg para com o meio ambiente”.

Os discentes entenderam o propósito da pesquisa transmitida a eles. Assim como Krajcberg usou o SWU-Starts With You (Começa com você), um movimento de conscientização em prol da sustentabilidade que tem o intuito de mobilizar o maior número possível de pessoas em torno da causa, mostrando que, por meio de pequenas ações, com simples atitudes individuais em seu dia a dia, é possível ajudar a construir um mundo melhor para se viver. O movimento parte da convicção de que pequenas atitudes podem gerar grandes mudanças.

Frans isolou-se nas matas paranaenses para pintar e assumiu seu destino de intérprete da natureza. Mas sempre fez questão de ser um homem revoltado e associou os horrores do nazismo à destruição do meio ambiente, para não esquecer que o ser humano é capaz do pior.

19 MEIRELLES FILHO, João Carlos de Souza. Grandes Expedições à Amazônia Brasileira – Século XX. São Paulo: Metalivros, 2011. Capítulo Frans Krajcberg.

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Como educadora, ainda formarei jovens capazes de sensibilizar a população frequentadora de escolas que discutam questões ambientais e desenvolvam práticas educativas comprometidas com a qualidade de vida; depois de bem instruídos, os jovens passarão a atuar como agentes multiplicadores e mobilizadores da comunidade, reforçando ações de cidadania não apenas nas escolas, mas nas comunidades em que residem.

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CONCLUSÃO

Experimentar o fazer artístico é uma prática que se expande para todas as áreas do saber. Desse modo, a pessoa, em consonância com suas referências pessoais e culturais torna-se mais atenta à percepção de si e do meio em que está inserida. Sabe dar forma às ideias e sensações, discriminar, escolher, conceber e atuar. O conhecimento estético se oferece à educação quando se depara com o seguinte desafio na contemporaneidade que transpõe a racionalização imposta ao indivíduo pela cultura ocidental, a qual fragmenta o saber e enrijece a poética e o imaginário, reduzindo o discurso à mera moralidade que condiciona e manipula a sociedade.

A arte-educação contemporânea propõe a interdisciplinaridade como forma de produzir saber e, quando consumada em sua totalidade, oportuniza o trabalho transdisciplinar. É preciso a união da arte, obras de Krajcberg e meio ambiente com outros especialistas, sociólogos, ecologistas, geógrafos, urbanistas, comunicadores e antropólogos. Dessa coligação nasce a luta por um equilíbrio entre preservação e desenvolvimento, melhorando a qualidade de vida e do meio ambiente.

A dialética entre o estudo de caso (experiência em escolas estaduais), a estética e a ecologia em Frans Krajcberg cria um respeito pela preservação da diversidade cultural e biológica. A arte-educação contemporânea oportuniza a alfabetização artística e ecológica em todos os níveis da educação do indivíduo.

Nesta pesquisa, Krajcberg não deu o seu grito pela natureza sozinho, foi acompanhado dos discentes por meio do conhecimento sobre a vida e obra do artista, como também do seu objetivo maior: a preservação das florestas tropicais do Brasil. Participam desse grito também as pessoas envolvidas nesse processo: docente, direção da escola, comunidade e outros que de alguma forma foram sensibilizados pelo projeto escolar que possibilitou essa pesquisa.

A estética em Krajcberg pode ser mencionada como a capacidade humana que transcende o olhar imediatista sobre as coisas que compõem o mundo. Suas obras não recriam a natureza, elas despertam a memória do que um dia essa madeira calcinada foi. Hoje, elas representam as consequências desses atos. As experiências vividas pelos discentes são acontecimentos marcantes que se

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registram na memória e sempre são avivadas quando se deparam com situações semelhantes, vividas anteriormente.

O papel do arte-educador é importante na mediação entre o educando e o saber, pois favorece o desenvolvimento do indivíduo como fruidor de cultura, contribuindo para a construção de seu país. É necessário ser professor pesquisador para melhor facilitar o ensino-aprendizagem dos discentes e do próprio docente.

Enfim, o caráter mágico da arte de Krajcberg nos aproxima do sensível, despertando nos indivíduos atitudes e ações que minimizem as mazelas causadas por homens que visam apenas ao capital e ao lucro, não se importando com o que está ao seu redor. Esta pesquisa teve como objetivo sensibilizar os discentes, estes aos seus próximos, e assim sucessivamente, sobre a questão ambiental. Que desse modo consigamos contribuir com alguma solução para o problema da queimada das florestas tropicais.

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REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

CANTON, Katia. Do moderno ao contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. (Coleção Temas da arte contemporânea).

