Masarykova univerzita v Brně Filozofická fakulta

Katedra románských jazyků a literatur

Bakalářská diplomová práce

2011 Vendula Srničková

Masarykova univerzita v Brně Filozofická fakulta

Katedra románských jazyků a literatur

Portugalský jazyk a literatura

Vendula Srničková

A mulher em quatro Novelas Eróticas de Manuel Teixeira-Gomes

Bakalářská diplomová práce

Vedoucí práce: Mgr. Silvie Špánková, Ph.D.

2011

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Prohlašuji, že jsem diplomovou práci vypracovala samostatně s využitím uvedených pramenů a literatury.

……………………………………………. 3

Zde bych chtěla poděkovat Mgr.Silvii Špánkové, Ph.D. a to nejen za cenné rady a užitečné návrhy, kterými obohatila mou bakalářskou diplomovou práci, ale také za vstřícný a přátelský přístup při jejím vedení.

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Índice

1. Introdução ...... 6

2. Breve retrato de vida e obra ...... 8

3. Observações gerais sobre estilo e temas ...... 10

4. As novelas escolhidas ...... 12

5. A análise da mulher ...... 14

5.1 A tipologia das formosas ...... 14

5.2 O comportamento das adoradas ...... 18

5.3 As circunstâncias do encontro ...... 22

5.4 Os sentimentos do narrador para com as mulheres ...... 25

5.5 A evolução e o fim das relações ...... 32

5.6 O papel das personagens femininas secundárias ...... 35

6. Conclusão ...... 38

7. Bibliografia ...... 40

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1. Introdução

Como o título sugere, esta tese trata das personagens femininas nas quatro novelas de Manuel Teixeira-Gomes. O meu objectivo é descrever e analizar em detalhe a principal personagem feminina em cada novela escolhida. No entanto, não se trata apenas de uma descrição da aparência física e da personalidade de cada mulher, mas também duma análise das comparações simbólicas/metafóricas e das semelhanças/diferenças nas emoções que as mulheres evocam no narrador-protagonista da história e no modo como ele as percebe, na evolução das relações, e nas circunstâncias e situações em que o narrador e o seu objecto de desejo se conhecem e interagem.

Para realizar o meu objectivo decidi trabalhar somente com quatro novelas do autor, pois, devido a grande quantidade de contos e novelas que Manuel Teixeira-Gomes escreveu, seria impossível analisar todas as personagens femininas. Portanto, as novelas escolhidas são: Margareta, Cordélia, ? e O sítio da mulher morta. Todas estão incluídas no livro Novelas Eróticas. A novela mais curta tem sete páginas; a mais longa vinte e nove, e todas contêm uma única personagem feminina principal (há algumas personagens femininas secundárias que também serão caracterizadas brevemente). Todas são escritas na primeira pessoa.

Primeira edicão do livro

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As Novelas Eróticas foram publicadas, em primeira edicão, em 1935, somente para oferecer aos amigos, numa tiragem de 400 exemplares1. O ingrediente principal é, como sugere já o título, o eros, e o motivo ligando as novelas são memórias visuais, olfactivas, auditivas e tácteis2. Segundo Urbano Tavares Rodrigues3, «estas novelas eróticas não o são apenas no sentido da lascívia, da atracção voluptuária dos corpos, senão que respeitam muitas delas aos movimentos bruscos e apaixonados do coração jovem. Novelas Eróticas que são, afinal, tanto ou mais do que um hino à beleza da carne, à glória dos sentidos em liberdade, um livro de saudade.»4

Escolhi estudar as mulheres precisamente nas quatro novelas acima mencionadas porque, visto que todas as histórias vêm da mesma colecção, têm muito em comum em termos de estrutura e temática. Além do motivo da viagem, do tema da conflagração amorosa e da fatalidade, é também um idêntico teor trágicómico que trespassa as novelas. Segundo o Dicionário da literatura portuguesa, os dois filões que correm pelas novelas são «o da crítica social e do retrato jocoso e o do constante cântico à beleza da vida sensual»5. A ocorrência de tantos motivos e temas semelhantes nas histórias é uma vantagem em termos de análise e especialmente de comparação das personagens femininas. Isto porque as diferenças entre as mulheres são mais marcantes quando vistas numa situação ou num ambiente similar.

Segundo Urbano Tavares Rodrigues, «O sítio da mulher morta é uma das mais perfeitas novelas de Teixeira-Gomes e ocupa, de direito, lugar privilegiado entre as melhores produções literárias do segundo quartel do século»6. Mas as outras novelas pertencem à categoria das histórias menos conhecidas e esta é a outra razão pela qual eu as escolhi para este trabalho. Acho que seria bom debruçar-se sobre os contos que ainda não foram completamente dissecados pelos críticos.

1 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Prefácio. In TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas. 3a ed. Lisboa : Bertrand Editora, 1989. p. 7.

2 Ibidem.

3 Um dos mais ilustres investigadores da obra de Teixeira-Gomes.

4 Ibidem: p.7 - 8.

5 MACHADO. Álvaro Manuel (organizacão e direcção). Dicionário de literatura portuguesa. Lisboa : Editorial Presenca, 1996. p.472.

6 TAVARES ROGRIGUES, Urbano. Prefácio. In TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas: p.9.

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2. Breve retrato de vida e obra

Manuel Teixeira Gomes

Manuel Teixeira-Gomes, cronista, dramaturgo, crítico de arte, ficcionista e político português, nasceu em Vila Nova de Portimão no dia 27 de maio de 1860. Era filho de José Líbano Gomes e Maria da Glória Teixeira-Gomes, pais ricos e educados. Após o ensino secundário em matriculou-se na Faculdade de Medicina na universidade na mesma cidade, mas não a conclui. Os anos seguintes foram passados em Lisboa e no . Embora estes não fossem muito produtivos em termos de educação e trabalho, foi uma época cheia de estimulação literária através de contatos com muitos escritores e intelectuais, como Fialho de Almeida, a quem admirava muito, António Nobre e Sampaio Bruno7. Também escreveu para revistas e jornais como «O Primeiro de Janeiro» e «A Luta» (de Lisboa).

Quando tinha 23 anos, começou a trabalhar para o seu pai e assim teve a oportunidade de viajar muito (ocupou-se com a exportação de figos secos). Os países que visitou incluem a França, a Itália, a Espanha, a Alemanha, a Holanda, a Bélgica, a África do Norte e muitos outros.

Teixeira-Gomes estreou-se em 1899 com o livro de contos Inventário de Junho, rapidamente seguido por Cartas sem Moral Nenhuma em 1903, Agosto Azul em 1904, e Gente Singular em 1909. Entretanto também conseguiu escrever a sua única peça de teatro, Sabina Freire (1905).

7 INFOPÉDIA. Manuel Teixeira-Gomes [online]. 2011 [cit. 2011-12-08]. Disponível online:

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Depois do triunfo da República, Teixeira-Gomes é chamado a exercer funções diplomáticas e, portanto, interrompe a sua criação literária, após de ter sido nomeado para a funcão de Ministro dos Estrangeiros em Londres. Mas assim como Teófilo Braga, o segundo presidente de Portugal, também Teixeira-Gomes teve um impacto maior na literatura do que na política8. Em 1923, aos 63 anos, tornou-se o sétimo presidente de Portugal. Todavia, a sua presidência durou apenas dois anos. Depois abandonou voluntariamente esta posição, alegando oficialmente que queria dedicar-se inteiramente à literatura. A verdadeira causa da sua demissão foi, provavelmente, a agitada situação política na época. Mudou-se para o Norte de África, nomeadamente para a cidade de Bougie, na Argélia, de onde continuou a colaborar com o jornal «O Diabo» e com a revista «Seara Nova» e onde permaneceu até a sua morte no dia 18 de Outubro de 19419.

Depois de uma pausa relativamente longa, devida a obrigações políticas, Teixeira- Gomes recomeçou a sua produção literária com as já mencionadas Novelas Eróticas em 1935. A suas outras obras compreendem ficção, crônicas, impressões de viagem e memórias: Cartas a Columbano (1932), Regressos (1935), Miscelânea (1937), e finalmente Carnaval Literário e Maria Adelaide, ambos em 1938. Duas obras foram publicadas postumamente: a obra de ficção Londres Maravilhosa em 1942 e Cartas I e II em 1960, uma coleção de cartas dirigidas a políticos e diplomatas. Manuel Teixeira-Gomes casou e teve duas filhas na sua vida.

8 PAIVA BOLÉO, Maria Luísa V. de. Manuel Teixeira-Gomes (1860-1941) [online]. 2010 [cit. 2011-06-29]. Disponível online:

9 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA PORTUGUESA. Teixeira-Gomes [online]. 2011 [cit. 2011-08-08]. Disponível online:

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3. Observações gerais sobre estilo e temas

A obra de Teixeira-Gomes é considerada muito original, e não apenas em termos da autenticidade da colisão das emoções com a vida, mas também em termos de musicalidade e ritmo pessoal na sua escrita. Por si afirma ser «espírito de origem e cultura grega10», o que é reforçado pelo seu neo-impressionismo helenístico. No Dicionário da literatura é possível ler que «nele se confundem e se interpenetram o sensualismo e o esteticismo»11. Da sua obra, pois, emana uma intensa alegria de vida e de fruição de arte.