CRONOLOGIA atualizada por Thérèse Vian & Alban Lanore. Tradução em português: Talia Mouracadé & Mimi Sananés. Disponível: http://amgaleria.com.br/acervo//frans-krajcberg/#sthash.bVEsBHLF.dpuf> Acesso em: 12/04/2015.

DUTRA, Lidiane Fonseca. Diálogo entre a arte e ecologia através das obras de Tarsila do Amaral e Frans Krajcberg. Revista Didática Sistêmica, v. 12, p. 44- 54.

Frans Krajcberg. Disponível em: . Acesso em: 22/05/ 2015.

KRAJCBERG, Frans: Natura. Milú Villela (apresentação). Frans Krajcberg, Pierre Restany, Sepp Baendereck, Thiago de Mello (textos); Magnólia Costa (coord. Editorial); André Stolarski (design gráfico); Ana Ban (tradução). São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2008. Exposição realizada no Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, OCA, Parque do Ibirapuera, São Paulo, 16 de outubro a 14 de novembro de 2008. ISBN 978-85-8687-22-1

KRAJCBERG, Frans. A Revolta. Orlando Azevedo (curadoria geral do evento); Frans Krajcberg (curadoria de obras); José Alves, Rodrigo F. Marques e Sandra M. Fogagnoli (assessoria técnica); Frans Krajcberg, Peter Ginter e Orlando Azevedo (fotos); Marcus de Lontra Costa (texto crítico); Osvaldo Miranda (criação gráfica); Guilherme Zamoner (diretor de arte); Fotolaser/Fotolitos Gráficos (fotolitos); Lucy Amélia Salles dos Santos e equipe (montagem). Paraná, Fundação Cultural de Curitiba, Curitiba 1995. Exposição realizada na Fundação Cultural de Curitiba, 4 de maio a 22 de julho de 1995.

MEIRELLES FILHO, João Carlos de Souza. Frans Krajcberg: Sempre fomos ligados à natureza. Nós somos a Natureza. Jornal da Tarde, São Paulo, 20/06/1985.

MEIRELLES FILHO, João Carlos de Souza. O Manifesto do artista brasileiro Frans Krajcberg. Envolverde Jornalismo & Sustentabilidade. Disponível em: . Acesso: 2/10/2015.

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NUNESMAIA, Magali Pessoa. A estética e a ecologia em Frans Krajcberg. Trabalho apresentado à disciplina (EBA 533) Artes Visuais na Bahia, do Programa de Pós- Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (PPGA-EBA-UFBA), jul. 2011.

OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. Rio de Janeiro: Campus, 1990.

RESTANY, Pierre; KRAJCBERG, Frans; BAENDERECK, Seepp. Manifesto do Rio Negro. 3 de agosto de 1978.

SALDANHA, Paula. O grito da Natureza. Disponível em: . Acesso em: 12/04/2015.

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ANEXO 1

Espaços reservados a exposições permanentes de Frans Krajcberg.

Figura 24 - Vista de dentro do Espaço Cultural Frans, Krajcberg, Jardim Botânico, Curitiba – Paraná – Brasil.

Fonte: www.envolverde.com.br

Figura 25 - Musée de Montparnasse, Paris.

Fonte: www.envolverde.com.br

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ANEXO 2

Manifesto do Rio Negro

Que tipo de arte, qual sistema de linguagem pode suscitar tal ambiência – excepcional sob todos os pontos de vista, exorbitante em relação ao senso comum? Um naturalismo do tipo essencialista e fundamental, que se opõe ao realismo e à própria continuidade da tradição realista, do espírito realista, além da sucessão de seus estilos e de suas formas. O espírito do realismo em toda a história da arte não é o espírito da pura constatação, o testemunho da disponibilidade afetiva. O espírito do realismo é a metáfora; o realismo é, na verdade, a metáfora do poder: poder religioso, poder do dinheiro na época da Renascença, em seguida poder político, realismo burguês, realismo socialista, poder da sociedade de consumo com a pop- art.

O naturalismo não é metafórico. Não traduz nenhuma vontade de poder, mas sim outro estado de sensibilidade, uma maior abertura de consciência. A tendência à objetividade do constatado traduz uma disciplina da percepção, uma plena disponibilidade para a mensagem direta e espontânea dos dados imediatos da consciência. Como no jornalismo, mas sendo este transferido ao domínio da sensibilidade pura, o naturalismo é a informação sensível sobre a natureza. Praticar esta disponibilidade ante o natural concedido é admitir a modéstia da percepção humana e suas próprias limitações, em relação a um todo que é um fim em si. Essa disciplina na conscientização de seus próprios limites é a qualidade primeira do bom repórter: é assim que ele pode transmitir aquilo que vê – desnaturando o menos possível os fatos.