Teixeira-Gomes é louvado por quanto consegue aplicar a sua imaginação, combinando-a com o memorialismo, criando mundos e enredos ficcionais que são concebidos e fabricados com mestria, e que ao mesmo tempo espelham a vericidade de experiências e de sociedade. Este método resulta no facto de que os seus contos são, em parte, confissionais e o retrato é frequentemente satírico.

O eros e a caricatura social são os seus temas principais. Mas também tem uma fascinação pelo fantástico e grotesco, e pelo misticismo. É atraído por situações e pessoas excepcionais (do amplo espectro dos seus personagens podem ser mencionados como exemplos o macrocéfalo, o vampiro, e a cigana; das situações a frustrante morte de Cordélia, ou o mistério impenetrável que envolve a mulher na novela ?)12

Teixeira-Gomes foi influenciado pelo naturalismo, embora nunca o admitiu, e manifesta-se nele uma forte aversão pela discursividade didáctica ou moralizante e o realismo banal13. Do seu trabalho irradia sabedoria, serenidade, verdade e justiça. Os motivos recorrentes são a premonição, o fatalismo, e o poder da sexualidade.

O autor não é daqueles que mantêm a estrutura estabelecida de obras literárias, nem é fácil definir o género literário ao qual pertencem os seus escritos, e classificá-lo quanto à

10 PRADO COELHO , Jacinto do. Dicionário de literatura, 4o volume. Porto : Mário Figueirinhas Editor, 1997. p.1081.

11 Ibidem.

12 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo. Lisboa : Edições 70, 1983. p.127

13 PRADO COELHO , Jacinto do. Dicionário de literatura, 4o volume. p.1082.

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periodização14. Se calhar é precisamente esta fuga às regras que torna o seu trabalho tão especial e único.

Nas palavras de Urbano Tavares Rodrigues, «Manuel Teixeira-Gomes foi marcado...(...)...sobretudo pelo simbolismo decadentista, combinando-o com um neoclassicismo vindicamente esteticista. O seu epicurismo requintado manisfesta-se numa visão do mundo em que esculturas e quadros eroticamente palpitam de vida e, por outro lado, a paisagem e o corpo humano se apresentam como obras de arte...(...)...É um excelente narrador, irónico até a comicidade, surpreendente no vezo caricatural, por vezes com cinquenta anos de avanço sobre o seu tempo, na maneira de apresentar situações, personagens, valores.»15

Quanto à inspiração entre os escritores portugueses, Teixeira-Gomes admirou por exemplo Camilo Castelo Branco, o autor do livro Amor de perdição. Os seus parentes espirituais estrangeiros incluíam o escritor irlandês Oscar Wilde, o inglês John Ruskin, o poeta, romancista e crítico francês Rémy de Gourmont (fortemente censurado), e o alemão Heinrich Heine. 16

14 TAVARES ROGRIGUES, Urbano. Prefácio. In TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas: p.9.

15 MACHADO. Álvaro Manuel (organização e direcção). Dicionário de literatura portuguesa. p.472. 16 PRADO COELHO , Jacinto do. Dicionário de literatura, 4o volume. p.1082.

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4. As novelas escolhidas

O conto Margareta trata dum jovem que durante as suas viagens pela Europa, particularmente em Barcelona, primeiro brevemente na catedral e depois num navio para Génova, encontra a filha muito jovem de um rico empresário argentino, chamada Margareta. Ambos os protagonistas desfrutam uma simpatia mútua concretizando-se numa paixão do narrador. Contudo, o pai da menina não aprova o relacionamento, porque está convencido de que o homem é alguém «de quem amigos seus tiveram sérios motivos de queixa». Margareta e o rapaz prometem encontrar-se em duas semanas em Florença. Margareta, no entanto, tem que partir da cidade antes da chegada do jovem por causa das dificuldades financeiras do pai. Os dois nunca mais se encontrarão.

Cordélia tem um enredo muito semelhante; também aqui o homem encontra uma mulher que imediatamente capta a sua atencão, e de que se aproxima a bordo de um barco que, novamente, parte de Espanha em direcção a Génova. Desta vez é uma dançarina que viaja na companhia duma mulher mais velha, e também neste caso, a afeição é recíproca. Igual é ainda o acordo de se reunir no futuro próximo, mas desta vez em Turim. A reunião, bem como na história Margareta, nunca acontece, devido à morte da protagonista.

A novela mais breve, entitulada simplesmente ?, trata de novo dum encontro entre homem e mulher a bordo dum navio, dirigido de Itália para a Constantinopla. A mulher pertence aos estratos sociais mais altos; é linda, rica e protegida a cada passo da sua grande comitiva. É observada de longe pelo narrador, cujo desejo resulta, por fim, num apaixonado beijo capturado ao último minuto. Também neste caso o homem e o seu objeto de desejo nunca mais se verão.

A última história, O sítio da mulher morta, é diferente em quase todos os aspectos das três anteriores. Neste conto o protagonista é um homem casado e durante a evolução da história até se torna pai. É um rico proprietário de terras no e envolve-se numa aventura de amor com a namorada do seu subordinado. A rapariga lembra-lhe incrivelmente da Júlia, um amor antigo e não realizado. O subordinado, José Cravo, é infelizmente para ambos um homem muito orgulhoso e impulsivo, e por isso a história termina com tragédia: embora o narrador é capaz de evitar a bala do traído, Júlia, ora conhecida por Marta, não tem a mesma sorte.

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O livro Novelas Eróticas contém seis contos. Além daqueles que serão analisados neste trabalho, compreende as histórias Deus ex machina e A cigana.

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5. A análise da mulher

Nos capítulos seguintes, vou apresentar e subsequentemente caracterizar as quatro acima mencionados mulheres em termos de aparência e comportamento. Também me concentrarei nos relacionamentos das mulheres com o narrador-protagonista, e nas emoções que elas despertam.

5.1 A tipologia das formosas

Caracterizar o tipo de mulheres que aparecem nas histórias Teixeira-Gomes não é uma tarefa simples. Por exemplo, Dante, o poeta italiano, elogiou nos seus poemas apenas uma mulher. A Laura dele tinha cabelos loiros, olhos azuis e a pele de alabastro. Luís de Camões também realizou esse padrão, só alterou a cor dos olhos para verde. No entanto, como o autor que nos interessa muitas vezes se inspirou em suas próprias experiências de viagens em vários países, é natural que as meninas nas novelas dele tenham, não somente por razões demográficas, aparências variadas. Cada uma é de nacionalidade diferente: portuguesa, espanhola, argentina e provavelmente russa. Cada, portanto, tem raízes e origem diversa, facto que se reflecte tanto na fisiologia e na moda, bem como no comportamento, tema que será discutido no capítulo seguinte. Agora nos vamos concentrar exclusivamente na aparência e vamos tentar resumir que tipo de mulheres impressionam o narrador. Naturalmente, são todas formosíssimas ...

Teixeira-Gomes consegue, sem dúvida, apreciar e acentuar a beleza feminina perfeitamente, e mostra bem esta habilidade sobretudo no conto Margareta:

«Que mimosa carnação, que imensos olhos de veludo, que opulência de cabelo negro, ondeado, macio! E que ritmo nos movimentos, que graciosíssimas proporções desde o busto cheio, invertendo, após a cintura longa e flexível a sua curva harmoniosa na curva dos quadris!» 17

O narrador é tão deslumbrado com a perfeição que viu que sente a necessidade de reiterar numa forma truncada quão lindas são todas as partes do maravilhoso corpo feminino .

17 TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Margareta (a seguir abreviada em M.). In TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas: p.79.

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Contudo, às vezes a beleza das mulheres é tão difícil de definir que até o próprio protagonista não tem certeza da sua denominação e tatea para encontrar as definições precisas dos traços admirados:

«Morena; eu não sei bem se o mate da sua tez admitia a classificação de morena. Não era loira, mas se o rosto estava levemente queimado da aragem do mar, já no pescoço lhe transparecia a suavidade mitosa das pétalas de açucena.» (M., p. 82)

Estas frases ainda poderiam ser interpretadas como um esforço para descrever mais precisamente o retrato do seu objecto amoroso. Uma pessoa enamorada nota os detalhes que outros facilmente negligenciam.

Margareta e Cordélia, ambas as duas muito jovens, são as únicas personagens que podem ser comparadas, no que diz ao respeito físico (no caso das outras mulheres estas informações não são disponíveis). Cordélia é uma dançarina, e Teixeira-Gomes a descreve como «elegante, alta, grácil, serpentina»18. Graças à sua profissão tem quadris largos e coxas voluminosas. O autor destaca as mesmas características no caso de Margareta, que ainda por cima tem, ao contrário de Cordélia, os seios grandes. Isto sugere que o narrador prefere os típicos símbolos da feminilidade; formas pronunciadas, sinais de fertilidade e sexualidade.

A novela entitulada originalmente ? é interessante pelo facto de o narrador, graças à riqueza e importância da mulher, se concentrar mais na descrição da sua roupa e jóias do que na representação do rosto e da figura:

«Vem ricamente vestida. Sobre o corpete de brocado roxo, em redor do pescoço e caindo-lhe até meio do peito, uma artística renda de oiro e pérolas; os bracaletes, mais largos que a mão travessa, de platina fosca e iluminados por esmaltes bizantinos, no mesmo estilo do enorme diadema que lhe cinge a cabeça e dos brincos desmedidos que lhe tocam nos ombros.»19 Mesmo quando o foco está sobre o corpo da mulher, é sobretudo em conexão com o que ela veste:

«Sentia-se-lhe a carne firme escorregar debaixo da roupa, que antes lhe descobria do que lhe vendava as formas…(…)…sob a alvíssima seda da blusa os seios disparavam…» (?, p.105)

18 TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Cordélia (a seguir abreviada em C.). In TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas: p. 95.

19 TEIXEIRA-GOMES, Manuel. ? (dále jen ?). In TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas: p.106.

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Nas outras novelas, o narrador se concentra no vestuário feminino apenas marginalmente ou o omite completamente. No conto ?, por falta de informação sobre a mulher desejada, é preciso focar as roupas e usá-las para tentar adivinhar a origem e posição social desta misteriosa «deusa», como o narrador a denomina. Nesta novela Teixeira-Gomes refere-se à mitologia para a caracterização da mulher. Por exemplo, chama à bela desconhecida Brunehilde20, que julgava «evocada dos Nibelungen21» (?, p.105).

Como quase em todas as histórias de Teixeira-Gomes, também naquelas escolhidas por mim aparecem dentro das descrições frequentamente os símiles. Aqui há alguns exemplos extraídos da novela ?: «olhos brilhavam como estrelas22…os seios disparavam, como duas cidras (p.105)…rociada como rosa de Abril (p.108)». A abundância de adjectivos e a alteração das metáforas e deste tipo de símiles anima a narração e permite-nos ver não só como as personagens realmente são, mas também o modo como o narrador subjectivamente as vê.

Verdadeiramente notável é o significado dos nomes nestas histórias de amor, pois desempenham um papel surpreendentemente importante. Como já foi mencionado, duas das quatro novelas (Margareta e Cordélia) são nomeadas segundo as principais personagens do sexo feminino. O primeiro nome o narrador acidentalmente adivinha graças ao altar de Santa Margarida, onde a menina vem rezar durante o primeiro encontro do narrador com ela na catedral. Há uma semelhança com a flor (Margarida), que pode simbolizar a pureza. E também possível isolar, «a partir dos grafemas, simbolizações como a de gare (passagem, viagem, em íntimo relação com a sintagmática narrativa), (a)marga (a estória desfecha em desencanto e tristeza)»23. O importância do nome de Cordélia será explicado mais tarde.

A última novela, O sítio da mulher morta, trabalha com dois nomes para uma personagem, e é uma grande coincidência que uma garota originalmente chamada Júlia,

20 «Uma das personagens chave da mitologia germânica e de que a mais antiga referência poderá datar do século XI detectando-se, desde logo, uma ligação ao ciclo lendário das Canções dos Nibelungos…a virgem pura defendida por um escudo de chamas impenetrável e cujo destino será de pertencer a um herói predestinado.» Citado de CARVALHÃO BUESCO, Helena ; FERREIRA, Vitor Wladimiro ; TAVARES RODRIGUES, Urbano. Notas. In TEIXEIRA GOMES, Manuel. Novelas Eróticas: p. 160.

21 «Na mitologia germânica dá-se o nome de Nibelungos a todos os possuidores de um tesouro que carregam em si uma maldição, temática, aliás, frequente nas literaturas germânica e nórdica.» Ibidem: p.161

22 No conto "Margareta", por seu turno, Teixeira-Gomes compara olhos a «dois céus». (M., p.82)

23 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo. p.211.

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renomeada agora Marta para escapar ao seu passado, é quase idêntica a um amor antigo do narrador com o mesmo nome. Na opinião do narrador, as duas meninas parecem tão semelhantes que por um momento acredita que sejam a mesma pessoa. Esta coincidência unifica ambos os protagonistas, porque têm uma estranha sensação de que tenham vivido juntos no passado, apesar de perceberem que é somente uma ilusão. O nome até tem influência sobre o comportamento da menina; se o narrador usar o nome de Júlia falando-lhe, essa começa a tutear-lhe. No caso contrário, usa sempre o tratamento «vossa excelência».24

No nome novo da menina, Marta, vê-se o «monossílabo mar (conotado com a origem, com a cópula, com o regresso à mãe natura)»25 e a palavra morte, significando que é, mesmo como Margareta, um nome falante.

O sítio da mulher morta é excepção especial, quanto à descrição das mulheres deificadas. Embora esta história seja a mais longa de todas as selecionadas, descrições do parecer de Julia/Marta simplesmente não há. Há apenas referências ao fato de que é uma «lindíssima rapariga», afirmação que poderia ser usada em relação a todas as mulheres significantes nas novelas. A definição metafórica de «pérola» e repetida várias vezes, mas não diretamente em relação à sua beleza; neste caso a palavra é apropriamente usada como sinónimo de raridade. No primeiro encontro, o autor expressa que a menina parecia ser uma «visão sobrenatural», mas nem aqui o termo é usado para explicar aparência; o que leve o narrador a utilizar estas palavras é na realidade a semelhança entre a Júlia e a quase-amante dele, perdida há muito tempo. A única informação sobre as propriedades físicas da Júlia, ou Marta, se quiserem, nos é paradoxalmente fornecida apenas em conjunto com o estado psicológico momentâneo dela:

«Branca de cera; olheiras e lábios roxos; as mãos geladas, e porventura mais encantadora do que nunca.» (S.M.M., p.138)

Esta falta de detalhes físicos na novela poderia ser explicada pelo facto de que o autor considerou essas informações irrelevantes para a essência da história, a qual é tão sólida e emocionante que os pormenores do corpo feminino não a enriqueceriam.

24 TEIXEIRA-GOMES, Manuel. O Sítio da Mulher Morta (a seguir abreviada em S.M.M.). In TEIXEIRA- GOMES, Manuel. Novelas Eróticas: p.131.

25 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo: p.212.

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5.2 O comportamento das adoradas

As mulheres nas novelas selecionadas são muito bem conscientes do efeito que as armas femininas, especialmente o olhar (mencionado várias vezes em cada novela), podem ter sobre os homens, inclusive o narrador. Ele deseja decifrar no olhar a simpatia e talvez até uma paixão. O contato com os olhos é frequentemente a forma principal de comunicação entre os protagonistas. No caso das meninas nas outras novelas estes gestos servem para desenvolver o relacionamento, mas no conto ? a relacão entre o homem e a mulher realmente quase nunca excede a observação e a procura mútua de olhares26.

Para caracterizar Margareta e Júlia/Marta a palavra-chave é brincadeira. As meninas sabem muito bem que o narrador gosta delas e sentem satisfação em provocá-lo. Margareta lhe escreve uma mensagem numa folha de camélia, e com uma crueldade inocente a esconde numa pilha de outras folhas caídas, deixando o narrador sozinho para buscá-la. A Júlia/Marta, por outro lado, percebe que tem uma bela figura que atrai homens e, por isso, gosta de passear nua no quarto do seu amante diante dum espelho enorme. Quando viu, ainda vestida, a sua imagem no espelho pela primeira vez, perguntou-lhe: «E que eu sou realmente bonita, não é verdade ?...» (S.M.M., p.128)

No caso da formosa desconhecida em ? o narrador tem somente a oportunidade de suspeitar uma provocação:

«Conheço a cruel artimanha, de que a experiência da vida me deu já tantos exemplos, com essas mulheres de acaso que, sentindo-se desejadas, adoradas, correspondem sem pejo aos olhares gulosos de quem sabem ou supõem que vai partir e nunca mais se encontrará, só pelo prazer de lhe envenenar a existência.» (?, p.108)

Outra característica comum do comportamento das personagens femininas é o facto de que todas reiteram, se não mesmo o amor do narrador, pelo menos o seu interesse. Ou diretamente procuram a companhia dele, ou tentam mostrar-lhe que os seus esforços a tomar intimidade não são desagradáveis. Por exemplo, Margareta lembra-se do narrador durante o encontro na catedral, bem como ele se lembra dela, apesar de se tiverem visto apenas por um momento.

26 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo: p.91.

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Embora o interesse no caso de Margareta seja bilateral, ela recorre a mentiras para não zangar o pai, que tem uma aversão ao jovem:

«— Porque não dançou mais comigo —? Perguntei por fim em tom doído. Hesitação. Sentia-me cansada… — e logo: — o senhor já esteve em Buenos Aires?―» (M., p.84)

O traço que Margareta e Cordélia têm em comum é uma espécie de bonomia e ingenuidade que caracteriza meninas jovens ainda não marcadas pelos desastres de vida. Margareta é por cima fortemente religiosa, julgando pela forma como o narrador descreve o seu comportamento natural e ao mesmo tempo respeitoso, enquanto está na catedral. Ela é tímida e simultaneamente infantil, porque rindo ouve secretamente com as irmãs a conversa do narrador com um outro homem sobre a sua beleza. Tem confiança invulgarmente elevada numa pessoa praticamente desconhecida e, portanto, acredita que o narrador não é quem o seu pai acha. A diferença fundamental entre Margareta e Cordélia é que a segunda não parece tão tímida. Na novela, Cordélia e o narrador beijam-se várias vezes (no caso de Margareta, o mesmo acontece apenas uma vez, durante a despedida), e se a companheira de Cordélia não os tivesse perturbado à noite, provavelmente teriam estabelecido relações sexuais.