O naturalismo assim concebido implica não somente maior disciplina da percepção, mas também maior na abertura humana. No final das contas a natureza é, e ela nos ultrapassa dentro da percepção de sua própria duração. Porém, no espaço-tempo da vida de um homem, a natureza é a medida de sua consciência e de sua sensibilidade.

O naturalismo integral é alérgico a todo tipo de poder ou de metáfora de poder. O único poder que ele reconhece é o, poder purificador e catártico da imaginação a serviço da sensibilidade, e jamais o poder abusivo da sociedade.

Este naturalismo é de ordem individual. A opção naturalista oposta à opção realista é fruto de uma escolha que engaja a totalidade da consciência individual. Essa opção não é somente critica, ela não se limite a exprimir o medo do homem frente ao perigo que corre a natureza pelo excesso de civilização industrial e a consciência planetária. Ela traduz o advento de um estado global da percepção, a passagem individual para a consciência planetária. Nós vivemos uma época de balanço dobrado. Ao final do século se junta o final do milênio, com todas as transferências de tabus e da paranoia coletiva que esta concorrência temporal implica – a começar pela transferência do medo do ano 1000 sobre o medo do ano 2000, o átomo no lugar da peste.

Vivemos, assim, uma época de balanço. Balanço do nosso passado aberto sobre nosso futuro. Nosso Primeiro Milênio deve anunciar o Segundo. Nossa civilização judaico-cristã deve preparar sua Segunda Renascença. A volta do idealismo em

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pleno século XX supermaterialista, a volta de interesse pela historia das religiões e a tradição do ocultismo, a procura cada vez maior por novas iconografias simbolistas: todos esses sintomas são consequência de um processo de desmaterialização do objeto, iniciado em 1966, e que é o fenômeno maior da historia da arte contemporânea no Ocidente.

Apôs séculos de tirania do objeto e seu clímax na apoteose da aventura do objeto como linguagem sintética da sociedade de consumo – a arte duvida de sua justificação material, ela se desmaterializa se conceitua. Os andamentos conceituais da arte contemporânea só têm sentido se examinados através dessa ótica autocrítica. A arte é ela mesma colocada numa posição critica. Ela se questiona sobre sua imanência, sua necessidade, sua função.

O naturalismo integral é uma resposta. E justamente por sua virtude de integracionista, de generalização e extremismo da estrutura da percepção, ou seja, da planetarização da consciência, hoje ela se apresenta como uma opção aberta – um fio diretor dentro do caos da arte atual. Autocrítica, desmaterialização, tentação idealista, percursos subterrâneos simbolistas e ocultistas: essa aparente confusão se organizará talvez um dia, a partir da noção do naturalismo – expressão da consciência planetária.

Esta reestruturação perceptiva refere-se á uma real mudança e a desmaterialização do objeto de arte, sua interpretação idealista, a volta ao sentido oculto das coisas e sua simbologia constituem um conjunto de fenômenos que se inscrevem como um preâmbulo operacional à nossa Segunda Renascença – etapa necessária para uma mutação antropológica final.

Hoje, vivemos dois sentidos da natureza: aquele ancestral, do concedido planetário, e aquele moderno, do “adquirido” industrial e urbano. Pode-se optar por um ou outro, negar um em proveito do outro; o importante é que esses dois sentidos da natureza sejam vividos e assumidos na integridade de sua estrutura antológica, dentro da perspectiva de uma universalização da consciência perceptiva – o Eu abraçando o mundo, fazendo dele um uno, dentro de um acordo e uma harmonia da emoção assumida como a única realidade da linguagem humana.

O naturalismo como disciplina de pensamento e da consciência perceptiva é um programa ambicioso e exigente que ultrapassa de longe as balbuciantes perspectivas ecológicas de hoje. Trata-se de lutar muito mais contra a poluição subjetiva do que contra a poluição objetiva – a poluição dos sentidos e do cérebro contra a queda do ar e da água.

Um contexto tão excepcional como o do Amazonas suscita a ideia de um retorno à natureza original. A natureza original deve ser exaltada como uma higiene da percepção e um oxigênio mental: um naturalismo integral, gigantesco catalisador e acelerador das nossas faculdades de sentir, pensar e agir.

Pierre Restany

Alto Rio Negro, quinta-feira, 3 de agosto de 1978.

Na presença de Sepp Baendereck e Frans Krajcberg.