É importante perceber que os homens nas histórias exageram, embelezando e até insinuando o interesse das meninas. Este facto não pode ser verificado, visto que as histórias são contadas apenas a partir da perspectiva do homem, mas seria interessante se pudéssemos ter acesso aos pensamentos das personagens femininas e, assim, obter a imagem precisa sobre o grau em que uma obsessão amorosa pode obscurecer a razão e desafiar a percepção objectiva de comportamento.

A respeito de comportamento, amiúde nos contos fala-se do desmaio das meninas. Repare-se nos seguintes exemplos:

Margareta: «Margareta cerra os olhos e inclina a cabeça, com todo o jeito de quem desmaia…» (p.87, sublinhado meu) Cordélia: «…mas pressinto que se lhe tocasse no seio desmaiava…» (p.97, sublinhado meu) ?: «Ela solta um profundíssimo suspiro, beija-me e… desmaia.» (p.109, sublinhado meu) 19

A razão para o uso recorrente deste motivo de desmaios poderia ser para destacar a fragilidade e majestade das mulheres (desmaiar faz parte das maneiras aristocráticas), expressando ao mesmo tempo o nível de emoções que o narrador provoca nos objetos do seu amor. Infelizmente, há poucas informações sobre o estado emocional das mulheres no contos, ao contrário do estado do homem, como se verá em detalhes no capítulo sobre os sentimentos do narrador para com as mulheres.

Teixeira-Gomes principalmente retrata as meninas como criaturas decentes, delicadas, bem educadas e sorridentes. A única dica de característica negativa, um dos sete pecados, aparece na história ?:

«…sorri com um sorriso de parada, disfarçando o pensamento que roda não se sabe por onde; sorri lá do outro mundo, como deusa que é; mas por vezes endurecem-se-lhe as feições, numa expressão de orgulho, fugaz como um relâmpago…» (?, p.106)

Qualquer comportamento desta mulher tem um toque de poder e soberania, que naturalmente falta nas outras meninas (embora Margareta seja duma família rica, não possui uma posição comparável àquela da deusa loira). A mulher do conto ? move-se «lentamente» (esta palavra refere a superioridade dela); o narrador também utiliza para descrever o seu comportamento palavras como «surgir», «aparecer» e a antítese «desaparecer», para indicar que esta criatura é dum outro mundo, talvez um fantasma, cuja presença agita todos os homens presentes a bordo do Tchikachoff.

No entanto, a vigilância implacável do narrador aparentemente perturba a mulher sem nome; até o interminável sorriso lhe desparece dos lábios por um tempo e é forçada a largar a máscara da hipocrisia. O homem claramente nota esta mudança de expressão e sente-se contente que possa influenciar a sua disposição. Deriva deste comportamento que ela não é indiferente perante a admiração dele.

Se na história ? se fala sobre a característica negativa do sujeito amoroso, no conto O sítio da mulher morta por outro lado ouvimos da boca do velho Sagreira falsos rumores sobre o comportamento da personagen principal feminina. Segundo ele, Júlia/Marta «a todos tratava como se fosse ela a rainha» (S.M.M., p.123); uma afirmação que algumas páginas depois contradiz tanto a própria menina como a sua nova amiga Emília: «Ela é uma rapariga muito fina e também muito dada; já me parece que somos como irmãs» (p.130). Júlia/Marta esconde-se do seu passado questionável de prostituta e tenta cancelá-lo mediante a mudança 20

de nome. Este facto a distingue das outras mulheres, do passado das quais não sabemos nada (Júlia/Marta é sem důvida a personagem feminina mais elaborada de todas). Afinal, algo da sua antiga entidade se reflete no comportamento actual:

«No acesso de embriaguez que me tomara eu só pensava em satisfazer os sentidos, e cheguei ao final da minha desvairada investida sem quase me aperceber da silenciosa passividade daquela mulher, que se me não repelia tão- pouco me retribuía as carícias, ou dava a menor mostra de as apreciar ou saborear.27» (S.M.M., p.125-126)

Cordelia é única no sentido que é somente ela, que num certo ponto assume a iniciativa em relação ao narrador28 («A mão puxa por mim» (C., p.97)); as outras mulheres sempre esperando por ele fazer o protagonista da primeira etapa e deixá-lo levar.

A última característica comum de todas as «heroínas» é uma espécie de rebelião, uma vontade de entabular namoro com o narrador a despeito de comandos e proibições, do risco de passar vergonha ou até da morte iminente. Este caso de amor é mais perigoso para as mulheres do que para os homens, que, em muitos casos, não têm muito a perder. Margareta perde as boas graças do pai (porque recusa sentar-se durante o jantar num lugar donde não conseguiria ver o narrador), Cordélia corre o risco de alimentar a ira da companheira, na história ? a desconhecida indigna a sua escolta, e Júlia/Marta sabe que se o namorado descobrir que ela é infiel, matará-a e, provavelmente, também o amante dela.

27 Se a Júlia/Marta não gostava das intimidades do narrador, porque simplesmente não o empurrou como o faria qualquer outra mulher na mesma situação? Poderia ser que ela não resistiu porque o narrador era o seu chefe? Se calhar a sua submissão é um eco dos tempos antigos, quando deixava homens fazer com ela o que queriam sem resistir, porque era o seu trabalho. O narrador pôde evocar a lembrança dessas experiências quando usou o nome original da menina; nome que ninguém usa mais.

28 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo: p.84.

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5.3 As circunstâncias do encontro

O motivo que liga todas as histórias seleccionadas é o inesperado. O encontro do protagonista com a sua mulher fatal é sempre um acontecimento agradável e surpreendente para ele. Margareta entra na sua vida como uma tempestade, quando de repente corre juntamente com as suas irmãs e amigas dentro da catedral e distrai o narrador durante a oração. O encontro num sítio religioso e o vestido branco da Margareta são duas coisas que potenciam a sua imagem angelical, e a entrada dela na vida do narrador é semelhante à revelação dum ser sagrado, repentina e inesperada.

Se não tivesse visto a Cordélia, o narrador-protagonista provavelmente teria deixado o convés do questionável Arno e teria esperado para um meio de transporte mais digno, um tal que não estaria cheio de refugiados e indivíduos da classe mais baixa. Na verdade, quase se desencontra com a Cordélia; o narrador a avista por acaso (e, outra vez, totalmente inesperadamente, porque ela absolutamente não se encaixa no cenário do navio desbotado e de passageiros sujos) quando está a procurar decididamente algum bote para poder abandonar o navio. Aparece aqui, portanto, um outro motivo: a fatalidade. A coincidência que leva ao encontro é tão óbvia que apesar de não surpreender o narrador (presumivelmente acredita no amor fatal e essas circunstâncias lhe parecem normais), o leitor nota-a bem. A aproximação é facilitada também pelo facto de que Cordélia e o narrador ambos pertencem à categoria de passageiros "melhores" do navio, e é, portanto, mais provável que entrem em contacto (por exemplo, apenas cinco pessoas vêm as refeições e num grupo tão pequeno é muito mais fácil entabular amizade).

Outro exemplo de predestinação: é uma grande coincidência que um homem encontre a jovem e bela rapariga Margareta na catedral, e embora ele seja convencido de que era apenas uma experiência efémera, o destino traz ambos no mesmo cruzeiro. O encontro na catedral facilitou a aproximação subsequente porque os dois tiveram a oportunidade de estabelecer o primeiro contacto isolados dos elementos perturbadores que existem a bordo (se não houvesse este episódio, talvez a Margareta e o narrador nunca teriam a possibilidade de criar um relacionamento entre eles).

No caso de Júlia/Marta parece que o elemento de surpresa falta, porque é a única das mulheres, da existência da qual o narrador sabe de antemão, e, graças a inúmeras alusões dos

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outros à sua beleza, pelo contrário, tensamente espera o momento no qual terá a oportunidade de ver a menina com os próprios olhos e verificar se o que todos disseram sobre ela era verdadeiro. Enfim o encontro acontece repentinamente (e é novamente inesperado) quando Júlia/Marta bate na porta de seu escritório. O choque maior, porém, é aquela já mencionada semelhança (que seria novamente fatal?) com a Júlia antiga, e o regresso inesperado ao passado supera a supresa que todos as outros encontros causam.

Um símbolo recorrente nas novelas, e não apenas durante os encontros, são as flores, que desde sempre eram associadas à graciosidade, à fragilidade e à formosura das mulheres. Margareta e Cordélia ambas têm um ramo de flores quando o narrador as vê pela primeira vez, a primeira menina as traz nas mãos e a segunda no regaço. A Margareta também utiliza a folha duma flor para perpetuar a lembrança dum momento romântico:

«Achei a folha; nada diz mas basta para me transportar ao sétimo céu do embevecimento. Ainda hoje a conservo e, coisa curiosíssima, lêem-se-lhe as palavras tão distintamente como na hora em que foram escritas: Nel Orione, 18 de Abril – Margareta.» (M., p.85)

É realmente estranho que a mensagem esrita sobre a folha tenha ficado visível tanto tempo, desde que as flores, especialmente aquelas de corte, representem instabilidade e beleza fugaz, e por isso são o símbolo apropriado para expressar subtilmente a coloração e o processo dos episódios de amor entre o narrador e as mulheres.

Outro símbolo ligando todas as histórias, excepto O sítio da mulher morta, é o lugar onde se passam as histórias: o navio. O navio é o símbolo de descoberta, de novas experiências e caminhos. É exactamente a bordo onde o narrador descobre os seus objectos de amor; aqui experimenta com eles todo o relacionamento breve, desde as primeiras palavras, olhares tímidos e toques nervosos, até despedidas. O navio serve como uma representação metafórica dos protagonistas, vagando sozinho em alto-mar; às vezes lança ferro e permanece num lugar brevemente, depois parte repentinamente e segue o caminho da sua vida. De mesma maneira o narrador, durante as suas viagens, fica algum tempo nos braços de belas mulheres. Depois as perde e deve continuar a sua jornada sozinho. Cada uma dessas mulheres é um porto intermediário; porém o destino do navio é navegar pelos oceanos, mesmo como homens e mulheres são destinados a marinhar pela vida, às vezes remando contra a corrente e barlaventejando; mas há momentos em que conseguem descarregar vela e

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ancorar no abraço duma alma gêmea, pelo menos temporariamente. São momentos preciosos e mágicos.

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5.4 Os sentimentos do narrador para com as mulheres

O narrador-protagonista é essencialmente um voyeur29. Muitas vezes, o narrador prefere observar do que agir, e assim as histórias são mais informativas do que activas. Principalmente, durante o dia observa os seus objetos de amor, e quando nao está eles, imagina-las em várias situações, ou à noite sonha com eles. A história O sítio da mulher morta há até um voyeurismo duplo, cujo símbolo é um espelho30. O narrador segue Júlia/Marta, enquanto ela se observa no espelho núa.

Nas histórias existem dois símbolos que melhor descrevem os sentimentos do narrador, causados pelas personagens principais femininas das quatro novelas seleccionadas: são fogo e sangue31. Ambos exprimem animalidade e sexualidade. O segundo símbolo é manifestado na maioria das vezes em forma de vermelhidão da face, em ambos os sexos. O fogo é usado no contexto da conflagração amorosa (arder) e também em momentos febris (a palavra febre ocorre frequentemente em várias partes de discurso). Este elemento tem a missão de expressar a intensidade e a força dos sentimentos do homem, que o obrigam a pensar constantemente na mulher. Em alguns casos até contempla como poderia ser o futuro ao lado dela. Além disso, o narrador nem consegue imaginar que possa perder a mulher; sente que foram criados um para o outro32:

«Cai a noite; os nossos lábios unem-se, e eu pasmo de que se possam separar, de que se não soldem…» (C., p.97) Pode-se dizer que o narrador se torna obcecado pelo seu objecto de amor, o qual segue e observa constantemente, porque o atrai e excita tanto que sente uma necessidade incrível de saciar o seu desejo físico. Este facto é um pouco especial, porque o amor físico e o espiritual, com o qual o narrador diz ser aflito, são geralmente entendidos como contraditórios. Portanto, é possível que o jovem (para quem o amor físico é muito importante, se calhar até o elemento mais importante duma relação) confunde o amor com a concupiscência? As novelas de Teixeira-Gomes estão cheias de erotismo e parece que o personagem masculino presente

29 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo: p.59, 135.

30 Ibidem: p.173.

31 Ibidem: p. 243 – 244.

32 Novamente ocorre aqui o motivo de fatalidade.

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nelas está quase exclusivamente direcionado para a satisfação física. Não se pode falar de busca da alma gêmea, sem dúvida, dada a brevidade dos cruzeiros durante os quais os protagonistas não têm a oportunidade de se conhecerem mais profundamente. A excepção positiva pode ser a Júlia/Marta; neste caso o narrador experimenta um relacionamento relativamente longo, que parece ser também sincero e amoroso de sua parte. O problema aqui é que ao leitor não está totalmente claro se o narrador realmente ama a Júlia actual, ou se é mais apaixonado pela semelhança entre o presente e o passado.

Algumas palavras típicas usadas por Teixeira-Gomes para expressar a intensidade da emoção são verbos como exultar ou estremecer, adjetivos como ávido e desejoso e o advérbio sofregamente. A mulher torna-se o centro do seu universo, e o resto fica irrelevante. Por exemplo, em Margareta, o narrador originalmente decidiu viajar para conhecer as belezas de países estrangeiros, mas enquanto espera para o próximo encontro com a sua querida move-se de uma cidade para outra com o único propósito de passar tempo, porque está convencido que não aguentaria esperar num só lugar. Em Cordélia, o jovem não consegue desfrutar da viajem porque constantemente pensa em Cordélia e tudo lembra-lha. Quase nem nota os dos monumentos, que era tão ansioso para ver. Só deseja estar novamente com a sua dançarina. Não se pode dizer que o amor transformou o narrador numa pessoa melhor, como sucede frequentemente na literatura. Muito pelo contrário:

«Os jornais da terra anunciam uma série de catástrofes, onde figura um pavoroso incêndio; que diabo me importa a mim que o mundo arda! Porém o mais escandaloso foi a indiferença – quase irritação – com que li no Petit Journal a notícia do suicídio do meu amigo Marechal… - Podia muito bem ter- se matado noutra ocasião – foi a oração fúnebre que lhe rezei…» (C., p.98)

Neste trecho da novela Cordélia vê-se bem quão egoístico e insensível o narrador se tornou graças ao seu «amor» e à sua impaciência. É irónico que ele despreza o fogo e mais tarde descobre que foi exatamente este fogo que matou a razão pela qual se comportava desta maneira injusta.

Há muitos exemplos de ironia nas histórias, e embora não sejam cruciais para a análise das mulheres, menciono mais um exemplo de interesse: em O Sítio da mulher morta, o namorado de Júlia/Marta diz ao narrador no início do caso de amor secreto: «Considere-a33

33 Fala-se de Júlia/Marta.

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Vossa Excelência como criada sua» (S.M.M., p.130). Se ele soubesse que o narrador o levará literalmente e a terá como amante!

Um motivo importante é o sono em todas as suas formas. Por exemplo, a insónia é um sintoma do amor do narrador («... acordei, após várias horas de vigília, cortada de fantasias paradisíacas e pesadelos infernais» (M., p87)) e a sua reacção é muitas vezes vista como o sonambulismo (também a partir da perspectiva dos outros):

O sítio da mulher morta: «Minha mulher, que durante o almoço não conseguira tirar-me da modorra em que caíra (mal respondia por monossílabos às suas insistentes perguntas), aconselhou-me a que chamasse o médico: eu parecia sonâmbulo e devia estar seriamente doente.» (S.M.M., p.128, sublinhado meu) ?: «Subo ao tombadilho, gratifico o criado, embarco no bote onde me espera a bagagem, tudo maquinalmente, como se estivesse sonâmbulo.» (?, p.109, sublinhado meu)

Este estado é uma espécie de delírio; a palavra frequentemente usada é «embevecimento» e os seus sinónimos. A obsessão do narrador com uma mulher poderia ser comparada com a dependência duma droga As mulheres representam esta substância viciante a que o protagonista rapidamente criou uma dependência e por isso sofre sintomas de abstinência como qualquer outro adicto. E esta droga também causa um estado similar a loucura. Outro tipo de emoção que o narrador experimenta é a urgência: a aproximação à mulher deve ser rápida, porque as condições não permitem que os protagonistas percam tempo. Esse afogadilho, embora presente em todas as histórias, é mais evidente naquela entitulada ?, porque o homem sabe que, depois de deixar o navio, nunca mais verá a mulher. A situação em Margareta e Cordélia é um bocado diferente, porque aqui o narrador contou com o facto que novamente encontrará as meninas no futuro, e, portanto, represa a sua impulsividade. No caso de Margareta e Cordélia também o narrador sente uma estranha afeição associada com ideias de juventude34:

Margareta: «Ela era uma dessas figuras, por assim dizer secreta e zelosamente idealizadas e esperadas na mocidade, anos a fio, que, encontradas, a alma só trabalha e anseia por cativar.» (p.82)

34 Porém não é a mesma situação como no caso de Júlia/Marta, porque naquele caso trata-se duma lembrança verdadeira, mesmo que duma outra pessoa.

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Cordélia: «O prestígio que desde moço pequeno atribuí às bailarinas ateia o amor que começa…» (p.96) Ambos os casos são exemplos de um fenômeno chamado a triangulação de desejo35 e é apropriado mencioná-lo neste capítulo, porque aparece em todas as histórias seleccionadas. Nestas passagens, o narrador não é tão deslumbrado com as meninas como com o facto de que elas se assemelham a uma espécie de sonho ou noção, que tem sobre as mulheres, ou, respectivamente, as dançarinas. Se estas mulheres não levassem a essa associação, não fariam tal impressão sobre o autor. Na Cordélia há mais um caso desta triangulação: viajando, o narrador encontra outra dançarina, uma «voltigeuese» (C., p.98), que o faz lembrar novamente dos sentimentos da infânçia, e também da Cordélia, que, portanto, fica ainda mais ansioso para rever36.

Em O sítio da mulher morta a triangulação de desejo é talvez mais aparente. Como já foi mencionado, nesta novela o narrador provavelmente está a compensar pela perda dum amor na sua juventude através da relação corrente. Finalmente, na história ? a triangulação de desejo também está presente, embora não seja duma maneira tão clara à primeira vista. Aqui o narrador quer a misteriosa mulher nem porque a desejaria tão incrivelmente, mas porque o que o atrai é «a conquista». Esta mulher é inacessível, e se o narrador fosse capaz de obtê-la (afinal ocorre quase uma violação37), a experiência aumentaria a sua confiança e alimentaria o seu ego. Esta forma de triangulação realmente se aplica a todas as mulheres.38

Em todos os casos, a relação com a menina marca o narrador significativamente e a lembrança que lhe fica para o resto de sua vida é, infelizmente, predominantemente agro- doce.39 Quando se trata das mulheres nos contos ? e O sítio da mulher morta, o narrador sente-se confuso. No caso de O sítio da mulher morta a confusão, como já foi mencionado, é

35 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo: p. 83.

36 Ibidem: p.84.

37 Ibidem: p.114.

38 Ibidem: p.149.

39 TEIXEIRA DOS SANTOS, Carla. O discursivo argumentativo em algumas novelas de Manuel Teixeira- Gomes [online]. 2007 [cit. 2011-08-14. ]Disponível online:

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devida à segunda Júlia, que já figurou uma vez na vida do narrador. Em ? a confusão quase afoga qualquer outra emoção. O leitor está ciente da luxúria ardente que o homem sente, contudo esta é completamente ofuscada até a metade da história pelo desejo do narrador de ganhar pelo menos algumas informações básicas sobre a mulher. E a ignorância alimenta a sua paixão, até que entra num estado de delírio e não é mais capaz de controlar-se:

«Como um louco, desvairado, vou para ela, tomo-a nos braços, deito-a sobre o divã; as minhas mãos sôfregas percorrem-lhe o corpo, os meus lábios ardentes desalteram-se na fonte clara dos seus cabelos, no perfume dos seus olhos, no sumo da sua boca, e param um instante no seu pescoço com um tão violento beijo de vampiro que ela recua e parece querer fugir. Mas eu tenho-a bem presa nos braços que são de ferro. Mordo-a na boca que se abre e cede como um fruto maduro; mordo-a brutalmente e chupo-lhe os dentes como se fosse bagos de laranja.» (?, p.109)

Após este incidente, o narrador percebe que agiu como um animal selvagem, tem vergonha do seu comportamento e quase nem consegue olhar nos olhos da mulher quando sai do barco. É uma desgraça para ele que se comportou tão impulsivamente, que os seus instintos e emoções o superaram e não conseguiu lutar contra eles com dignidade.

Impulsividade, no entanto, não caracteriza o narrador em todas as histórias analizadas. Por exemplo, em Margareta o narrador tem suficiente bom senso para não provocar desnecessariamente a família de Margareta, e por isso tenta evitá-los até o fim do cruzeiro, porque sabe (ou pelo menos o pensa) que dentro de algumas semanas encontrará Margareta outra vez. O amor de tal maneira enche o homem em O sítio da mulher morta que nem sente vergonha de estar traindo a sua esposa (da narrativa, entretanto, se pode assumir que esta não seja a primeira amante do narrador, e que o narrador vive junto com a sua mulher, mas cada um deles tem a sua própria vida). Contudo, o narrador percebe, embora seja cego de amor, o perigo que o ameaça a ele e a sua amada, se não mantiverem a sua relação suficientemente secreta da parte de José Cravo. Júlia/Marta, infelizmente, não tem a mesmo racionalidade; ao início, tenta não ser visto quando vem para o escritório de seu amante, mas com o tempo essas medidas deixa de observar estas medidas e é punida pela imprudência com a morte.

Repare-se na passagem anterior numa série de referências a frutos40; é um manifesto de como o narrador vê as mulheres (há descrições comparando o corpo feminino com frutos

40 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo: p. 233.

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suculentos também nas outras novelas). As mulheres são para ele o fruto proibido, algo que não pode ou não deve ter, mas o que é tão delicioso que ele simplesmente não pode resistir.

Apenas quando se trata de Júlia/Marta o narrador sente medo de poder perder a sua querida. Obviamente, isso é devido ao facto de que apenas nestes casos existe o perigo iminente. Assim o leitor vê também o lado escuro de amor:

«Espantosa, horrível, essa noite que me pareceu infindável, da qual me não posso lembrar sem pavor. E não enlouqueci. Porém duvido que haja nervos que resistam a duas noites como essa.» (S.M.M., p.141)

Embora o principal objecto principal de interesse do narrador seja uma mulher, em ? há uma cena que inclui uma significativa sugestão de homossexualidade do lado do narrador:

«Para complicar a situação, a atmosfera de sensualidade intensifica-se com a presença de um marujo que, eu já notara de dia, adolescente de expressão felina, imberbe, com a boca de delicado recorte (cujas comissuras comprime sem descanso) se cruza comigo centenas de vezes, na estreita passagem entre a amurada e a parede do salão. O seu olhar fosforece, provoca-me, persegue-me, acaricia-me…» (?, p.107)

As emoções sexuais que a mulher provocou no narrador são tão intensas que ele já quase deixou de distinguir entre o sexo feminino e masculino41 (isto também pode ser causado pela multidão de homens e pela ausência de outras mulheres a bordo do Tchikachoff) e percebe a sexualidade do mesmo sexo muito mais pronunciadamente, especialmente se um homem tem características e comportamento de mulher. Esta situação mostra quão desesperado é o desejo do narrador.

O narrador mostra uma espécie de egoísmo; o mais importante para ele é a própria felicidade. É evidente, por exemplo, na conclusão da novela ?, quando o narrador se lança por a mulher e começa a beijá-la brutalmente, sem interesse sobre se a mulher o quer e se a conduta dele não lhe está a causar dor. A filáucia, ou melhor, uma espécie de ignorância, é reflectida nas histórias visto que o narrador se concentra apenas nas questões do seu amor; o contexto histórico e social não é importante para ele no caso destas novelas, como admite depois de um esboço rápido da complexa e turbulente situação na Barcelona destes tempos:

41 Aqui aparece na história ? outra referência à mitologia. O dissolver das fronteiras entre a masculinidade e a feminilidade lembra os seres andróginos da mitologia grega. Nestas figuras o sexo masculino e feminino eram eidos. O Zeus decidiu enfraquecê-los, porque eram demasiado fortes, e, portanto, cortou cada andrógino em duas metades que desde então se têm sido constantemente procurado.

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«Mas a pintura desse quadro (diversão a que devo renunciar, por grande que seja a tentação de a fazer) não tem oportunidade neste relato, ao qual o desejo dar o carácter de simplicidade máxima, em sem atavios e traçadas rapidamente.» (C., p.94) Talvez apenas em O sítio da mulher morta o narrador delinea a situação na sua propriedade no Algarve, mas só para introduzir o personagem de José Crave, que é indispensável para a história de amor.

Finalmente, é necessário mencionar a nostalgia e tristeza que o narrador de cada história emana. Muito bem exprime-o Urbano Tavares Rodrigues no prefácio da terceira edição de Novelas Eróticas:

«Os vários narradores têm muito a ver com o autor, com o seu deslumbrado amor à arte e à mulher: mostram-no no cedo da vida, ainda com gestos incautos, com sonhos que o desencanto não mordeu — olhado sempre do alto e triste promontório da velhice. É essa intercadência subtil de dois narradores num só narrador — o do outrora, o do agora — que dá às Novelas Eróticas um certo travo de repousada e lúcida melancolia.»42

42 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Prefácio. In TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas: p.8.

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5.5 A evolução e o fim das relações

Para resumir o desenvolvimento do romance entre o narrador e as mulheres nas novelas de Teixeira-Gomes é importante nomear os seguintes elementos: 1. o desenvolvimento é rápido, devido principalmente ao facto de que o homem não é em nenhum caso recusado pela mulher; pelo contrário, é geralmente incitado, pelo comportamento das meninas, a continuar o namoro, o que lhe dá coragem e amplia a dinâmica do relacionamento; 2. a experiência das aventuras amorosas é agravada por causa da duração limitada da relação, da qual os protagonistas estão muito bem conscientes (além da situação na história O sítio da mulher morta, onde os protagonistas, enquanto apressando inevitavelmente a perdição, não estão cientes disso).

Para além da falta de tempo e da duração limitada, outro factor que aumenta a intensidade das emoções nesses relacionamentos é a ocultação do romance, comum a todas as novelas. Seja por causa do pai tendencioso (Margareta), a companheira cuidadosa (Cordélia), a comitiva alerta (?) ou um namorado ciumento (O sítio da mulher morta), o narrador e a mulher sempre têm uma razão para esconder o seu relacionamento dos outros e encontrar-se secretamente. É esta essência da proibição que fornece às relações um «sumo» e dá ao narrador o sentido de nunca ter experienciado emoções tão fortes na vida. Mas tais relações que rapidamente irrompem em chamas com um calor escaldante, muito rapidamente se consomem e ainda mais rapidamente se extinguem.

Isto leva ao conhecimento que Teixeira-Gomes definitivamente não é um daqueles autores que teria a necessidade de terminar as suas histórias com um alambicado e doce happy-end; pelo contrário. Em todos os casos, o narrador perde a mulher dos seus sonhos: em duas histórias (? e Margareta) ele simplesmente nunca mais vê a mulher, e nas restantes é a morte que lhe rouba as meninas (Cordélia e O sítio da mulher morta).43

No caso de Margareta e Cordélia, novelas que são estruturalmente mais parecidas, aparece a fórmula de espera-desapontamento, quando o narrador chega quase até a sua meta (conquistar completamente as mulheres), mas esta meta sempre lhe escapa. Na história Margareta, este facto gera um grande e profundo pesar no narrador:

43 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo: p. 262.

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«Esperaria ela que eu a fosse buscar à América? Isso era, precisamente, o que teria feito… se pudesse. Pobre Margareta! e pobre de mim, que, sem culpa alguma, ainda hoje a sua lembrança me atormenta como um remorso…» (M., p.89)

Por que não poderia o homem ir para a América e encontrar a sua amada? Este facto inexplicado deixa a história aberta, e o leitor pode imaginar todas as possíveis razões pelas quais o narrador não pôde partir, embora muito queria. Há também a possibilidade de que as acusações do pai de Margareta serem em parte verdadeiras, o que torna a história ainda mais interessante.

A história de Cordélia termina de maneira muito diferente, porque nas últimas frases falta qualquer expressão de emoção pela perda da cobiçada. Aqui está o último parágrafo:

«Soube então que a bailarina fora uma das vítimas da catástrofe, e do seu lindo corpo torrescado só escapara, intacto, o braço direito, aquele mesmo que pendia nu, à beira da cama, quando eu entrei no camarote para a acordar44…» (C., p.99)

Qual é a razão para esta ausência de emoção, quando o resto da história é cheio dela, e quando as emoções do narrador são realmente o principal bloco de construção não só desta, mas de todas as quatro novelas seleccionadas? Poderia talvez ser explicado somente pelo facto de que o narrador passa por uma condição que muitas vezes acontece com as pessoas que experimentaram grande tragédia pessoal: a aridez emocional e o embotamento. O trágico acontecimento foi tão chocante e tão devastador que o narrador não tem força para expressar as suas emoções. Ele só consegue constatar secamente o que aconteceu com Cordélia como se nem tivesse nada a ver com ele.

Nas novelas Cordélia e O sítio da mulher morta existem brilhantes exemplos de anticipação. Ambos os exemplos se relacionam com a morte das mulheres: no caso de Cordélia é o nome shakespeariano que "vai-lhe a matar45" (C., p.96), segundo o narrador, e no caso de Júlia/Marta são as palavras de Sagreira: «meter Vossenhoria debaixo das suas telhas um assassino da força do Cravo» (S.M.M., p.121). Este não gosta do facto que o seu mestre quer empregar uma pessoa originalmente destinada a matá-lo, segundo a ordem dum outro

44 A imagem do braço direito de Cordelia, com o qual ela fez um gesto no escuro e que é a única coisa que sobrou do seu corpo após o incêndio, é um exemplo típico da fundação naturalista do autor.

45 Cordélia, na peça teatral ―King Lear‖ de Shakespeare, morre enforcada pelas suas irmãs.

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homem. Não faz ideia, claramente, que José Cravo não matará o narrador, mas a sua namorada infiel. Porém, em princípio, a estimativa do homem velho foi correcta.

Os obstáculos fazem parte de cada relacionamento nas histórias seleccionadas de Teixeira-Gomes. Na história ? há dois grandes estorvos. O primeiro é o séquito da bela mulher que fisicamente impede o narrador de aproximar-se mais perto dela. A segunda dificuldade é social; a mulher evidentemente pertence a uma camada completamente diferente de que o narrador e, portanto, torna-se inatingível para ele. Com a Cordélia o principal problema do relacionamento é a sua companheira, cujo papel na história é discutido em detalhes abaixo, no capítulo sobre personagens femininas secundárias. Em O sítio da mulher morta o maior obstáculo é, sem dúvida, o facto de que Júlia/Marta é comprometida. Embora Margareta seja solteira, tem um pai que, infelizmente, está convencido da má natureza do narrador, e, portanto, quer manter a sua filha longe dele. Ironicamente, o narrador achava que um grande obstáculo entre ele e Margareta poderia ser a fortuna dela, porque ele não é muito rico. No final, é precisamente esta perda de riqueza (problemas financeiros do pai de Margareta) que os separa para sempre. A distância entre eles é um obstáculo que nunca conseguirão superar.

Flores aparecem novamente como um símbolo na história O sítio da mulher morta, mas desta vez executam uma tarefa completamente diferente do que, por exemplo, em Margareta ou Cordélia. Neste caso realmente cumprem o papel oposto; não são uma expressão de transitoriedade e impermanência, mas sim uma celebração da vida e do renascimento em particular. Júlia/Marta ornamenta o escritório inteiro do narrador com flores antes da sua chegada para lhe indicar que ela está disposta a iniciar um caso de amor com ele. Esta aventura é realmente para ele um déjà vu, a ressurreição do antigo amor com outra mulher, muito semelhante à menina. E é a maia feita de flores para comemorar o primeiro de Maio, que recebe a bala destinada ao narrador e assim salva a sua vida. Mais curiosa e mais concisa ainda é a última ocorrência da simbologia de flores, no final da história:

«O lugar onde encontraram o cadáver passou a ser conhecido pelo «Sítio da mulher morta»; e o curioso é que, poucos dias depois, todo o terreiro estava coberto desses pequenos lírios roxos a que no Algarve chamam flores de Maio, e que era raro ver naquela região. Todos os anos o fenómeno se repete.» (S.M.M., p.141) Aqui as flores (desta vez não cortadas, mas aquelas selvagens) continuam a viver no lugar do amor perdido e o lembram para sempre. 34

5.6 O papel das personagens femininas secundárias

Como nas novelas não há muito espaço para incorporar elementos que não sejam essenciais para a trama, e como as novelas de Teixeira-Gomes não fogem a essa regra geral, nem aqui se encontram muitos personagens secundários. Eu decidi esboçá-los, mesmo que brevemente, porque a presença deles na história tem um papel claro e significante. Os personagens masculinos coadjuvantes são relativamente frequentes; cada novela excepto Cordélia (aqui há somente os homens com os quais os protagonistas jogam sete e mezzo46, mas estes mal falam) tem pelo menos um personagem secundário masculino. Por exemplo, em Margareta é o seu pai, ou o jovem com quem fala o narrador sobre a família argentina, na história ? é a comitiva da formosa sem nome comportando-se como um único homem, e continuamente servindo e defendendo a sua senhora. Finalmente, em O sítio da mulher morta, o personagem secundário mais importante é o enganado amante da Júlia/Marta, José Cravo. Outros incluem o maldisposto subordinado Sagreira e o detestável rival Ponciano, atuando como uma ameaça constante para o narrador e Júlia/Marta. A parcela feminina desses personagens secundários também tem o seu significado na história, é igualmente importante e interessante e, por isso, merece atenção.

Visto que a excepção confirma a regra, existe entre as novelas analisadas uma, na qual nenhum personagem secundário do sexo feminino aparece: o conto ?. Este facto, entretanto, tem o seu significado e pode-se supor que o autor estruturou a história desta forma de propósito. Ou verdadeiramente não há outra mulher a bordo o Tchikachoff, ou as outras mulheres ficam tão ofuscadas pela deusa exótica que o narrador inconscientemente nem nota a existência delas. Seja o que for a realidade, a ausência de outras mulheres dá à principal personagem feminina a oportunidade de se destacar, transformando-a numa raridade (o único membro do sexo oposto). Assinala ainda a sua importância e singularidade.

46 Sete e mezzo é «um jogo de cartas onde os jogadores devem tentar somar sete e meio com as cartas ou chegar o mais próximo, mas não ultrapassar esse valor. O número de jogadores varia de 2 a 10, mas se recomendam 5. É utilizado um baralho de 40 cartas, sem os coringas, e as cartas 8, 9 e 10.» Citado de WIKIPEDIA. Sete e meio [online]. 2011 [cit. 2011-08-08]. Disponível online: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Sete_e_meio >

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Um dos papéis principais que as personagens secundárias do sexo feminino realizam é o papel dos obstáculos na relação dos protagonistas. Em Cordélia este obstáculo é a mulher com quem viaja Cordélia:

«A senhora alta, que primeiro se levantou, é mulher dům oficial de marinha e regressa a Itália, após longo cruzeiro em navio de vela para fortalecer os pulmões…senhora de mais de quarenta anos, simpática, de aspecto padecente mas resignado, conserva traços de grande beleza; e amável, faz o possivel para nos pôr à vontade e recolhe cedo à cama.» (C., p.95-96)

Embora a companheira desde o início pareça ser uma senhora simpática, muda a sua abordagem quando percebe que entre Cordélia e o narrador floresce um romance que vai além do limite platônico:

«Desconfio que a ‚oficiala‗ não gosta da minha corte a Cordélia, ou pelo menos a faça tão descabelada na sua presença…» (C., p.96)

E é, finalmente, o despertar dela no camarote, onde os dois protagonistas estão secretamente a fazer carícias um ao outro, que impede que o narrador sacie o seu desejo incontrolável e faça amor com a dançarina. Naquele momento, no entanto, o narrador ainda não tem ideia de que nunca mais terá esta oportunidade.

Apesar de ser verdade que o principal obstáculo para o homem e a Margareta é o pai suspeitoso, a tarefa de entrave é executada também pelas irmãs dela, que funcionam na história como mensageiros do pai. Várias vezes acontece que os protagonistas são interrompidos no meio duma agradável conversa por uma das irmãs de Margareta e esta lhe comunica alguma mensagem em voz baixa (provavelmente que o pai deseja que Margareta termine relações com o jovem). Margareta sempre deixa imediatamente de conversar e vai-se embora. Assim, o aprofundamento do romance é novamente interrompido e atrasado.

A irmã de catorze anos também tem outra função na novela: ela é tão semelhante a sua irmã, que o narrador reconhece imediatamente que as duas meninas são parentes próximas e, assim, conhece com quem é que a Margareta viaja e isto permite-lhe entabular conversa com o pai, cuja suspeita surge mais tarde.

O facto de que o narrador imediatamente percebe esta semelhança relacional, mostra quanto a Margareta lhe ficou na memória; é capaz de recordar as suas feições em grande detalhe e compará-los com aquelas da menina, apesar de ter tido a oportunidade de ver

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Margareta apenas por um instante. A formosura dela teve um efeito grande sobre o homem e as suas feições foram cavadas profundamente na memória dele.

Naturalmente, há o maior número dos personagens secundários, tanto do sexo feminino como do masculino, na história mais longa: O sítio da mulher morta. A primeira delas é a há muito tempo enganada esposa grávida do narrador, que é um dos muitos obstáculos a essa relação secreta. A esposa do narrador provavelmente se teria tornado num problema muito maior se a história não tivesse terminado na morte da Júlia/Marta, mas como alternativa o caso de amor teria tido a chance de continuar a evoluir-se, já que a sua esposa deu à luz um filho.

A segunda personagem, que é a antítese de todos os obstáculos, é Emília, amiga de Júlia/Marta, que também trabalha, juntamente com o seu marido, pelo narrador. Imediatamente após a chegada de Júlia/Marta na fazenda as duas tornam-se amigas, e é óbvio que Emília favorece as reuniões do narrador e Júlia/Marta. É mesmo Emília que informa o narrador do facto que o seu escritório foi decorado com flores pela Júlia/Marta. O narrador interpreta desta informação que «a linda Júlia consente em continuar deliciosa e aventura começada no domingo» (S.M.M., p.130), e a relação começa a desenvolver-se.

Finalmente, não devemos esquecer a personagem mais influente da história, que, apesar de aparecer como uma mera memória, é responsável pelo facto de que o narrador se apaixona tanto da amante do seu subordinado. Falo da Júlia da juventude do narrador:

«Ela era o retrato vivo e exactíssimo de uma Júlia de quinze anos que eu, muito em rapaz no Porto, amara e desejara ardentemente, não lhe tendo alcançado as primícias porque ela me as recusasse, mas porque as circunstâncias o haviam impedido.» (S.M.M., p.126)

Teria sido a relação do narrador com esta menina tão intensa, se não lhe tivesse lembrado um amor antigo? Só se pode especular sobre a resposta a esta pergunta, mas a semelhança é tão grande que o narrador até considera a possibilidade que esta mulher é filha da outra.

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7. Conclusão

Chegou o tempo de resumir todas as informações contidas nesta tese, que espero ser interessante e útil para os leitores de Teixeira-Gomes, e expandirá os horizontes enquanto a interpretação e compreensão da obra deste escritor.

Um dos temas mais evidentes em todas as novelas é, como vimos, o desejo, em particular aquele que envolve homens e mulheres, e que é uma questão de instinto. Portanto, o narrador-protagonista experimenta a sua paixão com todos os seus sentidos. Sendo um observador eterno, a mais importante é para ele a visão; mas a audição, o olfacto, o gosto e o tacto também desempenham um papel de relevo. O narrador-protagonista menciona e destaca cada parte do corpo feminino que lhe agrada, e não importa se se trata duma voz aveludada ou dum busto cheio. Parece que o homem é quase incapaz de perceber a mulher como um todo, e tem a necessidade de focar os detalhes para não ficar completamente assombrado com o objeto da sua paixão, e para poder examinar adequadamente a imagem dela e guardá-la na memória para sempre.

No entanto, é verdade que o homem segundo Teixeira-Gomes é um observador, mas não realista, e, portanto, não pode ser objectivo. O narrador-protagonista tenta, através de vivas figuras de comparação, evocar emoções perdidas há muito tempo; realidades que se transformaram ao longo do tempo, e que provavelmente nenhum relato seja capaz de recriar fielmente. Note-se que há relativamente poucas descrições factitivas nas novelas em comparação com aquelas mais estilizadas que provocam vários tipos de associações ligadas ao erotismo.

Além disso, é curioso que o narrador escolhe formas diferentes de descrição em cada novela. Às vezes enfoca a aparência das damas e por vezes chama a nossa atenção para suas roupas e jóias. Também acontece que practicamente não há uma descrição do corpo feminino (como especialmente em O sítio da mulher morta). É possível que este fenómeno depende da disposição de um dado momento (o que novamente refere à subjectividade da representação das mulheres).

Quanto ao status social e à riqueza, as meninas são divididas em dois grupos: o primeiro, que inclui Cordélia e Júlia/Marta, é caracterizado por um nível social baixo e de pobreza, e o segundo une Margareta e a formosa princesa sem nome da novela ?. Isso não 38

significa que as mulheres, especialmente no segundo grupo, sejam iguais; entre elas ainda há uma grande diferença financeira, mas ambas são mais ricas de que o protagonista, e este sente-se ameaçado por este facto. No conto ?, a condição hierárquica e o código cultural na verdade nunca serão superados47.

É importante também perceber o ambiente narrativo em que estas mulheres existem. Novamente temos uma divisão em dois grupos. As duas primeiras mulheres, Margareta e Cordélia, figuram numa história aceitável para os leitores no conceito geral da realidade e, portanto, crível. No caso de Júlia/Marta há um elemento de irrealidade (a «sósia» do passado e a predestinação associada com ela). Isto eleva uma simples, embora muito bela, mulher ao status dum ser singular, romanticamente fantástico. No conto ?, o autor vai ainda mais longe e dá a toda a história e a todos os personagems que aparecem nela um toque de misticismo e de coloração mitológica.

O narrador está mais interessado na sua própria gratificação, outro facto sugerindo que não se apaixonou das mulheres; trata-se duma emoção muito mais inferior: a lascívia. Portanto, quanto mais profano e ousado é este sentimento, mais intenso se torna.

A importância das mulheres nas quatro novelas escolhidas de Teixeira-Gomes não reside tanto no facto de elas se tornarem o centro do universo do narrador-protagonista, e certamente não devemos entender estas histórias como um estudo de mulheres e relacionamentos. As mulheres são sim o meio através do qual o autor expressa o poder das emoções, o zelo da juventude, a ferocidade de luxúria e a imprevisibilidade do destino. Através da contemplação do corpo feminino, portanto, retrata-se a profundidade psicológica do homem com todas as suas emoções, paixões e fantasmas interiores.

47 TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo: p. 85.

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8. Bibliografia

Fontes Primárias

TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas. 3a ed. Lisboa : Bertrand Editora, 1989.

Fontes Secundárias

CARVALHÃO BUESCO, Helena ; FERREIRA, Vitor Wladimiro ; TAVARES RODRIGUES, Urbano. Notas. In TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas. 3a ed. Lisboa : Bertrand Editora, 1989. p. 151 - 161.

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PAIVA BOLÉO, Maria Luísa V. de. Manuel Teixeira-Gomes (1860-1941) [online]. 2010 [cit. 2011-06-29]. Disponível online:

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA PORTUGUESA. Teixeira-Gomes [online]. 2011 [cit. 2011-08-08]. Disponível online:

TAVARES RODRIGUES, Urbano. Manuel Teixeira-Gomes: O discurso do desejo. Lisboa : Edições 70, 1983.

TAVARES RODRIGUES, Urbano. Prefácio. In TEIXEIRA-GOMES, Manuel. Novelas Eróticas. 3a ed. Lisboa : Bertrand Editora, 1989. p. 7 - 9.

TEIXEIRA DOS SANTOS, Carla. O discursivo argumentativo em algumas novelas de Manuel Teixeira-Gomes [online]. 2007 [cit. 2011-08-14. ]Disponível online:

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WIKIPEDIA. Sete e meio [online]. 2011 [cit. 2011-08-08]. Disponível online: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Sete_e_meio >

Fontes de consulta

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JINDROVÁ, J. ; PASIENKA, A. : Portugalsko-český slovník. 1ª ed. Voznice: LEDA, 2005.

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